
9 minute read
Em Poucas Palavras
A ARI CONTRIBUI PARA A HISTÓRIA DO BRASIL
Em maio deste ano a ARI entregou em doação para o acervo do Museu Histórico Nacional um porta-etrog. Assim, o Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro passa a ser um dos primeiros (quiçá o primeiro) museus sobre a história nacional de um país fora de Israel a incluir a imigração e a presença dos judeus em seu acervo e programa institucional.
Advertisement
Museus sobre a imigração e a presença judaicas existem em vários países do mundo. Contudo estes museus são especializados na vivência judaica. Não temos conhecimento de um museu sobre a história nacional que inclua a história dos judeus do país em sua narrativa ou exposições. A presença do portaetrog no acervo do MNH muda este quadro, por retratar a inserção da comunidade judaica no Brasil e celebrar a forma hospitaleira com a qual os judeus foram aqui recebidos.
De prata prensada, repuxada e cinzelada com motivos florais, a peça é provavelmente de meados do século XX e remete a um estilo estético usado desde o século XIX pela Escola de Artes Bezalel, em Jerusalém. O porta-etrog traz inscrições em hebraico (Levítico 23:40: ”Vocês colherão os frutos da cidreira amarela.”) e em português (No quadragésimo jubileu rabínico do Dr. Lemle. Dos cariocas em Israel à ARI 1-4-1973), que explicitam seu uso e a ocasião em que foi dedicado na Sinagoga. Tal como a incorporação do porta-etrog ao acervo do museu simboliza a interseção entre as histórias brasileiras e judaicas, suas duas inscrições simbolizam a interseção entre a tradição judaica e a comunidade carioca, representada pela ARI. ü
JACQUES FUX NO HAARETZ
Aseção de livros do jornal israelense Haaretz publicou uma resenha elogiosa do livro Antiterapias do brasileiro (de Minas Gerais) Jacques Fux, escritor e matemático, que colabora regularmente com Devarim (seu mais recente texto para a nossa revista foi publicado no número anterior a este, versando sobre Hollywood e a estética do Nazismo).
“Antiterapias é um livro avassalador que oscila entre criminosos nazistas, judeus, mães e amadas shiksas [meninas não judias em ídiche]. O romance autobiográfico de Jacques Fux é composto por reminiscências da adolescência e inspirado no OULIPO, movimento literário de vanguarda cujos membros, escritores e matemáticos, impuseram restrições à escrita com vista a refinar o poder criativo.” Assim Gilad Melzer começa sua resenha do livro de Fux, num artigo que ocupa mais de uma página.
Fux é ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte, do Prêmio Manaus e do Prêmio Paraná. Ele já publicou sete livros no Brasil, tendo neste momento três obras no prelo, a serem lançadas ainda em 2022. Foi traduzido para o espanhol, italiano e hebraico. Em Israel ele tem neste momento uma obra publicada, uma no prelo e uma em tradução.
A revista Devarim se sente muito orgulhosa pelo sucesso internacional de Jacques Fux. Ele projeta ao mundo as percepções do cidadão brasileiro e judeu. Não somos muitos, meros 0,0012% da população mundial, mas mesmo assim temos com o que contribuir. ü

NEGACIONISMO 2.0
Saiu da moda negar a Shoá.1 Esta atitude é coisa do passado tal como as calças boca de sino e camisas de golas largas dos anos 1970.
Tanto David Irving como Robert Faurisson que, naquela década, postularam a inexistência das câmaras de gás em Auschwitz, foram ultrapassados pelo atual “Negacionismo 2.0”, também chamado por alguns de “Inversão do Holocausto”.
Os antissemitas do começo do século 21 já se conformaram que o mundo não comprou as mentiras do passado. Então eles reciclaram a manifestação de seu ódio aos judeus através da afirmação que o Auschwitz está sendo reeditado hoje pelos judeus, numa versão ainda mais cruenta, em Gaza e na Margem Ocidental do Jordão.
