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Entrevista com Ed Hofland por Gabriel Mordoch
eNtre idealismo e pragmatismo: a estratégia do kiButz para o século 21
entrevista de ed hofland a Gabriel Mordoch
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Arevolução kibutziana é um dos exemplos mais felizes da concretização de um sonho. O ideal socialista dos pioneiros da imigração judaica a Eretz-Israel, aplicado num contexto agrícola, foi fundamental para a criação do moderno Estado judeu. No ora sexagenário Estado de Israel talvez muitos pensem que o kibutz perdeu sua relevância. No entanto, acompanhando o ritmo da história sem perder seu caráter coletivo e igualitário, alguns kibutzim mostram que o sonho não acabou. Sua capacidade de adaptação os projeta enquanto peça de destaque no dinâmico e policromático mosaico das identidades judaicas contemporâneas. Ed Hofland, nascido na Holanda e veterano do kibutz Keturá, falou a Devarim sobre sua história de vida e sobre o kibutz no qual vive há mais de 30 anos.
Devarim: Hofland, conte-nos um pouco sobre sua história pessoal.
Hofland: Eu vim a Israel em 1978 como voluntário. Antes disso eu já havia estado em Israel três vezes, durante o verão, como voluntário no kibutz Orim. Decidi então vir a Israel por pelo menos seis meses para entender melhor a essência do kibutz, bem como a essência do Estado de Israel. Nunca me destaquei na escola, de maneira que a vinda para Israel também foi um tipo de fuga do sistema holandês.
Entendi então que para melhor integrar-me ao país eu precisaria me converter ao judaísmo. Nasci numa família holandesa bem estabelecida, cristã-protestante, íamos a igreja todas as semanas. Em determinado momento entendi que tratava-se do mesmo Deus, não importa a qual religião você pertence. Quando lhes contei minha decisão de tornar-me kibutznik e me converter ao judaísmo, eles não me contrariaram, nunca disseram que eu estava louco ou ameaçaram deixar de falar comigo, ao contrário, apoiaram minha opção.
Me integrei rapidamente ao kibutz Keturá, tanto em termos sociais quanto ao trabalho. Conheci minha futura esposa, casei e acabei ficando. Temos quatro filhos, dois homens e duas mulheres, o mais velho tem 25 anos, o mais novo 18. Acho que posso ser considerado um israelense em todos os aspectos, eu me integrei bastante.
Vista do Kibutz Keturá, no Neguev, fundado em 1973 por imigrantes norte-americanos.
Devarim: Conte-nos um pouco sobre o kibutz Keturá.
Hofland: Keturá foi fundado em 1973 por um grupo (garin) proveniente dos Estados Unidos, do movimento Yehuda ha-Tzair. Desde o princípio houve uma mescla entre norte-americanos e sabras. No começo foi bem difícil. Quando cheguei, em 1978, o kibutz tinha cinco anos de existência, 20 membros, e passava por uma crise aguda. Desde então a situação melhorou. Hoje somos 150 membros, 250 crianças, ao todo uma população de 455 pessoas advindas principalmente dos movimentos juvenis Yehuda ha-Tzair e Tzofim. Há cerca de 15 anos o movimento conservador Noam também colabora conosco.
Keturá não pertence a nenhuma corrente formal, mas creio que estamos bastante próximos da corrente conservadora. Há uma sinagoga ativa no kibutz. O kibutz recebeu um prêmio do Parlamento israelense no quesito Tolerância, por sua singular busca por um meio termo e uma convivência fraternal entre religiosos e laicos. Nós queremos dar o exemplo de que esta convivência é possível. Não organizamos atividades com microfone às sextas-feiras à noite; costumamos nos reunir, há festas, mas sem o uso de energia elétrica. Também não organizamos passeios aos
sábados. Se há um pouco de compromisso de ambas as partes, sem radicalismo, a convivência torna-se uma realidade.
