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João Koatz Miragaya
o alef-bet da PolítiCa israelense
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Fotografias: Bruno Gottlieb
João Koatz miragaya
No dia 22 de janeiro deste ano ocorreram em Israel as eleições para a 19ª Knesset. O sistema israelense é distinto do brasileiro e é dotado de algumas peculiaridades e detalhes simples, mas que aparentam ser complexos, principalmente para os brasileiros não acostumados ao regime parlamentar. Quem elege o presidente? Quem elege o primeiro-ministro? Quem comanda o poder executivo em Israel? Qual a diferença entre o poder legislativo no parlamentarismo israelense e no presidencialismo brasileiro? Quem, afinal, vence as eleições? E de quanto em quanto tempo estas devem ser realizadas? Tentaremos responder a estas perguntas dentro do texto a seguir, incluindo uma breve análise sobre como vota a população israelense dentro das suas divisões regionais, religiosas e sociais.
Distinto do modelo brasileiro de presidencialismo, Israel adota o sistema político parlamentarista. Segundo este modelo, o poder executivo está diretamente submetido ao legislativo: a população vai às urnas votar única e exclusivamente para o parlamento, e este se encarrega de formar o governo e a oposição. Os israelenses não votam diretamente em candidatos, mas sim em partidos. Estes devem entregar à comissão eleitoral uma lista fechada de candidatos em ordem numérica, que serão eleitos de acordo com os votos recebidos porcada partido proporcionalmente. O voto não é obrigatório, diferentemente do que ocorre no Brasil. Em Israel, votar é um direito, não um dever.
Israel também tem um presidente. A eleição para o cargo ocorre de forma indireta (os parlamentares o fazem) a cada sete anos. Ao presidente conferem poucas funções, em sua maioria protocolares de representação do Estado.
Israel se caracteriza por ser uma democracia com características ocidentais em meio a uma cultura mesclada.
Dentre os seus deveres está o de indicar o líder do partido com mais chances de formar a coalizão governista, após as eleições para o cargo de primeiro-ministro. Em outras palavras, o presidente aguarda os números finais do pleito, observa a configuração da Knesset e escolhe o candidato “mais capaz” de formar uma coalizão governista.
Até os dias de hoje, o presidente jamais deixou de escolher o líder do partido com mais assentos conquistados para chefiar o novo governo. E o líder do partido escolhido tem três semanas para organizar a coalizão governista. Nas eleições anteriores às deste ano o candidato do partido com mais votos – Kadima, liderado por Tzipi Livni – teve a oportunidade de formar a coalizão, mas não conseguiu e então o partido segundo colocado – Likud, liderado por Benyamin Netaniahu – foi chamado e logrou formar o governo. Ou seja, nem sempre o mais bem votado forma o governo, mas estes casos são bem raros.
As eleições diretas em Israel ocorrem a cada quatro anos. Ou melhor: ocorrem no máximo a cada quatro anos. Desde 1988 um governo não termina o seu mandato. Por que isto ocorre? O sistema parlamentarista israelense exige que o governo de coalizão seja formado por, no mínimo, 61 representantes das 120 cadeiras da Knesset. É exigida a maioria absoluta dos parlamentares fazendo parte do bloco governista. Se algum partido decide abandonar a coalizão durante a cadência do governo, e este deixa de contar com maioria absoluta no parlamento, o presidente dá ao primeiro-ministro em exercício as mesmas três semanas para reorganizar a sua coalizão. Se este não logra atingir este objetivo, são convocadas eleições.
Outra razão pela qual podem ser marcados novos pleitos é a não aprovação do orçamento do governo pela Knesset. Ao final de cada ano de governo, o poder executivo deve prestar contas ao poder legislativo. Se este não aprova o orçamento, imediatamente são convocadas novas eleições. Uma terceira causa para que a escolha dos parlamentares seja adiantada é a dissolução do parlamento. Outra causa é a aprovação pelo Congresso de um voto de des-
confiança ao governo, isto já aconteceu em Israel.
O primeiro-ministro também tem o poder de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições quando julgar necessário (desde que a maioria da Knesset esteja de acordo), justamente como ocorreu em 2012. Binyamin (Bibi) Netanyahu decidiu desintegrar o parlamento julgando o momento adequado para que fosse realizado um novo pleito que formasse um governo mais homogêneo. Parte da oposição o acusou de aproveitar-se do seu poder a fim de escapar de ter o orçamento reprovado pela Knesset. A crítica da oposição faz sentido, assim como o argumento do primeiro-ministro. De qualquer forma, a ampla maioria dos partidos estava a favor de que fossem realizadas novas eleições no momento.
