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Rabino Howard A. Berman
resgate e renovação do nosso legado de Judaísmo Progressista
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rabino Howard a. berman
Um dos pontos mais fortes do Judaísmo Progressista é o compromisso específico do nosso Movimento e sua capacidade de desenvolver uma ampla variedade de expressões do Judaísmo Liberal enraizadas nas culturas locais e idiomas de cada país.
O Judaísmo Reformista nos Estados Unidos e o Judaísmo Progressista no Brasil – em Israel, na Alemanha, na Grã-Bretanha – refletem as influências sociais, religiosas e culturais dos ambientes em que se encontram inseridas. Todas essas variações abraçam as tradições eternas das crenças e práticas judaicas que unem nosso povo pelo mundo afora e nos definem como uma comunidade espiritual universal com história e destino comuns.
Contudo, além da tradição que compartilhamos com todos os judeus, também fazemos parte do singular legado do Judaísmo Liberal. O Movimento Progressista não é meramente um fenômeno recente que busca adaptar a prática judaica à sociedade moderna. Muito além disso, nós representamos um minhag único – uma cadeia de interpretação e prática do judaísmo que possui raízes históricas profundas e que se coloca, juntamente com outras tradições únicas, como é o caso do Hassidismo, como uma compreensão específica da identidade e da vida judaicas; com sua própria história, literatura, música e valores.
Esta tradição histórica do Judaísmo Progressista é geralmente denominada Reforma Clássica. É bem verdade que esse termo é a expressão mais comumen-
Templo Sinai, em New Orleans, EUA, uma das maiores congregações da Associação pelo Judaísmo Reformista Clássico.
te usada para denotar a dimensão histórica do nosso Movimento, que se desenvolveu durante o século XIX e início do século XX, porém admitimos que a palavra “Clássica” é problemática.
Ela implica no risco de uma expressão vital e dinâmica do compromisso religioso vir a ser vista como antiquada, ou ligada a um período histórico em particular. Contudo, na sua ligação com a visão pioneira inicial do Judaísmo Liberal de dois séculos atrás, esses ideais e expressões especificamente abraçados pela Reforma Clássica são claramente peculiares no espectro contemporâneo do Movimento Progressista mundial.
Essencialmente, essa tradição traz os ideais espirituais liberais, as ricas bases intelectuais e a ampla visão universal dos primeiros pioneiros da Reforma Judaica, iniciada na Alemanha, e que se expandiu depois para os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Commonwealth e, posteriormente, para outros centros da Europa e da América Latina.
Em termos teológicos, a Reforma Clássica está baseada na tradição bíblica dos profetas hebreus, interpretada com ênfase na ação ética e na justiça social, mais do que na observância do ritual ou nas leis cerimoniais. Intelectualmente, foi uma expansão do estudo acadêmico e científico moderno da história e da filosofia judaicas, que surgiu na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. Culturalmente, refletiu a transformação da vida comunitária judaica da época, como resposta à emancipação do mundo judeu europeu do isolamento social do gueto.
Na América, onde o Judaísmo Liberal alcançou sua maior influência e maior número de seguidores, o Movimento Reformista inicial abraçou a cultura pluralista da democracia e desenvolveu uma liturgia e uma lógica, que refletiam a experiência singular do judaísmo em sociedades livres e abertas dos Estados Unidos e do mundo Ocidental. Trouxe o ensinamento de que o judaísmo sempre desenvolveu novas respostas para os desafios de cada geração e que historicamente esteve comprometido com um encontro criativo e a síntese com muitas culturas ao longo dos tempos – afirmando que os judeus modernos tinham o direito e a responsabilidade de continuar esse pro-

Para o Judaísmo Reformista, a ênfase sobre as esferas ética e espiritual deve prevalecer.
cesso dinâmico de construção de um novo capítulo da história judaica.
A tradição da Reforma Clássica tem suas raízes no legado da ala “radical” dos primórdios do Movimento, que buscava uma revisão substancial tanto do culto sinagogal quanto dos princípios teológicos. As primeiras declarações dos princípios do Judaísmo Reformista formuladas pelo Sínodo rabínico na Alemanha de 1840 e, posteriormente, nas “Plataformas” do movimento americano permanecem como expressões formativas dos ensinamentos históricos da Reforma. Mais especificamente, sua interpretação da natureza principalmente religiosa da identidade judaica e a ênfase sobre as esferas ética e espiritual, mais do que da natureza do ritual judaico, continuam a influenciar muitos judeus da Reforma Clássica hoje.
