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Em poucas palavras
Amos Oz em árabe
Omaravilhoso livro De Amor e Trevas do escritor israelense Amos Oz já foi traduzido para 15 idiomas em 27 países. Mais de um milhão de exemplares da obra foram vendidos nos quatro cantos do mundo. O livro ganhou em 2004 o “Prêmio Goethe” e o “Prêmio France Culture”, além de fazer com que Amos Oz supostamente (pois a lista não é pública) resida na lista de indicados ao Prêmio Nobel de Literatura.
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E agora De Amor e Trevas está ganhando sua versão em nada mais nada menos que o árabe! O árabe-israelense Jamal Gnaim terminou a tradução do livro, num projeto patrocinado pela família Khoury de Jerusalém, em memória de seu filho George Khoury, um promissor estudante de Direito da Universidade Hebraica, assassinado num atentado em 2004, depois de ter sido erradamente identificado pelo terrorista como sendo judeu.
A intenção da família com o projeto é promover a coexistência, explicou Amos Oz. O prefácio inclui declarações do pai de George. O livro será lançado no primeiro semestre de 2010 em Beirute, Líbano. Não será o primeiro livro de Amos Oz traduzido para o árabe. Meu Michel foi lançado no Egito, em 1994, e Soumchi, em 1997, na Jordânia. Em 2003 um relatório da ONU apontou o baixíssimo número de livros estrangeiros traduzidos para o árabe. O estudo revelou que, a cada ano, a Espanha traduz o equivalente ao número total de livros traduzidos para o árabe nos últimos mil anos. Este pano de fundo amplifica ainda mais a relevância das traduções de literatura israelense para o árabe. Esperamos que a família Khoury esteja certa e que o belo memorial que ofereceram ao filho contribua para um melhor entendimento entre os israelenses de todas as religiões e seus vizinhos.

O passado e o futuro F RI d A eI del MA n
Recentemente foi publicado o livro Rituais Crepusculares: Joseph Roth e a Nostalgia Austro-judaica, de Luis S. Krausz (Edusp, 2008), que focaliza o contexto histórico e social do Império Austro-húngaro, no fim do século XIX e início do século XX, através da obra do escritor e brilhante jornalista judeu Joseph Roth.
Joseph Roth nasceu em 1894 em Brody, antiga Galícia nos confins do desaparecido Império Austro-húngaro (hoje Ucrânia ocidental). Muito antes, Brody foi Polônia e voltou a sê-lo depois de 1918. Lá viviam ucranianos, poloneses e judeus, os quais falavam principalmente o iídiche. Estima-se que nesta época 10% da população desta província eram judeus e a maioria que ali vivia ocupava-se com o pequeno comércio ou trabalhava como artesão, que incluía alfaiates, carpinteiros e chapeleiros.
O Imperador Franz Joseph (18481916), com seus súditos de diferentes línguas, religiões e etnias, era evocado como o pai protetor, especialmente pelos súditos judeus, aos quais concedeu os mesmos direitos de todos os demais súditos. Durante seu longo reinado, mudanças econômicas e sociais afetaram a estabilidade do Império. Mudanças tecnológicas aceleraram a industrialização e a urbanização. O modo capitalista de produção durante os 50 anos de sua existência fez desaparecer as velhas instituições do feudalismo e movimentos nacionalistas surgiram no rastro dessas mudanças.
Viena, a capital do Império, apesar do caldeamento étnico ocorrido por ser a capital, é uma cidade essencialmente germânica, pela língua e pelas tradições, e tornou-se palco de lutas no âmbito das nacionalidades e das lutas de classe. Em 1890 inicia-se a época brilhante de Viena, que coincide com o declínio da monarquia.
A renascença judaica em Viena começou em 1848 e durou até o início da Primeira Guerra Mundial. Em 1869 foi concedida a emancipação dos judeus, que puderam formar sua comunidade religiosa autônoma, e conduziu à integração econômica e social. Viena tornou-se um centro da Haskalah, o movimento do iluminismo secular. Para os judeus a emancipação significava abraçar a língua e cultura alemãs. Isto significava abandonar a língua materna e as tradições judaicas.
