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60 anos depois, a história se repete… ou quase

O que há em comum entre o Golpe Militar e o Atos Antidemocráticos de 8 de janeiro

Por Khauan Wood, Nathalia de Moura e Wanessa Campos

O ano de 1964 marcou uma virada histórica para o Brasil. Militares, apoiados por importantes setores da alta cúpula da sociedade, tomaram o governo com o objetivo de impedir a chegada do comunismo ao país, supostamente representado pelo governo do então presidente João Goulart (PTB). Passados 60 anos do golpe que instaurou o regime totalitário, centenas de pessoas foram às ruas a favor da intervenção militar, sob a mesma justificativa de conter uma ameaça comunista, agora representada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato eleito presidente da república em 2022.

Como iniciou o golpe de 64?

No dia 31 de março de 1964, as Forças Armadas foram às ruas com o objetivo de derrubar o governo de João Goulart, conhecido popularmente como Jango. Ao lado dos militares, latifundiários e grandes empresários compunham o grupo de conservadores contrários às Reformas de Base propostas pelo presidente. O projeto de Jango incluía alterações estruturais que contemplavam os setores eleitoral, educacional e, sobretudo, agrário. Segundo a oposição, as reformas de Goulart representavam uma ameaça comunista.

Os Estados Unidos também se opunham ao chefe de estado brasileiro e o consideravam um esquerdista radical. Os americanos financiaram, clandestinamente, grupos da oposição ao João Goulart e apoiaram campanhas de políticos conservadores com a finalidade de barrar os projetos do presidente.

O golpe de 64 levou à instauração da ditadura civil-militar, que se estendeu até 1985. Os anos do governo totalitário foram marcados pela perseguição aos opositores do regime e pela censura à imprensa e às manifestações artísticas de protesto.

Tanques saem pelas ruas do país. Imagem: © Acervo Arquivo Nacional

De acordo com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH-PR), nos primeiros meses de ditadura, cerca de 50 mil pessoas foram presas e 20 mil brasileiros foram torturados.

Um quase golpe em 2023

Após eleições presidenciais de 2022 consagrarem a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), sobre o então presidente Jair Messias Bolsonaro, filiado ao Partido Liberal (PL), apoiadores bolsonaristas acamparam em frente aos quartéis das Forças Armadas em mais de 20 estados brasileiros. Os manifestantes reivindicavam “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, incitação que, conforme o Código Penal brasileiro, configura-se uma conduta inconstitucional e portanto, uma ameaça à democracia.

Golpistas destroem prédio do STF. Imagem: © Marcelo Camargo/Agência Brasil

No dia 8 de janeiro de 2023, após dois meses de mobilização nos acampamentos bolsonaristas, milhares de pessoas foram às ruas de Brasília em direção à Praça dos Três Poderes, tomadas pelo anseio de fazer “justiça com as próprias mãos” e mudar o resultado das eleições. Os golpistas invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, quebraram paredes, invadiram salas de Ministros, depredaram vidros, picharam muros e desfiguraram o Plenário da Casa.

O Governo do Distrito Federal (GDF) e a Polícia Militar distrital não foram capazes de conter o ato antidemocrático, o que levou à Intervenção Federal na Secretaria de Segurança Pública do GDF, decretada pelo presidente Lula. O então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Capelli, foi nomeado para gerir a pasta no lugar do titular, o ex-ministro Anderson Torres. Um servidor da Polícia Federal afirmou à revista Fórum que, até o decreto da Intervenção, o golpe estava consumado.

Em entrevista ao Contraponto, o professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor do livro “As Forças Armadas e o Poder da Constituinte”, Pedro Fassoni, fez um comparativo entre o Golpe de 1964 e os Atos Antidemocráticos de 08 de janeiro. Para ele, no Golpe, havia um consenso interno nas Forças Armadas para a derrubada de Goulart, apoiada pela mídia hegemônica e pelo “baronato”, o que não ocorreu em 2023.

Perdão para quem?

A Lei da Anistia, decretada seis anos antes da redemocratização, perdoou crimes políticos cometidos durante a ditadura, assim como garantiu impunidade aos torturadores. Em 2024, a lei do perdão ainda é debatida. O ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por possível participação nos atos antidemocráticos, tem retomado discursos de apoiadores do regime militar para reivindicar anistia aos golpistas: “o que eu busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado”, afirmou durante uma manifestação em São Paulo, em fevereiro desse ano.

“A não concessão de anistia, neste episódio mais recente, é um compromisso com a justiça e com a busca da verdade, para que não se abra um precedente para outras tentativas [de golpe]”, declarou Fassoni. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem trabalhado nos processos de investigação e condenação dos golpistas. Até março deste ano, foram 145 condenados por participações nos atos, de acordo com reportagem do Jornal Nacional. Cada acusado teve sua situação analisada de forma individual, de acordo com as provas colhidas durante o processo.

Mesmo com a brava resistência de nossos antepassados, uma pequena parte barulhenta dos que agora vivem, clama pela volta do período mais violento da República Brasileira. Algo já anunciado na música de Belchior, interpretada por Elis Regina: “apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda vivemos como nossos pais”.

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