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Entrevista com o professor Sergio Della Pergola, por Gabriel Mordoch

Quantos somos, onde estamos, aonde vamos?

entrevista com o professor sergio della Pergola, demógrafo do judaísmo contemporâneo

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Mais de 80% dos judeus do mundo vivem em Israel e nos Estados Unidos, enquanto que mais de 95% se concentram em um pouco mais de dez países, incluindo o Brasil, que ocupa a posição de número dez no ranking quantitativo das comunidades judaicas mundiais.

Gabriel mordoch

Onome Sergio Della Pergola é praticamente sinônimo de demografia judaica. Professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, Della Pergola já palestrou em mais de cinquenta universidades e centros de pesquisa ao redor do mundo, recebeu diversos prêmios, atuou como consultor político do presidente de Israel, entre várias outras atividades.

O World Jewish Population, 2010 é um dos resultados de cinquenta anos dedicados ao tema. Trata-se do mais atualizado e completo relatório sobre a demografia judaica contemporânea, cujas 71 páginas apresentam dados sumamente interessantes – como, por exemplo, o número de judeus no mundo, estimado em 13 milhões e meio (http://www.jewishdatabank.org/Reports/World_ Jewish_Population_2010.pdf).

Encontramo-nos com o professor Della Pergola em Jerusalém, numa ensolarada tarde de inverno, para uma entrevista concedida com exclusividade a Devarim sobre os rumos da demografia judaica.

Devarim: Conte-nos um pouco sobre sua biografia e como surgiu seu interesse pela demografia judaica.

Pergola: Nasci na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942. Meus pais conseguiram fugir a pé para a Suíça em 1943 e assim sobrevivemos ao Holocausto. Em 1945 voltamos para a Itália, moramos em Milão, estudei numa escola judaica e fui ativo em movimentos juvenis judaicos, mas também tinha muitos amigos não judeus. Fui estudar Ciências Políticas na universida-

de, eu já me interessava então por estatística social. Numa ocasião um amigo e eu conduzimos um trabalho sobre a comunidade judaica italiana e para tanto fomos nos aconselhar com o professor ítalo-israelense Roberto Bachi, que era o principal demógrafo e estatístico de Israel. Após terminar minha tese de mestrado, em dezembro de 1966, vim para Israel com o propósito de vivenciar um ano na Universidade Hebraica de Jerusalém. Fiz meu doutorado sobre a demografia dos judeus da Itália e, após terminá-lo, comecei a trabalhar como assistente de pesquisa na Universidade Hebraica, no Instituto de Judaísmo Contemporâneo. O professor Bachi, juntamente com o professor Moshe Davis, fundaram esse instituto em 1959. Ativo até os dias de hoje, o instituto lida com questões ligadas ao universo judaico desde a perspectiva de diferentes disciplinas, tais como História, estudos do Holocausto, Literatura, Sociologia, Demografia e Ciências Políticas, reunindo especialistas em diferentes regiões, como o professor Chaim Avni, que se dedica à América Latina. Com o passar dos anos eu avancei, virei professor associado e depois chefe do Instituto de Judaísmo Contemporâneo. Há um ano me aposentei como professor emérito, mas continuo pesquisando, publicando e lecionando. Minha vida profissional foi inteiramente dedicada à investigação das comunidades judaicas. São 50 anos de dedicação. Meu foco de interesse abrange os Estados Unidos e a América Latina, visitei Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, México e publiquei pesquisas sobre estes países. Enfim, eu me inte-

A maioria da resso pela perspectiva mundial. O World população judaica está concentrada num Jewish Population, 2010 é uma síntese de muitos anos de trabalho, nosso e de outros, que trata de apresentar um quadro pequeno número de da situação de maneira objetiva e investicidades grandes. 50% gativa sobre a demografia judaica. As divive em cinco regiões ferentes comunidades e também o Estado metropolitanas, Tel de Israel e a Agência Judaica devem entender as transformações e tendências do

Aviv, Jerusalém e povo judeu a fim de refletir sobre o futuHaifa, em Israel, e Nova ro e planejar suas ações. Também traba-

