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Resistência feminista: conheça o outro lado da imprensa alternativa
Em um contexto político marcado pela censura, a luta das mulheres contra o autoritarismo era refletida através da comunicação popular
Por Ana Julia Bertolaccini, Maria Elisa Tauil e Marina Jonas
A imprensa foi uma das primeiras instituições a sentir os efeitos do golpe de 1964 e da implementação da ditadura militar no Brasil. Com o decreto do AI-5, os anos seguintes foram considerados os mais repressivos deste período.
Qualquer reportagem que abordasse assuntos considerados como uma ameaça ao regime totalitarista sofria repressão. Pautas voltadas ao movimento feminista eram barradas nas redações, dando espaço para a consolidação da imprensa alternativa como forma de resistência.
“Os Nanicos”, como também ficaram conhecidos os jornais militantes, surgiram como forma de oposição à ditadura por meio de humor, análise política ou informação. Os exemplares continham análises sobre decisões políticas, notícias censuradas e charges irônicas com tom de denúncia contra o governo.
O periódico “O Pasquim” circulou entre os anos 1969 e 1991, e foi destaque entre os movimentos de esquerda. Suas edições utilizavam o humor com tom irônico para protestar contra o ataque à imprensa.
Jornalista e escritor formado pela Universidade de São Paulo, em 1982, Arbex contribuiu para o jornal alternativo “O Trabalho”, que circula desde 1978. Segundo ele, as edições eram pautadas nas necessidades da classe trabalhadora.
“Era um jornal semanal clandestino e as reuniões de pauta eram reuniões políticas, nas quais recebíamos informações de grupos militantes do movimento operário, como bancários, metalúrgicos etc”, explica.
A imprensa alternativa atuava sob princípios progressistas para a época, mas reivindicações femininas não eram levadas em consideração. “As mulheres não eram retratadas. Existiam mulheres que escreviam sobre economia, política e temas gerais da sociedade, mas nada sobre pautas femininas”, aponta Arbex.
Imprensa feminina
A necessidade de colocar as mulheres em foco e amplificar suas reinvidações contribuiu para o surgimento do primeiro jornal feminista do país, o “Brasil Mulher”.
Criado em 1975 por Therezinha Zerbini e Joana Lopes, jornalistas precursoras dentro da luta contra o regime autoritarista, o periódico foi um posicionamento feminista em meio ao cenário político conturbado do país.
O jornal, que saiu de circulação no início da década de 80, foi financiado por suas participantes, alcançando a marca de 10 mil exemplares a cada publicação.

Ao longo de suas vinte edições, abordou tópicos como aborto, sexualidade, divórcio e direitos das mulheres.
Inspirados pela luta do movimento feminista dentro do jornalismo, outros periódicos populares surgiram. Neste contexto, em junho de 1976, foi publicado o primeiro exemplar do “Nós Mulheres”. Fundado pela Associação de Mulheres, em 1976, o "Nós Mulheres" circulou pelas bancas por dois anos e se tornou um ponto de referência para aquelas que buscavam assuntos não veiculados nos jornais oficiais.
Com uma linguagem considerada inovadora para a época e uma abordagem comprometida com a resistência social, o jornal denunciava as diversas formas de opressão das cidadãs brasileiras.
Em suas páginas foram reivindicados direitos que iam desde a educação e a garantia de salário mínimo digno para o custo de vida da época, até melhores condições trabalhistas e igualdade salarial. Além disso, publicavam matérias de denúncia ao machismo estrutural no ambiente de trabalho, em sua própria residência ou até mesmo no próprio corpo.
O editorial da primeira edição do periódico feminista levou às suas leitoras um ativo discurso contra as convenções de gênero da época.
“Desde que nascemos, nós, mulheres, ouvimos em casa, na escola, no trabalho, na rua e em todos os lugares que nossa função na vida é casar e ter filhos. Que nós, mulheres, não precisamos estudar ou trabalhar, pois isto é coisa para homem (...)”, expôs o editorial.
Enfrentando a tortura e a repressão, as mulheres da época assumiram um papel de protagonismo na imprensa alternativa e na luta contra a ditadura. No entanto, a opressão estrutural e desigual que assola gerações do movimento feminista impactou diretamente na diminuição de sua importância.

Em uma entrevista ao jornal Contraponto, a jornalista Maristela Bernardo conta que foi presidente do centro acadêmico da Escola de Comunicação e Artes da USP durante aquele período. Para ela, a conturbada época contribuiu para o seu desenvolvimento político e social.
“Ser mulher e jovem nesse período dos anos 1960 era, por um lado, você continuar sofrendo a repressão da sociedade tradicional e, por outro, entender o enorme campo que se abria diante dos estímulos que eram dados, não só pela luta política como também pela revolução dos costumes que ocorria naquela época”, explica.
A entrevistada conta que o vestuário das militantes da época também desempenhava um importante papel na luta contra o machismo. A libertação das mulheres se dava em diferentes campos da simbologia, como as roupas.
“Eu, minhas amigas, as militantes de esquerda, todo mundo passou a se libertar do sutiã, da saia comprida. O visual das mulheres passou a ser um visual mais livre, você se vestia como bem entendia”, relata a jornalista.