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Rabino Joachim Prinz. O Perigo do Silêncio

As palavras de Prinz – seu legado – são hoje tão relevantes quanto eram na época, lembrando-nos, como aos presentes em 1963, do perigo definitivo – o perigo do silêncio.

Rabino Clifford Culwin

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Em agosto de 1985 deixei o Rio de Janeiro e minha posição como rabino assistente na ARI. Voltei para os Estados Unidos, para fazer doutorado em história judaica e começar a trabalhar com a WUPJ (a organização guarda-chuva internacional das comunidades Reformistas, Reconstrucionistas e Liberais-inglesas em todo o mundo). Passariam 15 anos antes de eu voltar ao rabinato congregacional, desta vez no Temple B’nai Abraham, em Livingston, Nova Jersey.

No Rio, servi a uma congregação fundada por um grande rabino alemão, Heinrich Lemle, cujo impacto na ARI perdura mesmo depois de sua morte há mais de 50 anos.

O Temple B’nai Abraham foi fundado 100 anos antes da ARI, mas também possui a marca de um grande rabino alemão em seu púlpito, Joachim Prinz, que estudou no Seminário Teológico Judaico de Breslau alguns anos antes de Lemle.

Os 13 anos de Prinz como Berlin Gemeinderabbiner (rabino comunitário) foram memoráveis. Ele era um novo tipo de rabino. Em um documentário recente (2014) sobre ele, uma mulher idosa que cresceu em Berlim declarou: “Ele era para nós o equivalente a um rock-star de hoje”. E o brilho em seus olhos deixou claro que ela quis dizer exatamente o que disse.

E ela realmente não estava exagerando. Ele ultrapassou limites. Prinz ia patinar no gelo com “seus” jovens; algo inédito para um rabino alemão na década de 1930. Ele foi um professor e palestrante sem igual; o erudito Gunther Plaut, outro renomado rabino alemão que também veio para as Américas, descreveu

“Quando eu era o rabino da comunidade judaica em Berlim sob o regime de Hitler, aprendi muitas coisas. A coisa mais importante que aprendi nessas circunstâncias trágicas foi que fanatismo e ódio não são o problema mais urgente. O mais urgente, o problema mais vergonhoso, mais vergonhoso e mais trágico é o silêncio.”

Prinz como “o mais procurado predicador O rabino Prinz ultrapassou Jackie Levine, um robusto nonagenádo país”. Com um poderoso dom de oralimites. Ele ia patinar rio membro do Temple B’nai Abraham, e tória e um novo estilo de fala direta sobre judaísmo e assuntos de interesse atual, ele no gelo com “seus” um discípulo de Prinz, diz no documentário: “Não consigo enumerar o número era especialmente atraente para os jovens, jovens; algo inédito de pessoas que conheci, especialmente em mas pessoas de todas as idades se reuniam para um rabino alemão Israel, que creditam a Prinz tê-las convenem seus cultos de Shabat. “Se você não esna década de 1930. cido a sair da Alemanha”. Em uma contava na fila às 7h30 para o serviço das 9 versa recente, Jackie me contou que muihoras”, lembrou Plaut, “é improvável que conseguisse ser tos diziam claramente: “Ele salvou a minha vida”. admitido no santuário, sempre lotado”. O próprio Prinz, é claro, não foi embora. Sua missão

Curt Silberman, confidente de Prinz, membro do Temera cuidar dos judeus alemães, o rebanho que Deus havia ple B’nai Abraham, me contou a piada que dizia que as lhe dado. Apesar de várias prisões, ele continuou a falar. elegias de Prinz na Alemanha eram tão notáveis que “as Em um Shabat, Prinz levantou uma cópia do Der Sturmer pessoas morriam apenas pela vontade de serem enterradiante de uma congregação lotada em sua sinagoga de Berdas por ele”. lim. Apontou para os desenhos racistas dos judeus, cari

