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Paul Liptz

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Paulo Geiger

Paulo Geiger

será que tudo não passou de um sonho? oslo, israel e os palestinos

Sou israelense e me vi mudando de ideia com muita frequência, passando da confiança num novo Oriente Médio a um profundo ceticismo. Meus amigos palestinos compartilhavam dos mesmos medos. Como eu, desejavam uma posição melhor, mas tínhamos sido feridos por décadas de conflito.

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Ilustrações: Leila Danziger

paul liptz

Há exatos 20 anos, no primeiro semestre de 1993, ficou óbvio que havia algo importante no ar no que tange à situação israelensepalestina. O mundo inteiro se interessava por estes dois grupos conflitantes, lutando pelo mesmo pedacinho de território. A expressão “Paz no Oriente Médio” tinha deixado de se referir aos conflitos no âmbito amplo da região para referirse tão somente à situação tensa entre palestinos e israelenses. Muitos consideravam ser esta uma situação insolúvel que continuaria sendo uma arena de violentos confrontos por décadas futuras.

Naquele ano, meu grande amigo dr. Yair Hirschfeld ficou subitamente muito nervoso e, embora ele não mencionasse nada além de alguns poucos conceitos vagos, eu me dei conta de que alguma coisa importante estava acontecendo. Pois, além de nervoso, Yair, que desempenhou um papel extraordinário na tentativa de melhorar a posição de Israel face aos nossos vizinhos, estava viajando para a Europa com uma frequência muito maior que o seu habitual. Pouco tempo depois chegaram as notícias de que o ministro do Exterior, Shimon Peres, e o viceministro do Exterior, Yossi Beilin, haviam iniciado discussões em Oslo com o objetivo de aproximar Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, e eu entendi pelo que o meu amigo estava passando.

Foi um processo lento e doloroso. Rapidamente descobriuse que trazer a paz para inimigos é um conceito duro. Tanto os israelenses como os palestinos

viam o lado oposto com total desconfiança e cada um dos lados tinha certeza de estar envolvido em um jogo sem meio termo – ou era vitória total ou derrota total. Talvez acima de qualquer outra coisa, o desafio era encontrar um mecanismo pelo qual os dois lados ao menos se falassem para que, a partir disso, lentamente chegassem a algum nível de compreensão.

Os palestinos em sua maioria mostravamse céticos e, nos meses de negociações, tanto as secretas como as abertas, atravessaram muitas crises. Eles estavam convencidos de que Israel jamais concordaria com um Estado palestino e só tinha interesse em aumentar o número de colônias israelenses na Cisjordânia e em Gaza, para assim assegurar que a terra jamais pudesse ser desocupada. Também eram de opinião que os israelenses acreditariam para sempre que os árabes e os muçulmanos seriam seus inimigos eternos.

Uma grande fatia da população israelense acreditava que os palestinos não passavam de um instrumento do mundo árabe maior e que, uma vez estabelecido o Estado palestino, o pequeno Israel seria atacado pelos inimigos árabes que o cercavam, agora de uma posição geográfica muito mais vantajosa. A paz parecia impossível a partir de ambas as perspectivas.

Um nível básico de interação

Em julho de 1993 houve o surpreendente anúncio de que existia uma clara possibilidade de se quebrar a histórica animosidade entre os dois lados, anúncio este que chocou tanto os israelenses quanto os palestinos. Foi dado a este anúncio o nome de “Declaração de Princípios” ou “Oslo I”. Tratase de um documento incomum, de poucas páginas, que não é realmente um acordo e sim uma declaração de intenções, às vezes definido como “Gaza e Jericó Agora”.

Certa noite recebi um telefonema urgente pedindo que eu preparasse um programa especial para algumas unidades do exército que desempenhariam uma função importante na execução de alguns dos componentes deste primeiro estágio de interação com os palestinos. O papel que

Compreendi que o alguns dos meus colegas e eu assumimos enfoque dos Acordos de Oslo tem valor. foi o de tentar explicar “Oslo I” ao nosso lado. Era uma tarefa desafiadora. Fiquei confuso ao examinar o documento

