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Os 30 milhões de judeus de Bergman – Andrés B. Mosquera

OS 30 MILHÕES DE JUDEUS DE BERGMAN

Andrés B. Mosquera

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Era um desses dias iluminados de Buenos Aires, barulhento como sempre, quando um grupo de rabinos ibero-americanos estava reunido para discutir questões vitais ao movimento reformista na América Latina. O Rav Sergio Bergman, hoje presidente da World Union for Progressive Judaism (WUPJ), conversava animadamente com o Rav Damian Karo, decano do Instituto Rabínico de Buenos Aires (IIFRR), e com o Rav Uri Lam, rabino da congregação Beth-El de São Paulo. Em um certo momento, saiu a conversa de quantos judeus havia no mundo; os números voavam com mais ou menos suporte histórico e científico, mas o Rav Bergman amavelmente sentenciou: “Há 30 milhões”.

O hoje presidente da WUPJ explicou que na população judaica mundial se devem incluir todos aqueles que queiram ser judeus por opção, assumindo que não exista nenhuma restrição por casamento inter-religioso nem certificação de conversão não ortodoxa, ou um pai, ou uma mãe judeus. O Rav Bergman incentivava a sair e buscar agregar para chegar aos 30 milhões.

Com este prólogo do Rav Bergman, me atrevo a dizer que muitos de nós se esquecem daqueles filhos de judeus patrilineares, os filhos e netos de judeus que decidiram se afastar por medo ou por desinteresse, os matrimônios mistos – incluídos os matrimônios homossexuais – e seus filhos a quem alguns desdenham e, sem dúvida, todos aqueles que se consideram judeus com origens mais ou menos desconhecidas, como os bnei anussim (os forçados), os etíopes, os lemba, os bnei menashe, os russos subbotnik, os kaifeng na China, incluídos

O judaísmo reformista tem uma atitude propensa ao acolhimento de indivíduos e famílias que querem ser acompanhados em direção ao judaísmo e dentro dele. Alguns atraídos por uma nostalgia de origem desconhecida, outros por uma exaustão das religiões que promulgam a submissão, e outros simplesmente porque partiram e querem retornar.

aqueles que “descobrem” sua judaicidade de repente ou, quiçá, por um teste de DNA, e quem sabe quantos mais.

Em 1446 a.C. aconteceu o primeiro censo bíblico no Monte Sinai, e deu como resultado 600.000 homens, uns 2.000.000 israelitas com crianças e mulheres; e no censo de Moav a quantidade rondava o mesmo número. A população do Crescente Fértil, que em sua zona central estava habitado por judeus, se viu afetada pelas distintas invasões egípcias, assírias, babilônicas, persas, macedônicas, assim como pelas guerras com Roma e o desenvolvimento do cristianismo na Ásia Menor.

Assim, vemos uma contínua sangria demográfica seguida de um antissemitismo endêmico que não apenas tirou vidas, mas as quebrou e desligou de suas origens por meio de conversões forçadas, expulsões e dispersões, recrutamentos seletivos e, finalmente, o extermínio. Tudo isso, de alguma maneira, paralisou o que teria sido um crescimento natural da população judaica na Europa, Ásia e norte da África ao longo de toda a Idade Média, se bem que já nos séculos XVIII e XIX, com o Iluminismo e as melhoras médicas e científicas, se produz um crescimento exponencial da população judaica, em paralelo com o

resto da população ocidental, para experimentar nos anos seguintes um crescimento significativo na América.

Della Pergolla assegurou no America Jewish Year Book 2018 que a população judaica é de 20,7 milhões, na qual se incluem aqueles que dizem ser em parte judeus ou que têm antecedentes judaicos, mas não um progenitor judeu, e aqueles não judeus que vivem em um lar judaico. Por outro lado, Ashley Perry, um ex-conselheiro do ministro de Relações Exteriores israelense de 2009 a 2015, argumentou em 2018 à Aruts Sheva (agência de notícias nacional israelense) que poderia haver uns 200 milhões de judeus de múltiplas procedências no mundo.

