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Rabino Beni Wajnberg
YOGA NA SINAGOGA?
Rabino Beni Wajnberg
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Sabe os biscoitinhos de Purim, Oznei Haman ou Hamantaschen? Simbolizam as orelhas de Haman, ou o chapéu do Haman, não é? Bom, de acordo com a revista Time1, nada disso. O biscoito que virou sinônimo de Purim vem de um biscoito que tinha ficado famoso na Europa chamado Mohntaschen, literalmente “um bolso de papoula.”
As quatro espécies de Sucot representam um costume bem judaico, não é? Talvez, porém mais provável, um ritual pagão de fertilidade.2 Até a melodia “tradicional” mais conhecida da canção litúrgica Ein Keeloheinu talvez tenha origens não judaicas. De acordo com uma teoria, ela vem de uma canção alemã de bar ou de um hino da igreja luterana.3
O meu ponto é o seguinte: temos medo de influências externas e assimilação como a principal ameaça ao futuro do povo judeu, quando na verdade ela aconteceu por todos os séculos, sempre enriquecendo as práticas e os costumes de nossos ancestrais. De certa maneira, o judeu respira um ar fresco e vivo, que reenergiza sua prática e conexão com o passado. Relevância, adaptabilidade e mudanças não foram perigos para a nossa sobrevivência, mas, ao contrário, a chave para entender o mistério do nosso passado, o significado de nosso presente e a importância do nosso futuro.
O homem moderno está sempre à procura de significado para sua vida. Tendo estado em comunidades judaicas em muitas partes do mundo, me dou a liberdade de fazer uma revelação audaciosa. Em qualquer sábado de manhã,
a maior parte das comunidades tem menos congregantes na sinagoga do que em estudos de yoga, em academias se exercitando ou relaxando na praia, na montanha ou onde for. Temos, então, duas alternativas: ou batemos a cabeça contra a parede e choramos, ou procuramos entender o porquê desse fenômeno, e procuramos integrar as maneiras pelas quais as pessoas em 2021 caminhem suas jornadas espirituais ao nosso Judaísmo para que ele continue vivo. Eu sou um forte proponente da segunda opção. Até porque gosto da melodia do Ein Keelokeinu, independentemente de sua origem.
Na verdade, tem muita coisa kasher no yoga. Conectá-lo com Yidishkeit e com a sinagoga não é muito difícil. Quando terminamos a nossa análise, apreciaremos mais os judeus que rezam em um sábado num estúdio de yoga, mexendo seus corpos em sincronia com sua respiração. Talvez até sintamos que é interessante de vez em quando trazer o yoga para dentro da sinagoga, e criar um minian Shal-OM praticando essa arte e exercício como um shacharit integrado. Como rabino, a minha prática de yoga me trouxe mais próximo ao Judaísmo e ao Sagrado.
A Espiritualidade
Yoga é muito mais do que só exercício. Exercício é uma parte importante da prática, mas de maneira alguma resume a essência da experiência para os estudantes e praticantes. Yoga vem da palavra em sânscrito Yuj, que quer dizer “unir” ou “trazer junto”. Corpo e alma, o mundano e o espiritual, se reunindo. Essa e a definição de yoga. Não por coincidência, também é como muitos líderes espirituais judeus viram o objetivo de nossa tradição.
Os chassidim (quando ainda eram revolucionários e não reacionários e ultraortodoxos como são hoje) criaram o costume de hitbodedut. Entravam no meio da floresta para se aproximar de Deus, e começavam a falar, sentindo e vendo Deus diretamente em frente a eles, ao invés de um ícone sentado em um trono celestial recompensando ou castigando. Eles também falavam de dvekkut, um processo de estarem diretamente ligados (literalmente colados) a Deus. O Judaísmo desenvolveu por meio do misticismo aplicado uma maneira de entender a dicotomia entre “corpo” e “alma” como uma ilusão. Reb Nachman de Bratislav ensinou que existem camadas da realidade enterradas no que observamos, e que podemos revelar o que está escondido.
Esse conceito de rezar ser só uma obrigação que homens (e só homens) devem fazer, como uma pessoa indo ao mercado com uma lista de obrigações, não só é insuficiente como também um detrimento e insulto à riqueza da vida espiritual. Reb Zalman Schachter-Shalomi, fundador do movimento Renewal no Judaísmo, escreveu em Jewish with Feeling que Judaísmo não é igual a comprar uma fruta no mercado, que foi limpada e tratada para durar em uma

prateleira. Judaísmo é mais como ir à macieira, morder uma fruta direto da árvore, e sentir a doçura do fluxo de vida que se une com o seu! E ele diz que Judaísmo pasteurizado, tratado, artificializado é um Judaísmo morto e irrelevante.