Keturá se administra ao velho modo kibutziano: o refeitório fornece três refeições diárias, seis vezes por semana. Nós não passamos pelas mudanças que vêm transformando outros kibutzim. O padrão mantido em Keturá é seguido atualmente por somente cerca de 30 kibutzim. Dos setenta e poucos kibutzim que permanecem sendo coletivistas, aproximadamente a metade é administrada no velho estilo kibutziano, sendo este o nosso caso. Devarim: Conte-nos um pouco sobre a economia do kibutz e como ela se desenvolveu com o passar do tempo.
Hofland: Fomos fundados enquanto kibutz agrícola, com o apoio da Agência Judaica. Havia então espaços para a criação de perus, de vacas leiteiras, de cultivo de tâmaras, de mangas, de pomelos, e, o mais importante então, o cultivo de vegetais. O cultivo de vegetais na região da Aravá, onde estamos localizados, é realizado no inverno com a finalidade de exportá-los à Europa, teoricamente a bons preços. Nós aprendemos a lição da maneira mais difícil: viver da agricultura é como viver da bolsa de valores, quer dizer, você pode obter muito sucesso e alcançar bons resultados, mas se os preços do produto comercializado estão em baixa, então mesmo num ano de boa safra você acaba tendo prejuízo.
Além disso, não nos destacamos enquanto agricultores, pois a maioria de nós veio de fora do país, de famílias de classe média e alta, e de agricultura não entendíamos muito. Então aos poucos fomos fechando os departamentos supra-mencionados, com exceção de dois: a produção de leite e o cultivo de tâmaras, nos quais somos muito bons.
Hoje cerca de 40% ou 50% dos membros do kibutz também possuem postos de trabalho fora do kibutz. Mais de 95% dos membros de Keturá possuem título acadêmico. Isto lhes possibilita encontrar com relativa facilidade postos de trabalho, apesar de estarmos vivendo no meio do deserto, a 50 quilômetros de Eilat, ao sul – cidade cuja economia está baseada principalmente em turismo –, e a 200 quilômetros de Beer-Sheva, ao norte.
Estabelecemos muitos negócios baseados na formação e no conhecimento dos membros. Fornecemos um servi-
Por que um talento deve ço de contabilidade a kibutzim e fábricas valer mais do que outro? Ou adota-se a maneira da região. Criamos um hotel de qualidade que recebe grupos de jovens de fora do país, aos quais ensinamos sionismo, judakibutziana de pensar, ísmo e kibutzianismo. Criamos uma uniou trabalha-se sob o versidade para a preservação ambiental, o estímulo do dinheiro. Aravá Institute, frequentada tanto por judeus quanto árabes, que vivenciam uma experiência muito intensa, tanto academicamente como de vida coletiva. O estudante recebe credenciamento da Universidade Ben-Gurion, e também há cursos de pós-graduação. Parte dos professores vem de Tel Aviv e parte pertence ao kibutz ou à região. Há membros do kibutz que oferecem serviços de traduções ou de webpositioning e há também um confeiteiro e um joalheiro. Somos sócios de uma empresa que cria a autêntica variedade ossetra russa de caviar, no kibutz Dan, no norte de Israel. Criamos uma marca registrada própria, a Karat Kaviar. A empresa é atualmente o maior produtor de caviar do mundo. Trata-se do caviar mais qualificado e mais solicitado do mercado. No entanto, não comercializamos dentro de Israel, dado que caviar não é um alimento casher. Vendemos principalmente para Rússia, Japão e Estados Unidos. Adquirimos o conhecimento da Universidade Ben-Gurion para a criação de um determinado tipo de alga a partir da qual desenvolvemos um produto anti-oxidante, a astaxantina, que serve de suplemento alimentar e também é usada em produtos cosméticos, como cremes para o corpo e protetores solares. Vendemos este produto para Japão, Europa e Estados Unidos. A astaxantina também serve de corante para o salmão. O salmão de carne branca, apesar de ter o mesmo sabor, não possui o mesmo apelo comercial do salmão rosado, de modo que os criadores adicionam astaxantinas químicas à ração do salmão. Nós desenvolvemos uma astaxantina natural, que aos poucos está substituindo os corantes sintéticos. A criação das algas também está conectada aos biocombustíveis, que hoje em dia são produzidos a partir de alimentos como milho e cana de açúcar. A nova tendência mundial é preservar os alimentos e produzir biocombustível a partir de algas. A alga é uma planta de dificílimo cultivo, portanto somos exclusivos e muito solicitados. Outro empreendimento criado em Keturá é o aprovei-
tamento da energia solar. Criamos, junto com um sócio norte-americano, a Aravá Power Company, empresa cujo objetivo é produzir energia elétrica a partir de energia solar. Começamos há três anos e hoje somos a empresa líder no ramo. Assinamos acordos com a Siemens, da Alemanha, com kibutzim e proprietários de terras, e trabalhamos em coordenação com a empresa estatal de eletricidade e os órgãos reguladores.
