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Seção Em Poucas Palavras
em PouCas Palavras
Fotografias: Bruno Gottlieb
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Quando o silêncio é uma virtude
O Pirke Avot possui algumas passagens sobre a importância do silêncio, enaltecendo a capacidade da escuta e a necessidade da reflexão com a finalidade de evitar ofensas. Isso não significa, é claro, absterse da expressão oral, mas, apenas, utilizála com sábia parcimônia.
Um ótimo exemplo do valor do silêncio foi gerado involuntariamente pelo Rabino Shlomo Aviner quando declarou que as mulheres não deveriam se candidatar ao Knesset, o Parlamento israelense. Até aí nada demais, todos têm o direito a ter opiniões, mesmo que insensatas.
Porém, ele vai além ao justificar sua recomendação como sendo originada na lei religiosa judaica. Aqui ele consegue, a partir de uma interpretação tendenciosa dos nossos textos, simultaneamente ofender as mulheres e prejudicar o povo de Israel. O rabino cita um verso do Salmo 45: “kol kevudá bat melech pnima”, que pode ser traduzido como “toda a glória da princesa está dentro”, sendo o “dentro”, segundo o rabino, entendido como o interior da casa. Desse trecho, ele deduz que nenhuma mulher pode, jamais, exporse em público.
Contudo, o Salmo é um belo poema que retrata em cores vivas um casamento real e esta frase pode ser interpretada de várias maneiras, desde a literal que impacta apenas àquele casamento até a que glorifica a riqueza interior, ética e moral, da princesa, sem impor nenhuma limitação física às mulheres em geral. E é claro que muitas outras interpretações podem surgir deste Salmo, que não impõe lei alguma.
Rav Avineri baseia sua argumentação na manipulação da leitura do Tanach, fincando o pé na compreensão mais literal quando conveniente, ou buscando um entendimento alternativo quando este for mais adequado. Infelizmente este método é cada vez mais utilizado para avançar uma agenda política que ofende e prejudica.
Ofende porque atribui um papel restrito à mulher na sociedade obrigandoa à subserviência ao homem, uma vez que se encontra impedida de fazerse representar politicamente. E prejudica a todo Israel por inibir a contribuição das mulheres, inclusive as ortodoxas, na vida pública, limitando assim a capacidade de desenvolvimento do país. Em síntese, o rabino perdeu uma ótima chance de seguir o Pirke Avot e brilhar pelo silêncio...

A coleção de DVD
Com a aparente falência da solução do conflito entre israelenses e palestinos através da fórmula “dois Estados para dois povos”, que advoga a criação de um Estado Palestino ao lado do Estado de Israel, começam a surgir vozes que sugerem a solução “um Estado para dois povos” para resolver a situação.
A primeira fórmula é maciçamente aceita pela comunidade internacional, tem o apoio decidido da maioria das duas populações e de todos os governos eleitos por Israel e estabelecidos pelos palestinos nos últimos 20 anos. Apenas o Hamas e alguns grupos marginais se opõem à divisão do território do antigo Mandato Britânico entre dois Estados soberanos.
Com tanto apoio é de surpreender que a divisão ainda não tenha acontecido e isto dá espaço às especulações contidas na segunda proposta, na qual palestinos e israelenses seriam cidadãos de um mesmo país, que não seria, em teoria, nem judeu nem árabe.
Há quem reduza os conflitos internacionais às dimensões dos conflitos domésticos e diga que os israelenses e os palestinos se debatem como duas pessoas que não se gostam, mas que, por circunstâncias históricas, têm que dividir o mesmo pequeno apartamento.
Seria o caso, então, de comparar metaforicamente a proposta de “um Estado para dois povos” a um casal de antigos namorados que não consegue se colocar de acordo sobre a divisão da coleção de DVD. Um conselheiro dá então a surpreendente solução “mágica” aos dois: “casemse!”.
Monumento vivo do jornalismo
No dia 1º de fevereiro passado a manchete principal do caderno “Mundo” da Folha de S.Paulo estampava: “Síria ameaça retaliar Israel com ataque”. Logo abaixo uma grande foto de um ponto turístico das colinas de Golã, envolto em névoa, com o perfil de dois soldados em poses hollywoodianas – um apontando um rifle e o outro perscrutando o horizonte num binóculo. A legenda conectava a imagem com o texto: “Nas colinas do Golã, soldados israelenses se posicionam”.
A matéria relatava o silêncio de Israel sobre um suposto ataque que teria realizado em território sírio, atingindo alvos não muito bem definidos até hoje, tendo em vista a ausência completa de jornalismo independente na Síria, desde sempre. E alertava que Damasco ameaçava revidar ao suposto ataque.
Até aí tudo muito razoável. Uma suposta ameaça para um suposto ataque se equivalem, mesmo quando o assunto é uma sonolenta reprise de ameaças vãs dos países árabes, que, se tivessem realizado uma fração de um por cento do que apregoam, já teriam varrido Israel do mapa há muitas décadas. Mas o destaque dado ao assunto ganha um ar bufo, ou tragicômico, quando se constata que, na fotografia, os dois “soldados” que evidenciariam a preocupação militar de Israel com o revide sírio são, de fato, duas estátuas, folhas de aço recortadas no perfil clássico do militar em ação, colocadas num monumento para turistas...

