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Rabino Richard G. Hirsch

a visão reformista soBre os colonos da cisJordânia

rabino richard g. hirsch

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Amais delicada questão do conflito israelensepalestino se refere ao status da parte oriental de Jerusalém e às colônias israelenses na Cisjordânia. A situação legal destes territórios desafia as leis internacionais, pois conforme o plano de partilha aprovado pela ONU em 1947 eles deveriam ser parte do Estado Palestino a ser constituído em 1948, ao lado do Estado de Israel. No entanto, os palestinos se recusaram a declarar o seu Estado e no vácuo resultante desta situação os territórios foram anexados pela Jordânia, num movimento não reconhecido pela comunidade mundial.

Mesmo não tendo feito planos de conquistar esses territórios, Israel acabou ocupandoos militarmente por motivos estratégicos e de defesa após a agressão jordaniana de 1967. Em novembro daquele ano, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 242 que demandou “a retirada de Israel de territórios ocupados no recente conflito”, bem como o direito a todos os Estados da região a viver em paz dentro de fronteiras reconhecidas e seguras.

Contudo, o texto da resolução foi objeto de duas interpretações discordantes. Os árabes entenderam que o texto obrigava a retirada de Israel de todos os territórios ocupados, enquanto outros entenderam que a falta da palavra “todos” indicava que haveria ajustes na fronteira. Líderes israelenses aceitavam devolver todos os territórios desde que o direito a fronteiras reconhecidas – algo igualmente demandado pela resolução da ONU – fosse respeitado.

No entanto, a Liga Árabe, reunida em Cartum, havia declarado em setembro de 1967 os três “nãos” da beligerância continuada: “Não à paz com IsraTerão os judeus da Diáspora o direito de participar deste debate? Terá o Movimento Reformista, como uma organização religiosa de abrangência mundial, o direito de se posicionar neste conflito? Eu sustento que ambos têm não apenas o direito, mas também a obrigação, tanto como indivíduos quanto como organização.

< Torre do relógio em Nablus, Cisjordânia, construída em 1906 durante o Império Otomano.

el, não ao reconhecimento de Israel e não às negociações com Israel”, e ela não se moveu desta posição, à despeito da resolução 242.

Na falta de entendimento, o vácuo jurídico continuou a existir nos territórios, só que desta vez preenchido militarmente por Israel, sob grande controvérsia. Israel argumenta que sua fronteira a Leste nunca foi definida e que os acordos de 1993 com a OLP (chamados Acordos de Oslo) e de 1994 com a Jordânia rezam que o status final da Cisjordânia será definido no acordo permanente a ser alcançado. Por outro lado, os palestinos sustentam que a presença militar e civil de Israel na região viola os seus direitos de soberania.

Os colonos e a população árabe

O público israelense abriga várias posições divergentes. Desde os que se retirariam de todos os territórios em troca do estabelecimento de um Estado Palestino que coexista em paz com Israel até os que defendem a anexação total do território e a transferência de sua população árabe para a Jordânia.

A falta de uma solução exacerba o problema continuamente, tendo Israel estabelecido cidades pequenas e grandes na região, que hoje abrigam aproximadamente 350 mil colonos judeus, diante de uma população árabe de aproximadamente 2,4 milhões de pessoas.

Pesquisas de opinião conduzidas ao longo dos anos indicam que em troca de uma paz estável a maioria dos israelenses, e talvez até mesmo a maioria dos colonos, apoiaria a retirada da maior parte dos territórios. Contudo, a decisão de se retirar precipitaria uma oposição extremada e possivelmente violenta por parte de elementos radicais judeus da Cisjordânia. Esses grupos são majoritariamente compostos por ortodoxos que sustentam ser sua posição fundamentada em princípios haláchicos.