O processo logrou inicial, que não se parecia nem um pousuavizar as rivalidades, co com um tratado de paz. Depois de déproporcionar um sentido cadas lecionando nos departamentos de de otimismo e indicar História das universidades israelenses eu tinha um bom entendimento sobre trataque quando existir dos oficiais, mas este documento era toconfiança os dois talmente diferente. lados ganharão – os ”Oslo I” parecia ser uma vaga sugespalestinos controlarão tão daquilo que os lados conflitantes taluma porção crescente vez considerassem um dia no futuro. Minha falta de compreensão destas poucas de território e os páginas era bem parecida com a do nosisraelenses obterão um so público do exército, que também vinha ambiente mais pacífico. tentando ao máximo entender como uma “declaração de intenção” com alguns anexos poderia se transformar em algo concreto. Com o passar do tempo, a “Declaração de Princípios” ficou clara para nós. Era um tipo de planejamento estratégico peculiar segundo o qual, absolutamente sem nenhuma confiança uma na outra, as partes tentariam desenvolver algum nível básico de interação. O tratado de paz real só aconteceria em um estágio muito posterior. O primeiroministro Yitzhak Rabin tinha certeza de que era da maior importância seguir em frente com os palestinos se Israel realmente quisesse melhorar a sua posição no Oriente Médio. Ele foi claramente influenciado pelo tratado de 1979 entre Israel e Egito, assinado por Menachem Begin e Anwar Sadat, no qual existem cláusulas referentes a uma posição política melhor para os palestinos. Rabin tinha plena consciência da imensa oposição por parte de vastas parcelas da população israelense quanto a algum acordo que exigisse retiradas significativas de territórios que Israel vinha controlando desde a Guerra dos Seis Dias em junho de 1967. Ele entendia ser pouco comum que os vitoriosos devolvessem territórios, mas, embora Israel fosse claramente vitorioso naquela guerra, as concessões territoriais eram vitais.

A assinatura do acordo

No dia 13 de setembro de 1993, Yasser Arafat, da Organização para a Libertação da Palestina, Yitzhak Rabin e o

presidente Bill Clinton assinaram o acordo na Casa Branca. O Knesset (o Parlamento israelense) se manifestou com 61 votos a favor (50,8%), 50 contra, 8 abstenções e uma ausência – um sinal claro de quão divididos se encontravam os cidadãos israelenses.

As negociações continuaram enquanto, paralelamente, de ambos os lados grupos de oposição manifestavam seu profundo desagrado com a própria base conceitual dos Acordos de Oslo. Por toda parte aconteciam demonstrações e protestos. Em setembro de 1995 foi assinado “Oslo II”, um documento massivo, formando um livro volumoso, detalhado, de difícil compreensão para o cidadão comum.

O componente central era a divisão da Cisjordânia em três zonas, A, B e C; as oito cidades e municípios na zona A formariam um tipo de cidade/estado independente, a zona B seria uma área de controle misto palestino/israelense e a zona C continuaria totalmente sob controle israelense. Era previsto que, com a melhoria gradual das relações, mais território migraria para a situação da zona A.

Mais uma vez o exército me pediu que interpretasse esse acordo para certas unidades de segurança. Não foi fácil! Uma questão fascinante foi a das patrulhas conjuntas pelas quais israelenses e palestinos supervisionariam o acordo em dois jipes, com um oficial e um soldado de cada lado. Em muitos casos os oficiais tinham que explicar as cláusulas complexas e confusas do conceito da zona C para os habitantes locais palestinos e israelenses e tentar dissipar os inevitáveis conflitos que eclodiam.

Embora as instruções para os tripulantes dos jipes fossem cristalinas, as interações humanas mostraramse muito complexas. Afinal de contas, tínhamos ali quatro militares de dois lados opostos, que tinham crescido suspeitando uns dos outros, para não dizer odiandose totalmente. De uma hora para outra, quase que da noite para o dia, recebem uma ordem de cooperar!

As diferenças culturais entre os dois grupos eram significativas. Os israelenses estavam inseridos no mundo secular ocidental, enquanto que muitos palestinos encontravamse profundamente incrustados no ambiente mu

çulmano do Oriente Médio. O que poderiam ter em comum? Como poderiam deixar de lado a sua raiva mútua e os seus medos? Pelo lado israelense tentamos antecipar as possíveis tensões que poderiam surgir e discutimos detalhadamente as cláusulas que pudessem ser invocadas quando nos deparássemos com uma situação impossível. Não sei de qualquer tentativa semelhante que tivesse sido feita do lado palestino.

Observamos com o tempo que só obtivemos sucesso parcial. Em muitas situações os acordos políticos não foram totalmente compreendidos pelas respectivas populações. Aconteceram alguns casos terríveis de conflitos entre as patrulhas conjuntas em que soldados israelenses morreram.

Da confiança ao ceticismo

Enquanto observador comprometido, fiquei inseguro a respeito do sucesso dos dois estágios do Oslo. Será que foi só um sonho? Por outro lado, compreendi que o enfoque dos Acordos de Oslo tem valor. O processo logrou suavizar as rivalidades, proporcionar um sentido de otimismo e indicar que quando existir confiança os dois lados ganharão – os palestinos controlarão uma porção crescente de território e os israelenses obterão um ambiente mais pacífico.

