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Ricardo Luis Sichel
somos livres... Nossa respoNsaBilidade começa
Em maio de 2009, o Tribunal Penal International determinou a prisão do presidente do Sudão (Omar Hasan Ahmad al-Bashir) por crimes contra a humanidade ocorridos em Dafur. Aproximadamente dois milhões de pessoas foram expulsas por motivos étnicos, com cerca de 70 mil mortos. O que, entretanto, deveria ser óbvio, ou seja, a condenação por um massacre, não parece. Algumas nações continuam a dar apoio a um governante que está sendo processado por crimes contra a humanidade, esquecendo da responsabilidade internacional da proteção aos direitos humanos.
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A proteção dos direitos humanos encontra seu momento de destaque inicial na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, editada pela Assembleia da França, após a Revolução Francesa, em 26 de agosto de 1789, na qual se destaca o preceito de que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ter como fundamento a utilidade comum”. Igualmente foi estabelecido que todos os homens são iguais perante a lei. Por sinal, esta Revolução tinha como palavras de ordem a liberdade, a igualdade e a fraternidade.1
ricardo luis sichel
Após o terror nazista, vitimando milhões de pessoas, ressaltando-se os seis milhões de judeus dizimados, editou a Organização das Nações Unidas nova Declaração de Direitos do Homem, repetindo o espírito da Revolução Francesa.
Eventos Mortos
Holocausto
6.000.000 judeus 500.000 ciganos 54.000 homossexuais Camboja 2.000.000 cambojanos
Turquia 1918 1.500.000 armênios Genocídio Ucraniano (1932/33) 3.000.000 ucranianos Ruanda 800.000 tutsis
Bósnia Herzegovina 200.000 bósnios Massacre de Srebrenica 8.373 bósnios
Timor Leste 150.000 timorenses
Estes números revelam a capacidade do ser humano em matar seu semelhante, por motivos os mais variados, sem qualquer distinção entre homens ou mulheres, idosos ou crianças, movido pelo preconceito e pela crueldade, que transforma a vítima em subumano e, portanto, passível de ser eliminada.
Os judeus, na insanidade nazista, não eram arianos e desta forma não eram pessoas; os tutsis, por seu turno, eram chamados de “baratas” e, portanto, poderiam ser eliminados; assim a loucura genocida retira da pessoa a sua condição humana, de forma a justificar a sua eliminação. Já em Timor Leste, após a independência de Portugal, ocorreu a invasão pela Indonésia e, em 25 anos, 2/3 da população timorense havia sido dizimada. O filme “Timor Leste – O massacre que o mundo não viu” dá uma boa noção do massacre e buscou denunciar as atrocidades perpetradas.
Nesse ponto, observo que o genocídio, além de estar ligado à limpeza étnica, pode também se vincular a um massacre de forma indiscriminada de pessoas de forma a atender a ânsia de um ditador. São conhecidos os motivos que levavam à internação de pessoas nos Campos de Trabalho Forçado durante a Ditadura de Pol Pot, como, por exemplo: ser detentor de formação universitária e usar óculos,
Um fato estarrecedor entre outros “motivos”. Já em Ruanda, o sobre a solidariedade internacional é que alvo eram os tutsis, em função de rivalidades tribais locais e o massacre, como em Timor Leste, foi denunciado em váesta, via de regra, é rios documentários e filmes, como “Hotel requisitada apenas pelo Ruanda” e “Tiros em Ruanda”, este últigrupo perseguido. mo editado pela BBC, tendo em seu corpo diretivo sobreviventes do genocídio. Em todas estas ocorrências existe a negação de um direito básico do ser humano, qual seja, aquele de inexistir diferença motivada por cor, etnia, religião. Entretanto, o fundamentalismo, em todas as suas facetas, tem como pressuposto a negação daquele que é diferente, pauta sua conduta pela intolerância e, assim, a vida e a integridade física das pessoas que não se enquadram no grupo não têm valor, podem e devem ser sacrificadas, em nome de uma falsa purificação, baseada na ideia de que a existência destes contamina aqueles que se dizem “puros” ou os defensores da fé. Porém, um fato estarrecedor se refere à solidariedade internacional àqueles que são vitimados pela intolerância. Esta, via de regra, é requisitada pelo grupo perseguido. Nós, até hoje, ouvimos relatos dos perseguidos pela histeria nazista que buscavam refúgio e em muitos casos não a obtinham, sentindo-se abandonados pelo mundo e, desta forma, entregues à própria sorte. O mundo fingia que não

enxergava, ou melhor, não queria ver, para não se comprometer com o poder nazista, sendo poucos aqueles que adotavam uma linha de ação diferente (Dinamarca, Bulgária). A solidariedade humana deixava de existir. Após a guerra, o mundo se contentou em ver pessoas depositadas em campos, denominados como “Displaced Persons”, sem um local para ir, como verdadeiros rejeitos humanos.
