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Academia Judaica: uma necessidade – Mario Fleck

ACADEMIA JUDAICA: uma necessidade

Impacto da Academia Judaica da CIP em seu primeiro ano:

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15 Cursos 674 Inscrições 126 Horas aula 244 Alunos Média de 2,75 cursos por aluno Média de 45 inscritos por curso Professores do Brasil, Israel, Estados Unidos e México. Chavurot de advogados, médicos, psicólogos e de filosofia com um total de 278 inscritos. Treinamento de madrichim do Taglit

Mario Fleck

O povo do livro

Ser o povo do livro é uma definição que traz importantes implicações para os judeus. Ser o povo do livro talvez tenha sido a mais importante característica de diferenciação e particularidade desse povo e, certamente, foi essencial para a criação de um DNA capaz de sobreviver por milênios, à prova de todas as possibilidades de destruição.

Esse povo foi o pioneiro em tornar a educação e o estudo obrigatórios, ainda nos tempos em que apenas a agricultura e o trabalho manual serviam de elementos para a subsistência humana. Numa época em que outras questões eram prioritárias, como a sobrevivência e a capacidade de desenvolver mecanismos de guerra e proteção de cada tribo, esse povo conseguiu fazer da educação um valor em si.

Nossos antepassados sempre tiveram um compromisso com a transmissão de textos e tradições adquiridos ao longo de muitos séculos e passados de geração em geração como parte de um convênio divino. Esse compromisso é a maior razão pela qual a predominância de judeus em todos os campos dependentes de conhecimento e educação soa desproporcional em relação ao tamanho de seu povo.

Esse processo educacional evoluiu ao longo dos tempos: passou da exclusividade do núcleo familiar para maiores amplitudes, através das instituições de ensino que foram sendo criadas. Graças à prioridade atribuída pelas lideranças comunitárias à educação, tal processo se multiplicou em todos os cantos por

SergeyNivens/iStockphoto Revista da Associação Cultural–ATID / Associação Religiosa Israelita–ARI | devarim | 35

onde judeus se espalharam – por vontade própria ou coagidos por forças externas.

Vale destacar que em momentos muito sensíveis e de ameaça de destruição total, os judeus não perderam o foco na questão educacional, como nos mostra o caso da conquista de Jerusalém pelos romanos há mais de dois mil anos. Conta a lenda que o rabino Yohanan Ben Zakai se encontrou com o general romano Vespasiano e disse que ele estava destinado a se tornar imperador de Roma. Com essa aproximação, Ben Zakai teria conseguido formular um pedido para que a cidade de Yavne fosse protegida, permitindo assim a continuidade dos estudos da Torá. Teria sido esse um momento de salvação do judaísmo pela via da educação?

Analfabetismo judaico

Tempos de desafios

Trazendo essa história rapidamente para o presente, temos um contexto bastante desafiador para a manutenção da educação judaica como elemento central da vivência do povo judeu.

Neste começo do século XXI, vivemos talvez o melhor momento histórico no que diz respeito à integração do nosso povo com os demais. Apesar da ainda existente ameaça e agressão do antissemitismo, os judeus gozam de liberdade em todos os países que habitam e contam com o Estado de Israel livre e soberano como seu maior guardião nos tempos modernos.

Integrados às sociedades em que vivem com maior ou menor predominância, os judeus são bem aceitos e até admirados por sua contribuição ao bem geral da humanidade e por sua participação nas ações sociais. São também muitíssimo respeitados pela atenção que dedicam ao tema da educação.

Porém, a sociedade contemporânea navega no bojo de uma onda tecnológica, para o bem e para o mal: a abundância de mídias e plataformas de comunicação faz com que a concorrência pelo nosso tempo e a disputa pela nossa atenção sejam elevados a patamares jamais vistos. Há uma infinidade de alternativas e ofertas cada vez mais superficiais; a sociedade como um todo vai gradativamente perdendo o interesse por conteúdos mais profundos e relevantes em termos históricos. Esse processo afeta em igual medida a comunidade judaica. Apesar desse contexto de superficialidade e consumo rápido, os progressos tecnológicos disponibilizam uma infinidade de caminhos para acessar o verdadeiro tesouro contido na história do povo judeu, seus textos canônicos, as biografias de seus personagens mais interessantes, suas contribuições para a filosofia e para outras religiões. Diante desse cenário, um dos principais desafios atuais dentro da nossa comunidade é a questão da instrução ou, digamos, da alfabetização das gerações contemporâneas do povo judeu. Sem negar as vantagens da integração e das liberdades de escolha, constatamos que as maravilhas da contemporaneidade paradoxalmente acabam deixando em segundo plano a atenção ao tesouro do judaísmo. Para enfrentar esse círculo vicioso e fortalecer os elos de uma corrente milenar, a liderança da CIP (Congregação Israelita Paulista) concluiu que existe nesse cenário uma obrigação e uma oportunidade. Assim nasceu a Academia Judaica.