O rabino Prinz incorporou uma rara combinação: seu caturas com narizes grandes e lábios grossos. Enquanto os calor pessoal e carisma garantiram-lhe uma carreira pastosempre presentes agentes da Gestapo observavam, ele perral de enorme sucesso, enquanto que sua oratória e bravuguntou aos congregantes: “Olhem para si mesmos. Olhem ra levaram milhares de fiéis a segui-lo, mesmo quando ele um para o outro. É assim que somos?” desafiava o status quo. Ele esforçou-se bravamente para reforçar a autoestima

E desafiar foi efetivamente a sua marca. Prinz comjudaica, mesmo durante o planejamento dos nazistas de preendeu as consequências da ascensão nazista ao poder despojar a comunidade de sua dignidade (e de seus bens) antes de qualquer outro líder judeu. Ele sabia o que via caminho para a Solução Final. ria pela frente. Ele estava convencido de que os judeus Prinz estava comprometido com os judeus da Alemanão tinham futuro na Alemanha e, do púlpito, em disnha. Ele permaneceu o máximo que pôde, mas sua francursos e escritos públicos e em conversas pessoais, ele os queza testava a paciência da Gestapo. Sua saída, em 1937, exortou a sair. aconteceu, no melhor dos casos, dias, mas muito prova

velmente horas antes do que teria sido sua última prisão e morte certa. Quando seu navio, o SS De Grasse, da French Line, partiu para o porto de Nova York em agosto, Prinz deve ter dado um enorme suspiro de alívio.

Stephen S. Wise, fundador da Free Synagogue da cidade de Nova York e um dos rabinos mais importantes da América, tornou-se o anjo da guarda de Prinz. Ele organizou um tour de palestras de Prinz pelos Estados Unidos e, mais tarde, apresentou-o aos representantes do Temple B’nai Abraham, então em Newark, Nova Jersey. Isso foi tudo o que era preciso. Pelo restante de seus 86 anos, Prinz seria o rabino da congregação, depois o seu rabino emérito.

Um novo país e um novo idioma poderiam ter dado a um rabino menor uma pausa. Mas não a Prinz. Ele mergulhou rapidamente em sua nova vida. Do estado moribundo em que a encontrara – endividada e com uma congregação dizimada – ele rapidamente construiu o Temple B’nai Abraham como uma das maiores e mais proeminentes sinagogas do país; centenas de fiéis se aglomeravam semanalmente no enorme edifício renascentista grego da Clinton Avenue para ouvi-lo falar.

Ao se adaptar à nova vida, Prinz aprendeu sobre sua nova terra. E, como sempre, sintonizou-se com aqueles que a sociedade tratava com mais severidade. Ele se lançou no movimento americano pelos direitos civis, a luta para garantir que os cidadãos negros desfrutassem das mesmas oportunidades, proteções e privilégios que os cidadãos brancos. Em uma terra onde escolas, ônibus e até banheiros eram segregados, havia muito a superar.

A causa impactou Prinz; despertou o mesmo ultraje moral que o nacional-socialismo alemão. Como rabino de uma grande sinagoga americana, cargo que mais tarde acumulou com o de presidente do Congresso Judaico Americano (AJC), Prinz transformou sua indignação em ação,

O DISCURSO DE JOACHIM PRINZ

Me dirijo a vocês como um judeu americano.

Como americanos, compartilhamos da profunda preocupação de milhões de pessoas com as vergonhas e as desgraças da desigualdade e da injustiça, que zombam da grande ideia americana.

Como judeus, levamos a esta grande demonstração, da qual milhares de nós orgulhosamente participamos, uma experiência dupla – uma do espírito e outra da nossa história.

No reino do espírito, nossos pais nos ensinaram há milhares de anos que, quando Deus criou o homem, ele o criou como próximo (“Neighbor”, em inglês) de todos. Vizinho não é um termo geográfico. É um conceito moral. Significa nossa responsabilidade coletiva pela preservação da dignidade e integridade do homem.

