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A arte e o presente
A ARTE E O PRESENTE
É quase um clichê: enunciar o fim da história em seu começo. Sou adepta de clichês. No final deste conto, estarei morta, assassinada para ser mais específica. Prossigo agora nesses porquês, sempre incertos e de uma fluidez assustadora. Gostava do meu corpo, fora do padrão, até um pouco excessivo, eu diria. Confesso que, mesmo morta, amo meu corpo decomposto pelos vermes.
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Fui atriz por 30 anos e decidi parar. As marcações no proscênio me enfadavam, enjoei de Electra e Antígona (iconoclasta, quero a destruição dos mitos, mas não esses). Na minha vida classe média, casei, abortei, separei e segui livre nas camas que escolhi. Aquela
noite, equivocada, imaginei que seria apenas o fim da carreira.
cena final (num quarto ou num salão)
Deitei-me no divã, a luz de ribalta era de um azul Klein e me levava a fantasias interditadas. Estou imóvel na posição, quando Ele se aproxima e me beija a fronte, em silêncio, o fresnel focaliza um piano à esquerda. Ele me soca o estômago uma vez, outra e outra, sem parar. Eu não consigo gritar. A plateia assiste a tudo indiferente.
Antes de desfalecer, sinto o gosto agridoce, meus olhos desfocam, procuro o rosto dele além das coxias, tudo se apaga. Antes da areia me cobrir a pele, deixo um aviso aos senhores: Ele nunca!