Afirma o romancista britânico Howard Jacobson:
“Em vez de dizer que a Shoá não aconteceu, o negacionista sofisticado moderno aceita o evento em toda a sua terrível enormidade, apenas para acusar os judeus de tentar lucrar com isso, seja na forma de chantagem moral ou roubo territorial. De acordo com esse pensamento, os judeus traíram a Shoá e se tornaram indignos dele, sendo os palestinos os verdadeiros herdeiros de seu sofrimento”.2
Esta atitude está totalmente inserida no mundo árabe-muçulmano, onde ela tem onipresença gráfica em caricaturas na imprensa árabe e iraniana, na qual os israelenses são regularmente retratados em trajes nazistas. Frequente e paradoxalmente
1 Denominada em português de Holocausto. 2 https://www.independent.co.uk/voices/commentators/howard-jacobson/howard-jacobson-let-rsquo-s-see-the-criticism-of-israel-for-what-it-really-is-1624827.html
BrasilNut/iStockphoto.

(mas por que esperar coerência de antissemitas?) ela se combina com a negação total de que a Shoá tenha acontecido ou com uma redução radical de sua escala genocida e ferocidade.
A Inversão do Holocausto está aparente também nas universidades do Ocidente. Em artigo publicado em 2014, na Al Jazeera o professor Hamid Dabashi da Universidade de Columbia de New York diz:
“Depois de Gaza nenhum israelense pronunciará a palavra ‘Auschwitz‘ sem que ela soe como ‘Gaza’. Auschwitz como fato é um registro histórico. Auschwitz como metáfora é, agora, palestina. Daqui para frente toda vez que algum judeu, em qualquer lugar do mundo, pronunciar a palavra ‹Auschwitz‘ o mundo ouvirá ‘Gaza’”.3
Declarações deste tipo cruzam a linha entre a crítica a Israel e a de demonização dos judeus. É impossível deixar de notar que a frase de Dabashi começa focando nos israelenses e termina nos judeus.
A inversão do Holocausto é uma das técnicas favoritas da perseguição aos judeus. Que isso seja praticado tão abertamente por professores titulares na principal universidade de New York é um escândalo e, principalmente, um alerta. ü
3 https://www.aljazeera.com/opinions/2014/8/8/ gaza-poetry-after-auschwitz/

O PILAR INSTÁVEL
Ojornal israelense do partido ultraortodoxo Ihadut haTorá (o judaísmo da Torá) tem o nome Yated Neeman, um termo retirado do livro do profeta Isaías que significa literalmente “pilar confiável”.
Em Iom haAtsmaut (o dia em que se celebra a fundação do moderno Estado de Israel), o Yated Neeman publicou uma charge que ilustra o pensamento do judaísmo ultraortodoxo com relação ao Estado que o abriga e sustenta.
Duas figuras regam uma mesma árvore, com resultados diametralmente opostos. De um lado a água gera uma árvore frondosa, cheia de folhas e frutas suculentas. Do outro lado, a árvore é ressequida, não tem folhas e seus poucos frutos são podres.
A ilustração que acompanha esta nota reproduz e traduz a charge do jornal. O lado verde da árvore é regado por um ultraortodoxo com a água da Galut / Diáspora. O lado murcho é regado por um sabra (pessoa nascida em Israel) com a água da Hatsmaut / Independência.
A mensagem é claríssima. O judaísmo diaspórico é tudo de bom, enquanto que a fundação do Estado de Israel só produziu insegurança, violência e imoralidade.
Não há nenhum reconhecimento pela generosidade dos cidadãos israelenses que, com seus impostos, sustentam a comunidade ultraortodoxa e nem ao menos pela atuação do exército de Israel (no qual os ultraortodoxos são muito pouco representados) na defesa física dos habitantes de Israel.
A supremacista ideologia ultraortodoxa joga na lata do lixo valores fundamentais judaicos tais como a fraternidade, o respeito pelas opiniões opostas e a gratidão, que são os verdadeiros pilares que sustentaram os judeus ao longo de sua existência. O partido ultraortodoxo que publica o jornal defende um judaísmo incompreensível. ü
PESSACH: IMPLICAÇÕES HÉLIO SCHECHTMAN
Pessach é uma data e festividade com múltiplos sentidos e uma importância por vezes desconhecida. Pessach, também conhecida como Chag Cherut, é comemorada no dia 14 de Nissan no calendário hebraico. Na época em que o templo de Jerusalém existia e funcionava, a população de Israel para lá se dirigia a fim de fazer sacrifício de cordeiros, o cordeiro pascal. Nos dias atuais celebra-se Pessach em família, com um jantar centrado na narrativa do êxodo judaico do Egito dos faraós e repleto de comidas que remetem simbolicamente a situações vivenciadas naqueles tempos.