A formulação dinâmica e permanente dos ideais do Movimento em resposta aos desafios transformadores da vida judaica no século XX também levaram à adoção de uma afirmação significativa de “peoplehood” (neologismo inglês que denota a consciência de pertencer a um povo) judaica e refletiram a tendência ao resgate do ritual tradicional.
Enquanto os diferentes pontos do espectro da Reforma expressaram esses ideais em diversos estilos litúrgicos, seja na prática ritualista mais conservadora das congregações reformistas/liberais europeias, seja na abordagem mais “radical” nos Estados Unidos, é importante perceber que o que hoje é entendido como “clássico”, na verdade, foi a herança comum de todas as iterações do Judaísmo Progressista.
De fato, apesar dos debates acerca do papel do Sionismo que dividiu em dois extremos o espectro Reformista no início do século XX, o que hoje é denominado “clássico” na verdade se refletiu no estilo de culto mais amplamente predominante e na cultura sinagogal do Movimento, até as mudanças significativas que influenciaram a maior tendência neotradicionalista na década de 1960. Grande parte deste redirecionamento do Judaísmo Reformista foi uma resposta à tragédia do Holocausto e à nova dinâmica da identidade judaica engendrada pelo nascimento do Estado de Israel em 1948.
A Reforma Clássica de hoje continua a afirmar a validade e a viabilidade dos princípios liberais históricos do movimento e as tradições do culto como um contexto alternativo para compreender essas questões e nossa resposta aos eventos transformadores do nosso tempo. Uma apreciação do contexto histórico do início do desenvolvimento
do Judaísmo Reformista e sua subsequente interpretação “Clássica” levanta a questão habitual – e geralmente crítica – da dinâmica da “assimilação” como um fator nesse processo. Entendemos que essa dinâmica seja uma aceitação positiva da cultura progressista e pluralista e dos valores democráticos pelos judeus norte-americanos e europeus no século XIX e pelo Movimento Reformista, de uma forma geral, ao longo do tempo.
Especificamente afirmamos e celebramos a experiência judaica em muitos países e culturas nos quais os judeus têm vivido. A genialidade do Judaísmo Reformista reside em abraçar com confiança as expressões culturais e identidades de cada lugar onde as comunidades judaicas florescem e interagem com a sociedade mais ampla. Ao invés de ver nisso um desejo de aceitação social, ele deve ser inserido no amplo contexto de continuidade da história social judaica.
Essa experiência sempre refletiu um encontro consciente e uma síntese criativa dos valores típicos do judaísmo e suas tradições com os ambientes culturais circundantes nos quais vivemos e penetramos tanto quanto as circunstâncias permitiram. A genialidade do A influência da cultura estética, da Judaísmo Reformista reside em abraçar com música e da arquitetura locais sobre os estilos de culto reformistas também podem ser interpretados sob esse prisma. confiança as expressões Essa dinâmica foi idêntica à mistura da culturais e identidades observância religiosa e costumes judaicos de cada lugar onde as com a cultura mais ampla da Rússia e da comunidades judaicas Polônia medievais ou do mundo islâmico, que respectivamente moldaram as traflorescem e interagem dições Chassídica Ortodoxa e Sefaradita. com a sociedade mais Os judeus reformistas foram incluíampla. Ao invés de dos em um processo positivo e criativo ver nisso um desejo de aculturação que sempre esteve em curde aceitação social, so em todos os períodos e lugares da história judaica. Nas sociedades livres, aberele deve ser inserido tas e pluralistas do mundo moderno, isto no amplo contexto de reflete um compromisso profundo e gecontinuidade da história nuíno em relação ao judaísmo e ao futusocial judaica. ro do povo judeu. Existiam muitos caminhos mais fáceis para a verdadeira “assimilação” do que os minuciosos estudos rabínicos e a criatividade espiritual que moldaram o Judaísmo Liberal histórico na Europa e na América.