Houve uma apreciação de que se tratava de acreditar em um futuro melhor para os dois lados. Paralelamente, vimos que os Acordos de Oslo tinham atrasado a discussão a respeito dos desafios mais assustadores, como o futuro de Jerusalém, os refugiados palestinos, os assentamentos israelenses e fronteiras seguras. A ideia era que estes assuntos causariam uma explosão imediata se fossem discutidos nos estágios iniciais e seria melhor deixálos para um momento posterior, quando os relacionamentos de trabalho já estivessem estabelecidos.

Sou israelense e me vi mudando de ideia com muita frequência, passando da confiança num novo Oriente Médio a um profundo ceticismo. Meus amigos palestinos compartilhavam dos mesmos medos. Tinham passado pelas realidades aterradoras da ocupação israelense e pela violência dos colonizadores israelenses. Como eu, desejavam uma posição melhor, mas tínhamos sido feridos por décadas de conflito – não era fácil ser otimista.

A arena mais ampla

Havia alguns sinais positivos na região mais ampla, tanto antes como depois dos Acordos de Oslo. O tratado de paz de 1979 entre Israel e Egito, assim como o acordo de 1994 entre Israel e Jordânia, era encorajador. Israel e Egito vinham de uma longa história de guerras e ambos pareciam estar numa posição pior do que muitos dos outros países em guerra no mundo. Os israelenses consideravam o Egito o inimigo mais importante na região e um país comprometido com a destruição de Israel. Os egípcios afirmavam ser Israel uma ameaça para todo o Oriente Médio, sendo os judeus totalmente estrangeiros na região, sem nenhum direito de estar ali, com exceção de um punhado de israelenses nativos. Todos os outros judeus deveriam voltar a seus países de origem. Assim, é preciso considerar que, tendo em vista estes respectivos estereótipos negativos, o acordo de paz de 1979 nem de longe foi perfeito, mas só o fato de se ter conseguido um acordo foi um enorme sucesso e a paz se mantém até hoje, se bem que fria.

O acordo de 1994 entre Israel e Jordânia foi mais fácil de estabelecer com limitadas modificações de fronteiras. A Jordânia esperava ganhos devido ao alto nível de turismo de Israel, acreditando que a partir daquele momento muitos turistas estenderiam suas viagens até o Reino. Além disso, Israel comprometeuse a fornecer água para o seu vizinho do Leste.

Israel desejava desesperadamente um acordo com outro país árabe para quebrar seu isolamento dentro da região hostil. Além disso, os dois países tinham consciência de seu problema em comum: os palestinos, um assunto que preocupava igualmente a israelenses e jordanianos. Os palestinos são um grupo majoritário na Jordânia, onde os Hashemitas do governo são uma minoria significativa. Existem interesses comuns relevantes entre os dois países e

Os assassinatos de Anwar Sadat e Yitzhak Rabin indicariam que a paz é um sonho impossível no Oriente Médio? Em ambos os casos, as oposições internas pareciam ter vencido e um ambiente de manutenção do status quo permeou a área. A violência foi terrível, mas aparentemente para alguns a paz seria uma ameaça ainda maior.

o tratado diminuiu as tensões de maneira importante, embora ocasionalmente surjam crises.

A tragédia

O otimismo sempre enfrenta desafios desanimadores. No dia 6 de outubro de 1981 o presidente egípcio Anwar Sadat foi assassinado por soldados egípcios da Fraternidade Muçulmana Egípcia. Ficou óbvio que, embora o acordo SadatBegin tivesse o apoio das elites políticas dos dois países, grande parte das populações permanecia desconfiada. De certa forma, o Egito perdeu mais do que Israel ao assinar o acordo, pois enquanto Israel renunciou ao deserto do Sinai, o Egito sofreu a rejeição do mundo árabe e foi profundamente humilhado ao assinar um acordo reconhecendo o Estado judeu.

No dia 4 de novembro de 1995 o primeiroministro Yitzhak Rabin foi assassinado por um judeu israelense. Este evento pode muito bem ser o maior trauma pelo qual a sociedade israelense jamais passou. Um judeu matou um judeu. O líder que tinha se comprometido de maneira tão determinada à paz com os palestinos já não vivia. Ninguém mais, nem mesmo seu sucessor direto, Shimon Peres, conseguiu progredir com os Acordos de Oslo.

Os assassinatos de Anwar Sadat e Yitzhak Rabin indicariam que a paz é um sonho impossível no Oriente Médio? Em ambos os casos, as oposições internas pareciam ter vencido e um ambiente de manutenção do status quo permeou a área. A violência foi terrível, mas aparentemente para alguns a paz seria uma ameaça ainda maior.