Iorque e Los Angeles, lhamos muito com assessoria a entidades nos Estados Unidos; governamentais e públicas em nossas pes75% da população quisas. Sempre surgem novas questões e reflexões. judaica mundial vive em 17 cidades, entre Devarim: Qual é o poder político da elas Buenos Aires, na pesquisa demográfica? Argentina. Pergola: É importante conduzir as pesquisas de forma científica, com metodologias adequadas, de maneira que seja sempre possível examiná-las e avaliar se os resultados estão corretos. É necessário que haja o máximo de transparência para que qualquer um possa examinar o que foi feito e como foi feito. Geralmente os dados ideais não estão disponíveis, muitas vezes há pouca informação. O Brasil é um país relativamente desenvolvido nesse quesito porque há um censo populacional a cada dez anos. É necessário, no entanto, entender as limitações destes dados. Além disso, a comunidade judaica, principalmente em São Paulo, realiza um grande esforço para localizar os seus judeus, naquilo que foi chamado de cadastro da comunidade. Sempre há questões e dúvidas, portanto as ponderações do pesquisador são influentes e ele precisa observar os dados de ma-

neira crítica. Não há dúvida que o fato de não haver dados completos possibilita a politização dos dados. Há pessoas que desejam obter determinados resultados e ao receberem resultados um pouco diferentes dizem que talvez haja erros. Certa vez um político israelense me disse: “Não nos aborreça com teus dados, nós conhecemos a realidade”. Há temas politicamente sensíveis, como as questões ligadas ao Estado de Israel e sua maioria ou minoria judaica, territórios, fronteiras e administração. Todos esses temas geram grandes discussões. Também há uma grande discussão sobre os termos quantitativos da comunidade judaica dos Estados Unidos. Há os que apontam para um número um pouco menor, como é o meu caso, e há os que pensam que o número é um pouco maior. É interessante notar que o número aparentemente influencia de maneira significativa o ego da comunidade judaica, há a tendência de pensar que “quanto maior melhor” tanto pelo ego comunitário em si como também pela necessidade de parecer mais poderoso aos olhos dos governos locais e assim afastar o medo de ser desprezado. Há uma conexão entre os números e a autoconfiança da comunidade. Há um exemplo engraçado: o presidente da comunidade judaica do México estava sentado ao lado de um importante ministro num jantar. O ministro perguntou amigavelmente: “Vocês, os judeus mexicanos, são muito bem sucedidos... quantos judeus há no México? Um milhão? Ou mais de um milhão?”. O presidente da comunidade respondeu “não, caro ministro, somos menos de um milhão”. Ele não mentiu, mas também não disse 50 ou 60 mil, o que poderia soar desastroso. Todos voltaram para suas casas sem ter mentido e tendo escutado aquilo que queriam.

Visitei dezenas de países mundo afora e em cada um deles encontrei interesses e necessidades em apresentar números maiores do que os existentes. É uma situação delicada, que eu entendo e não desprezo, mas por outro lado, como cientistas, temos a obrigação de realizar um trabalho sério.

Devarim: Como são desenvolvidas as previsões para os cenários populacionais futuros?

Pergola: A Demografia é de certa maneira uma disciplina muito simples, uma vez que lida com um número reduzido e determinado de acontecimentos e processos: no aspecto biológico, nascimentos e mortes; no aspecto social, emigrações e imigrações; no aspecto cultural identitá-

Sergio Della Pergola, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém.

