4 minute read

Paulo Geiger

sionismo não é Palavrão! Paulo geiger

Quando o primeiroministro da Turquia, en passant, se referiu ao sionismo como um crime contra a humanidade, o de Israel comentou, um tanto ingenuamente, que ele tinha pensado que isso já era coisa do passado. O porquê de eu achar isso uma ingenuidade vou comentar adiante. Falemos antes do en passant, e também de que na transcrição oficial das próprias fontes turcas foi omitida a inclusão do sionismo entre os outros crimes: o fascismo, o antissemitismo e o antiislamismo, este o verdadeiro alvo da indignação de Erdogan.

Advertisement

Esta omissão no comunicado oficial lembra o voto antissionista na ONU, em 1975, com maioria esmagadora a favor, e que foi depois revogado e repudiado por uma maioria mais modesta. A revogação e a omissão de um e de outro não anula o fato de terem existido, e de que se pode distorcer a tal ponto o sentido e o conceito do que representa o sionismo. Difícil, para quem realmente sabe o que é sionismo, conceber qualquer argumento que justifique qualificálo como crime de qualquer espécie, ou racista sob qualquer aspecto. (Só como exemplo desta última perplexidade, vejase a foto da recémeleita miss Israel, uma belíssima negra – ou melhor dizer afroisraelense? – que o sionismo trouxe da Etiópia para o Estado sionista.) Entender por que isso acontece impede que sejamos ingênuos e que nos surpreendamos com isso.

O fato de a citação de Erdogan ter sido en passant, quando ele se referia ao antiislamismo, atesta o quanto a visão distorcida do sionismo já é subliminar, autista, estereotipada, independente de argumentação ou lógica. A visão demonizada do sionismo aflora naturalmente, faz parte da mesma cultura do palavrão, que é um desabafo de sentimentos íntimos negativos que nada têm de racionais ou conceituais. Na verdade, ‘sionista’ virou adjetivo pejorativo de significado obscuro, que ninguém precisa saber o que é, ao contrário de certos palavrões que sabemos muito bem o que querem dizer.

Outro dia, vendo no youtube os posts enviados como comentário a um filme que denunciava o dólar e os banqueiros por desumanidades, alguém condenou ‘esses banqueiros sionistas’ como fonte de todo mal. Perguntem a ele por que os banqueiros são ‘sionistas’, mas com a certeza de que ele não sabe. Saberia Erdogan dar um argumento sequer que explique por que o sionismo é um crime contra a humanidade?

A ingenuidade de Bibi está em pensar que isso possa ‘passar’ e ser ‘coisa do passado’. Neste mesmo espaço contei uma vez a história dos judeus como o ‘repolho’ dos povos, aquilo de que não se pode gostar porque seria horrível gostar dele. Não importa se o sionismo é bom ou mau, ele é condenável e é um crime porque se não fosse se correria o perigo de vêlo como ele realmente é: em primeiro lugar, a percepção dos judeus de que Sion é seu berço, o lugar natural de todo judeu que queira ou precise nele viver; segundo, a ideia de que, com base no direito que a modernidade concedeu a todos os povos de terem um Estado nacional, o conceito de que Sion é o único lugar no mundo em que o povo judeu tem direito a existir como nação; terceiro, a constatação de que esse mesmo direito, reconhecido pelas Nações Unidas, é a base da existência de um Estado judaico contemporâneo, e que a visão e implementação desse Estado ‘sionista’ nunca se apoiou na negação dos direitos de árabes palestinos de terem seu próprio Estado na Palestina histórica.

Israel é um Estado sionista porque é o único Estado que a nação judaica tem no mundo, e, portanto, o centro histórico, cultural e religioso do judaísmo, o que não contradiz sua condição de ser o Estado de todos os seus cidadãos, por direito e não por concessão, e apto a conviver com todas as nações do mundo, inclusive e principalmente seus vizinhos, o que inclui um possível Estado palestino.

Ter um demônio disponível para atribuir a ele a razão de todo mal é uma conveniência milenar na história da humanidade e no dia a dia de nossas decepções e frustrações. O antissemitismo foi durante séculos a expressão universal dessa conveniência. Por isso ele é duradouro, e resiste ao humanismo e ao iluminismo. A demonização do sionismo e de Israel continua a se manifestar, apesar da surpresa de Bibi, porque é um subproduto do antissemitismo, agora se alimentando de um conflito em que é fácil demonizar aquele que, para não ser destruído, é obrigado a fazer o papel de vilão.

Na ONU, no en passant de Erdogan, nos posts dos ignorantes sai como um palavrão, mas, ao contrário do palavrão, sem que se saiba o que significa, ou ignorando intencionalmente o que realmente significa. Bibi não deveria ser surpreender. Nem nós. Só que, ao contrário dos palavrões que ouvimos como expletivos e nem ligamos mais, não podemos nos permitir não ligar para isso. Nem nós nem Bibi. Nem ninguém.

Brett Lamb / iStockphoto.com

This article is from: