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BORDO LIVRE

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REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE
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EDITORIAL DESPEDIDA

JOÃO TAVARES

Aproveito, na derradeira e última vez, este espaço que me é concedido para apresentar os meus cumprimentos de despedida a todos aqueles de quem não tive a oportunidade de o fazer de uma forma pessoal como o gostaria de ter feito Mas as vicissitudes das despedidas são mesmo assim, e o marítimo aprendeu ao longo da sua vida que o que importa levar na bagagem é aquilo que tem valor Em mais de uma década de colaboração no COMM tive a oportunidade de conviver com os camaradas das diferentes

classes de oficiais e neste últimos anos, com a responsabilidade da Direcção, de os conhecer na sua essência Conheci pessoas extraordinárias que enriqueceram a minha experiência, outros que ajudaram a formar uma equipa sólida, outros que contribuíram e colaboraram para o crescimento do CLUBE e outros que foram fundamentais para enfrentar as adversidades que surgiram.

A todos eles, onde incluo também os colaboradores das diversas áreas, deixo aqui o meu agradecimento público pelo inestimável apoio que me deram em

todo o tempo e farei memória desses momentos recordando com afecto e estima tudo aquilo que vivemos A maré alta trouxe-me até ao COMM e com a maré baixa parto do COMM e me despeço.

E parafraseando um famoso romancista: “A despedida é necessária para que aconteça o reencontro E o reencontro após a passagem, é uma certeza para aqueles que são os verdadeiros amigos” Votos de Santas Festas e as maiores felicidades para o ciclo que se inicia no CLUBE.

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A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl172 HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2 ª , 3 ª , 4 ª , 5 ª , 6 ªF - das 15h00 às 18h00 A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137 SUMÁRIO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2022 DIRETOR Lino Cardoso COLABORARAM NESTE NÚMERO João Tavares, Bárbara Chitas, António Costa, Senos da Fonseca OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE10012022GSB2B/jan PROPRIETÁRIO/EDITOR Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781 www comm-pt org secretaria@comm-pt org CAPA @ Vasco Pitschieller DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE Editorial João Tavares Quais são os Rebocadores mais Poderosos do Mundo? António Costa Estórias da Companha Senos da Fonseca Mistérios do MarProfundo António Costa COMM Natura António Costa A Minha Visita ao S. Paio Senos da Fonseca Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas 3 6 8 10 16 20 23

TRIBUTO A MARÍTIMOS DE ÍLHAVO

PREFÁCIO

O livro Tributo a Marítimos de Ílhavo de Ana Maria Lopes surge-nos passados exatamente cinco anos sobre a edição de Tributo a Capitães de Ílhavo, igualmente no âmbito dum aniversário do Museu Marítimo de Ílhavo, também em data redonda, pelo seu 85º aniversário O carinho e interesse com que foi acolhida a edição de 2017 deixou a sensação de que mais cedo ou mais tarde um novo Tributo viria a público Não que houvesse o propósito ou a vontade de ser totalizante nas biografias a realizar, mas porque o instinto de pesquisa e gosto pela partilha que a autora sempre nos habituou o fazia prever. Os tempos pandémicos desaceleraram o seu trabalho de procura dedicada e sagaz, assim como inibiram a proximidade necessária com os descendentes dos biografados na pesquisa de registos documentais, fotográficos ou memórias familiares Deu-se o feliz acaso de concluir a última biografia a tempo de assinalar o 85º aniversário do museu

Este Tributo a Marítimos de Ílhavo não é meramente uma continuação do primeiro livro, em que as histórias de vida e de família se misturam com a memória da pesca do bacalhau e da comunidade ilhavense Se o formato biográfico, bem documentado com inúmeras fotografias inéditas, e o estilo memorial, alicerçado em factos históricos, nos levam a crer que sim, o conteúdo atribui-lhe outra dimensão.

Ao biografar outras categorias socioprofissionais da pesca do bacalhau, Ana Maria Lopes contribuiu para a pluralização das memórias da pesca do bacalhau Às biografias de dezoito saudosos Capitães juntou-lhes mais doze biografias de Motoristas, 1ª Linhas, Cozinheiros, Maquinistas e Contramestres, trinta homens de vocação marítima que contribuíram para a história da pesca do bacalhau e para afirmação da comunidade, caracterizando Ílhavo como terra de Capitães, mas sobretudo como terra de gentes do mar.

Este Tributo a Marítimos de Ílhavo vem enfatizar a noção de que a pesca do bacalhau foi e é feita de pessoas e que conhecê-las e dar-lhes voz é a melhor forma de contribuir para o conhecimento desta atividade de contornos épicos O Portal Homens e Navios do Bacalhau é a expressão máxima deste desígnio, onde se quer que todos estejam representados, relacionados e valorizados na sua individualidade, procurando que as memórias pessoais contribuam para a história comum O portal não é um mero repo-

sitório de dados históricos ou socio-profissionais. O portal é a ferramenta ideal para que o tipo de trabalho que Ana Maria Lopes aqui nos apresenta, sobre um lote circunscrito de homens, ganhe outra forma e dimensão. Nele podem ser inseridas biografias, memórias de família, registos documentais e fotográficos No fundo, o grande tributo dos que andaram ao bacalhau.