O que está em questão, então, é o debate entre duas escolas sionistas diametralmente opostas. A escola representada pelo movimento dos colonos acredita em Eretz Israel Hashlemá, a “Terra de Israel completa”, tendo o Jordão como a sua fronteira a Leste. Para eles, o controle sobre o território dado por Deus, conforme o relato da Torá, é preponderante sobre qualquer outra consideração. A segunda escola reconhece o direito histórico à Terra de Israel, mas acredita que considerações pragmáticas, tais como a composição demográfica da população e o caráter democrático do Estado judaico, têm precedência sobre a retenção dos territórios sob o domínio de Israel.

Terão os judeus da Diáspora o direito de participar

Maale Adumim, na Cisjordânia.

deste debate? Terá o Movimento Reformista, como uma organização religiosa de abrangência mundial, o direito de se posicionar neste conflito? Eu sustento que ambos têm não apenas o direito, mas também a obrigação, tanto como indivíduos quanto como organização. Se eles têm o direito de se manifestar com relação às políticas internas que afetam os judeus da Argentina ou da antiga União Soviética, por que não têm o direito de falar sobre assuntos que afetam os judeus do Estado judaico?

Conceitos de santidade

Certamente que há ramificações políticas em tomar partido, porém, acima e além dos aspectos políticos, há uma profunda questão religiosa que necessitamos endereçar. Temos diante de nós dois conceitos conflitantes de santidade. Há alguns judeus religiosos que, professando o amor pela Terra Santa e a obediência a Deus, insuflam as chamas do fanatismo religioso, violam as liberdades de grupos minoritários, advogam o governo pela força e impedem a evolução em direção a um acordo pacífico. Na minha concepção, sua versão de judaísmo é uma perversão. Seu amor é cego, suas crenças messiânicas são falsas e seu zelo é perigoso. Suas realizações difamam a fé, dessacralizam o Eterno e profanam a Terra Santa.

Como judeus religiosos nós declaramos que o conceito de “povo santo” tem precedência sobre o conceito de “terra santa”. Repudiamos as forças que, por silêncio ou inação, toleram a intolerância política e religiosa, os atos de violência física e verbal e os atos de racismo antijudaico e judaico. A aliança entre o radicalismo político e o extremismo religioso é profana. A menos que estas tendências ameaçadoras sejam revertidas, a diáspora será alienada, o tecido democrático da sociedade israelense será corrompido e será perdida a visão sionista de renovação nacional e espiritual.

A minha posição é fundamentalmente política. Se Israel não renunciar à maior parte da Cisjordânia (assim como fez com Gaza) em prol de um Estado Palestino, ele será forçado a incorporar milhões de árabes na sociedade israelense. E a menos que a maioria dos cidadãos seja judia, o caráter judaico do Estado será minado e poderá desaparecer. Por outro lado, se não for dada aos cidadãos árabes cidadania plena, Israel não será uma democracia. Só há, então, uma conclusão: se Israel pretende permanecer ao mesmo tempo judaico e democrático, Cisjordânia e Gaza não podem ser incorporados a Israel. Contudo, a lógica do movimento dos colonos não é fundamentada apenas na política. Não por coincidência, a grande maioria dos colonos é ortodoxa. Eles são fortemente influenciados por seus rabinos que dizem estar seguindo os ditados da tradição bíblica. Portanto, as posições do movimento dos colonos devem ser contestadas também a partir de perspectivas religiosas. É neste contexto que eu apresento as minhas visões. A alegação de que os colonos estão aplicando a halachá é um subterfúgio. Na realidade, eles exploram a halachá para conseguir seus objetivos políticos. Eles abusam da tradição em vez de seguíla e, ao fazer isto, eles distorcem tanto o espírito como a letra do judaísmo.

