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Em Poucas Palavras

Ainda a Mezuzá

Recebemos e-mail de Helio Cherman, a quem agradecemos, comentando sobre a seção “Pilpul” da última Devarim. Apresentamos o texto recebido em versão condensada:

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“A velha piada poderia ser aplicada ao Pilpul? Disse o rabino ao seu auxiliar: Ele tem razão, ela tem razão e você também. Os dois articulistas, não ortodoxos (é óbvio), têm a mesma visão – o judaísmo liberal admite mudanças, adaptações e evolução, porém, vejam, considera necessário estudar, ler e agir para avaliar se os fundamentos não foram afetados pelas mudanças.

O segundo expositor... ao admitir a impressão do conteúdo da mezuzá impõe condições que, em última análise, são as mesmas a serem obedecidas pelo sofer... Ora, por que então não usar o pergaminho e escrever na forma tradicional?

Delegar ao sofer, desde que procedendo da forma preconizada, não desmerece o valor da delegação, que, em última análise, seria delegada à secretária, ao computador e à impressora. O sofer, porém, o fará mantendo a beleza da forma e a conexão com o passado revelador. Escrever o claf não deve ser banalizado, ao contrário, deve ser valorizado. E o Pilpul também.”

Comentamos que, apesar de próximas, as opiniões apresentadas se distanciavam quando uma defendia a importância do modelo tradicional para o claf da mezuzá, enquanto a outra preconizava maior liberalidade quanto à forma da impressão. Ambas são visões da Devarim, e é natural que tenham afinidade, ainda que divirjam.

Mas talvez um importante e polêmico aspecto tenha ficado de fora da discussão, aspecto este defendido no email que recebemos: quem (ou o quê) determina que um sofer é válido?

Ao transferir a elaboração do pergaminho (ou impresso) para o escrivão, entramos na seara fundamental para o judaísmo liberal, que é a indispensável quebra do monopólio da visão ortodoxa do certo e do errado no judaísmo. Consideramos um sofer religioso liberal, seja ele profissional ou não, escreva ele apenas um claf para uso pessoal ou milhares para comercializá-los tão válido quanto o sofer ortodoxo, visão cujo reverso provavelmente não será aceito.

Se há, portanto, um aspecto de convergência nas opiniões apresentadas, este certamente relaciona-se ao fato de que, seja para compor um claf impresso, seja para fazê-lo manuscrito sobre pergaminho, o sofer, adequadamente preparado e inspirado, não deve estar restrito ao universo e aos métodos da ortodoxia.

Irina Tischenko / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 61

Indignação seletiva

Em artigo publicado no diário virtual American Thinker em setembro último, Fred Gottheil descreve sua odisseia para buscar apoio a uma petição a favor dos direitos humanos negados a homossexuais e contrária aos abusos cometidos contra mulheres em boa parte dos países árabes.

A iniciativa se deu após chegar às suas mãos uma petição, também relacionada à defesa dos direitos humanos, condenando o Estado de Israel após a campanha militar em Gaza. Essa petição, endereçada ao presidente norte-americano Obama, criticava Israel severamente, demonizando-o com termos recorrentes como “limpeza étnica”, “crimes contra a humanidade”, “regime racista” e assim por diante. Criada pelo acadêmico que lhe deu nome, a petição Lloyd foi subscrita por nada menos que 900 pessoas, a maioria acadêmicos americanos, mas também canadenses, britânicos e até mesmo israelenses.

Ainda que uma dúzia de universidades concentrasse a maioria das assinaturas, os subscritores da petição eram ligados a 150 diferentes instituições.

Frente ao enorme interesse na defesa dos direitos humanos supostamente infringidos por Israel, qual não foi a surpresa de Gottheil ao perceber a baixíssima adesão à sua petição a favor das minorias tiranizadas por governos árabes.

Sua petição não generalizava as acusações, mas condenava as práticas exercidas ou apoiadas por líderes religiosos, políticos e até mesmo acadêmicos, tais como assassinatos para defesa da honra, mutilação genital, agressão a esposas. Ela era acompanhada por farta documentação publicada por agências das Nações Unidas, pelo Alto Comissariado para Direitos Humanos, por ONGs relacionadas à defesa destes direitos e por jornais acadêmicos diversos.