Por fim, felicito a Dra Ana Maria Lopes, por mais esta empreitada, que amavelmente me convidou para escrever o prefácio, e de ter confiado ao Museu Marítimo de Ílhavo a edição deste livro e a possibilidade de continuar a contribuir para um conhecimento mais profundo sobre a história e a memória da pesca do bacalhau Agradeço-lhe os projetos que valorizaram e ajudaram a divulgar as culturas marítimas e sobretudo o empenho e carinho que tem pelo nosso Museu

NUNO MIGUEL COSTA

Coordenador da Direção do Museu Marítimo de Ílhavo

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Muito se tem falado sobre rebocadores

ultimamente Em julho de 2022, o graneleiro Portland Bay ficou sem propulsão em águas revoltas, sendo salvo por três rebocadores a ½ milha de encalhar O Alp Guard e o Carlo Magno foram mobilizados para libertar o Ever Given do insólito encalhe no Suez. O Normand Drott levou o Eemslift Hendrika até segurança Quão poderosos são estes navios? E como podermos comparar estas “estrelas” aos rebocadores mais fortes do mundo?

A força de um rebocador é avaliada com base na sua força de tração Para o medir, o navio é amarrado a um posto de amarração resistente e o cabo de reboque é equipado com equipamentos de medição Depois é só colocar o hélice a funcionar e acelerar Em abril de 2021, devido a uma forte tempestade, a carga do M/V Eemslift Hendrika começou a mover-se e o navio ficou fortemente inclinado A tripulação foi resgatada numa operação espetacular O Normand Drott, de propriedade da Solstad, trouxe-o de volta até à segurança Com uma força de tração de 339 toneladas, este rebocador fica um pouco abaixo da lista dos 10 mais poderosos.

Um mês antes, o ALP Guard e o Carlo Magno, respetivamente holandês e italiano, foram os rebocadores responsáveis por fazer reflutuar o portacontentores Ever Given, no Canal de Suez Abaixo, listam-se os 10 rebocadores de águas abertas que, independentemente do objetivo para que foram construídos e o mercado em que operam, são, ao momento, os que maior bollard pull (força de tração) têm.

QUAIS SÃO OS REBOCADORES MAIS PODEROSOS DO MUNDO?

1º Island Victory: 477 mt

O Island Victory é um navio norueguês que entrou ao serviço no ano passado e pertence à frota da empresa Island Offshore O navio de manuseio de âncoras tem 123 metros de comprimento e 25 metros de boca A força de tração não é inferior a 477 toneladas métricas, tornando-o o navio mais poderoso do mundo, tendo a sua motorização uma potência instalada total de 31 483 kW (42 880 hp)

2º Far Samson: 423 mt

O Far Samson faz parte da frota da Solstad Este navio que navega sob pavilhão norueguês, tem uma força de tração de 423 toneladas métricas O navio foi construído em 2009 e tem 121,5 metros de comprimento e 26 metros de boca Até o ano passado, era o navio mais potente do mundo, com uma potência total instalada de 30 103 kW (41 000 hp)

3º Boka Falcon: 403 mt

O Boka Falcon, construído em 2011 e registo belga, é o navio mais poderoso da Boskalis Tem 93,40 metros de comprimento, 22 metros de boca e uma potência de motor de 21 961 kW (29 911 cv) Isso permite-lhe uma força de tração de 403 toneladas, o que o coloca no terceiro lugar da lista No ano passado, o navio foi reformulado no estaleiro Scheepswerf Reimerswaal, na Holanda.

4º Lewek Fulmar: 402 mt

Navegando sob registo panamiano, o Lewek Fulmar, com 402 mt, surge como número quatro da lista O navio tem as mesmas dimensões do Boka Falcon Isto porque o Boka Falcon já foi o Lewek Falcon e é do mesmo construtor do Lewek Fulmar Em termos de potência, os navios não diferem muito; o Lewek Fulmar tem 21 454 kW (29 220 cv) de potência instalada.

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5º KL

O KL Saltfjord da K Line foi entregue pelo estaleiro STX em 2011 A embarcação de abastecimento offshore e rebocador tem 95,20 metros de comprimento e 24 metros de boca Para atingir uma força de tração de 397 toneladas, o navio tem mais de 26.000 kW (36.000 hp) de potência de motor

O KL Sandejford pertence, igualmente, à K Line Assim como o gémeo Saltjford foi construído pela STX em 2011, tendo as mesmas dimensões e a mesma potência de motor No entanto, a força de tração é, ligeiramente, menor, ficando-se pelas 390 toneladas.

7º Skandi Hercules: 354 mt

Os navios que completam o Top 10 são todos navios Skandi, de propriedade do norueguês DOF. No entanto, estão divididos pelas DOF ASA e DOF Subsea Em termos de design, estes navios são semelhantes aos da K Line e também foram construídos no estaleiro STX.

O mais forte desta série é o Skandi Hercules Construído em 2010, tem 109,50 metros de comprimento e 24 metros de boca. A força de tração é de 354 toneladas, o que é alcançado com mais de 18 350 kW (25 000 hp) Permite acomodação para noventa pessoas

8º Skandi Vega: 350 mt

O Skandi Vega também foi construído em 2010 e, como atrás referido, é semelhante ao Skandi Hercules No entanto, a sua força de tração é ligeiramente menor, ficando-se pelas 350 toneladas. O seu DWT é de 4428 tons, também inferior aos 4960 DWT do Hercules

9º Skandi Skansen: 349 mt

O Skandi Skansen tem maior capacidade de carga que o Veja, com os seus 4982 DWT, não é mais potente Este navio de abastecimento foi construído em 2011 É ligeiramente menor do que os dois navios Skandi classificados na lista em 7º e 8º (107,20 x 24 metros) A potência total instalada é superior a 18 350 kW (25.000 hp).

