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Rafael Bronz e Anita Goldberg
um olHar de eduCadores sobre dilemas e questões da eduCação JudaiCa
rafael bronz e anita goldberg
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Acompanhamos, com bastante atenção, o texto da penúltima edição da Devarim, intitulado “Dilemas e Questões da Educação Judaico-Sionista no Rio de Janeiro”, de autoria de Michel Gherman, sobre a educação judaica em nossa cidade. Notamos, também, em outros fóruns de debate, críticas parecidas às encontradas no artigo. Certos de que todas as críticas são bem-vindas quando ajudam a refletir sobre o nosso trabalho educativo e de que o debate público em torno desse tema é de fundamental importância para o crescimento da nossa comunidade, gostaríamos de contribuir para a questão oferecendo a visão de quem convive diariamente com o tema em uma instituição educativa judaica.
As críticas à educação judaica aparecem basicamente em dois sentidos:
O ensino judaico centraliza a construção da identidade judaica do aluno através da vitimização do povo judeu ao longo da História, ocupando a Shoá um lugar central nessa formação, consolidando tal postura com a viagem à Marcha da Vida.
Israel raramente é questionado por suas posturas. Ou seja, há uma relação acrítica com o Estado Judaico.
Educação Judaica: um olhar atual
Concordamos que os posicionamentos destacados acima não respondem às necessidades de hoje. Por esse motivo, neste artigo, consideramos de fundamental importância recolocar essas questões, tendo em vista o que vem sendo pensado, e feito, atualmente na instituição em que trabalhamos. Durante muito tempo o tema do Holocausto ficou silenciado nos âmbitos familiares. Chegando às escolas, o ensino do Holocausto, assim como de uma ampla gama de temas judaicos, faz parte do currículo. Não podemos, e não devemos, fugir.
Para compreendermos melhor essas duas visões, precisamos entender a raiz dessas construções ideológicas e olhar para a nossa comunidade de algumas gerações atrás. Ao elaborarmos um projeto educativo, é premente sabermos quem somos hoje, e refletirmos sobre qual lugar pretendemos ocupar em nossa sociedade.
A escola, como uma agente da educação judaica, está inserida em um contexto histórico e sociológico específico, e ambos os posicionamentos acima refletem uma comunidade de imigrantes perseguidos e obrigados a fugir de seus países. O contexto global nos mostrava Israel buscando a sua sobrevivência, lutando claramente contra inimigos que queriam destruí-lo. De fato, ainda hoje ecoam fortes vozes no mundo com este intuito. Nesse sentido, a construção ideológica apresentada nos parece até mesmo coerente com o momento histórico vivido por aquela geração.
Começamos por entender, portanto, a questão do Holocausto, sob um ponto de vista mais atual. Durante muito tempo esse tema ficou silenciado nos âmbitos familiares. A figura do israelense, que defende o seu país, se formou como uma resposta aos judeus europeus vítimas do Holocausto. O silêncio foi quebrado quando os sobreviventes iniciaram seus relatos a seus netos e bisnetos, que, hoje, são os nossos alunos, ou seus pais. Os campos poloneses se abriram a eles.
Chegando às escolas, o ensino do Holocausto, assim como de uma ampla gama de temas judaicos, faz parte do currículo, que, naturalmente, é selecionado como temática a ser estudada. Não podemos, e não devemos, fugir. Do ponto de vista pedagógico, tudo o que envolve essa parte da História desperta grande interesse no aluno, que, como não poderia deixar de ser, trata o assunto com muito respeito. Em experiências recentes que tivemos em instituições não judaicas, observamos que tal tema emociona a todos, despertando olhos atentos e atenção redobrada. Vale lembrar que nossos alunos são a última geração que conhecerá pessoalmente os sobreviventes, e isso representa para suas vidas uma relevante responsabilidade.
O contexto citado acima não faz do Holocausto (ou o
A Shoá, para nós, que ele representa como vitimização do não é uma questão somente judaica, mas povo judeu) ponto central da construção de identidade de nossos alunos, mas exige grande capacidade criativa e pedagóhumanitária. Temos gica para equilibrar o peso que é dado a trabalhado uma visão esta temática em comparação com as dedesse evento histórico mais matérias. como uma importante A Shoá, para nós, não é uma questão somente judaica, mas sim uma questão reflexão não de “volta humanitária. Temos trabalhado uma via Auschwitz”, mas sim são desse evento histórico como uma imde “distanciamento portante reflexão não de “volta a Ausa Auschwitz”. O que chwitz”, mas sim de “distanciamento a devemos fazer para Auschwitz”. O que devemos fazer para que a intolerância seja questionada nas que a intolerância diversas formas que se manifesta em nosseja questionada nas sa sociedade? O ensino contextualizando diversas formas que historicamente o tema, e refletindo sob o se manifesta em nossa sociedade? legado para a sociedade atual, é importante ferramenta para que nossos alunos entendam o momento estudado não apenas sob o aspecto emocional. Nossa recente iniciativa em levar à Marcha da Vida dois alunos do Colégio Santo Inácio (escola católica tradicional no Rio de Janeiro) reflete o caráter universal de nossa relação com o assunto. Assim sendo, cabe ressaltar que essa proposta não é um ato isolado, mas fruto de um trabalho realizado há mais de seis anos com a instituição parceira, sob a bandeira de um constante “diálogo intercultural”. A questão deste diálogo ganha aspecto mais importante em nosso trabalho, uma vez que não restringimos essa prática aos nossos colegas cristãos, pois abrimos as portas de nossa escola, algumas vezes ao ano, a um colega muçulmano que vem trazer sua cultura e dialogar com nossos alunos. Do ponto de vista da visão, e do relacionamento com Israel, alvo da segunda crítica feita ao ensino da área judaica, estamos imersos no dilema entre conversar sobre os erros de Israel sem tornarmo-nos parte do coro de incompreensão mundial que se reflete em todas as mídias da atualidade. Essa tarefa não é fácil. Despertar o amor por Israel é parte de nossa proposta, debater sobre seus dilemas e problemas também. Não são dois objetivos antagônicos. Uma pergunta também cabe aqui: a comunidade está preparada para encarar as críticas a Israel?
