
4 minute read
Paulo Haroldo Mannheimer
reformista graças a deus
Recentemente, levado por minha curiosidade pelo diferente e inusitado, comprei na Amazon.com um livro que descreve hábitos e costumes de comunidades judaicas espalhadas por lugares exóticos do mundo. O título do livro é Jewish Communities in Exotic Places1 e conta, em mais de dez capítulos, como os descendentes de nossos antepassados comuns viviam em regiões inóspitas e exóticas, tais como Cáucaso, Índia, Irã e China.
Advertisement
Para acompanhar o que o livro descreve, tive que aprofundar meus entendimentos pela sequência de eventos que levou à Diáspora Judaica. Para aqueles, como eu, que sabem pouco sobre o que ocorreu, recomendo a Wikipedia em inglês2, que contém um excelente artigo sobre o tema em http://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_diaspora. Simplifico a história a seguir, de forma que você, leitor desconectado, tenha uma noção básica de como tudo começou e como acabamos vivendo deste lado do Atlântico, capazes de frutificar e agradecer por tudo com a ‘brachá’ que inicia o presente texto.
Após a destruição do primeiro Templo, por volta do ano 580 aec, grande parte dos habitantes da Judéia foram deportados para a Babilônia, por ordens do Rei Nabucodonosor, enquanto outros fugiram para o Egito e os demais permaneceram na Judéia. Por volta de 530 aec um novo rei, Ciro, o Persa, permitiu a volta dos judeus ao seu território de origem, mas muitos optaram por ficar no que hoje é território tanto do Irã quanto do Iraque (quem diria…).
Um pouco antes da reconstrução do segundo Templo, parte dos emigrados retornou às terras de Israel, e lá permaneceram até a sua destruição, por volta de 70 ec, quando iniciou-se uma nova dispersão. O livro descreve comunidades oriundas do êxodo nos três grandes eixos – norte da África, em direção ao Oriente e em direção à Europa.
Talvez o que tenha chamado mais minha atenção, além dos costumes tão diversos encontrados em cada uma destas comunidades, foi a capacidade de adaptação e integração com as comunidades locais. A rotina se repete: (1) êxodo; (2) assentamento em algum local do planeta acolhedor o suficiente para acomodar os ‘judeus errantes’ e suas famílias; (3) estabelecimento de uma comunidade produtiva e
Paulo Haroldo mannheimer
vibrante, com grau variável de integração à comunidade local; (4) perseguição e (5) fuga, sempre que possível (Be’ezrat Hashem).
O grau de integração depende muito da vontade dos judeus, dos governantes e dos credos locais. Certos judeus optavam pelo isolamento, assim como certas comunidades isolavam os judeus completamente em ‘guetos’ lacrados. Já outras comunidades permitiam a entrada e saída seletiva de moradores, visitantes, mercadorias, etc.
Não tenho comprovação científica do que defendo a seguir, mas me pareceu claro ao ler em sequência a história de tantos grupos em constantes deslocamentos, que os lugares onde houve tolerância “de” e “para” nossos antepassados, todos se beneficiaram – eles e os locais. Já quando houve isolamento ou perseguição, a comunidade que nos expulsou perdeu materialmente (arrecadação de impostos, comércio vibrante, artes e ciências) e intelectualmente (ourives, artesãos, tecelões, médicos e até, recentemente, físicos nucleares).3 Não sei se o isolamento acarretou perseguição, ou vice-versa (muitas vezes a resposta para este tipo de dicotomia é sim), mas certamente podemos inferir que as comunidades que souberam coexistir eram certamente mais equilibradas, produtivas e, por que não dizer, felizes e mentalmente sãs.
Meu ponto: Há quem diga que o reformismo é ruim e que, no limite, ele poderá ser responsável pela extinção de nossa cultura judaica. Aqui defendo exatamente o contrário. Pela diversidade e perseverança dos nossos antepassados, sou tentado a acreditar que nossa capacidade reformista e adaptativa – sem perder o cerne de nossa cultura e valores – é justamente o elemento que nos fez sobreviver até a presente época – característica fundamental de nossa resistência e sobrevivência.
Me parece então que um certo grau de interação com a cultura local é bom pois cria um elo entre nossa comunidade e a comunidade que nos acolheu, numa relação mútua de colaboração e interdependência, benéfica para ambas as partes. Já a capacidade reformista nos posiciona como pessoas questionadoras e flexíveis, nos impulsionando a favor de uma adaptação e reflexão positivas a novos tempos e ideias. Mito ou fato, a história de Purim só existe porque o assimilado Mordechai, que militava na corte a ponto de vender sua sobrinha para o harém do rei, conseguiu salvar os judeus justamente porque era ativo na corte e soube da trama de Haman. Não há o que argumentar com o exemplo da Alemanha, onde algumas correntes defendem que o Holocausto foi justamente causado pelo excesso de reformas e assimilação (‘os judeus deixaram de ser judeus, baixaram a guarda’). Muito pelo contrário, o Holocausto foi tão somente o extremo da intolerância ao estrangeiro – uma escolha dos alemães pelo distanciamento supremacista (‘a minha nação é melhor que todas’), com enormes perdas humanas, morais e materiais para ambas as partes – a situação-limite onde a intolerância 100% levou à perda 100%. No contexto das nações, a Alemanha foi a principal perdedora de sua escolha ideológica. O Holocausto prova, não nega, que distanciar é ruim e aproximar é bom.
Sem querer ser muito darwinista, não consigo deixar de comparar este comportamento reformista com uma certa capacidade adaptativa (‘survivalofthefittest’) encontrada na natureza. Afinal, em um mundo em constante mudança, o que será que nos é mais favorável – sermos estáticos ou dinâmicos? Devemos nos agarrar a credos e costumes antigos e fecharmos os olhos para as mudanças à nossa volta, incapazes de entender e aceitar o diferente? Ou devemos ser tolerantes e flexíveis, aproveitando aquilo de novo que nos é apresentado – um povo capaz de tolerar para ser tolerado e viver por mais milênios.
Notas
1. http://www.amazon.com/Jewish-Communities-Exotic-Places-Blady/ dp/0765761122 2. A Wikipedia é o novo “pai dos burros”. 3. Me arrisco a afirmar que o mesmo ocorre até os dias de hoje – vide Venezuela e Irã, entre outros.
Paulo Haroldo Mannheimer é empresário e sócio da ARI.