10º Skandi Iguaça: 340 mt

O número 10 da lista é o quarto navio da família Skandi Construído em 2012, o Skandi Iguaça é o mais novo dos quatro e, também, muito menor (95 x 24 metros, 4700 DWT), com acomodação para sessenta pessoas a bordo No entanto, este “ pequeno ” ainda tem uma impressionante força de tração de 340 toneladas Tal como o Vega, pertence à frota da DOF ASA.

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Saltfjord: 397 mt KL Sandefjord: 390 mt

Pois: um dia teria de acontecer. O inverno ceder à sua bastarda violência A Costa-Nova, descubro agora, é louçã mesmo com a invernia; com a lareira acesa, ver o fustigo da chuva varrer a vaga, ler um bom livro, e estender a mão para um whisky suave (mesmo um four roses adocicado), e até um casmurro descrente, como eu, acredita que não havendo «deuses» mandantes, um homem pode-se revirginar, eu sei lá (?!), eternamente E em cada dia que amanhece querer ter a lua na palma da mão

Mas hoje acabou-se Salto para fora e logo deparo com uma cena de antologia: cinco bateiras «amarradas» aqui aos pedregulhos, atiram-se ao «ameijoal» que este ano parece semeado, mesmo à borda De «cabrita» ao ombro, num trabalho danado, cuspindo nas mãos de pele dura, vão lavrando o fundo da ria «Puxa», «cede», «puxa» …e aos saltinhos a «cabrita» varre o fundo Chegada à borda, virado o saco no tabuleiro, o labutante atira o mexoalho fora, para proceder, logo ali, a primeira escolha. Paro deliciado, embora interiorizando o esforço esgalmido do camarada Que feita a apanha ir receber´ escassos três/cinco «euritos» por quilo de amêijoa «macha» que, à falta de compradores espanhóis, este ano, se vende ao preço de «uva mijona» Bem… era tempo de ir ao encontro da Zefa e da Bernarda Com a minha paragem para apreciar a pescaria, elas já ali vinham E o encontro deu-se a «meia-água».

– Atão (?!) gentes: – dias destes, nem de encomenda Hoje é só azul, de azul Ficamos encharcados de tanta macieza… fui eu adiantando…

ESTÓRIAS DA COMPANHA

– Pois. Este tempinho do Senhor até nos brune por dentro Vá, axixe-se aqui que hoje trago-lhe uma estória e das boas – ó larilas

– Avance mulher. Desembuche que eu sou todo fiel de ouvidos Que os olhos perco-os na ria Vá que eu dou-lhe todo o meu crèto – Vá…então, olhe nos meus tempos de garota, na companha do Arrais Magano, havia um abegoeiro, murtoseiro rijo entroncado, já homem de idade meã, muito sério e conspícuo de palavras e actos, que vivia num recanto da abegoaria onde recolhia o gado, finda a faina, e aí, dele tratava Nas mãos do abegoeiro as juntas andavam num folgo vivo, duna abaixo, duna acima, numa guita do caraças De seu nome, de bautismo ou por crisma, conhecido por ti Brígido Ora na companha, andava uma rapariga, ou melhor, uma raparigaça, bonita, mançanzeira de face, esguia de corpo e abocada de ancas que balouçavam, pecadoras, no andarilho da lideira da escolha do pilado De seu nome e alcunha, Fernanda «a Fininha». Havia um zamparilha, um tal Albino «o Escuro», rapazote mal-encarado de vida ao rossaló, sem rumo e tino, tipo azedo e brigão, que por umas naifadas dadas numa briga, a um paciente, fora deportado para uma prisia lá do Porto E muito embora a Fernanda não lhe permitisse nenhum avanço, certo é que o Escuro desinquietava a rapariga, acoimando-a, impedindo-a por ameaços, que desse cúnfia fosse a quem fosse. Como se ela fosse propriedade sua Num fim de tarde, a horas de recolho para dar descanso ao corpo por umas escassas horas, na palha da abegoaria,

o Ti Brígido dera com «a Fininha» encolhida no areal, deitada de borco, chorando compulsivamente – Que é lá isso, raios ; porque estás para aí arrolada? inquiriu o Brígido.

– Ai deixe-me, tio, que a minha desgraça está escrita O «Escuro» irá cumprir a ameaça – Que me dizes? Atão esse xabuqueiro já voltou?

– Já E disposto a tirar-me a vida se eu não lhe entregar o meu corpo Que a minha alma, essa!, nunca será dele. Mais valia dá-la ao diabo, Ti Brígido Afaste-se de mim, santo homem! , desta desgraçada que parece que tem peçonha Olhe que ele pode vir aí cumprir a promessa, e atira-se a si – Isso é que era bom !!! vá anda daí E baixando-se, agarrou-a pelos ombros levantando-a facilmente, levando-a para o palheirão Depois de a acomodar, foi ao borralho de onde tirou uns peixitos que aloiravam no brasido ateado A Fernanda recuperara o ânimo, e contara ao Brígido, em pormenor, a tragédia do seu viver De repente ouvem-se socadas violentas no portão do palheirão

– Quem é lá, a besta que escoiceia assim? – atira o abegoeiro

– Veem ! …já me reconheceu diz o alarve d’o «Escuro» para a camarilha Abra a porta que eu sei que está aí com a Fernanda; ou ponho-a abaixo Vou aí e espeto os dois.