Olhando pelo buraco da fechadura
O rabino Seth Farber está furioso. E com toda razão. Ele é o diretor da organização Itim, um grupo de advocacia que ajuda as pessoas a navegar pelos meandros da burocracia israelense, e está chocado com a atitude do Rabinato de Israel de não reconhecer algumas conversões feitas nos Estados Unidos.
Caso o rabino Farber fosse Reformista ou Conservador não haveria muita novidade em sua fúria. Não é de hoje que se manifesta a enorme relutância da ultraortodoxia que comanda o Rabinato em aceitar as vertentes liberais da religião judaica. Porém, o rabino Farber é ortodoxo e as conversões que estão sendo questionadas foram realizadas por rabinos ortodoxos, altamente respeitados pelo Conselho Rabínico da América.
Parece então que galgamos mais um degrau na escada da intolerância ultraortodoxa, Nem mesmo os rabinos ortodoxos filiados ao establishment das comunidades de fora de Israel estão sendo respeitados! É evidente que nestes casos cai por terra a alegação normalmente assacada contra os liberais que há dúvidas de que a halachá esteja sendo respeitada. Não resta dúvida que nenhum rabino ortodoxo realiza atos religiosos que a contrariem.
O que resta, então, é a nua e crua suspeita da disputa pelo poder e pelo dinheiro. A única razão que resta é que os ultraortodoxos de Israel não respeitam os ortodoxos de fora de Israel porque estes competem com aquilo que entendem ser o seu mercado.
É provável que ao olhar pelo buraco da fechadura nas decisões reservadas dos chamados “conselhos de sábios” que compõem o Rabinato israelense veremos uma organização cuja primeira prioridade é de se manter no poder a qualquer preço. Uma organização que serve a si mesma a partir da religião e não que serve à religião a partir de si.
Esta atitude é a principal razão de porque é necessário manter o Estado e a Religião firmemente afastados. Caso Israel não tome este passo num futuro próximo, os prejuízos para o judaísmo serão imensos.


A relativização da soberania
O circo de horrores disparado após o perverso atentado que destruiu em julho de 1994 a sede da Amia – Associação Mutual dos Judeus da Argentina – em Buenos Aires parece que jamais terá fim.
O horror começou logo no dia seguinte ao atentado, quando o presidente Carlos Menem apresentou votos de condolência ao primeiroministro de Israel. Como se a Amia fosse uma instituição israelense e não de cidadãos argentinos!
A apuração do crime seguiu longos e tortuosos caminhos, mas finalmente conseguiu apontar os culpados. Em 2007 – 13 anos após o atentado! – o governo argentino solicitou à Interpol a prisão de seis cidadãos iranianos indiciados pela justiça argentina. Ficou sobejamente demonstrado no inquérito que eles agiram conforme instrução e planejamento emanados das autoridades supremas de seu país.
Dentre os acusados estão membros do atual governo do Irã, que se recusou a cooperar com a justiça argentina, o que era mais do que esperado, visto serem os acusados agentes deste mesmo governo. Contudo, repentinamente o governo argentino desistiu de perseguir os condenados e em janeiro deste ano – coincidentemente (será mesmo uma coincidência?) no dia universal de lembrança da Shoá instituído pela ONU – anunciou a formação de uma comissão conjunta iranianoargentina para “apurar a verdade sobre o atentado e estabelecer diretrizes de como conduzir o assunto, com base nas leis e regulamentos dos dois países”.
É mais do que evidente que esta comissão da verdade está fadada a revelar a inverdade e não será surpresa se ela concluir que foram pérfidos judeus ligados ao Mossad a destruir o prédio, talvez com o objetivo de denegrir a imagem do Irã no mundo (como se para isto fosse necessária a ajuda de terceiros).
Para nós judeus o episódio é tão amargo que qualquer comentário parece fraco frente ao tamanho da afronta. E para os argentinos deveria ser semelhante. Afinal de contas o dirigente do país abriu mão do princípio básico de sua soberania e da razão de ser do país. Crimes cometidos num país são investigados e julgados por este país e ponto final. É um absurdo inominável relativizar a soberania!
Imaginem a gritaria que estremeceria qualquer país da América do Sul se o governo fizesse uma parceria com o FBI para apurar um crime cometido na época das ditaduras militares que grassaram no continente. O equilíbrio político seria insustentável.
No entanto, aprendemos que para a Argentina (e talvez para outros países do continente, tendo em vista a placidez com que o desonroso acordo foi recebido) a soberania é relativa. Interferência ianque jamais! Porém, dos tiranos sanguinários de Teerã não há problema algum. Tristes tempos para a Argentina e para o continente.