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A guinada histórica de Georges Bernanos – Israel Beloch

A GUINADA HISTÓRICA DE GEORGES BERNANOS

Israel Beloch

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Parece difícil entender a tortuosa evolução do pensamento e da ação do grande escritor e refugiado do nazismo no Brasil Georges Bernanos, de católico fundamentalista de extrema direita, monarquista e antissemita militante das primeiras décadas do século 20 para batalhador e tribuno, sempre católico acima de tudo, mas antifascista e simpático aos judeus a partir dos anos 1930. Nascido em Paris em 1888, militou desde cedo nos Camelots du Roi (Propagandistas do Rei), grupo monarquista responsável pela venda dos jornais do baluarte da direita no país, a Action Française (Ação Francesa), encabeçada por Charles Maurras (1868-1952), antissemita de grande influência.

No caldo de cultura dessa vertente política entravam o socialismo proudhoniano (que Marx chamava de utópico), o monarquismo, a hostilidade ao capitalismo liberal e o corporativismo católico. Seus adeptos advogavam que os judeus franceses não tivessem a nacionalidade do país, como “os indígenas de nossas colônias” e que fossem excluídos das funções públicas.

O antissemitismo possuía uma velha história na França. Voltaire expressou restrições aos judeus, os socialistas Proudhon e Fourier igualmente. A derrota diante da Prússia em 1870 criou um clima de chauvinismo que favoreceu o ódio racial. “Por volta de 1900 o antissemitismo era claramente um movimento internacional no qual o ódio aos judeus se tornou a premissa unificadora para grupos tão díspares e opostos como os anti-Dreyfus e os nacionalistas da Alemanha, os mesmos para os quais Dreyfus era acusado de espionar. Judeus eram identificados nas maiores capitais europeias como os mais modernos, críticos e cosmopolitas supranacionais, e portanto a força cultural que

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Georges Bernanos

as novas ideologias de extrema direita estavam tentando destruir.”1

O que jogou gasolina na fogueira foi o rumoroso caso em que o capitão Alfred Dreyfus, um dos poucos oficiais judeus do exército francês, se viu acusado de espionagem em favor dos alemães e condenado em 1894, provocando verdadeiro racha na sociedade francesa. Expulso das forças armadas, degredado na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, permaneceu preso muitos anos até ser inocentado definitivamente em 1906. O Caso Dreyfus forneceu ao jornalista austríaco Theodor Herzl o embasamento para a criação do sionismo, o movimento que se propôs a criar um lar específico para os judeus, no qual eles estivessem livres de perseguições e preconceitos.

Charles Maurras, o mentor do jovem Bernanos, foi um dos maestros do coro anti-Dreyfus. “O partido de Dreyfus inteiro merecia ser fuzilado como insurgente”, escreveu a Maurice Barrès2 em 1898. Qualificou o oficial alsaciano de traidor judeu que merecia “doze balas que lhe ensinarão, enfim, a arte de não mais trair (…) este país que o hospedou”.3 Apesar de antigermânico, Maurras apoiou o regime de Vichy – o governo “autônomo” instalado em parte da França durante a ocupação nazista – e sua legislação antissemita, além de defender a execução dos membros da Resistência. Preso na libertação da França, Maurras foi condenado à prisão perpétua e à degradação nacional. Ficou célebre o seu comentário na ocasião: “É a revanche de Dreyfus.”

Edouard Drumont e Paul Déroulède foram outros dois propagandistas antissemitas que floresceram em torno do explosivo caso. Drumont publicou La France juive (A França judia), considerado o livro antissemita mais bem-sucedido da história, e fundou em 1896 o jornal La Libre Parole (A Palavra Livre), um marco da propaganda 1 Encyclopaedia Judaica. 4ª ed., Jerusalem, Keter Publishing House, 1978, vol. 3, pg. 126. Trad. nossa. 2 Maurice Barrès (1862-1923), jornalista, escritor e político, ferrenho adversário de

Dreyfus . “Que Dreyfus é culpado, eu deduzo não dos fatos em si mas da sua raça.”, afirmou. Na Primeira Guerra Mundial foi um belicista inflamado, o que lhe valeu o epíteto de “rossignol des carnages” (rouxinol das carnificinas). 3 O clima da época foi admiravelmente retratado pelo escritor Octave Mirbeau, ardoroso partidário de Dreyfus, no romance Diário de uma camareira, lançado em 1900. Ver a edição brasileira, tradução de Mateus Kacowicz: Rio de Janeiro,

Xenon, 2016. Suas ideias seduziram, antijudaica. Déroulède, militar e político, chocaram ou comandou a barulhenta Liga dos escandalizaram os Patriotas, vanguarda antidreyfusard. A partir desses personagens, o antissemitiscontemporâneos, mo deixou marcas profundas na sociedaintelectuais, políticos de francesa, que se estendem até o presene católicos, mas sobretudo te com Jean-Marie e Marine Le Pen. esses o acusaram de incoerente e Aos vinte anos, Bernanos se definia como anarquista, monarquista, socialista e cristão, adepto da estranha salada temcontraditório. perada pelo guru Maurras. Com 24 anos, engajou-se com alguns colegas numa aventura armada visando à restauração da monarquia portuguesa, que havia sido derrubada dois anos antes, em 1910. Já em 1919, descontente com os rumos tomados pela Ação Francesa após a Primeira Guerra Mundial, endereçara a Maurras uma carta de demissão e iniciara um tortuoso processo de afastamento da extrema-direita. O rompimento definitivo só se deu em 1932 ao ser repreendido pelo chefe por ter publicado um artigo no jornal liberal Le Figaro.4 Desligado de seu núcleo político, em 1934 transferiu-se com a família para a ilha espanhola de Maiorca, onde permaneceu até 1937 e presenciou as etapas iniciais da Guerra Civil que assolou o país ibérico (1936-1939). Horrorizado com os sangrentos combates e a crueldade da repressão franquista contra os adversários republicanos e, mais ainda, com a conivência da hierarquia católica diante da brutalidade das chacinas e assassinatos, abandonou o território espanhol e fez um balanço de sua posição crítica no livro Os grandes cemitérios sob a Lua, marco de sua translação política. Há, no entanto, quem o considere incoerente: “Suas ideias, segundo Albouy5, seduziram, chocaram ou escandalizaram os contemporâneos, intelectuais, políticos e católicos, mas sobretudo esses o acusaram de incoerente e contraditório: formado pelo antissemitismo social de Drumont, ele condenará o antissemitismo hitleriano; defensor da Ação Francesa, ele a abandonará; ele se coloca de início a favor da sublevação na Espanha [o levante franquista], depois fica contra; 4 Em 1936, anos depois de Bernanos ter rompido com a organização, a Action Française e os Camelots du Roi cometeram um atentado contra o judeu Léon Blum, deputado socialista, ferindo-o gravemente. As duas organizações foram dissolvidas em consequência do crime e Maurras ficou 8 meses preso. No entanto, em 1938, ele foi eleito para a Academia Francesa, correspondente à nossa Academia Brasileira de Letras. 5 S. Albouy. Bernanos et la Politique. Toulouse, Ed. Prevat, 1980.

ele é um católico que critica a Igreja. Parece, enfim, que Bernanos bascula de um campo a outro: é o personagem instável e incoerente que os adversários cobriram de sarcasmos ou o modelo de continuidade política que ainda veneram os seus admiradores (…)?”6

Bem antes, seu livro Sob o sol de Satã (1926), um poderoso estudo sobre o misticismo e o satanismo, já havia alcançado grande repercussão e influenciado toda uma geração de intelectuais católicos. Em 1936 viu a consagração literária ao ganhar o grande prêmio de romance da Academia Francesa com Diário de um pároco de aldeia.

Intoxicado pelo clima político europeu e enojado com o que presenciara na Espanha, resolveu comandar um grupo de migrantes ao Paraguai, onde sonhava encontrar o seu Eldorado. Desembarcou no Rio de Janeiro e rumou para a nação guarani em agosto de 1938, mas em poucos dias, desiludido com a realidade social e a aspereza do clima, retornou logo ao Brasil. Vinha com a mulher e os seis filhos, dois dos quais, as filhas Chantal e Claude, lhe deram ao todo dez netos brasileiros.

