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A sarja versus o sargento
Zuzu Angel: a estilista que revolucionou a moda com criações que denunciavam a ditadura militar
Por Gabriela Jacometto, Julia Barbosa e Manuela Mourão
Nos meandros da história brasileira, Zuzu Angel permanece como um ícone de resistência e justiça. Nascida em uma pequena cidade de Minas Gerais, em 1921, e crescida em Belo Horizonte, Zuleika de Souza Netto é considerada por muitos a primeira estilista do Brasil. Responsável por alavancar a moda brasileira, tanto em âmbito nacional quanto internacional, pioneira nos realces das brasilidades em suas peças de roupa, foi também um símbolo contra a ditadura militar.
Costureira de mão cheia, Zuzu deixou seu legado na moda e na história do Brasil. Aprendeu a costurar e bordar ainda quando jovem, mas seu dom e gosto pela arte da moda só vieram à tona quando Zuleika deixou seu estado de origem.
No momento que Zuzu se muda para o Rio, em 1947, é quando a costura e o design começam a aparecer bordados na sua história. Já nos anos 50, por indicação de uma tia, ela passa a trabalhar com a primeira-dama da época, Sarah Kubistchek, esposa do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), em uma instituição filantrópica e sem fins lucrativos chamada “Pioneiras sociais”, costurando os uniformes da fundação. E assim foi ganhando gosto pela costura, tanto que começou a produzir saias com tecidos e materiais diversos.

Os modelos acabaram fazendo sucesso entre as mulheres, o que fez a futura estilista passar a receber visitas de atrizes, ícones brasileiros e internacionais daquele tempo, contando com nomes como Elke Maravilha, Yvonne de Carlo e a primeira-dama Iolanda Costa e Silva, esposa de Artur da Costa e Silva (1967-1969). Ganhando cada vez mais seu espaço na moda e usando a costura como fonte de renda para sustentar sua casa e seu ateliê, Angel fez seu primeiro desfile em 1966 no Segundo Salão de Moda da Feira Brasileira do Atlético, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Mas foi para muito além de apenas suas habilidades na moda que Zuzu deixou sua marca indelével. Durante os anos sombrios da ditadura militar, ela emergiu como uma voz incansável em busca de justiça. Sua movimentação começou ao receber um telefonema, dizendo que seu filho, Stuart Angel Jones, do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) e militante contra o regime militar, havia sido preso.
Com isso, encontrar Stuart virou o objetivo da estilista, que passou dias visitando quartéis e suplicando aos órgãos de segurança, políticos e até mesmo ao presidente da época, o ditador Ernesto Geisel, por alguma resposta do paradeiro de seu filho. Mesmo com tanto apelo, Zuzu não obteve respostas.
Algum tempo depois, a designer recebeu uma carta escrita pelo também preso político e amigo de Stuart, Alex Polari de Alverga. Nela, Angel teve a confirmação da morte de seu filho, junto a narrativa excruciante da tortura sofrida por ele. O corpo de Stuart foi jogado ao mar, e Zuzu nunca conseguiu se despedir dele. Foi a gota d’água. A partir desse momento, a estilista assume a luta contra a ditadura, tal posicionamento que até então não existia, buscando justiça e o direito de uma mãe de enterrar seu próprio filho.
Para o Contraponto, Guilherme de Beauharnais, Fashion Editor da Harper’s BAZAAR, explicou um pouco sobre a dualidade de Zuzu Angel. “Aqui no Brasil ela vestia as mulheres dos políticos militares, ela não estava preocupada com política, mas o filho dela, o Stuart, estava […] e foi com a morte do filho dela que a Zuzu começou a usar a moda dela como uma forma de protesto.”, explica Beauharnais.
Com o nome em destaque, Guilherme conta que, em 1968, Zuzu passou a fazer seus desfiles nos Estados Unidos, país que sediou seu desfile-protesto, ou como o editor apelidou “seu fatídico desfile”, em Nova York, dentro da casa do Cônsul Brasileiro.
O desfile foi marcado pelo protesto da estilista sobre a perda de seu filho. As estampas alegres que a costureira costumava apresentar se tornaram bordados de desenhos coloridos que apresentavam mensagens sombrias. Canhões, tanques militares, soldados, aviões, pássaros em gaiolas estavam estampados no vestido de linho branco que ela apresentou. E um emblemático vestido vermelho-escuro longo, com a imagem de um anjo bordado na frente, por miçangas e paetês.

“Então tinha esse lugar de uma estamparia, de um bordado violento, que remetesse a essa violência do governo militar, ao mesmo tempo que tinha essas silhuetas de resort, essas silhuetas de holiday (feriado em inglês) mesmo, que tinham sido criadas para uma moda de férias, uma moda de diversão, de lazer, de viagem”, ilustra Guilherme.
Angel fechou seu desfile entrando na passarela com um vestido preto, longo, acompanhado de véu preto e um cinto de crucifixos como forma de representar sua dor e luto pela morte de seu filho.

A sobrevida de Zuzu
“Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.” Esse é um trecho do “bilhete-testamento” que foi entregue em 1975 a dezenas de artistas e intelectuais a quem a estilista confiava. Dito e feito. Em 14 de abril de 1976, cinco anos depois do desaparecimento e morte de seu filho, Zuzu é encontrada sem vida em seu carro, devido a um suposto acidente.
Em 1998, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu ambas as mortes como assassinatos orquestrados por agentes do Estado brasileiro. Hoje, o túnel em que Zuzu morreu, leva seu nome. Frente a morte da estilista, Chico Buarque, Zuenir Ventura e Paulo Pontes datilografaram cópias do bilhete que Zuzu os havia endereçado e enviaram pelos correios para jornalistas e senadores. No entanto, nenhum jornal o publicou.

Em 1977, Chico compôs a música “Angélica” em que canta: “Só queria embalar meu filho, que mora na escuridão do mar”. Ainda escreve: “Só queria agasalhar meu anjo, e deixar seu corpo descansar”. Também em “Cálice”, com Milton Nascimento, os versos fazem alusão a Stuart e a forma como foi torturado e morto: arrastado por um jipe na Base Aérea do Galeão, com a boca encostada ao cano de descarga até a morte. Esse era o começo de muitas homenagens e, hoje, Zuzu e Stuart acumulam tributos em seu nome.
Em 1993, nasceu no Rio de Janeiro, a partir da iniciativa de Hildegard Angel, uma de suas filhas, o Instituto Zuzu Angel, que visa difundir a moda, seus profissionais e as memórias da estilista, assim como manter um acervo de todas suas coleções.