Creio que o kibutz Keturá constitui uma exceção dentro do movimento kibutziano, porque a maioria de nós emigrou a Israel, de maneira que possuímos rica vivência em duas culturas diferentes. No kibutz há russos, sulamericanos, europeus, norte-americanos. Os sabras são cerca de 40%. Nós administramos o kibutz de forma conservadora, quase não pegamos empréstimos, tudo é financiado a partir dos nossos lucros. O nível de vida é modesto, não gostamos de desperdiçar. Temos fundos reservados para pensão e para os estudos acadêmicos das crianças do kibutz. Sempre que se decide pegar um empréstimo é necessário obter autorização de todos os membros do kibutz. Nosso mecanismo é prudente, evitamos riscos, preferimos conduzir cinco ou seis negócios nos quais temos 30% de participação do que depender de um só negócio 100% próprio.
Nossa universidade também é especial. Cada estudante paga cerca de 6.500 dólares por semestre e recebe, além do programa de estudos, moradia e alimentação. Em Israel é um preço relativamente alto, mas para os padrões norte-americanos é baixo. Criamos uma organização que arrecada fundos para bolsas de estudos que consegue cerca de 2 milhões de dólares por ano a fim de financiar estudantes israelenses e árabes.
O kibutz é administrado internamente de maneira kibutziana, entretanto em nossa relação com o mundo externo somos obrigados a competir no mercado e nos comportar como capitalistas. Tratamos de fazê-lo de modo humano e honesto.
Devarim: Esta é a chave do sucesso do kibutz? Por que, na sua opinião, a maioria dos kibutzim desapareceram?
Hofland: Além da qualidade dos membros há o “fator conjunto”. Enquanto os membros estiverem dispos-
Criação de algas para o desenvolvimento de um produto antioxidante utilizado como corante do salmão, suplemento alimentar e em cosméticos.

tos a acordar cedo e trabalhar duro porque isto é bom para o kibutz, e se for bom para o kibutz então será bom para eles, a equação funcionará. Mas se começarem a se perguntar “por que tenho que trabalhar duro, uma vez que meu vizinho não o faz?”, ou dizer “eu trabalho muito mais que meu vizinho”, a consequência será que todos irão trabalhar menos e a ideia kibutziana fracassará.
Ou adota-se a maneira kibutziana de pensar, ou trabalha-se sob o estímulo do dinheiro. Em cerca de 200 kibutzim a equação não deu certo, de maneira que passaram a adotar o sistema de salário diferenciado, no princípio sem diferenciar muito, já que isto causou um certo desconforto, mas com o tempo a diferença aumentou. Se sou um bom gerente e me dão 10% a mais do que recebe uma pessoa que mal trabalha, depois de um tempo vou querer 20% ou 30% a mais e no final você acaba indo morar
A economia é somente na cidade. No kibutz Keturá ainda penum meio para a felicidade dos membros, samos conforme a equação, os membros entendem que o que é bom para o kibutz é bom pra eles também. não é a meta. Devarim: Ainda há portanto a priorização do coletivismo em detrimento da individualidade? Hofland: É preciso buscar um equilíbrio entre o coletivo e o individual. O fato de permitimos aos membros do kibutz tomarem iniciativas próprias, ou trabalhar no local que quiserem, é parte do sucesso, porque se os membros do kibutz ficam satisfeitos, então o kibutz também estará. Nos preocupamos com a satisfação dos nossos membros, somos muito atentos a isto. Houve casos no passado em que o comitê do trabalho decidiu onde os membros deveriam trabalhar mas hoje isso quase não acontece. Porque se alguém é obrigado a trabalhar em determinada área, quanto tempo ele pode aguentar? Uma pessoa não pode traba-
A nova tendência mundial é preservar os alimentos e produzir biocombustíveis a partir de algas.

