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Cócegas no Raciocínio

ANIX 1 AÇÃO

Os motivos pelos quais uma anexação unilateral de parte da Cisjordânia agora, sem um acordo definitivo, é totalmente desnecessária, prejudicial a Israel hoje, e contra os interesses, no futuro, de um Estado de Israel judaico, sionista e democrático .

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A síntese declaratória acima, em sua afirmatividade, estabelece como premissa uma posição inequívoca contrária à anexação. Para não dizer isso eu mesmo, cito o rabino Eric Yoffie 2 , para quem ela não é apenas um erro, é uma total estupidez (Haaretz, 6 de julho de 2020):

Até o momento em que este artigo está sendo escrito, não se sabe exatamente se e quando e em que condições haverá, ou não, anexação de territórios da Cisjordânia. Não se sabe quais serão as prioridades de um Israel ainda mais ameaçado pela Covid-19, como agirão seus líderes, qual a força da reação a esta intenção na sociedade israelense. A bem da verdade, é bom lembrar que a ideia da anexação do vale do Jordão não é nova, foi apresentada logo após a ocupação da Cisjordânia (então anexada à Jordânia), em 1967, por Ygal Allon, do Achdut Avodá, partido de centro-esquerda. Escusado dizer que mais de 50 anos depois todos os fatores mudaram, mas não os que impediram que a proposta fosse então adotada...

Os apologistas da anexação unilateral, parcial ou total da Cisjordânia (aka Iehu

1. Nix: Termo usado para a recusa de se aceitar ou permitir algo; exprime veto, rejeição (traduzido e adaptado de www.merriam-webster.com/dictionary). Nix é também uma Deusa da Morte, a primeira rainha do mundo das Trevas. Conhecia o segredo da imortalidade dos Deuses podendo tirá- -la e transformar um Deus em mortal (deuseseherois.webnode.com.br). 2 O rabino Eric H. Yoffie foi presidente, de 1996 a 2012, da Union for Reform Judaism (URJ), o braço congregacional do movimento do judaísmo reformista nos E.U.A., que representa 1,5 milhão de judeus em 900 sinagogas nos Estados Unidos e no Canadá. dá ve Shomron), ou os que simplesmente a aceitam, estão convictos de que ela pertence por definição bíblica (ou divina) ao povo de Israel, ou então não veem outra alternativa possível para a segurança de Israel, tendo em vista fatores políticos, estratégicos e geográficos. Esses fatores são, entre outros, desconfiança [aliás, justificada] quanto às intenções dos palestinos a partir de um estado independente com fronteiras a poucos quilômetros de Tel Aviv e do aeroporto Ben Gurion, o risco de uma futura dominação pelo Hamas, a possível aliança com o Hezbollah (o que traria indiretamente o Irã para o coração demográfico de Israel), a existência, a partir do vale do Jordão e do norte do mar Morto, de uma linha territorial direta até o Irã via Jordânia e Iraque etc. etc. etc. – São argumentos sérios que não devem ser desconsiderados, mas as consequências da solução que advogam podem ser ainda mais perigosas e danosas à existência de um Israel judaico, sionista e democrático.

Na avaliação desse perigo e desses danos, vamos minimizar (mas não desconsiderar de todo) inicialmente, por um momento, as possíveis reações externas. Relativizemos momentaneamente, como exercício, todas as consequências imediatas, por parte de terceiros, a uma possível anexa

Paulo Geiger

ção [vamos citar essas consequências mais adiante], inclusive com base no duvidoso wishful thinking de que com o tempo tudo isso talvez se assente como a poeira da história, restando o fato consumado.

Então, pensando agora apenas em nós mesmos, será isso (anexação unilateral, sem qualquer acordo, mesmo que de ‘apenas’ uma parte da Cisjordânia) o que devemos querer como ‘nossa’ solução para o conflito, ao menos como uma etapa da solução, na configuração, mesmo que parcial (por enquanto) do status futuro do estado nacional do povo judeu? A anexação é necessária? Conveniente? Desejável? Ela resolve, atenua o conflito, nos aproxima de uma solução verdadeira? Aumenta nossa segurança? Na introdução, antecipamos nossas respostas: a anexação é desnecessária, prejudicial a Israel hoje, contrária aos interesses, no futuro, de um Israel judaico, sionista e democrático. Resta demonstrar por quê.

A anexação é desnecessária

O único possível argumento de que a anexação seja necessária agora, como medida unilateral, ‘goela abaixo’ dos palestinos, seria o de que é urgente garantir a segurança de Israel ao longo da fronteira oriental da ‘Palestina’, tendo em vista a crescente ten

são com o Irã. Porque é essa fronteira que dá acesso terrestre aos territórios da Jordânia, depois os do Iraque, chegando ao Irã. Nenhuma outra alegação teria sentido, pois a anexação não muda em nada as condições sobre o terreno. Nenhuma outra ameaça ou perigo vem do fato de o vale do Jordão estar incluído na ‘Cisjordânia’ sob o regime de ocupação israelense até um acordo definitivo, inclusive sobre fronteiras.