A petição de Gottheil não mencionava a petição Lloyd, nem sequer era direcionada ao presidente americano, mas tão somente para disponibilidade em domínio público, da melhor e mais acessível maneira.

Todos os que assinaram a petição Lloyd foram procurados, posto que a nova petição defendia o mesmo sentido de justiça que os fizera apoiar o texto anterior. Foram cortadas da lista pessoas estranhas ao mundo acadêmico e os não americanos, reduzindo-se então a mesma a 675 pessoas.

O resultado foi que apenas 30 pessoas responderam, sendo que destes exíguos 27 concordaram em apoiar a petição. Ou seja, menos de 5% do total. “Mais de 95% dos que assinaram a petição Lloyd”, escreve Gottheil, “censurando Israel por violação dos direitos humanos, não se sentiram motivados a condenar a discriminação contra homossexuais e mulheres no restante do Oriente Médio.”

A pesquisa de Gottheil não para por aí. Ele identificou que 25% dos acadêmicos procurados lidavam profissionalmente com questões ligadas ao estudo de gênero e/ou das mulheres, ou seja, pessoas que presumidamente seriam mais sensíveis às agressões sofridas por minorias sexuais e mulheres.

Ele conclui que muito se pode aprender sobre a natureza humana e o entendimento sobre o que significam justiça social e direitos humanos para boa parte do universo acadêmico americano. Aparentemente, para boa parte do mundo acadêmico norte-americano a luta pelos direitos humanos não é um valor absoluto. Ela está sujeita a um filtro que seleciona perpetradores e vítimas. Qual seria o resultado de pesquisa semelhante nas universidades brasileiras?

Perigosa deserção

“Rabinos não estão comprome tidos com as restrições da de mocracia”, declarou o rabino da cidade de Elon More, na Cisjordânia, Eliaquim Levanon, um dos rabinos mais influentes da ideologia nacional-religiosa que impulsiona a colonização israelense nos territórios ocupados em 1967.

Num debate ocorrido em 13 de outubro, que discutiu a participação de rabinos nos embates políticos, o rabino Levanon afirmou que o sistema democrático de governo e de tomada de decisão “distorce a realidade”, porque cria meios-termos falsos de compromissos mútuos, enquanto os rabinos estão comprometidos unicamente com a Torá – a “verdade absoluta” segundo ele – e não com a democracia.

Ele declarou que os rabinos não têm o privilégio de manter suas opiniões para si mesmos, inclusive quando elas contradizem os valores da democracia. “As pessoas são obrigadas a dizer meio café, meio chá1, afirmou ele, mas os rabinos são livres para ter pensamentos puros e claros, mesmo quando suas observações parecem estranhas. Rabinos podem dizer coisas que os políticos, legalistas e pensadores democráticos não podem.”

Os conceitos proferidos pelo rabino Levanon soam estranhos por vários motivos: de um lado ele advoga uma situação moral e ética especial para os rabinos, quando em toda a literatura e legislação judaica é claríssimo que o papel de um rabino é o de ensinar, apoiar e, por vezes, dirigir a comunidade, sem que se tenha notícia de mitzvot praticadas unicamente por rabinos. A obrigação de falar a verdade é de todos.

Em seguida ele diz que a Torá é a verdade absoluta, mas não explica que para chegar à verdade da Torá cada um deve dialogar com Deus a seu modo e que no momento em que, por princípio básico e irremovível, Deus é indefinível, fica impossível definir qual a única verdade da Torá.

Mas o que é mais perigoso é o distanciamento dos ideais democráticos defendidos pelo rabino Levanon. Ele se aproxima perigosamente da argumentação que criou a teocracia totalitária do Irã, que infelicita sobremaneira a vida de suas minorias e de sua dissidência interna. Sendo uma minúscula minoria no mundo e, desta forma, tendo constantemente posições dissidentes, nós judeus deveríamos valorizar a democracia, reconhecer o fato de que é apenas por conta dela que somos cidadãos iguais nos países onde vivemos e nos engajar com vigor em sua defesa.

1. Isto é uma alusão a uma piada contada na época do primeiro ministro Levi Eshkol, tido pela imprensa como hesitante. Ao ser perguntado pelo garçom se queria chá ou café ele teria respondido: misture, por favor, meia xícara de cada...

Stepan Popov / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 63

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