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Dan Fleshler
A Alemanha moderna vem se destacando pelos muitos memoriais às vítimas do Holocausto que pontuam suas paisagens. Mas existe um fenômeno digno de nota e do qual não se ouve falar muito: pelo país afora alemães não judeus vêm trabalhando para restaurar, documentar e perpetuar a memória da vida e cultura judaicas de antes da instalação do nazismo.
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Na página anterior, a Neue Synagoge em Berlim, parte de um processo de recuperar a memória e recriar a vida e a cultura judaica na Alemanha.
Ohistoriador Peter Gay lembra-se de ter ouvido o chanceler da Alemanha Ocidental, Willy Brandt, dirigindo-se a uma plateia de novaiorquinos em 1964, dizer: “Temos saudades dos nossos judeus”.
Naquela ocasião, a reação de Gay foi que “ele tinha mesmo todos os motivos para sentir saudades de nós, embora eu duvidasse que este sentimento por parte dele fosse uma preocupação vital para a maioria dos alemães.”
Hoje em dia encontramos alemães em praticamente todas as cidades, e não só nas metrópoles, trabalhando para garantir que seus vizinhos sintam a falta dos judeus que um dia viveram entre eles.
A Alemanha moderna vem se destacando pelos muitos memoriais às vítimas do Holocausto que pontuam suas paisagens, pelas compensações que vem pagando aos sobreviventes e pelo apoio bastante sólido que vem oferecendo a Israel. Mas existe um fenômeno digno de nota e do qual não se ouve falar muito: pelo país afora alemães não judeus vêm trabalhando para restaurar, documentar e perpetuar a memória da vida e cultura judaicas de antes da instalação do nazismo.
As comunidades judaicas não foram exatamente ressuscitadas, com exceção de algumas poucas localidades, porém cidadãos comuns conseguiram criar a sensação concreta de uma presença judaica, alguma coisa muito mais tangível do que algo passível de ser evocado por placas ou monumentos.
Uma destas pessoas é Angelika Brosig, uma assistente social da cidade de Schopfloch, na Bavária, que fotografou e documentou lápides quase apagadas do cemitério judaico local. A ideia de fazer isto lhe ocorreu depois que, em
1977, uma amiga, ao visitar o cemitério e vê-lo em ruínas, teve uma crise de choro. Brosig também criou um site na internet com a finalidade de angariar donativos para restaurar as lápides, além de estar pesquisando a genealogia das famílias judias locais e tratando de encontrar antigos residentes judeus e seus descendentes.
Brosig foi uma das cinco pessoas agraciadas com um dos prêmios Obermayer de História Judaica Alemã para 2010, que foram entregues em uma cerimônia no Parlamento em Berlim no dia 25 de janeiro. Este prêmio, criado há dez anos, foi idealizado por Arthur Obermayer, um empreendedor aposentado da área de Boston, cujos antepassados vieram da Alemanha. O conceito do premio surgiu de uma viagem que ele fez à Alemanha em busca de suas raízes.
Ao falar desta viagem ele diz: “Em cada comunidade que visitei encontrei pessoas maravilhosamente generosas dedicando uma parcela significativa de suas vidas à tarefa de descobrir e preservar a história judaica local. Em Hardheim, ganhei um disquete contendo os nomes e o histórico completo de cerca de 90 pessoas de minha família que viveram lá no século XIX, levaram-me para conhecer algumas de suas casas e também a planta de manufatura de sabão de um de meus antepassados. Em Fuerth pude visitar o antigo cemitério judaico onde foram enterrados meus familiares, acompanhado pela senhora que o reconstruiu. Em Augsburg mostraram-me as casas onde meus tataravós e os pais deles tinham vivido há mais de 200 anos, ganhei uma cópia do contrato de casamento deles e ainda me levaram para conhecer o cemitério onde estão enterrados”.
Depois de passar por experiências como estas em cinco comunidades, Obermayer decidiu que era preciso fazer alguma coisa para valorizar esse trabalho e encorajar outros alemães a fazê-lo. Quando os alemães descobrirem e passarem a apreciar a cultura e sociedade judaicas que um dia existiram aqui, será bom assegurar que ficarão vigilantes para que nada como o Holocausto jamais volte a acontecer, disse Obermayer, que também fundou um museu de história judaica na cidade alemã de Creglingen.
Enfrentando o passado
Muitas vezes ensinar aos alemães sobre o que houve no passado implica em forçá-los a enfrentar verdades desagradáveis que eles prefeririam ignorar. Em 2006, Brosig
Cúpula restaurada da Neue Synagoge na Oranienburgstrasse, em Berlim.

organizou um festival de memória e pendurou uma faixa do lado de fora de uma casa que no passado abrigara uma sinagoga. A região, Francônia, tinha sido um ninho de antissemitismo na Alemanha do pré-guerra. Na opinião dela, era chegado o momento de acabar com alguns dos mitos que a comunidade ainda guardava sobre a sua própria história.
Segundo ela, todos os panfletos turísticos diziam que a região era aberta aos judeus. Mas não é verdade. O nacional-socialismo liderava ali. O que fizeram com os judeus durante os anos anteriores à guerra foi humilhante. Ela tenta manter na memória pública alguns incidentes especialmente aterradores, como o que aconteceu durante a Noite dos Cristais, em 1938, quando os últimos 18 judeus de Schopfloch foram forçados a correr pelas ruas e espancados enquanto as janelas de suas casas eram estilhaçadas.
Outros premiados deste ano são um fazendeiro aposentado e duas professoras que diligentemente reconstruíram e publicaram as histórias de suas comunidades judaicas locais e também um advogado que liderou esforços para restaurar uma sinagoga na praça de sua cidade.
