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PUC-SP contra a ditadura: um legado mais vivo do que nunca

Exposição relembra a história de luta da universidade durante o período militar, no Memorial da Resistência de São Paulo

Por Khauan Wood, Nathalia de Moura, Nicole Domingos, Victória da Silva e Vítor Nhoatto

Localizado em um edifício na Santa Ifigênia, centro histórico de São Paulo, está o Memorial da Resistência de São Paulo. Administrado pela prefeitura, o local que serviu como centro carcerário e de tortura durante a ditadura, hoje é um espaço dedicado a relembrar esse condenável momento da história do país e sedia a nova mostra temporária, “Resistência na PUC-SP”.

Integrando o projeto “Ocupações Memorial”, a exposição conta a atuação efetiva da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) na luta contra o regime militar. Integrando o projeto “Ocupações Memorial”, a exposição conta a atuação efetiva da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) na luta contra o regime militar. A instituição foi um importante lugar de acolhimento a militantes, artistas e intelectuais e professores expulsos de outras instituições acusados de serem contra o governo da época.

Militância puquiana

A mostra é dividida em cinco setores e visa levar os visitantes a uma viagem no tempo: "Invasão da PUC-SP e a resistência à ditadura"; "Docentes, artistas e intelectuais acolhidos pela PUC-SP"; "Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri"; "Arte e resistência no TUCA" e "A defesa radical da democracia".

Com uma comissão curatorial formada basicamente por professores doutores da própria Pontifícia, o espaço se apresenta repleto de informações históricas. Cada um dos eixos tem uma cor diferente e conta por meio de fotografias e relatos em vídeo, os atos antiditatoriais promovidos pela instituição. Fabio Cypriano, professor, diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes (Faficla) e um dos curadores, destaca que a alma da universidade sempre foi a democracia e o exercício da cidadania.

Durante a década de 1970, a PUC-SP ficou conhecida como um espaço relativamente livre de opressão, já que não era administrada pelo Estado. O local era tido como um respiro e amparo para educadores expulsos de instituições de ensino superior públicas como a Universidade de São Paulo (USP), devido ao Decreto-Lei 477/1969, que previa a punição de membros acusados de subversão ao regime.

Mesmo diante de ameaças, a comunidade universitária manteve-se firme em seus protestos a favor da justiça social. Em 1971, uma Reforma Universitária inovadora foi implantada, tendo como foco modernizar e reestruturar o ensino superior do país. Algumas das mudanças previstas eram a criação de universidades estaduais, a aplicação de vestibulares unificados, a ampliação do acesso à educação superior, entre outros movimentos. Com isso, esse movimento contrariava a expectativa do regime, o qual pressionava por uma atitude de maior conformidade. Nos anos seguintes, mesmo com forte repressão, a instituição não parou, sendo palco para manifestações e encontros proibidos de ocorrer em universidades públicas, como a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1977.

No mesmo ano, foi realizado o 3º Encontro Nacional de Estudantes, em 22 de setembro de 1977, quando um dos eventos mais terríveis da história da Pontifícia ocorreu. Tropas da Polícia Militar, liderada por Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, invadiram o campus Monte Alegre com tanques e armamentos pesados. Muitos alunos e professores foram presos acusados de subversão ou ficaram gravemente feridos pelos ataques da polícia.

Chegando ao local, Nadir Gouvêa Kfouri, reitora na época, deu as costas para Erasmo, que estava a caminho de cumprimenta-lá e disse a marcante frase: “não dou a mão a assassinos”. Eleita a primeira reitora mulher de uma universidade brasileira em 1976, Nadir é outro destaque nas paredes da exposição, lutando bravamente junto a sua Comissão da Verdade da PUC-SP, para que as memórias da resistência não fossem esquecidas.

Palco da democracia

Avançando na jornada histórica, chega a hora do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), um importante espaço cultural e palco não só de apresentações, mas de manifestações. Nele ocorreram debates políticos, peças críticas ao regime e shows de artistas que lutavam contra a censura do regime. Um dos eventos marcantes no período foi a apresentação de Caetano Veloso no final de 1968, cantando “É proibido proibir”.

O teatro era alvo frequente de perseguição e censura dos militares, que proibiram peças, interromperam eventos e deteram artistas, numa tentativa de calar a voz do povo. Em 22 de setembro de 1984, sete anos depois da invasão do campus, o TUCA foi criminosamente incendiado por grupos paramilitares. O episódio, segundo Padre Edênio Valle, professor desde 1969 da PUC, “eram marcas da violência arbitrária que pretendia deixar claro à Universidade que o mais seguro era abandonar sua postura de resistência à ditadura militar”.

Mesmo assim, a universidade não cedeu em sua luta radical pela democracia, último setor da exposição. No mesmo ano do crime ocorrido no teatro, centenas de estudantes e professores saíram juntos do campus em direção às manifestações das Diretas Já, que borbulhavam por todo o país. A potência da universidade não conseguiu ser apagada pela ditadura e continuou ecoando cada vez mais forte.

A mostra finaliza abordando o tema como a PUC-SP manteve vivo o seu legado de resistência e defesa dos direitos humanos, expondo algumas de suas principais ações nos últimos anos. Cypriano frisa como as ações em defesa da democracia refletem na qualidade de ensino da universidade, que tem a função de formar cidadãos e não somente profissionais.

Introdução sobre a Universidade e sua atuação no período. Imagem: © Victória da Silva
Hélio Campos Mello, fotógrafo que esteve presente na invasão e fez importantes registros dos momentos vividos pelos estudantes na PUC-SP. Imagem: © Lídia Rodrigues de Castro Alves
Dos que resistiram à intolerância. Imagem: © Lídia Rodrigues de Castro Alves

Sobre o museu

O Memorial da Resistência é aberto de forma gratuita todos os dias, exceto às terças-feiras, das 10:00 às 18:00, podendo retirar os ingressos na recepção ou reservá-los pela internet. O local é de fácil acesso, tendo entrada direto pela estação da Luz na plataforma 1 da Linha 7 - Rubi, sentido Jundiaí, contando ainda com estacionamento para carros e bicicletas.

Tendo adotado o atual nome em 2009, o Memorial é o maior museu de história do país focado na memória política de luta pela democracia e das resistências no Brasil. Seus objetivos são valorizar a cidadania, a pesquisa e a educação por um olhar plural e diverso, não deixar que se esqueçam as atrocidades ocorridas na ditadura, e espalhar informação e história.

Alunos e professores da instituição, como Pollyana Ferrari do curso de jornalismo, visitaram a exposição. Imagem: © Victória da Silva
Ilustração sobre a iniciativa de reconstrução do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo). Imagem: © Victória da Silva
Parte da exposição que apresenta Nadir Kfouri e o incêndio no TUCA. Imagem: © Khauan Wood
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