Cada partido, então, decide por um processo próprio a formação da sua lista de parlamentares em ordem de preferência e a envia à comissão eleitoral. Há partidos que realizam primárias internas, com a participação aberta a todos os filiados (como o Likud e o Partido Trabalhista). Há partidos que formam uma comissão especial para decidir quem participará e em que posição na lista (como o Israel Beiteynu e o Shas). Há partidos que elegem uma comissão, ou seja, um meio termo entre os dois formatos acima (como o Meretz). A forma como cada partido organiza a sua lista é singular e não obedece a nenhuma ordem predeterminada. E assim é dada a largada para que os eleitores decidam como será formada a Knesset.
A coalizão
Após o pleito há uma expectativa em torno da composição da coalizão governista. As negociações se dão, sobretudo, entre os líderes dos partidos envolvidos, e envolvem todo o tipo de exigências bilaterais. Em janeiro de 2013, por exemplo, Yair Lapid, líder do recém-fundado partido Yesh Atid (o segundo mais votado na última Knesset) havia dito, dois meses antes das eleições, que não faria parte de uma coalizão governista que incluísse o partido religioso Shas. Após certificar-se de que o resultado muito lhe favorecia, Lapid passou a cogitar formar sim um governo ao lado do Shas, mas desde que a Comissão de Finanças e o
Engana-se quem Ministério da Habitação saiam das mãos pensa que partidos de ideologias distintas, ou dos ortodoxos. O mais comum é a troca da entrada de um partido na coalizão em troca de um número predefinido e préàs vezes até opostas, -qualificado de ministérios. não fazem parte das Engana-se quem pensa que partimesmas coalizões. Os dos de ideologias distintas, ou às vezes trabalhistas e o Likud já até opostas, não fazem parte das mesmas coalizões. Os trabalhistas e o Likud, traformaram em conjunto dicionais rivais em um modelo “ex-bia coalizão governista polar”, já formaram em conjunto a coaem três oportunidades, lizão governista em três oportunidades, e mais outras três em e mais outras três em situação de emersituação de emergência. gência1. Até mesmo o Meretz chegou a fazer parte de uma coalizão com o Likud, quando Ariel Sharon necessitava de apoio para que seu Plano de Desconexão2 se tornasse realidade. Religiosos ortodoxos e laicos, conservadores e socialistas, ashkenazim e mizrachim3, todas estas dicotomias constam frequentemente no histórico das coalizões da Knesset. O único grupo social representado por um ou mais partidos políticos que jamais fez parte de nenhuma coalizão são os árabes. Os partidos árabes e o partido Chadash4 nunca fizeram parte de nenhum governo, por opção das duas partes. Isto não impede, no entanto, que parlamentares árabes já tenham composto o governo israelense em determinadas ocasiões, inclusive como ministros. A população árabe, inclusive, se caracteriza por baixos índices de comparecimento às urnas em comparação com os judeus, e os que votam nem sempre apoiam os partidos árabes. A necessidade de se formar um governo de maioria é analisada por alguns cientistas políticos como uma espécie de defeito da democracia israelense. Os partidos pequenos, segundo esses, teriam uma força desproporcional, pois percebem a dificuldade que têm os partidos grandes para formar a coalizão. Isto explica a força e a perenidade dos partidos religiosos em governos dos mais diversos partidos, por vezes com composições totalmente antagônicas a eles. Um dos carros-chefes do partido Yesh Atid é aumentar a cláusula da barreira mínima (de 2%) para eleger um parlamentar para 6% dos votos. Isto eliminaria da Knesset diversos partidos que hoje transitam pela casa, ou talvez os fizessem concorrer em lista conjunta, estratégia ado-

As divisões partidárias e ideológicas israelenses são lógicas, sem deixar de serem complexas.
tada desde 2006 pelos partidos árabes Raam e Ta’al, seguida em 2013 por Likud e Israel Beiteynu.
Os partidos
O espectro ideológico-político israelense pode ser esmiuçado de distintas formas. É uma tarefa extremamente complexa categorizar a grande maioria dos partidos de acordo com as tradicionais classificações “direita”, “centro” e “esquerda”. O sionismo, ao longo dos anos, produziu muitas esquerdas, centros e direitas, e dentro de cada temática presente na Knesset os partidos podem transitar por estas categorias.
