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David Vidal Israel
A SOLIDARIEDADE EM MANAUS
David Vidal Israel
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Nas primeiras décadas dos anos 1800, atraídos pela liberdade religiosa e pela possibilidade de melhoria de vida, muitos homens e mulheres judeus vieram do Marrocos para o interior da Amazônia atrás das riquezas da floresta, em especial a borracha dos seringais. Vieram com muita vontade de prosperar e fizeram as adaptações que julgaram necessárias em seus costumes para a nova realidade que encontraram. Se hoje existe judaísmo por aqui, devemos à tenacidade dessas pessoas.
A comunidade judaica de Manaus tem aproximadamente 800 membros, hoje em sua maioria composta pelas terceira e quarta gerações dos pioneiros marroquinos que, em um primeiro momento, se fixaram nas calhas do rio Amazonas e posteriormente migraram para as capitais, como Manaus, após o fim do ciclo da borracha na década de 30 dos anos 1900. Ainda que esses ciclos tenham se encerrado a tanto tempo, podemos dizer que até hoje impactam positivamente na vida judaica amazonense: parte do orçamento anual do Comitê Israelita do Amazonas (CIAM) é proveniente de aluguéis de imóveis doados à comunidade pela família Pinto, prósperos comerciantes daquela época.
O órgão que representa oficialmente a comunidade é o Comitê Israelita do Amazonas. Fundado em 1929, conta com a sinagoga Beit Yaccov-Rebi Meyr, onde são feitas tefilot durante a semana, nos Shabatot e nos chaguim. Os encontros sociais são realizados no Clube Hebraica-Manaus, onde também são desenvolvidas as atividades do movimento juvenil Habonim Dor. Nossas
crianças recebem educação judaica complementar na escola Jacob Azulay. A Chevra Kadisha conta com estrutura necessária para a realização de seus serviços e, além do cemitério do centro, já possui local novo licenciado. Contamos também um serviço de assistência social regular, que provê mais de 15 famílias com alguma ajuda financeira mensal e bolsas de estudos patrocinadas pelo fundo “Samuel Benchimol” para jovens acima da idade de Barmitsvá que mantêm rendimento escolar satisfatório.
Devido às condições impostas pela Covid-19, como fizeram nossos antepassados, nossa comunidade está passando por processos de adaptação, desta vez às tecnologias virtuais. Os serviços religiosos e as atividades da escola judaica passaram a ser transmitidos por intermédio do aplicativo Zoom. A Chevra sofreu mudanças para se adaptar às normas sanitárias vigentes. Outro grande impacto causado pela pandemia foi a diminuição na arrecadação causada pelos sucessivos e necessários lockdown que impactam diretamente em nossas receitas de aluguéis.
Por outro lado, os membros da comunidade judaica manauara têm sido bastante generosos em prover recursos na forma de apoio financeiro e de trabalho voluntário, ajudando pessoas em situação de risco pela Covid. Os médicos do nosso ishuv têm tido papel importante, colaborando com consultas gratuitas e acompanhando pacientes internados, que ajudam a família e o Comitê a prover maior conforto aos enfermos.
As ofertas de ajuda e o apoio moral que recebemos da comunidade da ARI e de muitas outras do nosso país, assim como a presença de seus membros em nossos eventos virtuais, como a Havdalá com a participação do rabino Margulies, nos deram a certeza de que somos importantes para nossos irmãos do Brasil e do mundo.

Esse sentimento de ajuda ao próximo e de tikun olam não se limitou somente aos membros da comunidade: nos meses de janeiro e fevereiro de 2021, a população amazonense passou por momentos difíceis, quando, em meio à onda de uma variante violenta do vírus, os suprimentos de oxigênio colapsaram. A cidade de Manaus, com quase 2,4 milhões de habitantes, está localizada no centro geográfico da Amazônia e é cercada pela floresta. Nosso abastecimento é feito quase que exclusivamente pelos rios. Há quem diga que se a estrada que nos liga ao sul e sudeste tivesse boas condições de tráfego, essa tragédia teria sido menor. Nesse contexto, membros de nossa kehilá encabeçaram listas de doações para o sistema de saúde local e o CIAM orientou que todas as ofertas vindas de membros de outras comunidades fossem canalizadas para estas iniciativas.
Se por um lado vivemos momentos tristes, quando perdemos em cinco semanas cinco membros de nossa comunidade pela Covid (no total nove em oito meses), por outro lado constatamos que não estamos sozinhos. As ofertas de ajuda e o apoio moral que recebemos da comunidade da ARI e de muitas outras do nosso país, assim como a presença de seus membros em nossos eventos virtuais, como a Havdalá em 23-2-2021, com a participação do rabino Margulies, nos deram a certeza de que somos importantes para nossos irmãos do Brasil e do mundo.
David Vidal Israel é presidente do Comitê Israelita do Amazonas para o Biênio 2020-2021.
Este artigo foi escrito em março de 2021.