O Ti Brígido abre o portal, e do alto da sua figura larga e emproada, olhos mansos mas a despedir chispa com a zanga, marmeleiro erguido, olha o «Escuro» que se fazia acompanhar por dois gálicos mal-encarados Ao verem a cara de poucos «amigos» do homenzarrão – só agora repararam que o Brígido

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não é um homem correntão –, instintiva e medrosamente arrecuam – Olhai bigorrilhos: ides entrar e ver se está a Fernanda (que entretanto mandara esconder-se no rolo do cordame do reçoeiro) E se não estiver, vamos tratar do assunto e acabar com a fanfarronice de vez Ides zangalhar ao som do marmeleiro, que tenho o fole cheio de tanta avaria

O «Escuro» e acólitos entram, olham, olham e nada – Bem: astão, vamos lá fora.

O «Escuro nem espera E rapando da naifa, gritou: – Vou-lhe escachar a alma desgraçado

O Brígido, rápido, tira do marmeleiro com ponta a luzir, e aponta à orelha do berrega, escarchando-o de alto abaixo «O Escuro» cai redondo como perdiz atingida por tiro certeiro Sem hesitar, marmeleiro zune e bate certeiro, ora num, ora nos outros bardais. Agarrando o «Escuro» pela piolheira ergue-o e dispara: – Se voltas a pôr os pezunhos na companha esgalho-te de alto abaixo. Agora foi só a amostra Da próxima, rapo da foice de dar palha aos bois, corto-te por onde mijas, e penduro-te nos cornos do «Asdrúbal» (que era o cobridor da abegoaria, manso de farta e recurvada cornadura, bem afiada de pontas) Sim, quando me decidir, limpo-te.

Com uns valentes pontapés e pauladas corre com o grupelho E o certo é que o «Escuro», bem aconselhado sobre, afinal, quem era aquele homem solitário, vindo lá da Murtosa: que bom por bom, era bom, como mar manso Mas por mau, deus nos livre: era um toiro desembolado. O «Escuro» bem-

avisado, desapareceu de vez do acampamento dos Xávegas

A vida continuou, a «Fininha» foi-se afeiçoando em silêncio àquele «santo homem», até que um dia o Brígido lhe atira:

– Olha Fernanda; eu estou para aqui sozinho E se viesses viver comigo sempre nos amparávamos, um ao outro Mas se vieres, só depois de juntos por Deus Queres?

– À ti Brígido: eu, pouco a pouco, fuime aquietando e afeiçoando a si, bom home Há benícias que gosto de si Eu querer, queria E já! mas sabe que o Padre Jerónimo é muito esquisito É um inxum, que não casa murtoseiros com gente de cá Diz que não quer misturas de vinhos – Ah não?! Então vamos lá E lá foram Na capela onde a «Senhora da Saúde», substituíra o S Pedro, como orago local, estava o sacrista d’«o Bexigoso». E na sacristia o frei Jerónimo O Brígido com «a Fininha» pela mão, entra E resoluto diz ao pobre sacrista: – Salta lá para fora e dá cá a chave da casa Não foi preciso repetir «O Bexigoso» : ala que se faz tarde Fechando o «portaló» da Senhora, o Brígido chama o F. Jerónimo. Que comparece, lépido, ao ouvir a voz de trovão no templo: – Olhe, abade Jerónimo: à face da lei do Senhor que nos vê, despache-se e casenos Depressa A porta está fechada E vossemecê, ou escolhe a bênção, ou vai depressa é direitinho para os anjinhos Ou de muletas para o inferno, se não me fizer a vontade Basta uma cruz sobre a gente, dois pai-nossos, e umas lengas-lengas de faladura E pronto Chega. E olhe : acabada a cerimónia vá

mudar de batina que a «maré» chegoulhe aos ditos Inté’ prece que nem acredita no que prega, e afinal o céu nem boa coisa é para morar E ainda que trémulo e gago, o fradoco consuma o enlace cristão --------------------------------------

E assim, diz a Zefa, chegámos ao fim da «estória» que afinal teve um fim feliz O que é raro, digo-lhe eu – Pois: o Brígido que ainda tinha nele muito de homem – não sei se me entende? – (entendo, entendo, disse-lho eu ) – ainda fez dois filhos à «Fininha” Mulher respeitada, que depois da morte do Ti Brígido, pôs mãos à empresa, e foi a primeira «abegoeira» cá do sítio Não havia mulher mais governadeira e despachada E sempre pronta a tirar do mealheiro, para acudir aos que mais precisavam Quanto ao «Escuro» foi um ar que lhe deu. Parece que se meteu noutra desgraça, e foi degredado para África O +Escuro» que devia ser filho de marroquino aqui naufragado, dada a sua tez, pouco se distinguia dos de lá