rio, adesão à ou abandono da comunidade. São apenas seis variáveis e nós sabemos que elas funcionam de um modo muito tradicional, as mudanças ocorrem de maneira lenta e gradativa. Mas às vezes acontecem fenômenos que causam um salto significativo dentre as seis variáveis. Portanto nunca há uma previsão única. Um bom investigador prepara uma série de previsões, considerando sempre a combinação de diferentes hipóteses plausíveis, e assim são construídos cenários. Fizemos isso várias vezes, tanto em relação aos judeus da Diáspora quanto a Israel e seu entorno, e obtivemos muito bons resultados. É necessário ser cauteloso, uma vez que se trata de previsão e não profecia, sempre pode haver erros, mas de todo modo as previsões indicam os prováveis desdobramentos das situações vigentes. Fica difícil acertar nos casos em que há, por exemplo, uma revolução total, muito embora não possamos culpar o demógrafo nestes casos. O esfacelamento da União Soviética, por exemplo, foi um fenômeno que transformou significativamente a demografia judaica – já que envolveu um milhão e meio de pessoas, judeus e seus familiares não judeus – e influenciou não somente a situação na própria União Soviética, mas também em Israel, e em certa medida nos Estados Unidos e em outros lugares também. Quem poderia prever que a União Soviética, a grande potência atômica, iria ruir? O professor Shlomo Avineri, veterano do departamento de Ciências Políticas da Universidade Hebraica, fez essa previsão em maio de 1991; a União Soviética caiu em agosto de 1991. Quando a ordem mundial ou mesmo a ordem regional se transforma radicalmente,

a previsão demográfica feita anteriormente dificilmente se provará correta. No entanto, esse tipo de previsão é tarefa do cientista social e não do demógrafo.

A imprensa fala muito sobre o peso do voto judaico nos Estados Unidos. Como é possível atribuir tanta importância ao voto judaico quando os judeus constituem menos de 2% da população do país?

As comunidades judaicas dos Estados Unidos estão geograficamente concentradas em lugares específicos. Além disso, no sistema eleitoral dos Estados Unidos o candidato que vence as eleições em um determinado Estado ganha todas as vagas no Colégio Eleitoral. Em Estados que possuem muitas vagas no Colégio Eleitoral, como Nova Iorque ou Califórnia, mesmo uma pequena porcentagem de votos pode decidir o resultado no Estado, influenciando enormemente a eleição nacional. Podemos dizer que o voto judaico foi determinante em algumas eleições, principalmente aquelas decididas por uma pequena diferença de votos. As eleições de 1960, disputadas entre Nixon e Kennedy, são um exemplo clássico. Kennedy venceu por uma pequena diferença de votos. Graças ao voto judaico ele venceu em vários grandes Estados, o que foi fundamental para ele ganhar a presidência. No entanto, a proporção de cidadãos judeus nos Estados Unidos vem diminuindo e, além disso, há hoje em dia maior tendência à dispersão dos judeus pelo país, de modo que a influência numérica do voto judeu é cada vez menor. Por fim, os judeus se destacam na academia e nas profissões liberais, portanto, apesar de serem tão somente 2% da população, sua presença nos âmbitos formadores de opinião alcança altas porcentagens. Na Universidade de Harvard, por exemplo, 25% dos professores e alunos são judeus. A influência intelectual, social e política dos judeus americanos é muito maior do que 2%, logo o chamado voto judeu é mais ideológico que demográfico.

Devarim: Conte-nos um pouco sobre as conclusões do último relatório, lançado em 2010, relativo à demografia judaica mundial.

Pergola: O relatório aponta algumas grandes tendências, como, por exemplo, o fato de o mundo judaico estar altamente concentrado. Mais de 80% dos judeus do mundo vivem em Israel e nos Estados Unidos, enquanto que mais de 95% se concentram em um pouco mais de dez países, incluindo o Brasil, que ocupa a posição de número dez no ranking quantitativo das comunidades judaicas mundiais. A maioria da população judaica está concentrada num pequeno número de cidades grandes. 50%

vive em cinco regiões metropolitanas, Tel Aviv, Jerusalém e Haifa, em Israel, e Nova Iorque e Los Angeles, nos Estados Unidos; 75% da população judaica mundial vive em 17 cidades, entre elas Buenos Aires, na Argentina. Essa concentração indica que a vida judaica contemporânea se conduz em grandes espaços urbanos, caracterizando-se por uma intensa atividade econômica e pela possibilidade do estabelecimento de organizações judaicas que inclusive competem entre si. Essa situação difere muito da realidade de há cem anos, quando a maioria dos judeus ainda vivia em pequenas cidades, muitos na Europa oriental e também em países árabes. A paisagem era totalmente diferente, por vezes todos os habitantes da cidadezinha eram judeus, e os laços sociais muitas vezes não extrapolavam as fronteiras da cidade. Houve uma transição de pequenos lugares onde os judeus eram maioria para grandes lugares onde os judeus são minoria. Isso, evidentemente, favorece os casamentos mistos. Nos Estados Unidos, por exemplo, um pouco mais de 50% dos judeus se casa com não judeus atualmente, e em muitos outros países também. Nestes casos a questão é a abordagem dos pais quanto à identidade dos filhos, quer dizer, se os pais querem ou não estimular a identidade judaica dos filhos.