A alegação daqueles colonos que se dizem motivados pela religião é que o povo judeu recebeu a Terra de Israel de Deus como parte do pacto eterno com Abraão e sua semente. O mentor espiritual do movimento, o Rabino Zvi Yehuda Kook declarou: “Esta terra é integralmente nossa, incluindo todas as partes e fronteiras que o Criador do universo concedeu aos nossos antepassados, Abraão, Isaac e Jacó. Somos obrigados a conquistála e colonizála. Portanto, não temos permissão para alienar partes desta terra e transferilas para estrangeiros”. Eles também citam uma interpretação de Nachmanides sobre Maimônides na qual o mandamento de yishuvhaaretz (colonizar a terra) é um dos 613 preceitos do judaísmo. E outra declaração rabínica afirma: “Realizar o mandamento de habitar a terra é equivalente a realizar todos os demais mandamentos”.

Três controvérsias e interpretações

O fundamento básico do movimento dos colonos é que a terra de Israel é santa e que é a sua santidade que define as fronteiras do Estado. Portanto, nada pode se interpor à sua ocupação – nem os árabes, nem as outras nações do mundo e, certamente, nem o governo de Israel.

Se Israel pretende permanecer ao mesmo tempo judaico e democrático, Cisjordânia e Gaza não podem ser incorporados a Israel. Contudo, a lógica do movimento dos colonos não é fundamentada apenas na política. Não por coincidência, a grande maioria dos colonos é ortodoxa.

Estas convicções religiosas motivam as ações dos elementos radicais junto aos colonos. Contudo, alguns rabinos – inclusive não afiliados aos movimentos liberais – declararam que as interpretações haláchicas dos rabinos dos colonos são opostas ao espírito autêntico da halachá. Eis três controvérsias:

Os colonos citam de Devarim / Deuteronômio 7:1: “Quando o Eterno te trouxer à terra que estás para entrar e possuir, e desalojares muitas nações defronte a vós – os Hititas, os Girgashitas, os Amoritas, os Canaanitas, os Perizitas, os Hivitas e os Jebusitas,...”. Contudo, todos os comentaristas rabínicos concordam que os árabes de hoje não descendem dos habitantes de Canaan dos tempos bíblicos. Assim, o que se aplicava àquelas nações que desapareceram não tem relevância.

O mandamento de conquistar a terra tinha validade limitada àquele momento histórico e não é mais válido. Conforme a halachá, este mandamento só pode ser reativado através de uma renovação da profecia (a revelação direta da palavra de Deus para um humano). Contudo, a tradição registra que a profecia terminou a cerca de vinte e cinco séculos.

O Pikuach Nefesh, a “preservação da vida”, é um preceito fundamental a favor do qual todos os demais preceitos – menos idolatria, adultério e assassinato – podem ser desobedecidos. A tradição judaica ensina que o verso da Torá “e guardarás meus mandamentos, para que vivas por eles...” (Vaikra / Levítico 18:5) significa que não se deve morrer por eles. Consequentemente, o Estado de Israel é obrigado a conseguir um acordo com os palestinos para preservar vidas.

Nacionalismo e direitos

Nenhuma sociedade secular e democrática pode ser governada hoje pela interpretação da halachá. Promessas bíblicas e rabínicas de séculos atrás não podem ser invocadas para o estabelecimento de fronteiras no século 21. Nem Abraão, nem Josué nem Maimônides foram cartógrafos. Nenhum texto bíblico ou medieval pode ser usado para justificar o derramamento de sangue com o objeti

A alegação de que vo de manter as fronteiras pós 1967. Usar os colonos estão aplicando a halachá a religião como um pretexto para desrespeitar os direitos dos terceiros é distorcer o judaísmo. é um subterfúgio. Ao estabelecer o Estado de Israel nós