Os palestinos

Na arena palestina a situação não era melhor. A violência espocava em muitas ocasiões. As duas intifadas (insurreições) trouxeram muita morte e muita destruição para os dois lados. Durante os períodos de violência extrema eu

cheguei a pensar que tudo que os Acor Pesquisas de opinião dos de Oslo tinham tentado fazer falhara. Anos de discussões, consultas, reuniões sigilosas e sonhos jogados fora. Será entre israelenses continuam a mostrar que conseguiríamos nos juntar outra vez? que uma maioria é a

Em 2005, sob o primeiroministro favor de uma solução Ariel Sharon, Israel abdicou da Faixa de que envolva dois Gaza, forçando os colonizadores israelenses ali estabelecidos a deixar suas casas. IsEstados para os dois rael tinha esperanças de que aquela área, povos e a pesquisa Pew já quase independente, viesse a ser uma do dia 9 de maio deste arena de paz. No entanto, o conceito de ano observa que a uma retirada unilateral de território sem maioria dos israelenses acordo foi um fracasso. O Hamas tomou o poder e mostrouse um inimigo intratáacredita que palestinos vel e muito agressivo. Além disso, o Egito e israelenses são não tinha a menor confiança no Hamas. capazes de coexistir.

Os palestinos da Cisjordânia estão numa posição muito melhor. Estão tendo crescimento econômico, recebem ajuda financeira significativa dos Estados Unidos, da União Europeia e do Qatar. Passei um dia inteiro visitando Ramallah há alguns meses e fiquei surpreso ao ver os edifícios altos, o desenvolvimento industrial e os carros novos. Éramos um grupo de israelenses que foi se encontrar com um variado grupo de líderes do mundo de negócios palestino. Eles nos falaram sobre a significativa melhoria de suas vidas e também sobre a sua profunda preocupação com o futuro. Tendo uma economia que depende em grande parte de doações externas, eles temem o dia em que terão que ser autossuficientes sem terem desenvolvido uma infraestrutura interna adequada.

Há também sérias tensões com as autoridades israelenses e colonos, embora haja sinais de que o novo governo israelense esteja comprometido com a melhoria das relações com a Autoridade Palestina. A América vem desempenhando papel cada vez mais central na tarefa de guiar os dois lados na direção da negociação política. Um elemento interessante é o nível satisfatório de interação entre as forças de segurança da Cisjordânia e de Israel: ambas querem paz e sossego.

O impacto da Primavera Árabe

Em 2011 a Primavera Árabe trouxe novas realidades. Este movimento dramático terá trazido um novo Oriente Médio, melhor e democrático, ou não passará do surgimento de outra forma de totalitarismo sob a égide de islamistas radicais? Teremos anarquistas em vez de ditadores? A vida do cidadão comum terá melhorado de alguma maneira? E, no que diz respeito ao assunto deste artigo, terá ajudado os palestinos e/ou os israelenses? Creio que tudo o que podemos dizer é que o veredicto ainda não foi dado. O fato é que a inquietação no mundo árabe proporciona poucos benefícios aos palestinos e as preocupações globais e regionais voltaramse cada vez mais para a Síria, o Iraque, o Irã, a Líbia, o Bahrain e a outros países do Oriente Médio.

Os próximos meses

Não pode haver nada mais desafiador do que sugerir o que vai acontecer no Oriente Médio nos próximos meses. É uma região carregada de violência e insegurança. Apesar disso, e como israelense, há um aspecto que me faz otimista. Pesquisas de opinião entre israelenses continuam a mostrar que uma maioria é a favor de uma solução que envolva dois Estados para os dois povos e a pesquisa Pew do dia 9 de maio deste ano observa que a maioria dos israelenses acredita que palestinos e israelenses são capazes de coexistir.

Ainda temos desafios imensos pela frente, meu sonho é de que um dia haverá um Estado palestino independente e que encontraremos uma maneira de conviver lado a lado.

Concluindo, é preciso enfatizar um ponto adicional: “A paz no Oriente Médio” não diz respeito apenas aos israelenses e aos palestinos, mas inclui uma melhoria radical na situação de toda a região. Paul Liptz é historiador e sociólogo e faz parte do corpo docente da Universidade de Tel Aviv há 35 anos. Leciona também no Hebrew Union College em Jerusalém há 25 anos. Foi conferencista no Corpo de Reservistas do Exército de Israel, tendo discorrido sobre um variado leque de tópicos, inclusive assuntos relacionados ao Oriente Médio. Traduzido do inglês por Teresa Cetin Roth.

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