Essas são as questões fundamentais da demografia judaica. Em minha pesquisa eu descrevo as diferentes tendências, aponto as diferenças em relação aos anos anteriores e também explico quais são as fontes de dados, que em certos casos são bastante confiáveis, como no Canadá, por exemplo. No Brasil, o censo populacional proporciona uma base de dados bastante interessante e que permite analisar da década de 1940 em diante. Em certos países não há censos populacionais, portanto somos obrigados a levantar dados através de estudos financiados pela comunidade judaica ou por outras instituições de pesquisa. Trata-se de um procedimento muito caro, o qual levamos a cabo em alguns países, no México, por exemplo, e em Buenos Aires, onde foi realizado um grande estudo conduzido pelo Joint. Mas nem todo líder comunitário está disposto

É difícil hoje em dia a investir o dinheiro necessário para uma encontrar uma ideia pesquisa de qualidade. original, do ponto de Devarim: Quais são as consequências vista de conteúdo do fato de os judeus de hoje em dia estajudaico, que não rem tão concentrados em somente dois tenha nascido nos países? Estados Unidos ou em Pergola: A concentração gera o domínio destes dois atores ante os atores Israel. Contudo, posso menores. A maioria das novas ideias, das dizer que o conceito ideologias que competem entre si, das podos grandes clubes líticas, do dinheiro, vem dos Estados Uniesportivos e culturais, dos e de Israel – os grandes “exportadoque constituem um res” em relação ao resto do mundo judaico. Usando uma palavra um tanto forponto de encontro te, pode-se dizer que essas potências quajudaico significativo, é se “colonizam” o que seria um terceiro uma das contribuições mundo no qual se situam as outras codas comunidades judaicas latinomunidades. Interessante notar que fatores americanos, como o Movimento Reformista, o Chabad, e o Joint, por exem-americanas, inclusive plo, são muito bem sucedidos em países do Brasil. da América Latina e da Ex-União Soviética. Por outro lado, o Estado de Israel, a Agência Judaica e determinados partidos políticos sionistas também participam da educação judaica, da vida pública judaica e da política comunitária. É difícil hoje em dia encontrar uma ideia original, do ponto de vista de conteúdo judaico, que não tenha nascido nos Estados Unidos ou em Israel. Contudo, posso dizer que o conceito dos grandes clubes esportivos e culturais, que constituem um ponto de encontro judaico significativo, é uma das contribuições das comunidades judaicas latino-americanas, inclusive do Brasil. A Hebraica de São Paulo, o Centro Deportivo do México, ou o HaKoach e o Macabi de Buenos Aires são exemplos muito bem sucedidos. Nas comunidades judaicas europeias não há clubes como esses e nos Estados Unidos eles não chegam ao mesmo nível. Devarim: Quais são as perspectivas para a América Latina de modo geral e para o Brasil em particular? Pergola: Na América Latina há muitos países, portanto devemos tomar cuidado com as generalizações. Mas em geral eventos negativos causaram ondas de emigração judaica. Por exemplo, muitos judeus deixaram a Ar-

gentina em 2002, ano da bancarrota do governo argentino. No ano seguinte, no entanto, a economia começou a se recuperar e muito menos judeus deixaram o país. Há uma grande sensibilidade a situações instáveis. Os judeus venezuelanos têm vivido muita pressão nos últimos anos e muitos têm deixado esse país. No caso do Brasil, isso aconteceu uma vez, em 1970. De um modo geral, o Brasil é um dos países mais estáveis da América Latina e o número de judeus no Brasil tem sido estável durante os últimos quarenta anos, sendo que em outros países, como Uruguai, Argentina e Venezuela, o número tem diminuído. Entretanto, a população geral do Brasil cresceu, de modo que a proporção judaica em relação à população geral tem diminuído. O Brasil vem conseguindo oferecer aos judeus um modelo melhor do que o apresentado por parte dos países