De nossa experiência histórica judaica de três mil e quinhentos anos, dizemos:

Nossa história antiga começou com a escravidão e o desejo de liberdade. Durante a Idade Média, meu povo viveu mil anos nos guetos da Europa. Nossa história moderna começa com uma proclamação de emancipação.

Por essas razões que não é apenas a simpatia e compaixão pelo povo negro da América que nos motiva. É, acima de tudo e além de todas essas simpatias e emoções, um sentimento de completa identificação e solidariedade nascida de nossa dolorosa experiência histórica.

Quando eu era o rabino da comunidade judaica em Berlim durante o regime de Hitler, aprendi muitas coisas. A coisa mais importante que aprendi nessas circunstâncias trágicas foi que fanatismo e ódio não são o problema mais urgente. O problema mais urgente, mais vergonhoso, mais vergonhoso e mais trágico é o silêncio.

Um grande povo que criou uma grande civilização tornou-se uma nação de espectadores silenciosos. Eles permaneceram calados diante do ódio, diante da brutalidade e diante do assassinato em massa.

Os Estados Unidos não devem se tornar uma nação de espectadores. Os Estados Unidos não devem permanecer calados. Não apenas a América negra, mas toda a América. Deve falar e agir. Do presidente até o mais humilde de nós, e não pelo negro, não pelo bem da comunidade negra, mas pelo bem da imagem, da ideia e da aspiração da própria América.

Nossos filhos, o seu e o meu em todas as escolas do país, prometem todas as manhãs lealdade à bandeira dos Estados Unidos e à república pela qual ela representa. Elas, as crianças, falam fervorosa e inocentemente desta terra como a terra da “liberdade e justiça para todos”.

Creio que chegou a hora de trabalharmos juntos – pois não basta esperar juntos, e não basta rezar juntos, trabalhar juntos para que o juramento dessas crianças, pronunciado todas as manhãs do Maine à Califórnia, do norte ao sul, possa se tornar uma realidade gloriosa e inabalável em uma América moralmente renovada e unida.

Como rabino de uma grande sinagoga americana, cargo que mais tarde acumulou com o de presidente do Congresso Judaico Americano, Prinz transformou sua indignação em ação.

desempenhando um papel tão importante no movimento quanto possível a qualquer líder branco.

Habitualmente, Prinz voltava à Europa todo verão para se reconectar com seus muitos amigos e colegas de trabalho na liderança europeia judaica do pós-guerra. Mas em 1963 ele interrompeu sua visita.

Durante sua ausência, seus colegas da liderança do movimento pelos direitos civis planejaram o que seria a Marcha por Empregos e Liberdade (March for Jobs and Freedom), planejada para acontecer na capital do país. Mais de 250 mil pessoas acabariam se reunindo em frente ao Lincoln Memorial. Os esforços estavam em andamento há meses, e as bênçãos do presidente John F. Kennedy no verão garantiram que ele ocorresse.

Por causa da marcha, Prinz chegou em casa três semanas antes do previsto. Ele e seu filho Jonathan voaram para Washington na noite anterior e provavelmente foi só então que soube que falaria imediatamente antes do renomado Reverendo Martin Luther King Jr. A perspectiva teria assustado um homem menor; provavelmente ela só deixou Prinz ainda mais disposto.

Em Washington, Prinz recebeu o esboço do discurso que sua equipe da AJC havia preparado. E ele não gostou do texto.

Ninguém sabe exatamente o que Prinz achou censurável. Provavelmente ele não discordou da mensagem. Mas, sem dúvida, o poder oratório de Prinz, testemunhado por gerações de judeus alemães e americanos e imortalizado por escrito por Philip Roth, viu que as palavras que ele recebeu não se adequavam a ele. E isso tinha que ser consertado.