6 Gorete Marques. Georges Bernanos: continuité ou rupture?. Letra L – Revista da

Universidade de Aveiro, 7 (II), 2018, p. 33-43. Tradução nossa.

Hospedou-se em Itaipava, distrito de Petrópolis, onde foi apresentado pelo intelectual católico Alceu Amoroso Lima a Virgílio de Mello Franco, político que tivera um destacado papel na Revolução de 1930 e que se tornará um amigo decisivo na sua temporada brasileira. Procurando uma pousada mais estável, percorreu Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro, e as mineiras Pirapora, Juiz de Fora e finalmente Barbacena, onde se fixou.

Nesta última, foi-lhe indicada uma fazenda para se estabelecer e desenvolver atividades rurais, como era de seu desejo, mas achou fraca a propriedade e já ia desistindo. Ao tomar conhecimento, porém, de que o pedaço de terra se chamava Cruz das Almas, seu profundo cristianismo falou mais alto: resolveu ficar e adquiriu o lote, onde passou a criar gado, a escrever artigos para os jornais e livros como O caminho de Cruz das Almas. Depois que Bernanos retornou à França, a propriedade passou às mãos de novos ocupantes e acabou abandonada, sendo usada apenas como estábulo. As terras foram divididas, abrigando hoje um bairro popular, e a casa, restaurada pela primeira vez em 1968, converteu-se num pequeno museu.

Tornou-se amigo de Oswaldo Aranha, o ministro do Exterior do governo Vargas e franco partidário dos Aliados,

de quem ganhou de presente um cavalo puro-sangue inglês, aliás batizado de Oswaldo, no qual trotava por toda Barbacena, inclusive nas idas diárias ao Café Colonial, onde o francês era a língua franca dos intelectuais frequentadores.

Seu confessor Paulus Gordan, monge beneditino alemão, nascido judeu como Günther Heinrich Jacob e convertido ao cristianismo, era igualmente um refugiado do nazismo, tendo aportado no Brasil em 1939. Tomava todos os domingos a confissão de Bernanos, numa casa da ilha de Paquetá, alugada pelo escritor no verão de 19431944. Alí mantinham longas conversas sobre a situação mundial e a questão judaica, que passara a lhe interessar de perto, como ao amigo sacerdote, desde que potencializada pelo nazismo.7

O depoimento do abade é eloquente: “Bernanos me surgiu como cavaleiro destemido e irrepreensível, como um antigo cruzado, viril em seu ímpeto e acreditando na

7 Israel Beloch, coord. Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil. Rio de

Janeiro, Casa Stefan Zweig, 2021, pg. 233-5. alma que, com uma esperança enevoada de dúvidas e de dúvidas atravessadas por clarões e esperança, cavalga contra a morte e contra o diabo.”8

Por outro lado, Bernanos manteve relações tempestuosas com o clero brasileiro, composto em parte por italianos, espanhóis e portugueses, que não lhe perdoavam a crítica cortante ao franquismo, esse primo do fascismo.

Seu vínculo com o cristianismo permeia também um dos seus textos mais conhecidos, a peça teatral Diálogo das Carmelitas, baseada na obra da alemã Gertrud von Le Fort, Die Letzte am Schafott (A última no cadafalso), que retrata o episódio do martírio das carmelitas de Compiègne durante a Revolução Francesa. A peça só foi ao palco depois da morte de Bernanos e inspirou uma ópera de Francis Poulenc, estreada no Scala de Milão em 1957, e o filme de Philippe Agostini (1959), com Jeanne Moreau no papel título.