A Academia Judaica

A ideia da Academia Judaica é oferecer à comunidade e a seus simpatizantes um amplo cardápio de ofertas, seja qual for o grau de conhecimento ou interesse de cada um. A Academia está estruturada de acordo com três pilares: Integrados às sociedades 1) Judaísmo como religião e tradição, dediem que vivem com maior cado a explorar nosso tesouro através de seus ou menor predominância, os judeus são bem aceitos textos sagrados e mais relevantes; 2) Israel e sionismo, dedicado à jornada do povo judeu pré e pós a criação do Estado de e até admirados por sua Israel; contribuição ao bem 3) Nação judaica (Jewish Peoplehood), dedigeral da humanidade cado a acompanhar todas as etapas de uma e por sua participação história de conquistas, derrotas, desafios, lutas e contribuições. nas ações sociais. A Academia Judaica tem também

importantes atributos essenciais para a realização deste propósito educacional abrangente: Tecnologia – é preciso aproveitar a evolução que as ferramentas tecnológicas disponibilizam. Nesse sentido, a Academia adotou uma ferramenta de ensino à distância, que permite a criação de uma biblioteca de cursos. A ideia é formar uma base para a oferta de textos, recomendações bibliográficas, produção e distribuição de material informativo e educacional complementar, culminando com a criação de comunidades de interesses por temas específicos. Conexões internacionais – a Academia Judaica se propõe a oferecer os melhores conteúdos disponíveis no Brasil e no exterior. Para isso, importantes parcerias já foram estabelecidas com instituições de destaque, como a Tikvah Foundation de Nova York e outras que gradualmente vão sendo incorporadas, de Israel e dos Estados Unidos. Essas parcerias permitem o acesso a conteúdos e professores de primeira linha a nível mundial. Docentes locais – uma das mais gratas satisfações ao longo da criação da Academia foi a constatação da existência de instituições acadêmicas no Brasil com áreas dedicadas a estudos judaicos. A exemplo do que existe na USP e na UFRJ, há outras doze instituições acadêmicas com núcleos de estudos judaicos. Metodologia – outro importante atributo a destacar é que a ideia da Academia é copiar o modelo judaico de estudar, que ao longo dos tempos provou ser o mais eficaz. Os professores são instruídos a preparar aulas bastante participativas, com equilíbrio entre exposição, debates e compartilhamento de ideias e opiniões, de tal modo a permitir um aprendizado também através das relações entre os participantes e não apenas na relação professor/aluno. Fonte de formação e aperfeiçoamento profissional – uma importante constatação do diagnóstico sobre a educação judaica no Brasil é a inexistência de uma instituição local que permita o desenvolvimento e a reciclagem dos profissionais que atuam no setor. A Academia pretende ocupar esse espaço, servindo inclusive como base de incentivo e valorização da carreira de educador judaico.

Marketing e alcance da Academia Judaica

Uma vez pensada a lógica de construção da Academia, bem como de seus pilares, restava ainda refletir sobre a questão de sua valorização pelo público-alvo e, evidentemente, sobre como cuidar da divulgação e do marketing, de modo a equilibrar demanda e oferta.

Conforme descrevemos um pouco acima, a vida contemporânea oferece uma infinidade de alternativas que competem pelo tempo e atenção de todos. Por isso, há que se descobrir uma boa razão para atribuir prioridade ao tema judaico – lembrando que aqui estamos falando de judaísmo em um sentido muito mais amplo do que apenas religioso; estamos tratando de um país, Israel, com todas as suas nuances e impactos geopolíticos desde antes mesmo de sua criação, e também de filosofias, biografias, textos, histórias e conceitos judaicos, tanto modernos como antigos.

