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Cócegas no Raciocínio – Paulo Geiger
BANDEIRAS
Paulo Geiger
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No Iom Ierushalaim, o Dia de Jerusalém, o centro das atenções foi para a marcha das bandeiras. Um mar de bandeiras israelenses percorreu a cidade em direção a Har Habait, o Monte do Templo, hoje um espaço dividido entre o Muro e a Mesquita de Omar. Bandeiras israelenses em Jerusalém e no Muro não deveriam ser tema de polêmica, mas foram usadas como foco de um novo embate de acusações e hostilidades.
Talvez porque essa marcha tenha suscitado uma percepção de desafio e contestação: num lado, desafio e contestação à presença árabe e islâmica no lugar mais sagrado do judaísmo – o remanescente do Templo construído no século 6 antes da Era Comum, na capital do estado judaico. No outro lado, percepção de uma indevida presença judaica, nacional e religiosa, no terceiro mais sagrado lugar do islamismo, mesquita que começou a ser construída no século 7 da Era Comum, e terminada no século 11. E, talvez, contestação à presença judaica em qualquer lugar de Israel.
Logo, em resposta ao mar de bandeiras israelenses, árabes israelenses organizaram um mar de bandeiras palestinas, mais uma vez suscitando dupla percepção: os cidadãos árabes de Israel manifestando apoio à causa de um estado palestino, os israelenses percebendo na manifestação uma indevida exaltação, por israelenses, de uma causa de inimigos do estado judeu, que visa a sua eliminação, ou destruição. Fala-se em Israel de criminalizar esse uso de bandeiras palestinas, por representar uma intenção, e uma instigação, explícita ou não, não só da criação de um estado palestino, mas da extinção do estado de Israel.
Bandeiras, realmente, são símbolos fortes de identificação com grupos, ideias, identidades. A emoção visual de uma bandeira evoca todas as emoções conectadas a identidade, a pertinência, a destino histórico, no passado e no futuro, a senso comunitário. Isso vale para nações, religiões, times de futebol. O impacto visual e emocional de um mar de bandeiras no despertar de fidelidades e comprometimentos é imenso.
Uma bandeira é um símbolo. Símbolo é a concentração, num objeto real ou virtual, físico ou imaginado, de emoções e de ideias. Sem ser explícito, ele evoca com sua simples presença uma ampla gama de associações, fidelidades, lembranças, conceitos. O judaísmo, como religião, identidade, história e cultura, é permeado de símbolos. Mezuzá, tefilin e talit, matsá e maror, velas de Shabat e de Chanuká, sete espécies de Shavuot, quatro espécies de Sucot, e mais...
A bandeira de Isael tem no centro o maguen David, que muito antes de ser o símbolo do Estado foi, por séculos, o símbolo do povo judeu e, modernamente, do sionismo. A bandeira de Israel está dizendo, na linguagem dos símbolos: o povo judeu está de volta à sua terra de origem, da qual nunca se esqueceu nem abriu mão. A bandeira de Israel é consequência de uma história nacional, imagem simbólica de uma permanência milenar e de um renascer ansiado, cultivado e realizado. O maguen David representa tanto a continuação de uma história como seu reinício. Sua presença em qualquer momento ou lugar de Israel não deve ser considerada um desafio, independentemente da intenção de quem a carregue.
No entanto, é a intenção que está em causa. Por exemplo, ser a favor de um estado palestino, contanto que num contexto de um acordo e de uma paz definitiva com Israel, respeitados por todos os fatores do conflito, é aceitável e válido. Agitar bandeiras palestinas com essa intenção não é desafio nem traição. Mas se a intenção é responder à afirmação de presença judaica (simbolizada na bandeira do povo e do estado judeu) no lugar mais sagrado do judaísmo, e no próprio estado judeu, contra-afirmando que a bandeira palestina é a [única] que simboliza a identidade, história e religião de Har Habait, e, por extensão em qualquer lugar de Israel, isso seria um desafio e um acinte. Agravado pelo fato de ser conduzida por cidadãos de Israel.
O já centenário conflito palestinoisraelense (que já foi árabeisraelense) não será resolvido, real ou simbolicamente, queimando a bandeira de Israel ou pisando nela, como estamos acostumados a ver, nem proibindo bandeiras palestinas. Um símbolo não significa necessariamente a negação de outro símbolo, ou seja, de outras emoções e ideias, a não ser que esta seja intenção ideológica e emocional a ele atribuída. Alguns símbolos têm essa conotação inequívoca de predadores de emoções, ideias e histórias alheias, como a suástica. Os símbolos judaicos, especificamente a bandeira do povo e do estado judeu, não têm essa conotação, nem na intenção nem na evocação, nem na história.
Bandeiras podem e devem coexistir, assim como povos, religiões e estados. O desfraldar de uma não precisa ser a negação do desfraldar de outra. Diante do prédio da ONU em Nova York tremulam juntas 193 bandeiras. O maguen David foi durante séculos, como símbolo do povo judeu, símbolo de permanência e de esperança, não de desafio a outras bandeiras. Como símbolo do Estado de Israel, estampado em sua bandeira, ele reafirma a permanência histórica e a esperança [que é o próprio título do hino de Israel] de, como diz o hino, ”ser um povo livre em nossa terra”. Por não ter conotação de desafio, e, sim, de presença e esperança, ela é também a bandeira de todos os cidadãos de Israel.
Cabe aos palestinos, e aos árabes israelenses, atribuírem significado a seus símbolos, e a suas bandeiras. Afirmação ou contestação. Convivência ou desafio. É isso que está em questão.