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Em 1986, um mergulhador que procurava um bom local para observar tubarõesmartelo, na costa das Ilhas Ryukyu do Japão, encontrou uma paisagem subaquática extraordinária A área, supostamente, parecia uma antiga vila submersa, com degraus, buracos e triângulos, aparentemente esculpidos nas rochas Desde que foi descoberto, a polémica rodeou o achamento, que ficou conhecido como Monumento Yonaguni. Pouco tempo depois, um grupo de cientistas dirigido por Masaaki Kimura, da Universidade dos Ryūkyūs, visitou as formações e concluiu que se tratava de um ambiente claramente feito pelo homem,

MISTÉRIOS DO MAR PROFUNDO O MONUMENTO YONAGUNI

talvez uma cidade com milhares de anos e afundada por um dos terremotos que assolam a região – ele acredita que foi construído por volta de 10 000 aC Alguns dos que estudaram a formação, como o geólogo Robert Schoch, da Universidade de Boston, afirmam que é provável que seja natural, sugerindo que é um fenómeno geológico natural refletindo a estratigrafia (camadas) de arenito numa área com atividade tectónica. As formações estão localizadas abaixo do penhasco de Arakawabana (Yonaguni: Araga-bana), que é a ponta sul da ilha de Yonaguni, com a sua face principal orientada para sueste

Desde então, a formação tornou-se uma atração relativamente popular para os mergulhadores, apesar das fortes correntes locais Como a área está aberta a mergulhadores, os mais curiosos podem usar escafandro e decidir por si próprios se o que veem é trabalho humano ou da natureza

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Conhecido como Estruturas de Yonagui, é uma formação rochosa submersa na costa de Yonaguni, a mais meridional das ilhas Ryukyu, no Japão

KRAKEN

Ao longo de centenas de anos, os marinheiros contaram histórias sobre uma descomunal criatura marinha, com enormes tentáculos e conhecida como Kraken As histórias sobre o mítico Kraken começaram por surgir na Escandinávia no século XII e, em 1555, o cartógrafo sueco Olaus Magnus fez o relato de uma criatura marinha com “chifres longos e afiados em volta, como uma árvore encimada por enormes raízes: tem dez ou doze côvados de comprimento, muito pretas e com olhos enormes ”

O côvado foi uma medida de comprimento usada por diversas civilizações antigas Era baseado no comprimento do antebraço, da ponta do dedo médio até o cotovelo O côvado real dos antigos egípcios media 50 cm O dos romanos media 45 cm

As histórias persistiram, muitas vezes mencionando uma criatura tão grande que parecia uma ilha No seu livro The Natural History of Norway (publicado em 1755) o historiador dinamarquês Erik Ludvigsen Pontoppidan descreveu o Kraken como “incontestavelmente, o maior monstro marinho do mundo”

Os cientistas alvitram que essas histórias podem derivar de avistamentos de lulas gigantes (Architeuthis dux), embora também tenham existido evidências de uma lula colossal ainda maior, mas extremamente elusiva (Mesonychoteuthis hamiltoni) A lula colossal é encontrada na parte mais profunda do Oceano Antártico, circundando a Antártica, acreditando-se que tenha até 14 metros de comprimento e 500 quilos O problema é que o animal é tão raro que pouquíssimos espécimes foram encontrados intactos e nenhum espécime vivo jamais foi avistado, o que significa que calcular o seu tamanho exato é difícil.

(1801)

Os pesquisadores também notaram que foram observados cachalotes com grandes cicatrizes e sugeriram que isso poderia ser o resultado de encontros violentos com a lula colossal, que é conhecida por ter ganchos giratórios afiados nas pontas de seus tentáculos

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Desenho de Pierre Denys de Montfort
representando um Kraken

O BLOOP – MISTÉRIO RESOLVIDO

Ao longo dos anos, os oceanos produziram vários sons estranhos e muitas vezes inexplicáveis Em 1997, pesquisadores da NOAA, que estudavam a atividade vulcânica subaquática com recurso a hidrofones (microfones subaquáticos), notaram uma série de ruídos extremamente altos e poderosos no Oceano Pacífico O ruído incomum entusiasmou os pesquisadores, que logo o batizaram de “The Bloop”, em referência ao seu som único e profundo O Bloop é um som submarino de frequência ultrabaixa extremamente poderoso Abundavam as teorias sobre a origem do Bloop – instalação militar secreta, ecos do motor de um navio ou uma enorme criatura marinha A sugestão mais fantasiosa veio dos fãs de H. P. Lovecraft (escritor de ficção científica) que asseguravam vir o barulho de uma zona ao largo da América do Sul, onde havia afundado a cidade submersa fictícia de R'lyeh. Afirmavam que o Bloop pode ter originem na criatura marinha "morta, mas sonhando" de Lovecraft, a Cthulhu

Em 2005, no entanto, os cientistas descobriram que o som misterioso era, na verdade, o ruído feito por um icequake – um sismo na calote gelada, que ocorre quando um iceberg se desprende de um glaciar Nota: R'lyeh é uma cidade perdida fictícia descrita no conto de H P Lovecraft "The Call of Cthulhu", publicado em Weird Tales, em fevereiro de 1928

Foi captado um barulho pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) em 1997 que desconcertou os cientistas durante anos