O Brasil é um país em vizinhos. Espera-se que este modelo conascensão em termos de influência econômica tinue existindo, isto é, oferecendo estabilidade econômica e, portanto, atividade cultural, educação, os clubes esportivos já e geopolítica. A mencionados, as variadas sinagogas exisprosperidade e o tentes. Devemos considerar também que desenvolvimento o Brasil é um país em ascensão em termos econômico, a abertura e de influência econômica e geopolítica. A prosperidade e o desenvolvimento ecoo respeito aos direitos nômico, a abertura e o respeito aos direicivis melhora a situação tos civis melhora a situação dos judeus. dos judeus. Mas essa análise geral ainda é superficial e muitas dimensões podem ser acrescentadas. Se o Brasil hoje é o país com a décima maior população judaica do mundo, pode ser que dentro de algumas décadas a comunidade judaica brasileira venha a ser a oitava ou a sétima maior do mundo. Outra grande questão é a capacidade de manutenção da identidade judaica. Eu conheço um pouco o Brasil, que é um país bonito, jo-

o censo do IbGe Daniel Sasson

Oestudo da demografia judaica tem por objetivo permitir aos dirigentes o conhecimento da realidade comunitária, com vistas à definição e ao planejamento de metas e estratégias de atuação, em bases técnicas, para a condução da política desta coletividade. O pleno conhecimento da estrutura, das necessidades e dos costumes da comunidade torna possível a elaboração de projetos para sua valorização, do ponto de vista social, cultural, religioso e identitário.

Muitos projetos e atividades têm se dedicado a atrair jovens para as escolas judaicas, movimentos juvenis ou sinagogas, sem o conhecimento da dimensão deste público-alvo. Entende-se, também, como fundamental o atendimento às necessidades da população judaica menos favorecida. Mais do que apenas cumprir recomendações ou preceitos religiosos, suprindo as necessidades através do exercício da caridade, deve-se tentar resolver esse problema de forma duradoura, oferecendo, por exemplo, condições e oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Para a concretização destes projetos é fundamental o conhecimento da amplitude e das características do problema.

A informação sobre religião da população vem sendo coletada regularmente desde 1940 nos censos demográficos brasileiros realizados pelo IBGE. Até o fechamento desta edição, não haviam sido divulgados os dados do último levantamento, realizado em 2010.

O item “religião” é apenas mais um entre dezenas de características pessoais levantadas e segue o mesmo critério único de autodeclaração. Assim, a resposta à pergunta “Qual é a sua religião ou culto?” tem o mesmo tratamento de “Qual sua data de nascimento?”, “Qual seu estado civil?” ou “Qual seu rendimento?” e sua veracidade depende exclusivamente da disposição do entrevistado em responder.

Esta pergunta não foi formulada para todos, mas, como acontece na maior parte do questionário, apenas para uma amostra de aproximadamente 11% dos domicílios brasileiros. A questão era aberta, ou seja, não eram apresentadas opções de resposta e os PDAs (computadores de mão) dos recenseadores do IBGE tinham armazenados mais de 2.000 declarações para as diferentes religiões de modo a facilitar o preenchimento desse quesito nas entrevistas com a população. No caso do judaísmo, o IBGE agrupou todos aqueles que responderam de alguma das 23 seguintes formas: Beith-Aaron, Congregação de Israel, Congregação Israel de Deus, Cripto Judaísmo, Doutrina de Israel, Hebraica, Hebreu, Israelismo, Israelita, Israelita Mosaica, Judaica, Judaica Cabalista, Judaica Conservadora, Judaica Laica, Judaica Ortodoxa, Judaísmo, Judeu, Judia, Mosaica, Semita, Sinagoga, Sionismo, Universal de Israel.

As limitações citadas por Della Pergola podem ser de ordem metodológica (da-

vial, agradável, onde é muito fácil se assimilar. Isso implica num certo risco de declínio do conteúdo e intensidade da identidade judaica.

