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Você mora onde?

Pessoas que vivem em municípios da Região Metropolitana de Curitiba enfrentam preconceitos em seu dia a dia

Carolina Silva Mildemberger, Mayara Nascimento, Silvia Yumiko Tokutsune e Vinicius Cordeiro

40 Revista CDM Jornalismo PUCPR crédito: Silvia Tokutsune

AGrande Curitiba é formada pela cidade em si, mais 29 municípios localizados ao seu redor. Apesar de serem cidades muito menores se comparadas à capital, são tão importantes quanto ela para alimentar a economia e o mercado de trabalho da região.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE), a taxa anual de crescimento da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) é de 3,02%, maior que a média dos demais centros urbanos do país, que é de 1,53%. Na estimativa feita na primeira década deste século, são 3.168.980 habitantes distribuídos em uma área de 15.419 km². Em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) da região foi de R$ 74,8 bilhões, o que representou aproximadamente 42% do total do estado.

Apesar de todos esses números, é muito comum de se ver preconceitos com relação à Região Metropolitana, e consequentemente, com seus moradores. Mas por que será que isso acontece? Segundo o professor de Ciências Sociais de PUCPR César Bueno, é uma questão de classe. “A gente poderia dizer que o centro de Curitiba tem medo da periferia, isso não há dúvida. Foi criada uma situação, um estigma, em que as questões de violência e os diferentes, os desordeiros, de um modo geral, estão preferencialmente localizados na periferia e não no centro da cidade.” Segundo Bueno, o espaço urbano foi fragmentado. Assim, a elite e a classe média se concentraram no centro da cidade, enquanto os trabalhadores e as pessoas com menor qualificação profissional ficaram ao redor.

A vida nas bordas

Rodrigo de Araujo Krieck, 22, é estudante de Direito e mora em Pinhais há três anos. Escolheu trabalhar por lá também, devido ao fácil acesso. “Não tenho nenhum tipo de dificuldade na minha locomoção. Até pelo contrário: os acessos são rápidos e o trânsito flui”, ele relata.

Rodrigo conta que nunca teve contato com o preconceito propriamente dito, mas que brincadeiras a respeito do nível de criminalidade da cidade e o fato de ser longe de tudo são corriqueiras. “Acho que tudo isso é uma falsa impressão causada pela mídia, que sempre coloca tudo de ruim em volta da Região Metropolitana, quando na verdade se tem isso em todo lugar. Por fim, eu moro em Pinhais há três anos e gosto muito. Tudo que preciso tenho aqui”, conclui.

Gabriel Eloi morou em Curitiba com os pais até os 10 anos, quando foram para São José dos Pinhais por questões financeiras. Após concluir o ensino médio em um colégio estadual e arranjar um emprego em Curitiba, a mobilidade na capital foi o grande problema. “A locomoção não é difícil, mas é mais demo

rada. O que dentro do centro de Curitiba iria levar de dez a 15 minutos, para mim demora cerca de 40 minutos, uma hora. Acordava mais cedo, precisava de mais de uma passagem.”

Hoje, aos 23 anos, o jornalista comprova que existe um preconceito e relata situações que já presenciou. “Na faculdade, eu ouvia piadas como ‘Você não mora, se esconde’. A minha casa é legal pra fazer churrasco, mas, quem vai querer ir até lá? Eu já vi gente da Região Metropolitana que sofre por causa disso, porque as pessoas acham que por você morar longe, não é bom o suficiente.”

Já Wesley Machado, 18 anos, não se vê longe de Colombo, mesmo tendo o trabalho de pegar mais de um ônibus e fazer uma viagem mais longa. “Quando eu vou para a faculdade, demoro cerca de uma hora, vou para Curitiba às 6 horas da manhã e pego dois ônibus”, relata. O estudante também enxerga um tipo de receio em relação à condição social das pessoas. “Grande parte desse receio, além de ser por onde a pessoa mora, também é pelo jeito que ela se veste. Conheço pessoas que sofreram por preconceito ao entrar em uma loja.Os vendedores analisam o vestuário e já olham torto.”

“Na faculdade, eu ouvia piadas como ‘Você não mora, se esconde’.” - Gabriel Eloi, jornalista. Guadalupe Gabriel e Wesley têm algo em comum. Os dois fazem parte do grupo de 70 mil pessoas que passam diariamente pelo Terminal Guadalupe, localizado na Rua João Negrão, no centro da da capital paranaense. O terminal é a principal ligação entre Curitiba e a Região Metropolitana. Nela, cerca de 50 linhas intermunicipais funcionam para transportar as pessoas na ida e na volta de suas casas.

crédito: Vinicius Cordeiro

Cerca de 70 mil pessoas passam todos os dias pelo Terminal Guadalupe.

Terminal Campina Grande do Sul 1h22

Terminal Quatro Barras 1h31

Terminal Colombo 54 min

PRÓXIMA PARADA...

GUADALUPE

Terminal Pinhais 35 min

Terminal Afonso Pena 51 min

Terminal Araucária 23 min

crédito: Carolina Mildemberger

Nesse ponto de transição entre residência e trabalho, o mínimo que as pessoas esperam é segurança. Porém, esse não é o caso. Para Wesley, o terminal facilita e não precisa de uma expansão, mas tem seus defeitos. “O terminal é grande o bastante para suprir a demanda de transporte. O grande problema é a falta de segurança. Muitos assaltos acontecem. Existem muitos usuários de drogas também. É complicado”, revela.

Por outro lado, Gabriel planeja trabalhos pessoais no local. “Tenho vontade de morar aqui perto por um tempo e produzir um documentário contando a história e a importância do Guadalupe. Diversos tipos de pessoas passam aqui e, claro, muitas pessoas se sustentam desse comércio.Dariam boas histórias.”

Guilherme Stresser, 22, é estudante de Educação Física, mora em Rio Branco do Sul e confirma a teoria de que o preconceito parte da falta de conhecimento. Segundo ele, o prejulgamento existe por parte dos curitibanos, que geralmente não conhece muito a RMC e se espanta pelo fato de pessoas de lá virem e voltarem todos os dias. Ele conta que já está acostumado com as brincadeiras ligadas ao lugar onde ele mora, e que sempre leva na esportiva. “Uma vez, no meu primeiro ano estudando em Curitiba, me envolvi numa discussão com um pia, e umas das primeiras coisas que ele me xingou foi de ‘roceiro do interior’. No caso das brincadeiras, já são tantas que nem lembro mais. A melhor que eu ouvi talvez tenha sido quando um amigo perguntou se já tinham inventado o fogo aqui em Rio Branco.”

A administradora Heloísa Taborda vê como o principal motivo desse preconceito a questão geográfica. Devido ao fato de Curitiba ser o “centro” dessas outras cidade, cria-se uma impressão de dependência da parte delas em relação à capital. “Acredito que os curitibanos têm preconceito com a Regiao Metropolitana devido a reduzida infraestrutara dessas cidades, uma vez que se formaram em volta de um grande centro que atendia às suas necessidades e com o passar do tempo tornaram-se mais independentes, apesar de muitos apenas residir lá e manter o emprego em Curitiba”, explica.

Vale lembrar que, apesar de todas essas questões, cada uma das cidades que cercam a capital tem sua independência e importância, e apesar de todas as questões históricas e geográficas que envolvem Curitiba e sua região metropolitana, são pedaços que, juntos, formam o que é hoje a Grande Curitiba.

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