Obermayer continuou dizendo: “Muitos judeus da minha geração (ele tem 78 anos) ainda se recusam a visitar a Alemanha. Mas não me parece justo culpar os alemães de hoje por crimes pelos quais eles não foram responsáveis. O fato é que cidadãos de outras nacionalidades deveriam se espelhar na atitude das pessoas que estão preservando e reconstruindo a sociedade e cultura dos judeus alemães e fazer deste exemplo um aprendizado. Estas pessoas não estão fazendo o seu trabalho com o único objetivo de lembrar o passado, mas também para manter uma vigilância constante quanto a quaisquer sinais de racismo, preconceito e intolerância”.
Construindo novas amizades
Muito embora a principal motivação do trabalho destes guardiões da memória seja impactar seus compatriotas, o efeito de suas atividades estendeu-se para muito além das fronteiras da Alemanha, tendo tocado as vidas de descendentes de judeus alemães no mundo inteiro.
O que torna os prêmios Obermayer especialmente to-
Muitas vezes ensinar cantes é que os escolhidos são nomeados aos alemães sobre o que houve no passado por judeus que vivem no estrangeiro – muitos deles sobreviventes do Holocausto –, cujas famílias no passado viveram implica em forçá-los nas regiões onde os agraciados fizeram seu a enfrentar verdades trabalho voluntário. No decorrer do tradesagradáveis que eles balho de busca das raízes destes judeus, prefeririam ignorar. é bastante comum que aqueles que buscam suas raízes e aqueles que os ajudam a buscá-las se tornem muito bons amigos e embarquem juntos na mesma viagem de descobertas e lembranças. Richard Yashek, nascido na cidade de Lübeck, foi deportado para Riga ainda garoto e perdeu toda a sua família imediata no Holocausto. Segundo sua esposa, Rosalye, durante a maior parte de sua vida ele jamais falou sobre aquela época e tentou “reprimir todas as suas lembranças, tanto as boas como as ruins, perdendo assim todo o sentido de infância, família e raízes”. Tudo isso foi devolvido a Yashek, já falecido, por Heidemarie Kugler-Weiemann, uma das agraciadas com o prêmio Obermayer deste ano. Heidemarie é professora em Lübeck e criou um programa de Estudos Judaicos e de Holocausto para estudantes de todas as idades, incluindo alguns pesquisadores independentes do Holocausto. Também organizou minuciosos registros dos antigos residentes da cidade e do que aconteceu com eles durante o nazismo, tendo publicado vários livros sobre este assunto. A convite dela, Yashek voltou à sua cidade natal. Ela o ajudou a encontrar ruas e prédios de que ele se lembrava e fez com que ele tivesse acesso a arquivos para que ele pudesse responder às suas próprias perguntas, e até conseguiu reunir 16 de seus amigos de infância em um encontro choroso. Ao escrever um material nomeando Kugler-Weiemann para um prêmio Obermayer, a esposa de Yashek declarou: “Pelo resto da vida dele, sua amizade com Heidemarie, com muitas das pessoas que ele conheceu e com aqueles amigos que reencontrou depois de tantos anos enriqueceram seus dias e preencheram sua vida com muito encantamento. Foi como se ele tivesse recebido uma injeção de felicidade. Ficou inundado de memórias... que trouxeram de volta todas as boas lembranças... ele encontrou um lar para o qual podia voltar”.
Porta da nova sinagoga principal de Munique, reconstruída em 2006 no mesmo lugar da antiga sinagoga destruída durante a “Noite dos Cristais” em 1938.

A cura da “fadiga do Holocausto”
Durante as primeiras décadas pósSegunda Guerra Mundial consideravase uma grosseria discutir o Holocausto em público na Alemanha. Aos poucos, esta resistência foi desaparecendo. O desafio que a Alemanha enfrenta não é só a necessidade de instruir as novas gerações sobre os horrores do Holocausto; é também a suposta “fadiga do Holocausto”, o sentimento prevalente entre os alemães de que foram bombardeados com um excesso de informações sobre as atrocidades nazistas. O trabalho comemorativo feito pelos ganhadores dos prêmios Obermayer vem chamando a atenção de educadores como uma cura para este mal, sobretudo entre os alemães mais jovens.
“Muitos jovens estão realmente bem cansados de ouvir falar o tempo todo sobre genocídio, algo que nem ao menos conseguem imaginar”, segundo a professora Christina
O desafio que a von Braun, diretora do Instituto de EstuAlemanha enfrenta não dos Culturais da Universidade Humbolé só a necessidade de instruir as novas dt. “Mas não estão cansados de ouvir falar naquilo que se perdeu em termos de história e cultura alemãs, ou sobre as pessogerações sobre os as que viveram aqui por centenas de anos. horrores do Holocausto; Os estudantes alemães estão ansiosos para é também a suposta ouvir falar destas pessoas, para aprender “fadiga do Holocausto”, o sentimento prevalente que um dia já fizeram parte de nós.” Assim, a memória destes judeus continua viva em cada cantinho da Alemanha, entre os alemães de que e eles fazem uma enorme falta. É difícil foram bombardeados imaginar melhor vingança contra Hitler com um excesso de e seus ajudantes. informações sobre as Dan Fleshler, membro da Hebrew Tabernacle atrocidades nazistas. Congregation da cidade de Nova York, é consultor para estratégias de comunicação e políticas públicas e autor do livro Transforming America’s Israel’s Lobby – The Limits of Its Power and the Potential for Change, publicado pela Potomac Books em maio de 2009. Traduzido por Teresa Roth