Apesar de aparentemente complicadas, as divisões partidárias e ideológicas israelenses são lógicas, sem deixar de serem complexas. Cito as três principais formas de analisar como se posiciona cada partido referente aos três principais assuntos políticos deste momento: a ótica das negociações por paz (1); a ótica da política econômico-social (2); e a ótica da relação entre religião e Estado (3).
Entende-se como pomba um partido que defende a troca de territórios em prol da paz.5 Mesmo entre os partidos considerados pombas, encontra-se relativas disparidades. Um exemplo claro são as diferentes percepções dos trabalhistas e do Meretz. Enquanto esse se baseia em uma postura pragmática (admite-se trocar territórios, mas não todos e imbuídos de exigências), este adota uma perspectiva mais romântica, baseada na moral e na justiça (de que os palestinos devem ter um Estado por merecimento), atuando de forma mais flexível e admitindo ceder mais territórios.
Por outro lado, entende-se como falcão um partido que adota a filosofia de paz por paz, ou seja, os inimigos terão paz quando nos derem o mesmo. Dentro deste grupo há partidos, como o Israel Beiteynu, que não se opõem à criação de um Estado palestino, por exemplo, até o HaBait HaYehudi, que se posiciona de forma frontalmente contrária.
A ótica econômico-social é mais simples, pois obedece relativamente às mesmas regras em todo o mundo. Se de um lado há a filosofia (apontada como ‘esquerda’) de que o Estado deve participar ativamente da economia, redistribuindo impostos e mobilizando parte do setor pú-
blico a fim de distribuir riqueza e reduzir as desigualdades sociais, por outro lado há outra filosofia (vista como liberal, ou ‘direita’) que prega a menor influência do Estado, julgando-o como produtor de burocracia e ineficiente, e admitindo a maior capacidade do setor privado em gerar empregos e desenvolver a livre competição em uma sociedade meritocrática. Em Israel isto não é sui generis. Partidos como Meretz, Chadash, trabalhistas e até o Shas defendem, cada um da sua forma e intensidade, maior influência do Estado na economia, enquanto Likud, Israel Beiteynu e Yesh Atid optam por uma política de mínima influência do poder público no desenvolvimento da economia.
A relação entre religião e Estado em Israel sempre foi um tema controverso, e vem se tornando cada vez mais devido ao crescimento populacional dos ortodoxos. Segundo o censo israelense de 2009, os autodeclarados religiosos (ortodoxos) são 15% da população israelense, somados aos 7% ultraortodoxos chegam a 22%. O número é sugestivo, principalmente considerando que em 1949 eles eram menos que 10%. Assim como em Israel há partidos religiosos, também há partidos laicos. Parte destes, entretanto, não compõe uma frente secular a fim de impedir o crescimento dos ortodoxos. É o caso do Likud e dos trabalhistas, tradicionalmente os dois grandes partidos do país. Os partidos laicos atuantes são, principalmente, Meretz, Chadash, Israel Beiteynu e os recém-criados HaTnua e Yesh Atid. Todos estes promovem debates e projetos de lei que visam, ora integrar o público ultraortodoxo na sociedade, ora separar por completo religião e Estado. Os partidos religiosos, significativamente distintos entre si, são principalmente os nacionalistas-religiosos HaBait HaYehudi (ex-Mafdal), os ultraortodoxos Yahadut HaTora e o sincrético Shas. O primeiro é formado pelos conhecidos kipá de crochê, judeus ortodoxos, que seguem a halachá6 , mas sem abdicar de um convívio social com o mundo secular. O HaBait HaYehudi conta com parlamentares do sexo feminino e apoiam o serviço militar universal (seu líder, Naftali Bennet, inclusive, é ex-oficial do exército), por exemplo, mas são, em sua maioria, contra o transporte público no shabat e creem que quanto mais a religião judaica influenciar o dia a dia dos cidadãos, melhor. O

Os israelenses não votam diretamente em candidatos, mas sim em partidos.