Tarde da noite, no quarto que ele compartilhava com Jonathan no Statler-Hilton, escrevendo do zero nas folhas de papelaria do hotel, Prinz elaborou um novo discurso. Ele registrou exatas 479 palavras... e isso de um rabino cujos sermões regulares do Shabat costumavam durar uma hora ou mais.

Prinz rejeitou a premissa de que os judeus entendiam a situação dos negros porque eles também haviam sofrido discriminação. Prinz sabia que a comunidade afro-americana via os judeus simplesmente como parte da comunidade branca maior; melhor posicionada, com vidas mais fáceis, muito mais privilegiada.

Ele invocou a imagem da escravidão bíblica e se referiu aos “mil anos” de judeus nos guetos europeus, mas falou principalmente como um cidadão americano, um americano que havia visto o horror absoluto de perto.

“Quando eu era o rabino da comunidade judaica em Berlim sob o regime de Hitler, aprendi muitas coisas. A coisa mais importante que aprendi nessas circunstâncias trágicas foi que fanatismo e ódio não são o problema mais urgente. O mais urgente, o problema mais vergonhoso, mais vergonhoso e mais trágico é o silêncio.”

Em sua voz única, mais próxima a um orador de Ox

Prinz se lançou no movimento americano pelos direitos civis, a luta para garantir que os cidadãos negros desfrutassem das mesmas oportunidades e proteções que os cidadãos brancos.

ford ou Cambridge do que a de uma pesPrinz discursou últimos anos, cada vez mais a mídia e os soa cujo idioma nativo era o alemão, Prinz alertou os americanos para que não deixassem acontecer em seu país o que imediatamente antes do Reverendo Martin acadêmicos veem focando em sua vida e obra. E quem leu ou ouviu aquelas 479 palavras em Washington sabe que isso é aconteceu na Alemanha nazista. Ele teve Luther King Jr. na totalmente merecido. o cuidado de não dizer que sua própria March for Jobs and Como Prinz, eu fui rabino em dois herança lhe permitia entender o desafio Freedom, em Washington, países e em dois idiomas. Isso dá uma que a América negra enfrentava, mas que sua própria experiência havia lhe ensinado o que era necessário fazer para resolpara um público de 250 mil pessoas. A perspectiva especial. Os países são diferentes. As culturas são diferentes. Os males que atormentam cada sociedade são ver o desafio. perspectiva teria diferentes. Mas a necessidade de boas pes

Prinz acreditava que a razão principal assustado um homem soas agirem, e não se calarem, é universal. do sucesso dos nazistas não estava na inmenor; provavelmente Cinquenta anos se passaram desde o teligência de seu plano maligno ou no impacto de sua retórica, mas se deu porque ela só deixou Prinz março em Washington. Aqueles 50 anos não viram nenhuma melhoria nos males os numerosos bons alemães ficaram em siainda mais disposto. que atormentam nosso mundo. As palalêncio. Prinz acreditava que o racismo tevras de Prinz – seu legado – são hoje tão ria sucesso nos Estados Unidos se os numerosos bons amerelevantes quanto eram na época, lembrando-nos, como ricanos continuassem em silêncio. Ele acreditava que as aos presentes em 1963, do perigo definitivo – o perigo pessoas eram em geral boas em ambos os países. Seu pecado silêncio. do não foi a crença, foi o silêncio.

Quando Prinz terminou seu discurso, a plateia rugiu Clifford Kulwin é Rabino Emérito do Temple B’nai Abraham, NJ, em aprovação. O racismo que ele descreveu não havia sido USA. Previamente ele foi diretor de Desenvolvimento Internacional adulterado em sua feiura, mas sua mensagem foi positiva e da World Union for Progressive Judaism e, no começo dos anos animadora. Eu já vi isso antes, ele disse. Isso pode mudar. 1980, Rabino Assistente na ARI – Rio de Janeiro.

As observações de Prinz naquele dia foram um dos grandes discursos da história da oratória americana. E, nos Traduzido do inglês por Raul Cesar Gottlieb

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