Na realidade, eles afirmamos a legitimidade do nacionalisexploram a halachá mo a nosso favor. Não podemos deixar para conseguir seus de afirmar esta legitimidade para os palestinos. Nós, judeus, somos diferentes dos objetivos políticos. Eles gregos e dos romanos. Os gregos desenabusam da tradição volveram um código de justiça em cada em vez de seguí-la cidadeestado, mas não se comprometee, ao fazer isto, eles ram a estabelecer a justiça com os povos distorcem tanto o conquistados. A Pax Romana – a paz que prevaleceu no Império Romano por 350 espírito como a letra do anos – impôs a soberania e a civilização judaísmo. romana sobre os povos conquistados. Os conceitos de governo de ambos – gregos e romanos – se basearam na manutenção do controle militar sobre os demais. Nós, judeus, não acreditamos na Pax – a ausência do estado de guerra –, mas em shalom – completitude, integridade, bemestar. Shalom, derivada da palavra shalem (completo), é o produto da justiça entre as nações. Este é o nosso objetivo, nosso desafio, nossa visão. Segundo as palavras de Isaías: “A obra da justiça será a paz e seu efeito será a quietude e a confiança eterna” (Isaias 32:17). Os dilemas morais que confrontam o judaísmo progressista se intensificam à medida que nossa relação com Israel se agudiza e isto acarreta que resolvêlos passe a ser cada vez mais essencial. Nosso movimento, com sua ênfase na justiça social, está imbuído da visão sionista da renovação do povo judeu no bojo de uma sociedade fundamentada na justiça social e econômica. Contudo, nossa participação na sociedade israelense conscientizounos sobre várias deficiências nos padrões públicos e pessoais de moralidade. Somos o povo escolhido? Israel é a terra prometida? É este o Estado judaico pelo qual nossos antepassados rezaram por três mil anos? Como podemos reconciliar o sonho com a realidade? Como assegurar que a restauração da soberania previna o abuso do poder? Em resumo, como podemos cultivar o nosso sonho sionista sem corromper nossas almas na realidade sionista? Não existem respostas fáceis para estes e para outros di

Mercado em Ramalah, na Cisjordânia.

lemas profundos. No seio do nosso movimento houve os que se opuseram à transferência da sede da WUPJ para Jerusalém e à afiliação à Organização Sionista Mundial. Argumentaram que uma identificação muito próxima com as instituições sionistas comprometeria o compromisso primordial do judaísmo progressista com a ética universal.

O que eles não entenderam é que aqui em Israel os valores judaicos não são desenvolvidos na teoria ou no reino do abstrato. Aqui não existe a dicotomia artificial entre as dimensões políticahistóricaparticularista e as dimensões religiosaespiritualuniversalista. Aqui, judaísmo e humanismo, particularismo e universalismo, corpo e espírito são inseparáveis. Esta é a fonte da nossa angústia e do nosso arrebatamento, nossa frustração e nosso júbilo. Esta é a essência do Sionismo.

Um dos significados seminais da palavra hebraica am (povo) é família. Am Israel é uma família grande e unida. Nos limites da família, as experiências comuns e crises aproximam. Obrigações para com os membros da família impõem relações especiais. Que assim seja neste momento da história, quando nossos valores como povo estão sendo severamente testados. A partir do renascimento do Estado atingimos novos níveis de realização e inspiração. Fomos honestos uns com os outros da mesma forma como fomos honestos com os valores judaicos. Que continuemos a manter nossas mentes e ouvidos abertos, tanto uns com os outros como ao chamado superior do destino de Israel.

Que as palavras do profeta Malachi guiem o diálogo IsraelDiáspora: “Então os que reverenciam a Deus falaram uns para os outros e Deus escutou e tomou nota” (Malachi 3:16).

O Rabino Richard G. Hirsch é presidente de honra da World Union for Progressive Judaism – WUPJ –, a organização guarda-chuva internacional dos movimentos Reformista, Liberal, Progressista e Reconstrucionista. Em 1973, ele liderou a transferência da sede da organização para Jerusalém, onde reside desde então.

Este texto corresponde à tradução e à condensação do capítulo 5 do livro For the Sake of Zion, escrito pelo Rabino Richard g. Hirsch e editado pela URJ Press em 2011. A tradução do inglês e a condensação são de Raul C. gottlieb.

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