Yahadut HaTora é um clássico representante dos ultraortodoxos. Vindo de uma fusão entre o Deguel HaTora e o tradicional Agudat Israel em 1992, o partido não se considera sionista e por isso não indica ministros, apenas vice-ministros (o que me parece uma forma curiosa de se definir, usando linguagem musical, “sionista ma non troppo”) e tem como única causa lutar por seus eleitores charedim7. O Yahadut HaTora divide votos com o Shas, que também conta com eleitores não ortodoxos, em sua grande maioria judeus mizrachim de classes sociais mais humildes.
O Shas foi criado em 1984 pelo ex-Rabino-chefe Sefaradita Ovadia Yossef, com o objetivo de atender às demandas dos judeus mizrachim, sobretudo os religiosos. Em pouco mais de dez anos o partido cresceu assustadoramente e hoje, apesar de ser tratado como um partido religioso, se vê também como apoiador das causas sociais, que ajuda os judeus pobres, enfim, que faz tzdaká8 . Na prática, no entanto, a política do Shas favorece a um público restrito de mizrachim religiosos, habitantes de cidades em desenvolvimento e bairros pobres das grandes cidades.
Considerações finais
Israel se caracteriza por ser uma democracia com características ocidentais em meio a uma cultura mesclada. Devido ao conflito, a relação entre democracia e sociedade torna-se mais complexa e dificulta a compreensão de quem a percebe de fora. Questões como a disputa entre ashkenazim e mizrachim ou os conflitos existentes entre os distintos grupos religiosos judaicos só agravam as particularidades políticas do país. As cidades, bastante distintas entre si, são a prova viva da disparidade israelense.
Nestas eleições de 2013, em Tel Aviv, por exemplo, os esquerdistas do Meretz obtiveram 14,3% dos votos (bem mais do que a média nacional, de 4,5%). O Likud-Beiteynu, partido mais votado, na mesma cidade obteve 17,5% dos votos, baixo percentual em comparação à sua média nacional (23,3%), ou em relação ao que o partido conquistou na pobre Beer Sheva (38% dos votos).
Curiosamente percebemos os altíssimos índices alcan-
A necessidade de se çados pelos religiosos Shas (15,6%), Yahaformar um governo de maioria é analisada dut HaTora (22,2%) e HaBait HaYehudi (11,78%) em Jerusalém, todos acima de suas médias nacionais. Os trabalhistas por alguns cientistas sacaram péssimos resultados nas chamapolíticos como uma das cidades em desenvolvimento e, juntos espécie de defeito da ao Yesh Atid, obtiveram uma alta votação democracia israelense. no centro do país (região que concentra população laica e de classe média). PerceOs partidos pequenos bemos que a população israelense ainda teriam uma força procura votar de acordo com a sua idendesproporcional, pois tidade, apesar da decadência dos grandes percebem a dificuldade partidos. que têm os partidos A grande maioria dos israelenses que comparece às urnas9 sabe que participa de grandes para formar a uma manifestação democrática dentro de coalizão. um Estado judaico. Os eleitores judeus dão grande importância ao sionismo no momento em que escolhem seu partido, inclusive quando optam por um partido não sionista, como o Chadash ou o Yahadut HaTora. E o voto antiortodoxo tem cada vez conquistado mais adeptos. No entanto, sabemos que todos os partidos judaicos podem compor uma coalizão governista, enquanto nenhum partido árabe (ou de maioria árabe) o fará. Se há uma certeza, esta é a de que há uma grande diferença entre os partidos que desejam construir um Estado judeu, e outros que têm como intuito boicotá-lo. E as disputas acontecem dentro da democracia.
Notas
1. Às vésperas da Guerra dos Seis Dias (1967), da Guerra de Yom Kippur (1973) e durante a 2ª Intifada (2001-2005). 2. Projeto levado a cabo por Sharon a fim de retirar os colonos e o exército israelense da Faixa de Gaza em 2005. 3. Judeus europeus e judeus orientais. 4. Partido de eleitorado predominantemente árabe, resultado da junção do Partido Comunista Israelense com outros partidos menores. 5. Visão de mundo que surge somente após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel conquista os territórios do Sinai, Colinas do Golã, Faixa de Gaza e Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental). 6. Lei religiosa judaica que emana do Talmud. 7. Tementes, em hebraico, forma como são chamados os ultraortodoxos. 8. Justiça ou esmola, dependendo da interpretação que se dê ao complexo termo. 9. Nestas eleições votaram 67,5% dos eleitores aptos a votar. João Koatz Miragaya é mestrando em História Geral pela Universidade de Tel Aviv e trabalha no Machon Le Madrichim da Agência Judaica.