Para que trazer o yoga para a sinagoga? O yoga, sendo um manifesto da capacidade de unir o corpo com a alma, se transforma no pior dos casos em um lembrete de qual é o objetivo da prática espiritual. E no melhor dos casos, ele vira um convite a participar desse processo de unificação de uma pessoa com toda a unidade da energia espiritual que existe no mundo.
A Pranayama
Uma parte principal da prática do yoga para atingir essa unificação é a pranayama, a prática de respiração intencional. A respiração vem a ser vista como a conexão entre o corpo e o sagrado, e sua prática como um caminho a uma elevada consciência. Respiramos, claro, muitas vezes por minutos. Mas fazemos isso inconscientemente, como um reflexo involuntário. Porém, diferentemente de outros reflexos involuntários como o bater do coração, a respiração podemos controlar, tornando-a única e especial.
Quer encontrar Deus? “Kol HaNeshamá Tehalel Yá”, proclaVocê O encontrará em ma o Salmo 150. Normalmente traducada respiração. Esqueça um homem sentado zimos esse verso como “Todas as almas (ou ‘tudo que tem uma alma’) louvam a Deus”. Mas adicione um yud à palavra em um trono celeste Neshamá e ao invés de alma temos respimandando relâmpagos ração, neshimá. Como na história bíblica, como castigo, concentre- que Deus respira uma alma para as fos-se no respirar do seu sas nasais de Adão. Toda respiração é um louvor a Yá. corpo e da natureza E quem é esse/essa Yá? Bote sua mão e você entenderá a no lugar onde seu pescoço se une ao seu contribuição do yoga peitoral e senta a vibração que vem com para a teologia judaica. a palavra, como uma exalação. Podemos então traduzir o verso do salmo como “Toda inalação louva com o exalar sagrado”. Se você ainda não está convencido, basta olhar o nome sagrado de Deus, o nome de quatro letras: Yud Hey Vav Hey. As vogais têm que ser descartadas, porque, como sabemos, no original, na Torá, as vogais não existem. Adonai também é um nome artificial, criado como tentativa de resolver essa falta de vogais – e uma tentativa extremamente complicada, porque acabou ficando na forma plural em hebraico com o sufixo “ai” significando Senhores. Como sabemos, Judaísmo fala da união e unidade do sagrado, então Adonai não faz muito sentido. Então, tire todas as vogais e tente pronunciar YHVH.
Faça certo e vai realizar algo extremamente importante.
O nome de Deus não é Adonai. O nome de Deus é uma exalação. Quer encontrar Deus? Você O encontrará em cada respiração. Esqueça um homem sentado em um trono celeste mandando relâmpagos como castigo, concentre-se no respirar do seu corpo e da natureza e você entenderá a contribuição do yoga para a teologia judaica. Por que eu pratico yoga? Porque o yoga me ajuda a desenvolver minha teologia judaica como rabino, simples assim.
A Asana
Asana em sânscrito significa “sentado” e se refere à primeira imagem de yoga que vem à nossa cabeça pelo senso comum: a parte do exercício. As poses do yoga são sincronizadas com a respiração e têm como objetivo o mesmo do que qualquer outra parte da prática: essa reunificação entre o corporal e o espiritual. A prática é uma de concentração, sensibilidade e agilidade. O praticante procura conexão com o chão e com a natureza, movendo sua energia interior em sincronia com a energia exterior.
Como pode o exercício ser prática espiritual? Em primeiro lugar, temos que discutir a importância do corpo como veículo da conexão com o sagrado. A benção Asher Yatsar em nosso Sidur agradece pela maneira com a qual os nossos órgãos nos dão a capacidade de vida. E em Shemot 25:8, a Torá diz: “Vaassu li mikdash veshachanti betocham”. “Construam para Mim um santuário, e Eu viverei dentro deles”. A princípio, parece que temos um problema de gramática. Se os nossos antepassados construíssem um santuário, imaginaríamos que seria para que Deus tomasse residência nesse lugar especial. Mas o versículo diz algo diferente. Façam o santuário, mas Eu morarei dentro de vocês. Deus não mora num lugar, mas dentro de cada um. O santuário é o corpo. Cada um de nós aluga pelas nossas vidas uma sinagoga própria de nós mesmos. Deus reside dentro de nós. O que ingerimos impacta não só física, mas espiritualmente, a nossa “sinagoga” privada, o nosso santuário individual. O que fazemos com nossa estrutura óssea, com nossos órgãos, com nosso corpo tem impactos
Talvez possamos ver o diretos na nossa capacidade de lembrar da Judaísmo mais como um espiritualidade interior. playground experimental Mexer o corpo com intencionalidade, fazendo-o mais forte, mais flexível, e do que como um museu. mais conectado com a nossa respiração, Podemos nos machucar pode virar prática religiosa. Pode darde vez em quando, mas -nos a capacidade de internalizar mais participando, brincando e experimentando esse sentimento do sagrado por meio de cada movimento, gota de suor, batida rápida de coração.