Devarim: Quais são hoje em dia os outros investigadores destacados na área de demografia judaica?

Pergola: Temos no Instituto de Judaísmo Contemporâneo o professor Uzi Rebhun, especializado no judaísmo dos Estados Unidos, e na sociedade israelense, o doutor Marc Tolts, especializado no judaísmo soviético e em demografia geral, e a doutora Shlomit Levi, especializada em psicologia social e nas dimensões da identidade judaica. Nos Estados Unidos os estudos de demografia judaica são liderados pelo professor Len Saxe e seu grupo de investigadores, que trabalham no âmbito do Steinhardt Social Research Institute da universidade Brandeis. Na Europa também há alguns investigadores, contudo eles estão de fato concentrados em Israel e nos Estados Unidos. A disciplina, no entanto, está envelhecendo, nós gostaríamos que mais jovens se interessassem pelo tema. Na Argentina, Ezequiel Erdei foi um dos organizadores da investigação conduzida com a colaboração do Joint. No México temos dados bastante precisos sobre a comunidade judaica. Na Inglaterra há um departamento responsável pela coleta de dados. Um levantamento estatístico, por meio das diferentes federações israelitas, dos nascimentos, falecimentos e casamentos no âmbito da comunidade judaica brasileira seria muito bem-vindo e acrescentaria importante informação aos dados apresentados pelo IBGE. Também seria bom conduzir uma pesquisa sobre a qualidade e o conteúdo da identidade judaica brasileira. Com exceção do trabalho realizado por Henrique Rattner no passado, não há muitas pesquisas atualizadas sobre o tema.

Entrevista conduzida, transcrita, traduzida do hebraico ao português e editada por Gabriel Mordoch, mestre em Humanidades pela Universidade Hebraica de Jerusalém.

dos amostrais envolvem probabilidade de erro, que podem ser relevantes quando os números são pequenos) ou de não resposta (muitos judeus se sentem inseguros em declarar sua religião).

O número de judeus residindo no Brasil é uma questão recorrente e sempre controversa. O IBGE divulgou que em 2000 eram 86 mil judeus no Brasil (42 mil em São Paulo e 26 mil no Rio de Janeiro). Estes números quase nunca são aceitos, embora muito poucas sejam as iniciativas para que se obtenha uma contagem que seja considerada “real”.

Como alternativa a essa escassez de informações demográficas propõe-se a utilização de fontes secundárias de dados, provenientes de registros administrativos. Entre eles podemos destacar:

• Cadastro das entidades com relações de sócios, contribuintes, pais de alunos, beneficiários de programas assistenciais,

entre outras, podem servir de primeira aproximação do número de judeus por meio da elaboração de um grande cadastro. Ficam de fora nesta primeira aproximação famílias que não mantêm vínculo com qualquer uma das instituições. • Sociedades funerárias, tais como Chevra Kadisha, possuem registros de óbitos onde, em geral, constam informações sobre data e local de nascimento, data, local e motivo do óbito. Esta parece ser uma fonte que abrange boa parte do universo desta população e a partir da qual se podem estimar parâmetros de mortalidade. • Com informações das escolas judaicas, cuja maioria expressiva é de judeus, podem-se aferir estimativas de população judaica na faixa etária escolar. A participação de estudantes judeus que não frequentam escolas judaicas pode ser estudada por meio de pesquisas complementares. • Das sinagogas podem-se utilizar registros de eventos religiosos tais como aqueles por ocasião do nascimento (brit milá para meninos e simchat bat para meninas) para estimar o número de nascimentos na comunidade. Também dados de bar ou bat mitzvá podem ser utilizados como parâmetros das estimativas populacionais. As sinagogas também possuem registros de casamentos e conversões.

A produção de informações confiáveis é, portanto, também uma tarefa comunitária. Envolve técnicos e especialistas, mas também dirigentes dispostos a reconhecer a importância da informação para o planejamento comunitário e a contribuir para esta complexa tarefa.

Daniel Sasson é estatístico e demógrafo. Trabalhou no Cide, instituição responsável pela estatística oficial do Estado do Rio de Janeiro. Atua desde 2005 na Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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