Para a completa emancipação havia como alternativas a assimilação, em alguns casos pela conversão ao catolicismo, a adesão aos movimentos sociais e o sionismo. A assimilação, quando adotada, esbarrava com o vírus mutante do antissemitismo, uma forma moderna de judeofobia medieval. Roth conseguiu descrever a transição entre a tradição judaica e o mundo moderno e emancipado, que era o ideal a ser alcançado. Mas no lugar da tradição herdada com todos os seus valores éticos havia um mundo que valorizava apenas o progresso material, onde o homem era apenas um instrumento para alcançá-lo. O autor voltou-se então para o judaísmo que, em sua visão, poderia se contrapor à nova sociedade que estava se estabelecendo.
Em seu livro Jó, Romance de um Homem Simples (Companhia das Letras, 2008, tradução de Laura Barreto), publicado em 1931, Roth descreve a vida e as vicissitudes de uma família em um shtetl pouco antes da Primeira Guerra Mundial que parte para os Estados Unidos. Devido a várias circunstâncias, eles deixam para trás um filho doente, símbolo das tradições que abandonam. O novo universo que encontram torna-se um exílio e o personagem principal do livro, tal como o Jó bíblico, perde sua mulher e seus filhos e sua fé e o reencontro posterior com o filho abandonado, que pode ser visto como um redentor, o salvador do vazio onde mergulhou. Roth não pode ver os desdobramentos do que ele, de certa forma, antecipou em suas obras. Ele morreu no exílio, em Paris, em 1939.
Santidade ou exagero?
Provavelmente a maior parte da humanidade valoriza a modéstia como um valor positivo a ser perseguido. O dicionário Aurélio define o adjetivo com alguns termos que soam bem aos ouvidos: “moderado nos desejos, ações ou aspirações”, “sem vaidade”, “que tem pudor, decência, recatado”.
Resulta a partir desta valorização que a maior parte dos grupos sociais estabelecem regras de conduta para conduzir seus membros ao convívio pautado nestes parâmetros. A comunidade ortodoxa não é uma exceção, muito pelo contrário, a modéstia (tziniut em hebraico) é um dos valores mais fortemente perseguidos por esta comunidade. Segmentos da camada ultraortodoxa têm adotado a estratégia de alcançar a modéstia através da remoção total dos elementos que suscitem qualquer tipo de excitação, entre os quais figura em primeiro plano o contato físico e até mesmo visual com o sexo oposto.
Um primeiro exemplo desta estratégia é a campanha para forçar a separação entre homens e mulheres no transporte público em Israel, obrigando as mulheres a se sentar no terço traseiro dos ônibus que servem os locais habitados pela comunidade. Este conceito está sendo ferozmente disputado na Suprema Corte por aqueles que, como o movimento reformista em Israel, entendem ser ilegal a segregação em local público, uma vez que, dentre outras coisas, afeta pessoas que não querem ser segregadas.
A tentativa de impor a separação nos ônibus criou filhotes e agora se separam também as calçadas. Na Rua Malchei Israel, em Jerusalém, foram pintados sinais dizendo “homens” e “mulheres” de cada lado do asfalto e afixados cartazes pedindo a compreensão das transeuntes para o fato de que os homens estão tendo dificuldade de andar em ruas movimentadas sem esbarrar nas senhoras e senhoritas.
O cartaz recomenda que as mulheres usem apenas o lado direito da rua e termina afirmando que “graças a isto, teremos homens mais santos e iluminados pela Torá, com abundância de benção e sucesso em todos os assuntos”. Parece que conforto econômico e espiritual da comunidade depende da santidade dos homens, o que, por sua vez, depende da submissão das mulheres.
O Jerusalem Post noticiou em fevereiro o lançamento de uma pequena tenda de nylon que, ao ser afixada entre os assentos dos aviões, cria um espaço exclusivo onde a pessoa fica a salvo dos olhares e do contato do vizinho, além de não correr o risco de inadvertidamente olhar de esguelha um filme “impróprio” que esteja sendo assistido na cadeira ao lado.
