
5 minute read
Quem foi Francisco Julião, líder camponês na luta pela Reforma Agrária nos anos 60?
Trajetória do advogado, preso político durante ditadura, teve grande influência na formação das Ligas Camponesas, movimento precursor do MST.
Por Annanda Deusdará, Beatriz Barboza e Gabriel Porphirio Brito
Francisco Julião (1915-1999), político e escritor brasileiro, é conhecido por defender as causas dos desfavorecidos e desempenhou um papel crucial nas Ligas Camponesas, movimento pioneiro na luta pela reforma agrária no Brasil. Sua abordagem simples ao ensinar a população rural sobre seus direitos e como conquistá-los foi fundamental para o crescimento e a mobilização do coletivo, o qual o adotou como principal figura incentivadora.
Essas organizações entre camponeses surgiram no início da década de 1950, em um contexto de industrialização e insatisfação social no Nordeste brasileiro. Temas como sindicalização rural, criação do estatuto do trabalhador do campo e lei da reforma agrária eram discutidos e reivindicados pelo campesinato.
Incendiador de Consciências
Em entrevista para o Contraponto, Cláudio Aguiar, autor do livro “Francisco Julião, uma biografia” (2014), conta que o advogado não chegou às Ligas Camponesas, mas que o movimento é que o encontrou.
Segundo Aguiar, a pedido dos camponeses do Engenho Galileia, de Vitória do Santo Antão, em Pernambuco, Julião, então deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), criou e registrou juridicamente, em 1954, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, a primeira associação de trabalhadores do campo do Recife, que defendia seus direitos diante de entidades públicas e privadas.
Anos mais tarde, em 1961, a cidade de Belo Horizonte foi palco do Primeiro Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas. O evento marcou a materialização das reivindicações do campesinato que agora se organizava e tinha representações nacionais.
João Goulart, na época presidente da República, ao lado de Francisco Julião, ponderou a reforma agrária como prioridade em seu governo. Após esse encontro, no imaginário camponês, a redistribuição das terras aconteceria “na lei ou na marra”.
A mobilização do agrário ganhou atenção dos jornais “Diario de Pernambuco” e “Jornal do Commercio”, que passaram a pautar a atuação dos coletivos nas páginas policiais, o que, segundo Aguiar, representava a tentativa de vincular a luta camponesa à criação de ligas pelos comunistas.
“Muitas notícias me atribuíram a fama de ‘incendiário’, no entanto, minha preocupação não era incendiar canaviais, eu tinha o afã de incendiar consciências”, afirmou Francisco Julião durante um discurso na associação de trabalhadores rurais de Pernambuco.
Embora fosse filho de senhor de engenho e tivesse formação superior, Julião se firmou como importante comunicador popular. O deputado expunha suas propostas por meio de cordéis e panfletos breves, claros e diretos. Sobre essa articulação, o biógrafo afirma que os camponeses aprendiam com facilidade por conta da oralidade simples de Julião, visto que quase todos eram analfabetos.
Inimigo dos Estados Unidos
À época, os Estados Unidos observavam com cautela não apenas as propostas de Goulart, que visavam remodelar setores da sociedade brasileira como a redistribuição de terras, mas também o surgimento das Ligas Camponesas e seu líder, Julião, que representava uma potencial ameaça política para os americanos.
No documentário estadunidense “Brasil: terra turbulenta” (1961), o líder Francisco Julião foi intitulado “inimigo dos Estados Unidos”, já que a grande luta das Ligas era pela Reforma Agrária, desafiando diretamente os interesses dos grandes proprietários de terras e empresários, que eram uma parcela abastecida pelos norte-americanos. Além disso, ações armadas por camponeses contra medidas repressivas de latifundiários intensificaram as preocupações.
Em plena Guerra Fria, os EUA temiam que o movimento pudesse promover ideologias comunistas e ameaçar a estabilidade dominante sob a América Latina, aumentando as tensões e incertezas na região. “As Ligas Camponesas foram totalmente desarticuladas e destruídas pelo Golpe Militar de 1964. Julião foi cassado e, em 1965, exilou-se no México. Quatorze anos depois, retornou ao Brasil”, contou Aguiar.
O autor pontua que o líder camponês sofre hoje um ‘lastimável processo de esquecimento’ que não é novidade no país. “No Brasil, seus mais ilustres filhos são esquecidos, na maioria dos casos, de propósito, para que as futuras gerações não tomem conhecimento desses exemplos notáveis que, no final de contas, concorreram para que essa terra se torne mais rica, independente e soberana”, afirma.

A Luta Continua
Dilei Schiochet, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da Paraíba, afirmou ao Contraponto que o modelo de organização horizontal e participativa das Ligas Camponesas influenciou a forma como muitos movimentos sociais se organizam hoje.
“Para os Sem Terra, as Ligas Camponesas foram um berço, pelo fato de inserir um levante memorável na história do Brasil sobre o tema da reforma agrária. Foi a partir dela que o MST nasceu como uma organização de vocação nacional. Nossa contribuição na atualidade é manter viva a luta pela reforma agrária popular, que é a maior forma que temos de dar continuidade a luta iniciada pelas Ligas Camponesas”, destacou Schiochet.
Em 2006, foi fundado no Povoado de Barra de Antas, na cidade de Sapé, na Paraíba, o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas. Weverton Rodrigues, historiador e diretor de projetos do memorial, foi entrevistado pelo Contraponto e destaca a importância do acervo: “Não há democracia sem memória e sem reforma agrária. São peças fundamentais para a construção da identidade nacional em um país tão desigual e violento como o Brasil. O Memorial tem a tarefa histórica de ampliar a visibilidade sobre a atuação e história dos camponeses, na perspectiva de que as próximas gerações não se esqueçam do que aconteceu e entendam a nossa realidade”.