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Jornalismo alternativo: a voz da imprensa enquanto resistência

O papel dos veículos não hegemônicos na reconstrução da democracia e no fomento à informação

Por Eduarda Basso, Luiza Miranda, Maria Laura Medeiros, Melissa Joanini e Stefany Santos

"A imprensa é a arma mais poderosa no nosso partido”. A frase de Joseph Stalin, revolucionário soviético e líder do Partido Comunista, expressa a importância do jornalismo para a estruturação de um governo. A atuação jornalística também foi destaque nos anos de ditadura civil-militar no Brasil.

Em 1967, Marechal Castelo Branco assinou a Lei nº 5.250, que ficou conhecida como Lei da Censura à Imprensa, a qual se desdobrou, três anos depois, na Lei da Censura Prévia. O objetivo dos militares era claro: regular a mídia para obter completo controle sobre a opinião pública, à medida em que continham o avanço da oposição.

Os meios de comunicação denominados ‘grande imprensa’, como Folha de São Paulo, Estadão e O Globo, apoiaram a ditadura militar. Jornalistas, estudantes e pensadores que se opunham ao autoritarismo recorreram à chamada ‘imprensa alternativa’ para lutar pelo que acreditavam.

Dentro das universidades, centro acadêmicos e coletivos estudantis criaram jornais independentes. O jornalista José Arbex Júnior fazia parte d’O Trabalho, baseado na corrente esquerdista ‘Liberdade e Luta’ (LIBELU). Em entrevista ao Contraponto, o professor da PUC-SP declara que “ser jornalista naquela época era ser militante. Se você não abraçasse a causa, não aguentava uma semana”. Arbex ainda pontuou algumas das publicações alternativas que se popularizaram no período: Pif-Paf, O Pasquim e Última Hora.

Pif-Paf

O primeiro veículo alternativo que surgiu após o golpe foi o Pif-Paf, do jornalista Millôr Fernandes, inicialmente como uma seção do jornal carioca O Cruzeiro, ainda em 64. Após ser demitido, ele passou a publicá-lo semanalmente em formato de revista, a qual tinha como principal característica seu humor satírico. O veículo era feito de maneira pouco pragmática, já que os humoristas que cediam seus trabalhos não colaboravam fixamente e a produção era inteira a cargo de Millôr.

A revista teve apenas oito edições devido à censura. O Pif-Paf influenciou fortemente os jornais que surgiram a partir de seu término, principalmente por tornar-se um símbolo da imprensa não-hegemônica da época e por introduzir um humor diferente do que era visto no Brasil.

O Pasquim

O cartunista Jaguar, em conjunto com os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral, fundaram O Pasquim, um dos veículos mais importantes para a história da imprensa alternativa. Sua primeira edição saiu em junho de 1969 e vendeu 28 mil cópias. Os cinco anos seguintes marcaram o auge do jornal. Com publicações semanais, foram vendidos 250 mil exemplares ao todo, com um acúmulo de 1.072 edições em seu acervo.

Juntos, os redatores formavam a “patota”, que quebrava o modelo tradicional e burocrático da criação de um jornal. As pautas eram elaboradas através das relações pessoais e discussões espontâneas que aconteciam entre os amigos. Essa era a essência d’O Pasquim: liberdade, tanto em sua escrita, quanto em sua filosofia. Além do tom sarcástico carregado pelas crônicas e charges da revista. “O humor faz parte da história do Brasil”, afirma Arbex sobre o ar descontraído e diferenciado que o Pasquim possuía naquela época.

Em 1 de novembro de 1970, policiais do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) entraram na redação e prenderam os jornalistas presentes. Tarso de Castro fugiu pelo muro dos fundos e não foi pego, o que permitiu que continuasse dirigindo o jornal clandestinamente. Após esse episódio, as publicidades acabaram e as vendas caíram pela metade. Desavenças entre os integrantes e crises financeiras tornaram-se constantes e, em 1991, seu último exemplar foi publicado.

Capa do jornal O Pasquim. Imagem: © O Pasquim

Última Hora

O Última Hora foi criado pelo jornalista Samuel Wainer em 1951. Era publicado no formato diário no Rio de Janeiro e chegou em São Paulo no ano seguinte. Segundo seu fundador, seu objetivo era acabar com a formação oligárquica da imprensa brasileira e promover um jornalismo popular e independente, em oposição à classe dirigente e favorável a um governo de cunho popular.

O periódico carioca defendia abertamente os trabalhadores, a democracia e a soberania nacional. Foi um dos únicos diários a defender João Goulart e seu governo nas primeiras horas após o golpe militar. Como consequência, teve suas sedes no Rio de Janeiro e Recife invadidas e depredadas. Samuel teve seus direitos políticos cassados, mas permaneceu atuando clandestinamente durante seu exílio.

Ao longo dos anos de ditadura, o jornal enfrentou uma crise financeira em razão da perda de anunciantes, que desistiram do patrocínio por medo de represálias. Samuel Weiner, exilado, vendeu o Última Hora aos mesmos compradores do Correio da Manhã e sua última publicação ocorreu em abril de 1971.

Nós Mulheres

O jornal Nós Mulheres foi produzido por militantes contrárias ao regime totalitário, que apoiavam o fim da censura e reivindicavam a presença feminina na política. O periódico, organizado e publicado pela Associação de Mulheres, foi lançado em 1976 e se estendeu por dois anos, deixando apenas 8 edições. O veículo foi visto como um instrumento para dar voz e visibilidade a pautas feministas, negligenciadas pela mídia dominante.

Demandas como aborto, contracepção, dupla jornada de trabalho, divórcio e direitos das mulheres eram amplamente tratadas pela publicação. Nós Mulheres contava com editoriais, entrevistas, cartas de leitoras e charges. Sua atuação multifacetada incluiu desde a participação em guerrilhas rurais até a divulgação de informações na imprensa clandestina. Além disso, campanhas a favor da redemocratização também ocuparam as páginas do jornal feminino.

Em entrevista ao Contraponto, a psicanalista Maria Aparecida Kfouri, que colaborou com o veículo, compartilhou que o Nós Mulheres começou no porão de Marcus Faerman, idealizador do jornal Versus, também criado durante o regime militar. ‘’Era uma opressão medonha, tinha medo de sair na rua. Quando entrei no jornal, senti uma liberdade”, aponta.

O professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedro Aguiar, criou o gráfico Imprensa Alternativa na Ditadura Militar, com o objetivo de pontuar alguns dos quase 200 jornais alheios à mídia dominante que circulavam pelo Brasil durante todo o período.

Apesar do exercício do jornalismo ter sido dificultado, impedido e até perseguido, a imprensa alternativa nunca deixou de criticar o modelo político-econômico autoritário, denunciar torturas e reivindicar direitos.

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