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O KAZ II

O Kaz II foi um iate que, em 2007, zarpou da Austrália Era tripulado por três marinheiros e, misteriosamente, encontrado à deriva com o motor ainda ligado, um laptop ligado e uma mesa completamente posta, sem nenhum sinal de violência ou desalinho... à exceção do desaparecimento da tripulação! Quando foi encontrado ao largo da Grande Barreira de Corais da Austrália, à deriva e sem ninguém a bordo, foram muitas as teorias levantadas sobre o que poderia ter acontecido com os seus três tripulantes de meia-idade Houve quem sugerisse que o skipper, Des Batten, e os irmãos Peter e John Tunstead haviam encenado o seu próprio desaparecimento para fins de seguro ou sofreram nas mãos de contra-bandistas de drogas ou, até, piratas Uma das teorias mais extravagantes era que algum tipo de evento paranormal teria acontecido a bordo do catamarã e, inevitavelmente, foram feitos paralelis-mos com a tripulação perdida de outro navio "fantasma", o Mary Celeste. Entretanto uma investigação independente, levada a efeito por um detetive forense, concluiu que os três amigos morreram afogados num acidente estranho, durante o que deveria ter sido a viagem das suas vidas, embora os seus corpos nunca tenham sido encontrados O trio desapareceu após zarpar em 15 de abril do ano 2017 para uma viagem planeada de dois meses, com destino à Austrália Ocidental, onde todos viviam Três dias depois, o iate pintado de branco foi encontrado à deriva e com uma vela rasgada a cerca de 90 milhas a nordeste de Townsville, perto das ilhas Whitsunday.

O motor estava ligado, uma xícara de café por metade e um laptop estavam sobre uma mesa, um jornal aberto com algumas páginas espalhadas pelo chão e roupas empilhadas sobre um banco Os homens tinham partido com uma grande reserva de comida, três caixas de cerveja, uma espingarda de calibre 44 e 100 cartuchos de munição O detetive forense concluiu que as evidências apresentadas durante o inquérito, o levaram a concluir que "uma infeliz série de eventos" se abateu sobre o trio de marinheiros, relativamente, inexperientes

A 18 de abril de 2007, a tripulação de um helicóptero de vigilância avistou um catamarã à deriva a quase 90 milhas da costa de Queensland, na Austrália, na área da Grande Barreira de Corais

No cenário que apresentou, um dos irmãos terá tentado soltar uma linha de pesca que se enrolou na hélice do iate e, quando a tentava libertar, terá caído ao mar. O outro irmão, na tentativa de o resgatar, terá também caído

O Sr Batten, então, terá tentado reduzir pano para poder dar meia-volta e recuperar os dois amigos mas, uma mudança na direção do vento, terá provocado o movimento descontrolado da retranca que, ao balançar, o terá projetado no mar

A 18 de abril de 2007, a tripulação de um helicóptero de vigilância avistou um catamarã à deriva a quase 90 milhas da costa de Queensland, na Austrália, na área da Grande Barreira de Corais

"Depois de os três homens estarem na água, havia muito poucas hipóteses de conseguirem voltar para o barco", disse ele "Nenhum deles era um bom nadador, o mar estaria agitado, eles teriam ficado, rapidamente, exaustos e afundaram sob as ondas Embora se não possa excluir a possibilidade de um tubarão os ter atacado, o afogamento será a causa mais provável de morte " O detetive acrescentou não haver evidências de envolvimento de terceiros no desaparecimento dos marinheiros e observou que não houvera transações suspeitas nas respetivas contas bancárias.

Depois de tanta especulação, continua envolto em mistério o que aconteceu aos homens

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O TUBARÃO CANIBAL GIGANTE

Em 2003, os cientistas decidiram marcar um grande tubarão branco de 3 metros de comprimento para estudar as mudanças de temperatura no oceano Estranhamente, vários meses depois, a etiqueta que registava as informações foi encontrada na costa Quando os investigadores olharam para as informações da tag, ficaram surpreendidos

Cerca de quatro meses após que a colocação da etiqueta, o tubarão parece ter mergulhado a cerca de 600 metros, o que sugere que fora atacado e comido por algo. Mas o que poderia ter comido um grande branco de 3 metros? Um tubarão ainda maior, dizem alguns cientistas A etiqueta, inicialmente fixada em novembro de 2003 no sudoeste da

Austrália, foi definida para registar a temperatura ambiente e profundidade. Os seus dados mostraram que, quatro meses após ser fixada, a fêmea de tubarão-branco mergulhou, abruptamente, a uma profundidade de 580 metros A temperatura ambiente em redor da etiqueta aumentou de 8°C para 26°C Os dados sugerem um ataque Os especialistas afirmam que o ter sido um grande branco a devorar a fêmea desaparecida não está fora do leque de possibilidades O canibalismo entre tubarões é bastante comum, em jovens e adultos Mas uma explicação mais provável para os dados surpreendentes da marcação, segundo eles, é que a fêmea de tubarão-branco possa ter sido alvo de

uma baleia assassina E acrescentam: as temperaturas do estômago do tubarão branco são da ordem dos 18°C aos 21°C", talvez menos, em grandes profundidades de água fria, logo, inferior à temperatura registada na etiqueta. O único outro animal que tem uma temperatura ambiente interna superior é a baleia assassina As suas temperaturas internas são de cerca de 32°C.

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Dados surpreendentes de uma etiqueta rastreadora podem ser evidência de canibalismo entre grandes tubarões brancos na costa da Austrália

COMM NATURA ZONAS MORTAS DO OCEANO

O número de "zonas mortas" nos oceanos quase duplicou numa década, demonstrando o "fracasso generalizado" de proteção dos mares e a necessidade de novas metas globais "ambiciosas", afirmou o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres.