A palavra Pessach é comumente traduzida como “passar sobre (pular)”. Esta noção deriva da narrativa de que Deus ordenou ao anjo da morte que passasse sobre a casa dos judeus e não exterminasse os primogênitos daquelas casas. Entretanto, uma outra tradução, talvez mais condizente com o sentido da palavra na época seria “teve compaixão”, conforme depreendido do texto do Targum Onkelos (tradução do Hebraico para Aramaico do século 2 da era comum).
Há debate sobre a importância relativa das festividades. Alguns afirmam ser Yom Kipur a data mais importante no calendário religioso. Certamente Shavuot deveria ter lugar de destaque. Entretanto, não há nenhuma festividade, exceto Pessach, que permita a celebração em data posterior (14 de Iyar) para aqueles que por alguma razão estiveram impossibilitados de fazê-lo na data original. Creio ser este fato razão suficiente para considerar Pessach como a celebração religiosa mais importante.
Não há dúvida que o fulcro da festividade de Pessach é a liberdade. Ademais, conforme os ditames da própria festividade, deve cada celebrante considerar-se como se ele próprio estivesse sendo liberto dos grilhões da escravatura. Entretanto, fosse Pessach considerado somente em seu sentido estrito e literal de libertação da escravatura, não teria a importância que possui. Em um sentido mais amplo, pode-se argumentar que liberdade implica no livre arbítrio. Ou seja, a possibilidade de pensar e agir diferente.
A festividade de Shavuot está liturgica e intrinsecamente conectada à Pessach pelo período de contagem do Omer. A implicação desta conjunção temporal no plano abstrato seria a complementaridade de liberdade e lei. Assim, a liberdade de pensar e agir diferente não pode ser absoluta devendo ser modulada pela lei.
O sábio Hillel afirmou que a ética do judaísmo consiste em não fazer a outrem o que não deseja que façam a si. Os 613 mandamentos que um judeu deve, ou deveria, obedecer são os métodos pragmáticos de concretizar esta ética. Já para a população em geral, ser ético consiste em seguir as sete leis de Noé. Estabelecer um sistema judiciário consistente, e portanto justo, é uma destas leis universais.
Aos judeus é vedado viver no seio de uma comunidade que não tenha sistema judiciário consistente e justo. Ressalte-se a óbvia constatação de que a inexistência de tal sistema jurídico acarretará na falta de liberdade pois todos os indivíduos, judeus ou não, estarão sujeitos à “lei do mais forte” e aos mandos e desmandos do ditador de plantão.
Shavuot, ou Chag HaBikurim, explicita ainda uma outra faceta da ética judaica. O judaísmo está repleto de exemplos e regras nas quais a compaixão e o respeito pelo mais desafortunado se mostra presente. A obrigação explícita de não coletar totalmente o trigo no campo, deixando assim trigo para as viúvas e os necessitados, deve ser entendida não somente literalmente, mas no sentido mais amplo de prover uma rede de proteção social.
Deste breve texto depreende-se que um judeu não pode ser contrário à existência de um sistema judiciário consistente e justo. Além disso, um judeu deve ser justo e ter compaixão, compreendendo da necessidade de haver redes de proteção social, e consequentemente apoiá-las.
Ora, se individualmente um judeu deve agir conforme explicitado acima, como grupo deve estar comprometido com o apoio a políticas governamentais que induzam à consecução destes objetivos. Assim, não há espaço para apoio a políticos contrários ao estabelecimento e/ou manutenção de redes de proteção social, mormente quando comportando-se como autocratas pretendem extinguir o sistema jurídico existente ou modificá-lo de tal forma que deixará de ser consistente e justo. ü
