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Rabino Joshua Kullock
a linguagem corporal e a oração de israel
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rabino Joshua Kullock
Especialistas em comunicação afirmam que grande parte do que dizemos é transmitido pelas nossas posturas corporais. O corpo tem sua própria linguagem e, quando falamos, não só tem importância o que dizemos, mas, principalmente, como dizemos.
Acredito que parte disso se manifesta nas características básicas que dão enquadramento à oração mais importante da liturgia judaica: a Amidá. Três vezes por dia, nós, judeus, rezamos as dezenove bênçãos que compõem esta oração milenar. Se tivermos um minian, leremos em silêncio e depois ouviremos a repetição em voz alta, porém se estivermos sozinhos somos convidados a pegar o sidur e encontrar uns minutos a cada dia para nos conectarmos com nossos textos e tradições, engajados em um diálogo transcendente com o Eterno.
Porque a Amidá é justamente isso, um diálogo. Apresentamonos humildes perante o Santo, bendito seja, sabedores das nossas falhas, porém orgulhosos de podermos travar uma conversa íntima e pessoal com o criador do universo. Nesse contexto, portanto, não só devemos prestar atenção às palavras, mas também à forma como nossos sábios entenderam que deve ser vivido o momento da Amidá.
Em primeiro lugar, a Amidá deve ser recitada de pé. Exceto se a pessoa estiver fisicamente impossibilitada de fazêlo, a reza central da oração judaica nos solicita permanecermos erguidos. De fato, em hebraico a palavra Amidá significa justamente estar de pé. Contudo, estar em pé não é um sinal de arrogân
cia. Muito pelo contrário, somos aconselhados a elevar o espírito, enquanto nosso olhar se dirige para baixo, na direção do chão.
O que a tradição judaica nos quer ensinar quando estabelece que a Amidá seja recitada de pé é que esse ato está relacionado com aquilo que citávamos anteriormente em relação ao diálogo. A Amidá é, antes de tudo, um espaço de encontro, onde ambas as partes – o homem e o Eterno – se procuram e se necessitam.
Diferentemente de outras tradições religiosas, aqui não há exigência de submissão como o primeiro ato de fé, mas o desejo de conexão. O ser humano é reconhecido como um ser autônomo e livre. Parte justamente da sua liberdade a decisão de rezar, sem imposição de ninguém. É assim que homens e mulheres afirmam sua vontade de pertencer e o desejo de fortalecer o vínculo que os une como comunidade ao mistério do transcendental.
Silêncio e enraizamento
Mesmo assim, nossos sábios nos ensinam que a Amidá deve ser recitada silenciosamente. Isto atende a vários fins. Por um lado, a meditação silenciosa nos dá oportunidade de acrescentar orações pessoais ao texto base proposto por nossos rabinos, permitindo, assim que a oração espontânea possa acompanhar o momento de recitação comunitária. Por outro, o fato da Amidá ser recitada silenciosamente nos lembra que a oração é uma atividade intransferível. Se nós não fizermos isso, ninguém o fará por nós. Enquanto no ato de rezar em voz alta podemos deixar outras pessoas cantarem por nós, na hora da Amidá a responsabilidade não pode ser delegada. Desta forma, afirmase o caráter democrático do judaísmo e tornase evidente a forte ênfase no compromisso de cada pessoa individualmente.
Por fim, ao proferir a Amidá a pessoa deve voltarse na direção de Ierushalaim/Jerusalém. Assim, independentemente de onde estivermos, nos unimos como judeus, orientando nossos corações para um mesmo lugar. Esta capacidade de manter o povo unido, apesar da dispersão geográfica, contribuiu, sem sombra de dúvida, para a continuidade da nossa tradição. Antes que o mundo tivesse se tornado globalizado, nós, judeus, nos encontrávamos enraizados na terra comum, que foi transformada em anseio de tempos melhores. Jerusalém, consequentemente, não é só um lugar físico, mas também o símbolo de um estado de superação. É o centro que nos equilibra e é sinônimo de uma humanidade que deve estar comprometida com a busca de shalom, paz.
Conclusão: A linguagem corporal da nossa oração mais importante nos encontra de pé, nos abrindo para um diálogo eterno com a transcendência, no silêncio que nos interpela a participar de uma atividade intransferível e que volta nossos corações para Ierushalaim, a fim de nos unirmos como povo na tarefa cotidiana de fazer deste mundo um lugar melhor.
Portanto, agora que já falamos do enquadramento físico que serve como a chave que abre um pentagrama musical, estamos convidados a tirar alguns minutos de nossa jornada, abrir um sidur e começar a recitar as notas de uma tradição que, baseada em acordes consagrados por gerações de judeus, também espera de nós a improvisação de maravilhosas melodias.
Rabino Joshua Kullock foi diretor-executivo da União Judaica das Congregações da América Latina e Caribe. Ele serviu na Comunidade de guadalajara. Foi ordenado pelo Seminário Rabínico Latino-Americano em Buenos Aires e se formou pela Universidade de Haifa, com Mestrado no Instituto Schechter de Estudos Judaicos em Jerusalém. A partir de agosto, passará a ser rabino na Sinagoga West End, em Nashville, no Estado do Tennessee, EUA. Twitter:(@kullock)
Traduzido do espanhol por Beatriz Torres, intérprete de conferências e tradutora. Membro da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência. Membro da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência. Membro do SINTRA - Sindicato Nacional de Tradutores.