"Os especialistas atribuem esse aumento ao nosso fracasso generalizado em conseguir uma gestão sustentável integrada das costas e dos oceanos", disse Guterres Mas, o que são, o que as define e causa e qual o seu impacto?

Uma zona morta é uma área do oceano com níveis muito baixos de oxigénio Em todos os oceanos do mundo, existem muitas zonas mortas onde a maioria da vida marinha não pode sobreviver Estes são o equivalente oceânico a um deserto quente, com biodiversidade reduzida devido às condições extremas.

Embora essas zonas mortas se possam formar naturalmente, a grande maioria está ligada a práticas agrícolas em terra ou aos efeitos das alterações climáticas

As zonas mortas são péssimas notícias para a biodiversidade marinha, pois destroem, efetivamente, o ecossistema dentro da área afetada Têm, ainda, o potencial de destruir economias ao impactar a disponibilidade de “frutos” do mar como fonte de rendimento e alimento Estima-se que, em todo o mundo, três mil milhões de pessoas dependem de frutos do mar como principal fonte de proteína.

COMO SE FORMA UMA

ZONA MORTA NO OCEANO?

São dois os principais tipos de formação de uma zona morta no oceano:

1ª Por Poluição

As nossas vias fluviais correm o risco de poluição de uma ampla gama de fontes, incluindo fertilizantes e pesticidas da agricultura terrestre Outros poluentes chegam ao oceano a partir de águas pluviais e esgoto

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) estima que 65% das águas costeiras e estuários em redor dos

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EUA são afetados por nutrientes excessivos de atividades terrestres A entrada desses nutrientes inicia um processo conhecido como eutrofização Se for aplicado muito fertilizante, as plantas não o conseguem absorver totalmente, pelo que permanecem no solo Quando chove, o fertilizante é levado para os cursos de água e, parte dele, desagua no mar Quando o excesso de nutrientes da poluição, incluindo nitrogénio (azoto) e fósforo, entra nos cursos de água, estimula o crescimento de algas, criando uma proliferação de algas. Isso leva a uma queda acentuada os níveis de oxigénio, o que pode criar as condições que levam à formação de uma zona morta Algumas florações de algas, incluindo aquelas que contêm cianobactérias ou algas verde-azuladas, também podem conter níveis perigosos de toxinas, sendo classificadas como proliferação de algas nocivas (HAB – harmful algal bloom) Além de afetar o oceano, essas algas podem chegar à costa e representar um perigo para pessoas e animais a elas expostos À medida que a grande quantidade de algas morre, começa a afundar em águas mais profundas, onde a decomposição das mesmas aumenta o consumo biológico de oxigénio, num processo que remove grandes quantidades de oxigénio da água Em simultâneo, aumenta os níveis de dióxido de carbono, o que reduz o pH da água do mar Qualquer vida animal móvel dentro dessa água sem oxigénio, ou hipoxia, nadará para longe se puder. A vida animal imóvel morre e, à medida que se decompõe e é consumida pelas bactérias, os níveis de oxigénio na água caem ainda mais Quando a concentração de oxigénio dissolvido cai abaixo de 2ml por litro, a água é classificada como hipoxia As áreas do oceano que sofreram hipoxia são classificadas como zonas mortas.

2ª Por Alterações Climáticas

Os cientistas sugerem que existem muitas e diferentes variáveis das alterações climáticas que, também, têm a capacidade de afetar a formação de zonas mortas Nelas se incluem alterações de temperatura, acidificação dos oceanos, padrões de tempestades, vento, chuva e aumento do nível do mar Pensa-se que estas variáveis atuam, em conjunto, para contribuir para o aumento observado no número de zonas mortas a nível global. Águas mais quentes retêm menos oxigénio, pelo que aí as zonas mortas se podem formar mais facilmente Essas temperaturas mais altas também

reduzem a mistura oceânica, o que pode ajudar a trazer oxigénio adicional para áreas esgotadas.

As zonas mortas podem-se formar, sazonalmente, devido à alteração de fatores como a mistura da coluna de água. Por exemplo, a zona morta do Golfo do México tende a formar-se no início da primavera e a dissipar-se no outono, à medida que a coluna de água sofre uma mistura crescente, durante a estação das tempestades tropicais

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O IMPACTO

DAS ZONAS MORTAS

Embora as zonas mortas sejam uma característica dos nossos oceanos há milhões de anos, elas estão a piorar Pesquisadores e cientistas descobriram que, nos últimos 50 anos, houve uma diminuição de 2% nos níveis de oxigénio dissolvido no oceano aberto Estima-se que que se venha a reduzir de 3% a 4% até 2100, se não forem tomadas medidas para reduzir a poluição oceânica, bem como os impactos das alterações climáticas, como o aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. À medida que as zonas mortas se vão formando no oceano, elas têm o potencial de afetar a saúde geral dessas águas, bem como a dos animais e pessoas que delas dependem

1ª Impactos Ambientais

Peixes e outras espécies móveis, geralmente, nadam para fora de uma zona morta, deixando para trás espécies imóveis, incluindo esponjas, corais e moluscos como mexilhões e ostras Como essas espécies imóveis também precisam de oxigénio para sobreviver, elas morrerão lentamente e a sua própria decomposição reduz os já baixos níveis de oxigénio presentes

