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Ressurreições 2
RESSURREIÇÕES 2
No meio daquela mata, ouvia cantos para Oxum nas vozes dos meus antepassados. Estaria sonhando? O vento forte e o ar rarefeito turvavam as ideias. Estava a 5.264 km de casa e começava a me perguntar o que fazia naquele caminho sem fim.
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O ano era 2010, éramos uma centena de jovens e mochilas de duas dezenas de países com um desejo: conhecer os povos originários do continente. Começamos nas altas montanhas da Bolívia, sob as bênçãos de Viracocha, no Camiño del Choro, entre subidas, precipícios, fé e falta dela.
O ar não me chegava aos alvéolos, indiferentes às incontáveis folhas de cocas que mas-
tigava. A cabeça me doía, recordo que desequilibrei, quando senti mãos a me sustentar. Fui o último a chegar para o almuerzo. Ao meu lado, dois paramédicos, José e Maurício, separados por uma geração, me incentivavam e se alegravam com a melhora do soroche.
Bolhas nos pés, machucados nos joelhos e 72 km vencidos em dois dias e meio. De volta ao ônibus em direção à La Paz, conversamos sobre a existência. José, nos seus vinte e poucos anos, disse-me que não tinha emprego formal, vendia iogurtes. Maurício, com o dobro da idade, era engenheiro civil. Os dois eram voluntários na “República Plurinacional da Bolívia”, como enfatizavam. Aos fins de semana e feriados, doavam parte do tempo acompanhando pessoas e resgatando vidas como bombeiros. Ainda sem entender, perguntei-lhes o que os motivava aquela doação: Maurício olhou-me e desvelou um velcro adesivo que estava na jaqueta da farda, nele, a inscrição: “Para que outros vivam”.