Pouco importa qual a quantidade, mas o certo é que há mais do que os quase 15 milhões por aí afora que, de uma maneira ou de outra, estão em cifras mais oficiais. Retornando aos 30 milhões do Rav Bergman, está claro que o Rav não se referia a um número concreto, mas que se referia, mais do que a uma cifra, a uma atitude, a de ter as portas abertas da casa judaica, e fazê-lo em todas as suas modalidades, a laica, a religiosa, usando princípios inclusivos.

Estamos falando dos princípios inclusivos do judaísmo reformista. O judaísmo reformista tem uma atitude propensa ao acolhimento de indivíduos e famílias que querem ser acompanhados em direção ao judaísmo e dentro dele. Hoje constatamos que, apesar do antissemitismo endêmico, muitos se sentem atraídos em direção ao judaísmo sem conhecê-lo, ou conhecendo-o parcialmente. Alguns atraídos por uma nostalgia de origem desconhecida, outros por uma exaustão das religiões que promulgam a submissão, e outros simplesmente porque partiram e querem retornar. Todos chegam com uma série de medos, uns com incertezas e, os que haviam partido, com dúvidas e saudades.

Esses milhões de potenciais judeus não têm que ser convertidos como quando João Hircano [Yochanan Horkanos] forçou os idumeus1 à conversão, e estou certo que Rav Bergman não falava de incorporar um enfoque proselitista ao judaísmo do século XXI, nada mais distante disso;

É necessário mas, sim, de abrir as portas de nossa casa operacionalizar o que diz a e apresentar os cômodos que, com mimo, Torá sobre a hospitalidade cuidamos e melhoramos a cada dia. É necessário operacionalizar o que de Sara e Abrahão diz a Torá sobre a hospitalidade de Sara e dando as boas-vindas Abrahão dando as boas-vindas aos estranaos estrangeiros em geiros em sua morada. Em Gênesis 12:5 sua morada. Em Gênesis 12:5 vemos como Sara e vemos como Sara e Abrahão se aproximaram dos forasteiros oferecendo sua hospitalidade, trazendo junto a presença diviAbrahão se aproximaram na, colocando-os sob a Shechiná. O midos forasteiros oferecendo drash (Bereshit Raba 39) nos diz que tosua hospitalidade, dos que aproximam alguém da Shechiná é trazendo junto a presença como se a tivessem criado e formado. Há algo maior do que criar?divina, colocando-os Assim nós devemos em hazman hazê, sob a Shechiná. neste tempo da História em que nos toca viver, recuperar este princípio de acolhimento, de aproximação dos outros à Shechiná, sem forçar, mas com o exemplo de uma bait patuach, uma casa aberta. Nossas ferramentas são ensinar quem somos, o que fazemos e os valores éticos que nossa tradição codificou e guardou ao longo dos séculos e que continuamos a atualizar por meio do estudo profundo e do diálogo com nosso textos, para assim torná-los novamente significantes para a mulher e o homem modernos. A partir do movimento reformista o judaísmo se apresenta como uma bait patuach. Não é um café-para-todos, mas um local onde todos podem se aproximar para formar parte de nossa comunidade, sem importar sua procedência, ou se querem se aproximar de maneira laica ou religiosa. Uma bait patuach, como a de Sara e Abrahão, para que encontrem aconchego, boas-vindas e um sentido de pertinência à milenar comunidade judaica. Desta forma teremos iniciado o caminho não apenas para chegar aos 30 milhões de judeus de Rav Bergman, mas também para sonhar e tentar alcançar os 200 de Ashley e, mais importante ainda, para ampliar as asas da Shechiná, independentemente dos números. Andrés B. Mosquera é advogado em exercício na Bélgica e estudante de rabinato no Instituto Iberoamericano de Formação Rabínica Reformista. Traduzido do espanhol por Michel e Sheila Ventura

1 Habitantes da Edom bíblica.

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