de tudo, mais inspirados. Não, tapas não são uma referência à culinária espanhola. Se refere a limitações e circunstâncias de desconforto temporárias que resultam, a longo prazo, numa melhoria em nossas vidas. Parte tem a ver com limitação do que, como e quanto se come para que a alimentação seja também um exercício espiritual de atenção plena, e parte com o desconforto que pode vir de se adaptar a uma vida diferente de busca espiritual, como, por exemplo, limitações iniciais de flexibilidade em movimento. O Judaísmo também vê valor em mudar nossas vidas mesmo que cause desconforto. Até os costumes de kasherut, do que se come e do que não se come, podem ser entendidos dessa maneira. A tradição judaica não tinha como visão a indústria kasher, que tende à busca do lucro financeiro e político. Não, ao contrário, kasher em hebraico quer dizer “adequado” para o consumo. Mais do que o produto final, tem a ver com a intencionalidade de cada pessoa. Nos concentramos no que está diante de nós mesmos e pensamos se consumir aquilo vai contribuir na nossa jornada espiritual. Eu diria que considerações ambientais, de sustentabilidade e de condição de vida dos trabalhadores que produzem o que comemos têm que ser necessárias, e devem ser vistas também pelo prisma de discernimento do que é verdadeiramente kasher. Da mesma maneira, em Yom Kipur, por exemplo, mudamos a nossa vida nos colocando em desconforto temporário por um motivo sagrado: avaliar as nossas prioridades e a maneira pela qual nos relacionamos com nossas vidas e nosso universo. E em Pessach comemos o maror para internalizar a amargura do passado, talvez dando novo valor à nossa liberdade e vida. Também falamos no Seder que

se não refletirmos em Pessach, matsá e maror não cumprimos nosso objetivo. Não basta apenas comer. É parar, refletir, internalizar e saborear. Pode demorar mais, pode ser desagradável, mas nos leva a um lugar de maior apreciação e maturidade.
Por que introduzir o yoga na sinagoga?
Por que não? Já introduzimos costumes pagãos e canções estrangeiras sem ameaçarem nossa sobrevivência. No pior dos casos, nada ruim acontece. Talvez, judeus que já encontram relevância no yoga reencontrem a relevância na sinagoga e no Judaísmo, vendo como os dois são relacionados e se comunicam um com o outro.
No melhor dos casos, o yoga pode fazer de cada um de nós judeus melhores. Conectados à nossa respiração, aos nossos corpos e à maneira com a qual consumimos. Talvez nós também vejamos mais relevância no Judaísmo fora de um museu, olhando como espectadores ao que deve ser cuidado com medo e distância como uma parede de vidro. Talvez possamos ver o Judaísmo mais como um playground experimental do que como um museu. Podemos nos machucar de vez em quando, mas participando, brincando e experimentando sairemos mais fortes, mais conectados, mais comprometidos e, acima de tudo, mais inspirados. Não é esse o tipo de Judaísmo que nossas crianças acharão mais interessante? Não é esse o tipo de Judaísmo que queremos deixar para o futuro?
O Rabino Beni Wajnberg é cria da ARI e se formou no Hebrew Union College em Los Angeles. Depois de sua formatura, serviu à sinagoga Shaarei Tefilá em Nova York e atualmente ao Temple Beth Rishon em Nova Jersey. Em junho ele deve se mudar para Singapura com a finalidade de servir à United Hebrew Congregation, a maior sinagoga reformista na Ásia.
Notas
1 https://time.com/4695901/purim-history-hamantaschen/ 2 https://www.haaretz.com/jewish/MAGAZINE-why-do-jews-shake-the-four-species-on-sukkot-1.5450033 3 http://www.chazzanut.com/articles/on-ein-keloheinu.html