A impressão que fica para quem não pertence à comunidade é que ela convive com uma extrema fragilidade espiritual. A exacerbação da proteção contra contatos fortuitos parece demonstrar uma preocupante fraqueza. O rabino ortodoxo do século 19 S.R. Hirsch significou “inocência” como sendo a qualidade conquistada pelos que venceram a luta para colocar a sensualidade e a paixão em proporções razoáveis. A separação total dos sexos seguramente não fortalece as pessoas na luta pela modéstia.

Cooperação estratégica
Em setembro passado as três principais instituições norte-americanas de formação de profissionais comunitários (rabinos, chazanim, professores e outros) das mais importantes e populosas denominações judaicas – o reformista Hebrew Union College, o conservador Jewish Teological Seminar e o a ortodoxa Yeshiva University – anunciaram ter recebido um donativo de 12 milhões de dólares da Jim Joseph Foundation. A verba é destinada a bolsas de estudo, a atividades de planejamento e, o que foi a maior surpresa, para fomentar a cooperação estratégica entre as três instituições.
Este anúncio deixou todos os que acreditam que não existe apenas uma forma de ser judeu – como é o caso da revista Devarim – extremamente otimistas com o futuro. É inegável que nenhuma instituição judaica pode se preocupar apenas com os seus afiliados e que o interesse maior de todas tem que forçosamente apontar para todos os judeus do mundo.
Espera-se que o exemplo de cooperação que está sendo inaugurado nos Estados Unidos seja imitado em Israel e nos demais centros judaicos do mundo, onde a relação entre as correntes judaicas é muitas vezes tolamente inamistosa.
iStockphoto.com / S. Gursozlu
Entender para cooperar
Também em setembro passado uma campanha publicitária veiculada na televisão israelense pela Agência Judaica foi retirada do ar prematuramente depois de ter recebido muitas críticas.
A campanha mostrava uma série de fotografias de jovens adultos com olhares tristonhos e com a legenda “Desaparecido” (Lost, em inglês) em cima, imitando os anúncios usados para angariar informações sobre pessoas com as quais se perdeu contato. Enquanto os anúncios eram mostrados uma música sombria tocava ao fundo da voz de um narrador que dizia: “Mais de 50% dos jovens judeus do exterior estão se assimilando. Você conhece um jovem judeu do exterior? Então ligue para o Projeto Masa e juntos vamos fortalecer seus laços com Israel para que ele não seja perdido. Masa – um ano em Israel e um amor eterno”.
As críticas foram centradas nos 50% de assimilação informados pelo anúncio. Não existe nenhuma comprovação estatística para o número, que parece ser inspirado por um estudo de 1990 que fixou a taxa de casamentos inter-religiosos entre os judeus norteamericanos em 52%.
No entanto, algumas importantes considerações precisam ser feitas. Em primeiro lugar não há comprovação alguma de que o casamento inter-religioso cause fatalmente perda de identidade judaica. Muitos são os casais inter-religiosos nos quais os filhos são educados como judeus ou o cônjuge não judeu se converte (deixando o casamento de ser interreligioso) ou ainda em que não ocorre perda de identidade pela metade judia do casal.
A ARI mantém uma sólida tradição de trazer para o judaísmo casais interreligiosos, tradição esta que é compartilhada com todas as demais congregações liberais do Brasil. A experiência das comunidades liberais brasileiras desmente o número veiculado pela campanha da Agência Judaica.
Um segundo e muito importante fator a ser levado em consideração é que o amor entre dois jovens de religiões diferentes não pode ser lamentado como se fosse um óbito ou uma viagem sem regresso para o desconhecido. Há muito tempo que não estamos mais no shtetl do “Violinista do Telhado”. Não fazemos shivá para o filho que se apaixonou por uma não judia ou pela filha que namora um não judeu. Mesmo que eventualmente ele (ela) se afaste do judaísmo, continuará a ser uma pessoa muito querida. Não é preciso ser judeu para ser amado e para ser um valioso membro da humanidade.
O episódio reforça a necessidade de maior entendimento entre Israel e as comunidades judaicas da dispersão. Uma colaboração valiosa entre elas é do maior interesse do povo judeu e o ponto de partida para a colaboração é um maior entendimento do que se passa em cada lado.