Entre 1940 e 1945, Bernanos publicou dois artigos por

8 Sébastien Lapaque. Sob o sol do exílio; Georges Bernanos no Brasil (1938-1945).

Trad. Pablo Simpson. São Paulo, É Realizações, 2014, pg. 107.

semana em O Jornal, influente órgão carioca dos Diários Associados, abordando com sua peculiar veemência a Guerra, o nazismo, a política da França ocupada, o governo colaboracionista de Pétain em Vichy e a resistência comandada por De Gaulle. Mensagens suas eram difundidas pela BBC e também pela publicação clandestina Témoignage Chrétien (Testemu–nho Cristão). Textos seus apareceram no periódico de língua francesa publicado no Brasil, France Libre, apesar de alguns terem sido vetados pela censura do Estado Novo, possivelmente a pedido do embaixador de Vichy.

Bernanos herdara do campo de batalha da Primeira Guerra Mundial ferimentos que o obrigaram a se locomover pelo resto da vida com o auxílio de uma bengala. Era conhecida sua paixão pelas ideias que defendia, assim como suas formidáveis explosões de raiva. Depois de uma militância antissemita na juventude e no início da maturidade, o terror nazista veio acordá-lo para o absurdo dos seus preconceitos tenebrosos, embora por algum tempo ainda dividisse o antissemitismo em duas vertentes: a racial e religiosa, que renegou, e a política, na qual perseverou por certo tempo, vendo na figura do judeu tanto o liberalismo econômico e as finanças quanto o materialismo e o comunismo. Num artigo de 1944 sobre o antissemitismo, assevera que “essa palavra me causa cada vez mais horror, Hitler a desfigurou para sempre”.9

Em 1939, escreveu: “Nenhum desses que me deram a honra de me ler podem acreditar que estou associado à repulsiva propaganda antissemita que se desencadeia hoje na imprensa dita nacional, sob ordens do estrangeiro.” Em 1943, a respeito de Georges Mandel10 , 9 Nem todos foram acordados pela violência nazista. No Brasil, o ilustre historiador Gustavo Barroso, fundador do Museu Histórico Nacional, liderava a vertente pró-nazista do movimento integralista de Plínio Salgado. Títulos de alguns de seus livros atestam o seu agressivo antissemitismo: Brasil, colônia de banqueiros (1934), Judaismo, maçonaria e comunismo (1937), A sinagoga paulista (1937), Roosevelt es judio (Buenos Aires, 1938). Ver Marcos Chor Maio.

Nem Rothschild nem Trotsky; o pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, Imago, 1992. 10 Georges Mandel, judeu, de nascimento Georges Rothschild (1885-1944), foi um membro da Resistência e enérgico opositor do regime colaboracionista de

Vichy. Preso em 1940, esteve no campo de Buchenwald até que, devolvido ao

Os laços de simpatia que antigo Ministro do Interior francês detise estabeleceram entre do havia meses pelos alemães: “Quanto a o católico Bernanos e Mandel, vocês dizem talvez que, não tendo nunca manifestado muito gosto pelos o judeu Zweig fazem judeus, eu não falarei dele? Enganam-se! lembrar outra dupla que É a ele que vocês odeiam mais, vocês e esteve no Brasil mais seus mestres. Nesse sentido, ele me é mil de vinte anos antes: o embaixador francês Paul vezes mais sagrado do que os outros. Se os mestres de vocês não devolverem Mandel vivo, vocês pagarão esse sangue Claudel, católico fervoroso judeu de um modo que surpreenderá a de direita, e seu adido História – ouçam bem, cachorros – cada cultural Darius Milhaud, gota desse sangue judeu vertido em cólejudeu de Marselha ra de nossa antiga Vitória é-nos mais preciosa do que toda púrpura do manto de um cardeal fascista.” E um ano depois: “Não sou antissemita – o que, aliás, não significa nada, pois os árabes também são semitas. Não sou de nenhum modo antijudeu.”11 Os laços de simpatia que se estabeleceram entre o católico Bernanos e o judeu Zweig fazem lembrar outra dupla que esteve no Brasil mais de vinte anos antes, de 1917 a 1918: o embaixador francês Paul Claudel, católico fervoroso de direita, grande intelectual, teatrólogo e escritor, e seu adido cultural Darius Milhaud, judeu de Marselha, um dos mais importantes compositores franceses do século 20.12 Um episódio que ficou famoso e que abordei em artigo anterior para Devarim revela a simpatia e o interesse de Bernanos por um colega de exílio, um angustiado escritor judeu mortificado pela guerra. Stefan Zweig e sua mulher Lotte deslocaram-se de Petrópolis até Barbacena à convite de Bernanos, que os recebeu com grande afeto em Cruz das Almas. O escritor mineiro Geraldo França de Lima, secretário informal de Bernanos, descreveu o encontro: “Nunca até então eu tinha visto Bernanos receber tão carinhosamente, acolher comovido e fraterno, como recebeu Stefan Zweig (…) desfigurado, triste, abatido, sem esperança, cheio de pensamentos aziagos. (…) Bernanos cárcere na França, foi capturado por uma milícia pró-nazista e executado. 11 Sébastien Lapaque, Op. cit., pg. 119. 12 Manoel Corrêa do Lago et alii, org. Uma outra Missão Francesa 1917-1918: Paul Claudel e Darius Milhaud no Brasil. Rio de Janeiro, Andrea Jakobsson Estúdio, 2017.

