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Operação Brother Sam: o papel dos Estados Unidos no golpe de 64

A desconhecida quase incursão norte-americana no Brasil e a influência de seus aspectos

Por João Pedro Stracieri e Pedro Bairon

A década de 1960 foi um período conturbado no cenário geopolítico global, com dois blocos principais, o soviético e o estadunidense. Marcado por conflitos em busca do poder, a Guerra Fria, protagonizada por esses dois grupos, ficou marcada como o período histórico em que o mundo estava polarizado entre socialismo e capitalismo.

Em contextos como esse, nos quais a desarmonia dirigia o cenário internacional, ter países sob suas interferências era fundamental para a disseminação e consolidação de poder. Tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética tentaram expandir suas influências para outras nações, e a maneira como isso aconteceu foi desde acordos comerciais até a intromissão direta na soberania de outros países.

Com a disputa em jogo no tabuleiro geopolítico, qualquer país que demonstrasse a mínima aproximação de políticas inclinadas à esquerda, fazia os radares norte-americanos dispararem. Eles soaram ruidosos com a posse de João Goulart, em setembro de 1961, à presidência do Brasil, na qual havia propostas de reformas, sendo elas: a agrária, bancária e imobiliária. Essas pautas foram engajadas pelo Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e por parte da elite brasileira, como comunistas e próximos aos ideais soviéticos.

Em entrevista exclusiva ao Contraponto, Eugênio Bucci, jornalista, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), afirma: “não seria interessante para os Estados Unidos ter governos refratários à presença de Washington em sua política nacional, e os americanos viram na ditadura uma possibilidade de impedir que isso acontecesse no Brasil”.

O início das conspirações

“Antes da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, das 55 maiores empresas no Brasil, 32 eram pertencentes aos Estados Unidos, que com esses números lucraram 3,5 bilhões de dólares em um só ano nas terras brasileiras”, conta o escritor, jornalista e tradutor Eduardo Bueno, em dos seus livros “Brasil, uma história”. Isso começou a mudar quando, em 1962, João Goulart propôs a Lei de Remessa de Lucros (Lei 4.131/1962), visando taxar parte do capital extraído do Brasil pelo governo norte-americano.

A decisão tarifária abalou as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. Com a intenção de conter os ânimos internacionais, Goulart visitou o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.

A Operação: USS Forrestal, porta-aviões da Marinha norte-americana que integrava a frota da Operação Brother Sam. Imagem: © Memorial Da Democracia

O encontro amistoso de dois chefes de Estado pareceu amolecer os problemas políticos e ideológicos entre os países. Contudo, a viagem não foi suficiente para reduzir o medo norte-americano de um suposto comunismo no Brasil.

Segundo Eduardo, com a Lei de Remessa de Lucros sendo encaminhada para votação no Congresso e a aproximação das eleições nacionais de 1962, Kennedy teria comprado governadores, senadores e deputados, não apenas para se demonstrarem contrários a essa lei, mas para fazer oposição ao então presidente, Jango.

Além das articulações diretas com políticos brasileiros, o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, também teria planejado todo o aparato golpista com os EUA contra a democracia brasileira e a temida ameaça comunista.

Diante das alegações norte-americanas aumentando o receio entre os militares a respeito do socialismo no Brasil e as manifestações elitistas que ocorriam no país nas vésperas do golpe, não tardou para que o Exército Nacional, apoiado pelos estadunidenses e pela aristocracia brasileira, saísse dos quarteis em direção a Brasília.

Após a tomada de poder das tropas nacionais em 1964, o Senador de São Paulo, Aldo de Moura Andrade, que lançou um manifesto à nação após a participação na Marcha da Família com Deus pela Liberdade convocando as forças armadas a se posicionar em relação à insatisfação da gestão e do rompimentoentre o legislativo com o executivo, declara vago o cargo de presidência da República, assim nomeando o deputado Ranieri Mazilli como chefe de Estado. Poucas horas após a nomeação, os Estados Unidos reconhecem o novo governo brasileiro.

Ao perceber a rápida aprovação do golpe por parte dos norte-americanos, Goulart notou que isso não era apenas uma incursão motivada pelo desespero anticomunista, mas sim de algo maior e mais articulado. Por esse parecer, o presidente deposto inconstitucionalmente decidiu não mobilizar o 3º Exército, assim não oferecendo resistência ao golpe. No entanto, João Goulart não sabia que com sua desistência em tentar retomar a democracia no Brasil, acabaria por abortar uma das operações mais simbólicas da história contemporânea brasileira: Operação Brother Sam.

Charge da representação dos EUA, o Tio Sam, munido com aparatos militares mirando nos países da América do Sul. Imagem: © Blog Entendendo a Guerra Fria

A operação

Até a metade dos anos 1970, acreditava-se que os navios estadunidenses navegando em direção à costa brasileira, nos dias que sucederam o golpe, eram embarcações petroleiras,. Entretanto, em 1976, a pesquisadora Phyllis Parker descobriu na biblioteca do Congresso norte-americano, documentos comprovados de que tais barcos de fato carregavam petróleo, porém seu conteúdo não continha apenas o combustível.

Parker, constatou que além do carregamento de petróleo, havia nessas embarcações: porta-aviões, esquadrilha de caças, helicópteros, aviões e toneladas de armas e munições. Todo esse arsenal estava pronto para ser distribuído para o exército golpista caso houvesse resistência por parte do governo deposto, de acordo com o documento. Porém, com Mazzilli nomeado presidente, as embarcações tiveram ordens para voltar às bases norte-americanas, cancelando a operação.

A Operação Brother Sam, mesmo não posta em prática, resultou de ataques à democracia brasileira. Essas incursões sutis na soberania nacional possibilitaram medidas drásticas, como a violência que Washington poderia impor ao governo legítimo de João Goulart.

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