Princípios Fundamentais
O princípio fundamental da Reforma Clássica é que o Pacto do povo judeu com Deus reside no coração da nossa identidade e história enquanto judeus. Enquanto

Estudantes de rabinato e chazanut no HUC, Instituto do Judaísmo Reformista Clássico, em Jerusalém.
nossa fé gera e permite muitas compreensões e interpretações diferentes do divino, é a busca religiosa pela fé e significado que encontramos no centro da identidade judaica. Enquanto comunidade espiritual, valorizamos os laços únicos da história e o destino que nos unem aos nossos irmãos judeus através dos tempos e no mundo hoje.
Entendemos que o povo judeu é uma comunidade de fé, unida pela experiência compartilhada e baseada nos ensinamentos específicos da religião judaica. As ricas e variadas tradições éticas e culturais da experiência judaica através dos tempos oferecem dimensões significativas à nossa identidade religiosa, porém nossa fé tem aspirações eternas e universais.
Respeitamos o conceito histórico de Reforma ligado à nossa ênfase na visão ética e moral dos nossos Profetas hebreus no que tange à “Missão de Israel”. Esta crença sustenta que os judeus são conclamados a serem testemunhas do Deus único e da unidade de toda a humanidade e que, enquanto indivíduos e comunidade, somos chamados a trazer justiça e paz ao mundo. Os líderes da tradição reformista clássica sempre estiveram à frente desses esforços e desafios, abordando as grandes questões sociais dos tempos modernos com coragem e ação proféticas. Afirmamos essa visão espiritual ampla, universalista e humanista.
Valorizamos as tradições de culto específicas da Reforma histórica, isto é, uma liturgia significativa e participativa, dirigida às nossas mentes e corações. Esse compromisso sempre esteve acompanhado de um serviço que aborda diretamente a oração no vernáculo de cada país, enriquecido pelos elementos eternos dos textos e das músicas hebraicas, que simbolicamente nos unem ao nosso passado e a todos os judeus do mundo.
Enfatizamos que o que torna a experiência verdadeiramente “judaica” não é o quanto a língua hebraica é usada, mas os ideais e valores por ela refletidos. O culto reformista clássico também abraça o papel inspirador do coral e da música instrumental, que elevam o espírito e refletem os mais altos níveis artísticos; se nutrindo tanto da distinta herança da sinagoga da Reforma, quanto das composições da criatividade contemporânea. A comunidade Acreditamos que essas qualidades cajudaica brasileira está profundamente racterísticas do culto reformista clássico continuam a oferecer uma opção vital e criativa a muitos judeus atualmente. enraizada nesta Isso inclui não apenas os diversos memtradição, tanto nas suas bros das nossas congregações, que foram origens alemãs quanto criados na nossa tradição e a apreciam, nas formas específicas como também a enorme quantidade de jovens que buscam uma forma significatide desenvolver uma va e accessível de identidade e culto judaivida e prática judaicas cos, baseados não na nostalgia, nem na etprogressistas dentro da nicidade, mas assentada nas realidades das Associação Religiosa suas experiências na nossa sociedade pluIsraelita do Rio de ralista contemporânea. Nosso Movimento Reformista conJaneiro e nas demais temporâneo inclui uma ampla diversidacomunidades irmãs. de de interpretações e estilos. Nossa esperança e compromisso residem em que a tradição histórica da Reforma Clássica – que traz em seu arcabouço uma integridade própria e um significado perene, imersos em muitas outras correntes ricas de experiência judaica através dos tempos – seja reconhecida e honrada pela sua vitalidade contínua e pelo seu potencial em falar à nova geração de judeus de hoje.