(…) convidou-o a acompanhá-lo num protesto ao mundo contra as barbaridades que Hitler praticava contra os judeus e que Bernanos, enfurecido, qualificava como crime contra a Humanidade.”13

Zweig declinou do convite para passar uns dias na propriedade do francês e retornou de trem a Petrópolis. Depois de sua partida, Bernanos refletiu: “ele está morrendo”.

O suicídio do escritor austríaco dias depois confirmou a trágica premonição e foi objeto de duras críticas do francês: “O suicídio do Sr. Stefan Zweig não é, aliás, um drama privado. Antes mesmo que a última pá de terra caísse sobre o caixão do célebre escritor, as agências já transmitiam a notícia ao público universal. Milhares e milhares de homens, que tinham o Sr. Zweig como um mestre, honrando-o como tal, puderam dizer lá consigo que o mestre desesperara da sua causa e que esta causa era uma causa perdida. A cruel decepção desses homens é um fato muito mais deplorável ainda do que o desaparecimento do Sr. Stefan Zweig, isso porque a humanidade pode prescindir do sr. Stefan Zweig, como de qualquer outro escritor, mas não pode ver, sem amargura, reduzir-se o número dos homens obscuros, anônimos, que não tendo jamais reconhecido as honrarias nem os lucros da glória, se recusam a consentir na injustiça, vivendo do único bem que lhes resta: – uma humilde e ardente Esperança. Quem toca nesse bem sagrado, quem se arrisca a dissipar-lhe

13 Alberto Dines. Morte no paraíso; a tragédia de Stefan Zweig. 4ª ed., Rio de

Janeiro, Rocco, 2012, pg. 532-3. uma simples parcela, está desarmando a consciência do mundo e despojando os miseráveis.”14

Outros contemporâneos ilustres acusaram Zweig de ter posto em dúvida a vitória final da humanidade. Thomas Mann, igualmente refugiado do nazismo, foi cruel: “Não tinha ele consciência de um dever a cumprir diante de seus companheiros de infortúnio de todo o mundo, para os quais o pão do exílio é muito mais duro do que para ele, adulado e livre de toda preocupação material?”15

Na última frase de sua mensagem de despedida, Zweig deixou claro que sua renúncia pessoal não implicava numa perda de esperança coletiva: “Saúdo a todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite. Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes.”16

Terminada a Guerra, Bernanos regressou a seu país, passando uma temporada em Paris, outra em Bandol, na Côte D’Azur, e outra ainda na Tunísia. Morreu coberto de reconhecimento em 1948, aos 60 anos, no Hospital Americano de Neuilly-sur-Seine, junto à capital francesa.

Israel Beloch, historiador, presidente da Casa Stefan Zweig, coordenador do Dicionário histórico-biográfico brasileiro, da Fundação Getulio Vargas, e do Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, 2021.

14 Georges Bernanos. “Apologias do suicídio”. O jornal, Rio de Janeiro, 6 de março de 1942. 15 Citado em Sébastien Lapaque, Op. cit., pg. 107. 16 Stefan Zweig. Declaração. In Alberto Dines. Op. cit., pg. 503.

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