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Memórias do sempre nascer

MEMÓRIAS DO SEMPRE NASCER

Lembro com clareza: estávamos sentados à mesa, eu, aos 12, e meu avô. O chapéu de palha, a voz de barítono, o perfume amadeirado e o amor pelas mulheres faziam dele um personagem dos anos vinte. Vovô se interessava por magia, sonhava em se encantar e perscrutar os segredos dos homens. Na minha visão de menino, nem precisava, ele transformava o meu mundo com as histórias.

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No fim de uma tarde quente, ensinou-me que o homem deveria ser “bem lido e bem corrido”. Essas palavras tornaram-se dois candeeiros na jornada. Durante anos, lembrei-me desse alumbramento.

Seja como sina ou destino, tornei-me amante das letras: rascunhava as que se tornariam “embalagens de peixe no dia seguinte”, um jornalista na encruzilhada do Nordeste. Queria mesmo era ser poeta, como o Drummond do livro de português da 8ª série. 18 de janeiro de 2006, saí das redações correndo à procura do ônibus, precisava chegar cedo em casa. Eu tinha sonhos e medo de sair da aldeia. Até partir em uma noite de novembro, com medo e tudo: 13 países, três continentes, 15 estados, incontáveis cidades, em anos de idas e vindas. Não lembro quanto tempo depois, tornei-me poeta, de livro assinado e, em outro dia, recebia o título de doutor.

Ainda hoje, preso no apartamento 601, quando é escuridão, cerro meus olhos, e inspiro com profundidade, como magia ou feitiço, sinto o cheiro de notas amadeiradas e o vejo a sorrir no alpendre da casa velha do Alecrim outra vez, encantado.

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