E hoje, ela existe? Os judeus estão em uma situação bastante mais confortável em diversos países desde a criação e o estabelecimento do Estado de Israel. Porém, os organismos judaicos pouco se manifestam em relação às perseguições posteriores à Segunda Guerra Mundial. A barbárie somente mudou com relação à titulação das vítimas. Não quero com isso criar parâmetros de comparação com a barbárie nazista, única em buscar o ser judeu, independentemente da nacionalidade e de sua localização.
Entretanto, até onde se tem notícia, inexiste gradação de massacres; o que existe são genocídios dirigidos com objetivo de exterminar determinado grupo e estes, após 1945, chega a mais de três milhões de pessoas. O que nós fazemos? O que nossas organizações fazem? Até onde eu posso observar, vejo um grande silêncio, uma omissão idêntica àquela conduta da sociedade em geral, quando nossos antepassados eram vítimas do nazismo. Porém, agora, não somos mais as vítimas, o problema passou a ser de um outro grupo. Curiosa esta argumentação, sendo muito próxima daquela arguida em relação a nossos antepassados. Conclamávamos uma posição quando éramos vítimas, exigíamos uma conduta quando esta nos afetava, porém agora nos silenciamos.
Por que nos silenciamos? Durante o nazismo, estudantes da Universidade de Munique denunciaram o terror e espalharam panfletos conclamando os alemães a se separar do terror nazista e demonstrar por atos sua forma diferente de pensar.2 Será que agora que temos uma posição mais confortável podemos adotar esta visão? Uma visão desta natureza contradiz com a celebração de Pessach, pois nesta é clara a mensagem no sentido de nos lembrarmos que fomos escravos no Egito e que se a libertação não tivesse ocorrido ainda o seríamos. Temos, igualmente, que
Os judeus estão em uma nos lembrar da condição de forasteiros na situação bastante mais confortável em diversos terra do Egito. Porém, tudo isso é tratado como uma simbologia, um fato distante, enquanto, nos dias atuais, outros grupos países desde a criação são “escravizados” e nossas organizações e o estabelecimento do não se importam. Estado de Israel. Porém, Os conflitos estão ocorrendo na Áfrios organismos judaicos ca (Sudão e vários outros lugares), a fome permeia o mundo e nós ficamos conforpouco se manifestam em táveis em nossas “ilhas de prosperidade”, relação às perseguições sem nos importarmos com os dramas, até posteriores à Segunda o momento em que possamos, amanhã,
Guerra Mundial. nos sentir de alguma maneira atingidos. Em nome de relações comerciais, países silenciam sobre massacres, poucos falam do Tibete, e Israel se omite com relação aos curdos. Nos importar com os dramas não se limita em denunciar a opressão, a violação aos direitos humanos, mas também oferecer respaldo espiritual e material para o perseguido, em função das profundas marcas decorrentes da opressão, da perseguição e da tortura. Estas marcas permanecem, mesmo quando o perseguido é livre. “São noites de silêncio. Vozes que clamam num espaço infinito. Um silêncio do homem e um silêncio de Deus.”3 A nossa antiga situação de oprimidos não pode nem deve ser objeto de falso culto, em nome de um falso heroísmo. Deve nos dar a devida consciência dar importância da conscientização e de sermos vigilantes, nos solidarizando com o oprimido e o perseguido. A omissão é fatal e criminosa, pois se nos silenciarmos, teremos aí condições de exigir a solidariedade dos outros, se nós não somos efetivamente solidários com a aflição destes?
Notas
1. Art. 1 – Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur l’utilité commune. Art. 3 – Tous les hommes sont égaux par nature et devant la loi. 2. Rosa Branca, Sophie Scholl. “Darum trennt Euch von dem nationalsozialistischen Untermenschentum! Beweist durch die Tat, daß Ihr anders denk” (Separem-se do sub-homem (desumanidade) nazista! Demonstrem por atos que vocês são diferentes). 3. Agenda de Frei Tito de Alencar Lima (pouco antes de seu suicídio). Ricardo Luis Sichel é Conselheiro da ARI, Procurador Federal junto ao INPI e professor-adjunto de Direito Civil da Unirio, doutor e mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela Westfälische Wilhelms Universität, em Münster (Alemanha).