Além disso, na verdade, o vale do Jordão já está sob o controle de forças israelenses, a área da suposta anexação (30% da Cisjordânia) está coberta de assentamentos israelenses, e a presença de palestinos já é limitada a algumas dezenas de milhares. Sob o ponto de vista da segurança, a anexação é, portanto desnecessária sob qualquer aspecto, o demográfico e o militar. Ela responde, sim, a um obscuro projeto político, ou, para alguns, até mesmo político-religioso, que interfere na configuração atual e futura do Estado de Israel, e no seu caráter. Não responde a uma necessidade, e sim a um projeto da ultradireita nacionalista/religiosa israelense, que não é benéfico para o estado de Israel nem para a nação judaica. Como alegaremos na terceira resposta.

A anexação é prejudicial a Israel hoje

As mais que prováveis consequências imediatas e a médio prazo de uma anexação, parcial ou total, são todas prejudiciais ao atual status político, econômico e de segurança do Estado de Israel. Por muitos e diferentes motivos:

Ela sinalizaria a renúncia de Israel a uma solução negociada, ao impor pela força uma solução unilateral à qual se opõem os palestinos, quase todos os governos do mundo, inclusive os que apoiam Israel, parte da sociedade israelense e do povo judeu, a opinião pública mundial.

Em consequência disso, Israel estaria ainda mais isolado no mundo, dando força aos argumentos dos que, hoje injustamente, acusam Israel de fomentar o apartheid, o racismo e o expansionismo, de descumprir acordos, de oprimir os palestinos. É mais do que provável que houvesse um retrocesso no processo de lenta normalização das relações de Israel com parte do mundo árabe e islâmico, inclusive com países com os quais já tem relações estabelecidas, como o Egito e a Jordânia. Sem falar na decepção e desencanto de muitos judeus e sionistas de vida inteira, abrindo (ou aumentando) uma lacuna na identificação de parte do povo judeu, em Israel e no mundo, com o estado nacional do povo judeu.

Israel teria de ‘anexar’ também mais dezenas ou centenas de milhares de palestinos (no caso de uma anexação parcial) ou milhões de palestinos (no caso de uma anexação total), assumir a responsabilidade por eles, ou, pior, caso não recebam a cidadania israelense por recusa ou por imposição, ter de governá-los como refugiados palestinos ou estrangeiros sem status civil. Esta hipótese caracterizaria Israel como Estado não democrático, visto que haveria desigualdade de direitos e deveres entre os cidadãos.

Irônica, mas tragicamente, uma anexação parcial da Cisjordânia poderia levar a um estado palestino no restante da Cisjordânia, sem o frame de um acordo de compromissos e responsabilidades mútuas, sem garantias internacionais, isto sim, um pesadelo para a segurança de Israel em todos os sentidos.

Tudo isso em troca de qual benefício a curto e médio prazos, a não ser o de satisfazer as visões messiânicas dos extremistas nacionalistas-religiosos que alegam um status bíblico ou a suposta vontade divina como argumento histórico e geopolítico?

O próprio conceito da anexação é contra os interesses, no futuro, de um Israel judaico, sionista e democrático

Aqui é preciso analisar a diferença conceitual entre uma anexação parcial da Cisjordânia (x %) e uma anexação total. A anexação parcial é um ato puramente discricionário, de força, de imposição, não necessário e não conveniente, com as consequências acima analisadas. Ela não resolve o conflito, é uma apropriação, na verdade uma desapropriação. A anexação total, por sua vez, seria uma tentativa de solução definitiva do conflito, produto de uma visão ideológica, geopolítica. O que aqui vamos examinar é se esta solução é do interesse de um Israel judaico, sionista e democrático.

Poder-se-ia alegar que todas as possíveis consequências a curto e a médio prazos acima descritas serão um dia relegadas a um passado distante diante dos fatos consumados impostos goela abaixo. Isso aconteceu antes na história, como na colonização das Américas e da Oceania, na conquista árabe do norte da África e do Oriente Médio, na configuração das fronteiras de muitos países da Europa Central e das Américas, you name it. Restaria então perguntar se o que teremos – passado o desconforto de, em nome de nossos “direitos”, termos ignorado os direitos de outros – será realmente de nosso interesse como povo, nação e estado. Porque a anexação não será apenas de territórios, será, principalmente, de pessoas também, palestinos, no caso.

E há três consequências possíveis para a anexação de palestinos num Grande Israel, considerando que, segundo os processos demográficos mais prováveis, os palestinos serão um dia maioria nesse estado ampliado. 1) No regime democrático de uma pessoa um voto, se houver maioria palestina, um dia o estado deixará de ser judaico. A língua oficial deixará de ser o hebraico, a bandeira será verde e branca e não azul e branca, o hino não será o Hatikva (com sua menção à ‘alma judaica’). 2) Para manter judaico um estado com minoria judaica, ele deixará de ser democrático, talvez até mesmo tenha de se valer de apartheid. 3) E se houver um equilíbrio demográfico, um estado binacional, esse estado, para ser democrático, teria de abrir mão, voluntariamente, de uma identificação com o judaísmo (e com o povo judeu, deixando de ser sionista).

Isso não é uma certeza, claro, mas é a perspectiva mais plausível do que seria um estado para dois povos, consequência da anexação.

A situação atual, sem anexação, não constitui uma solução. Mas ela deixa em aberto a possibilidade de um acordo que inclua fronteiras, assentamentos, populações, segurança, desenvolvimento econômico, paz. Um tal acordo seria – será – sim, uma solução. Destruir essa possibilidade com uma anexação unilateral é um tiro no pé de um futuro desejável.

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