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Reformas educativas: tempo de mudanças
Temos adotado uma postura de transformação curricular em nosso ambiente educacional há bastante tempo. Acreditamos na ideia de um “judaísmo cultural”, que promove a possibilidade de diversas portas de identificação e áreas de interesse em relação ao judaísmo. O “Projeto Mafteach” (mafteach quer dizer chave em hebraico), do Ensino Médio, que já existe há dez anos, segue essa lógica, possibilitando ao aluno o direito de escolha entre 22 diferentes módulos ao longo de dois anos de estudo.
O projeto já despertou o interesse de diversas instituições, como a Universidade de Jerusalém, bem como de outras escolas judaicas da América Latina, como pudemos observar em eventos que participamos (veja a tabela dos módulos oferecidos). Atualmente, nossa equipe de professores continua trabalhando na reformulação do projeto de História Judaica do Ensino Fundamental II, buscando preencher as lacunas percebidas na matriz curricular judaica.
Seguindo uma linha pedagógica voltada para uma educação de valores éticos e morais, temos trabalhado a área judaica como referência em projetos de cunho social. O “Projeto Dorot” (gerações em hebraico), realizado há 12 anos, leva os ensinamentos judaicos para fora do âmbito da sala de aula, reforçando o judaísmo como parte de nossas vidas cotidianas. Com este e outros projetos, nossos alunos podem entender melhor conceitos como Bikur Cholim, Guemilut Chassadim, Tzedaká, Tikun Olam, etc. (assistência aos enfermos, assistência social, justiça social, reparação do mundo, etc.). Em âmbito institucional, estamos expandindo nossas atividades voluntárias na sociedade como um todo, sendo este caminho conduzido mediante lideranças da área judaica, o que reforça a concepção de um judaísmo vivo, atuante e moderno.
Parte de nossa missão como instituição educativa judaica é formar futuros líderes comunitários que poderão desenvolver suas atividades norteados por uma postura ética e moral perante a comunidade, e seu entorno.
Entendemos que as fontes judaicas possuem caráter atemporal de forma que podem e devem estar em constante diálogo com a contemporaneidade. Recentemente, temos elaborado a construção de um eixo judaico/transversal em referência à questão dos temas transversais na educação, assunto de grande importância no contexto educativo. Assim, promovemos uma aproximação do “conhecimento acadêmico” com o “conhecimento vulgar” (cotidiano), ou, na linguagem específica, tornar o ensino judaico mais relevante e significativo aos olhos de nossos alunos, sem perder sua autenticidade. Judaísmo e Temas Transversais se fundem reforçando as duas mensagens. Nada mais atual, mas esse já é assunto para outro artigo.
Temos consciência de que toda mudança em educação demanda tempo e de que é possível ainda encontrarmos resquícios das críticas levantadas no início do texto. As mudanças, muitas vezes, são geracionais, como no exemplo de Moshé na História do êxodo do Egito. Nosso aluno
DISCIPLINAS OFERECIDAS NO PROJETO MAFTEACH DA ÁREA JUDAICA DO ENSINO MÉDIO 1º ANO 2º ANO Amor no Tanach Cabala
As Histórias mais polêmicas da Torá Conflito árabeisraelense Cantando e Contando Israel Diálogo Interreligioso Conflito árabeisraelense Filósofos Judeus Introdução ao Talmud Humor Judaico Ivrit be Ivrit Iediot Achronot (atualidades) Judeus Notáveis Ivrit be Ivrit Resistência Judaica Judaísmo e Dilemas Modernos Shoá Judaísmo e Meio Ambiente Sionismo Judeus no Brasil Sociedade Israelense Literatura Judaica Tikun Olam Preparação para a Marcha da Vida
de hoje não aceita com passividade qualquer tipo de argumento, pois traz consigo as referências encontradas na “era da informação” em que vivemos.
Em suma, apesar de concordar com as reservas feitas sobre as linhas ideológicas e pedagógicas apresentadas no artigo citado no início de nosso texto, com certeza não nos vemos reproduzindo, em nossa escola, essa linha de trabalho. Ao contrário, estamos conscientes de nosso direcionamento, e gostaríamos de dividir essas reflexões com a comunidade, que, muitas vezes, critica suas instituições por falta de informação.
No caso específico de todas as escolas judaicas, deveríamos olhar para elas como um patrimônio especial de nossa comunidade, uma vez que, há décadas, elas vêm nos oferecendo um serviço não só de ordem judaica e acadêmica, mas também de formação geral, muito respeitado no meio educativo. Nossas instituições deveriam ser mais valorizadas por nós mesmos.
Na qualidade de profissionais ativos em educação judaica, convidamos historiadores, filósofos, sociólogos, jornalistas, a visitar as nossas instituições, para que sejamos parceiros no desenvolvimento de nosso trabalho.
Seguindo uma linha pedagógica voltada para uma educação de valores éticos e morais, temos trabalhado a área judaica como referência em projetos de cunho social. O “Projeto Dorot” leva os ensinamentos judaicos para fora do âmbito da sala de aula, reforçando o judaísmo como parte de nossas vidas cotidianas.
Rafael Bronz e Anita Goldberg são coordenadores da Área Judaica do Colégio Israelita Brasileiro A. Liessin Scholem Aleichem.
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