Para descobrir e sensibilizar o lado da demanda, fomos buscar soluções em nossas próprias fontes.

As chavurot

Um conceito que existe desde os primórdios da educação judaica é o de estudo em grupos, as chamadas chavurot.

Entre os mais ocupados e com menos disponibilidade de tempo para o judaísmo estão os profissionais liberais e os executivos – demandados acima de seus limites de tempo e em constante batalha pelo equilíbrio entre demandas profissionais, pessoais e familiares.

A proposta das chavurot se encaixa perfeitamente nesse contexto, já que permite que através de reuniões de grupos de estudos da Academia Judaica os profissionais conversem sobre temas que contemplam ao mesmo tempo as fontes judaicas e seus campos de atuação profissional.

As chavurot das áreas de Direito, Medicina, Filosofia, Psicologia e Escrita foram as primeiras já implantadas e tiveram boa participação e avaliação.

O Taglit

O projeto de maior impacto neste século na questão de conexão com o judaísmo tem sido o Taglit, Birthright. Por volta de 2001, lideranças judaicas norte-americanas tiveram a ideia de oferecer uma viagem de dez dias a Israel como um direito das jovens gerações de conhecerem um pouco de suas raízes. A ideia é que a viagem possa funcionar como um despertar de interesses a serem aprofundados posteriormente. O sucesso desse projeto pode ser medido pelo expressivo número de participantes: ao longo de vinte anos, do Brasil já participaram mais de dez mil pessoas, e do mundo inteiro, mais de seiscentas mil.

A proposta da Academia Judaica é usar sua plataforma para a preparação prévia dos participantes, bem como dos madrichim, e também oferecer no retorno uma excelente opção aos que se interessarem por um aprofundamento da experiência vivenciada em Israel. Isso poderá também ser estendido aos familiares dos participantes, no sentido de ampliar seus conhecimentos sobre o judaísmo.

As escolas judaicas

Para as escolas, além de oferecer o aprimoramento de professores, a Academia Judaica possibilita aos pais de alunos o acesso a seu conteúdo, permitindo assim uma ampliação e extensão de conhecimentos a todo o círculo familiar.

Comunidades menores

Comunidades brasileiras menores, que até então lidavam com um desafio ainda maior de acesso a material e a professores, podem agora contar também com a Academia Judaica como sua fonte de acesso à sabedoria milenar judaica.

Curadoria

Para o desafio de selecionar temas, professores e fontes, a Academia Judaica conta com um comitê de curadoria, formado por professores e especialistas.

O tesouro

O propósito da Academia Judaica é bastante ambicioso e também essencial, dada a sua relevância e potencial de impacto no tema mais sensível e destacado do povo do livro. A história do povo judeu, os périplos da nação judaica através do tempos e os desafios e realizações do Estado de Israel são fontes fascinantes de uma sabedoria que precisa ser oferecida com qualidade, tecnologia, metodologia e conteúdo.

Não precisamos de investimentos em tijolos e construções – a tecnologia moderna permite viabilizar a proposta da Academia Judaica sem a necessidade de investimentos pesados em infraestrutura –, por isso todos os recursos estão sendo alocados ao acesso às melhores fontes de conteúdo e processo de ensino.

Precisamos, sim, obter sucesso na adesão e recepção dessa ideia por parte dos membros de nossa comunidade e por todos aqueles que simpatizam e se interessam pelos temas judaicos. Temos plena convicção de que o judaísmo, em todas as suas faces, oferece perspectivas de aprendizado e engrandecimento pessoal de muita relevância e impacto.

Costumamos afirmar que trata-se de um tesouro talvez meio (ou muito) escondido em tempos modernos, mas cujo acesso e disponibilidade configuram uma oportunidade e uma obrigação. Assim, todos aqueles que são conscientes de que esse tesouro só chegou até os dias de hoje porque muitas gerações passadas trabalharam para isso deveriam incluir em sua vida esses ensinamentos tão caros ao nosso povo. Cabe à nossa geração fazer a sua parte para que essa corrente permaneça eterna e vibrante!

Mario Fleck é presidente da CIP – Congregação Israelita Paulista, idealizador da Academia Judaica e um apaixonado estudante eterno de judaísmo.

Em busca de uma pousada mais estável, Bernanos percorreu Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, e as mineiras Pirapora, Juiz de Fora e, finalmente, Barbacena, onde se fixou

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