lhar a vida inteira num local que não gosta. Nós procuramos o lugar ideal para cada membro do kibutz, mesmo quando isso ocasiona menor lucro, porque a longo prazo convém ao kibutz.
Acho que, enquanto membros do kibutz, concretizamos o sonho de ver Keturá ser bem sucedido, ao mesmo tempo em que estamos satisfeitos com nossas vidas pessoais. Se você for capaz de integrar as duas coisas... isso é um kibutz de sucesso. A economia é somente um meio para a felicidade dos membros, não é a meta.
Eu recebo bons salários das empresas em que trabalho como CEO e todo dinheiro vai para o kibutz. No final das contas eu recebo o mesmo que a babá e que o trabalhador da lavanderia. Eu acho que isso é totalmente natural e apropriado. Talvez eu tenha talento para administrar negócios, mas se me puserem num jardim de infância as crianças fugirão de mim. Por que um talento deve valer mais do que outro?
Devarim: Você não se vê morando em outro lugar do mundo?
Hofland: Eu moro no melhor lugar do mundo! No entanto não vivo em estado de euforia, eu sei que há desvantagens no kibutz, em viver na região da Aravá, mas para mim, no cômputo geral, é a forma de vida ideal. Há momentos difíceis, mas não há coisa melhor do que desenvolver-se a nível pessoal, criar os filhos, sentir que se está contribuindo com a comunidade. Acho que a influência de cada membro do kibutz sobre o kibutz e sobre a região – a área sul da Aravá – é muito importante. Esta região representa 13% do total do território do Estado de Israel, e há tão somente duas mil pessoas adultas vivendo neste espaço. De maneira que, enquanto indivíduo, sinto que estou contribuindo, construindo, fazendo. Há poucos lugares no mundo que te permitem sentir isto.
Devarim: Você vê os jovens do kibutz vivendo no kibutz no futuro?
Hofland: Ficarei muito contente se isso acontecer, mas não dá para saber. Eles receberam uma boa educação e eles decidirão. Seria decepcionante vê-los abandonar o país, mas entenderia se não optassem pelo kibutz. Isso depende de muitos fatores, do cônjuge, do local de trabalho, etc., mas acho que a maioria gosta do estilo de vida kibutziano. Em Yotvatá, o maior kibutz da região, há muitos jovens que deixaram o kibutz e que, quando chegaram à faixa dos 30 anos, voltaram. Eles experimentam a vida na cidade, mas depois do nascimento do primeiro ou segundo filho eles entendem que no kibutz não é tão ruim assim, apesar das desvantagens.
Devarim: Como você se sente como israelense hoje?
Hofland: Acho que sou um tanto sionista... Costuma-se falar muito sobre periferia no Estado de Israel, dizem que Beer-Sheva por exemplo é periferia. Beer-Sheva na verdade é no centro do país, Beer-Sheva fica a uma hora de Tel Aviv, é muito perto. A verdadeira periferia de Israel é a Aravá. Na Aravá ainda há muito o que fazer, de maneira que realmente sentimos que estamos construindo algo.
Eu realmente penso que daqui há 20 ou 30 anos sentirei que fiz algo, que estabeleci algo. Nós juntos estamos construindo algo que não estaria lá se não fosse a presença dos kibutzim.

Nascido na Holanda, Ed Hofland imigrou para Israel em 1978.
Gabriel Mordoch é mestrando em Línguas e Literaturas Judaicas na Universidade Hebraica de Jerusalém.