A Society for Classical Reform Judaism
Para ajudar a que esta visão se torne realidade, a Society for Classical Reform Judaism (Associação pelo Judaísmo Reformista Clássico) foi fundada nos Estados Unidos em 2008, como uma voz em defesa da vitalidade contínua da tradição histórica Reformista / Progressista / Liberal dentro do nosso movimento internacional, a SCRJ surgiu como uma presença reconhecida, colegiada e criativa na ampla família da Reforma. Trabalho com um número cada vez maior de congregações, oferecendo programas e recursos para a afirmação da nossa diversidade, e para o enriquecimento da vida congregacional, valorizando o pluralismo e a herança compartilhada por todos. Daí a importância da nossa grande parceria com o Hebrew Union College-Jewish Institute of Religion – tanto em Cincinnati, quanto em Jerusalém – que incluiu uma nova geração de estudantes rabínicos e de chazanut que se identificam com a nossa missão e nos permitem desenvolver um novo entendimento e expressões criativos dos minhaguim da Reforma Clássica, como
opção vital para os judeus progressistas de hoje. Entre os pontos de maior destaque do nosso trabalho nos últimos cinco anos, citamos:
Em julho de 2010, fomos a única organização judaica dos Estados Unidos a marcar os 200 anos do Judaísmo Reformistas, com uma missão profundamente inspiradora para a Alemanha, o berço do nosso Movimento em 1810. Um dos pontos altos da nossa comemoração foi a cerimônia que teve lugar no que foi a primeira sinagoga Reformista do mundo, na cidade de Seesen, exatamente no dia do 200º aniversário de sua dedicação, bem como o primeiro serviço judaico realizado nos restos do edifício do Templo de Hamburgo, a “Congregação Mãe” do Movimento Progressista mundial, desde sua profanação e abandono, após a Kristallnacht em 1938. Nossos laços com o HUC em Cincinnati e em Jerusalém são fruto de uma parceria muito estreita e ativa com nossos futuros líderes. A Sociedade sustenta todos os alunos com bolsas e os programas anuais do Instituto são uma parte importante do currículo. Os donativos oferecidos pela Sociedade na forma de um órgão novo para a sinagoga do College, além de exemplares da Edição Sinai do nosso Livro de Orações do Union em linguagem contemporânea transformaram a liturgia da instituição, que agora oferece regularmente, através dos estudantes, serviços no estilo reformista clássico. Em uma conquista especialmente motivadora, fomos convidados para apresentar nosso primeiro Instituto de Judaísmo Reformista Clássico no campus de Jerusalém em março de 2012, oferecendo seminários especiais sobre liturgia, pensamento e história aos estudantes rabínicos e de chazanut americanos e israelenses. A resposta dos estudantes, do corpo docente e da administração foi incrivelmente calorosa e entusiasta. Um momento de destaque dessa conquista histórica foi um “Serviço de Maariv Festivo” público, apresentado pela Society e pelo College para a comunidade de Jerusalém, com uma liturgia musical maravilhosa, executada por um grande coro de estudantes de chazanut, com exemplos do repertório da grande Reforma dos séculos XIX a XXI. Nossos seminários agora passarão a ser um programa anual em Jerusalém, sendo que o próximo está programado para abril de 2013.
Inauguramos também nossa parceria especial com a Kehilat Har El, congregação em Jerusalém e sinagoga progressista pioneira em Israel, com a qual atualmente estamos trabalhando em estreita colaboração. Com o apoio do SCRJ, a Har-El agora oferece serviços regulares de shabat na tradição histórica reformista. Esses serviços recebem muitas pessoas novas na congregação, que são atraídas pela experiência alternativa espiritual diferente, que é única em Israel. Convidamos os leitores da Devarim a buscar mais informações sobre a SCRJ em nosso site, www. renewreform.org, e a compartilharem nosso trabalho de “resgate e renovação” da nossa distinta herança como judeus progressistas.
A comunidade judaica brasileira está profundamente enraizada na tradição do Movimento Reformista, tanto nas suas origens alemãs, quanto nas formas específicas de desenvolver uma vida e prática judaicas progressistas dentro da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro e nas demais comunidades irmãs. A SCRJ espera fornecer recursos e dar apoio aos meios através dos quais a apreciação pela nossa herança de Judaísmo Progressista possa fortalecer a fé, identidade, compromisso e orgulho dos nossos irmãos e irmãs no Brasil!

O logo do SCRJ no vitral da sinagoga.
O Rabino Howard A. Berman é diretor executivo da “Society for Classical Reform Judaism” (Associação pelo Judaísmo Reformista Clássico), EUA.
Traduzido do inglês por Ana Beatriz Torres, Intérprete de Conferências e Tradutora, Membro da Associação Internacional de Intérpretes de Conferência, da Associação Profissional de intérpretes de Conferência e do SINTRA – Sindicato Nacional de Tradutores.