A hipoxia – níveis insuficientes de oxigénio – atua como um desregulador endócrino nos peixes, afetando as suas capacidades reprodutivas Baixos níveis de oxigénio têm sido associados à redução do desenvolvimento gonadal1 , bem como à redução da qualidade de espermatozoides e óvulos, taxas de fertilização, sucesso de eclosão e sobrevivência de larvas de peixes. Moluscos, crustáceos e

1 Período do desenvolvimento embriológico em que há o começo do desenvolvimento das gônadas, testículos e ovários

equinodermos são menos sensíveis a baixos níveis de oxigénio do que os peixes, embora as zonas mortas tenham sido associadas ao reduzido crescimento de camarão mouro (ou castanho)

A perda de oxigénio no fundo do oceano pode levar ao aumento da produção dos gases de efeito estufa, óxido nitroso, metano e dióxido de carbono Durante eventos de mistura oceânica, aqueles podem atingir a superfície e serem libertados

Os pesquisadores também suspeitam que a presença de zonas mortas pode estar ligada à morte, em massa, de recifes de coral nas áreas afetadas A maioria dos projetos de monitorização de recifes não mede, atualmente, os níveis de oxigénio, portanto, o efeito das zonas mortas na saúde dos recifes de coral estará, provavelmente, subestimado atualmente

2ª Impactos Económicos

Para os pescadores, que dependem do oceano como meio de subsistência, as zonas mortas causam-lhes problemas, obrigando-os a viajar mais longe da costa para tentarem encontrar áreas onde os peixes se reúnam Para alguns barcos pequenos, essa distância adicional é impeditiva Os custos extras de combustível e pessoal para alguns barcos, também tornam impraticável viajar distâncias maiores.

Peixes maiores, como espadim e atum, são extremamente sensíveis aos efeitos de oxigénio reduzido, por isso podem deixar os seus locais de caça tradicionais ou serem forçados a entrar em camadas superficiais menores de água, mais rica em oxigénio

Cientistas do NOAA estimam que as zonas mortas custam às indústrias de produtos do mar e turismo dos EUA cerca de US$ 82 milhões por ano Por exemplo, a zona morta no Golfo do México tem um forte impacto económico na indústria pesqueira, ao aumentar o preço do camarão, em virtude de na zona morta, os espécimes capturados são menores em comparação com águas mais longínquas.

AS ZONAS MORTAS PODEM RECUPERAR?

O número total de zonas mortas oceânicas tem aumentado de forma constante e agora há quatro vezes o número de zonas mortas em comparação com a década de 1950. O número de zonas mortas costeiras com escoamento de nutrientes, matéria orgânica e esgoto como a principal causa aumentou dez vezes.

A boa notícia é que certas zonas mortas podem recuperar se tomadas medidas para controlar os impactos da poluição Já as zonas mortas formadas pelos efeitos

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das mudanças climáticas podem ser mais difíceis de resolver, embora a sua extensão e impacto possam ser retardados. À medida que os países começam a perceber o enorme impacto negativo que as zonas mortas podem ter, são cada vez mais as medidas implementadas para reduzir a sua ocorrência Por exemplo, os países em torno do rio Reno, na Europa, concordaram em agir, conseguindo a redução de 37% dos níveis de nitrogénio que entram no Mar do Norte

Aquicultura de Mariscos e Remoção de Nutrientes

Moluscos bivalves como ostras, amêijoas e mexilhões podem desempenhar um papel importante na remoção do excesso de nutrientes, pois filtram água num processo conhecido como bio-extração Pesquisas realizadas pela NOAA e pela EPA2 descobriram que o cultivo desses moluscos, com recurso à aquicultura, pode oferecer não apenas uma melhor qualidade da água, mas também uma fonte sustentável de produtos de mar.

Melhores práticas de gestão A EPA publica estratégias de redução de nutrientes, projetadas para promover as melhores práticas quando se trata de reduzir os níveis de nitrogénio e fósforo Estas estratégias são variáveis de acordo com a situação, incluindo ações como limitar os níveis de ingredientes específicos em fertilizantes, implementar práticas apropriadas de gestão de águas pluviais e usar as melhores práticas agrícolas para reduzir a poluição dos cursos de água por aqueles componentes

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2 U S Environmental Protection Agency

Segunda-feira, mal ataviado e mal informado, procurei, contudo, não faltar ao encontro anual com o Orago Desamoirei o «Costa-Nova», essa beleza de bote de fragata (já agora aqui fica a informação, pois andam sempre a perguntarme que tipo de barco é aquele), icei velas e, toque-toque – no caso bole-bole que o vento estava mareiro- em duas horas e meia atracava o “Costa Nova”, ao cais dos pescadores, na Torreira A meio da singradura, na ilha da Testada descobri dois enormes bandos de flamingos que, sossegados – tão sossegados que nem reagiram ao meu pum-pum! para ver se os fazia levantar, e assim admirar o deslumbrante espectáculo daqueles pernas longas, rosados, flaps em baixo, a ganhar altura – procuravam a mariscada que lhes dá os salpicos da plumagem Chegado á Torreira, o foguetório estreloiçava no ar, avisando que a festa ainda ia a meio E a procissão, também, pensei eu de que Amainadas as velas, trincados os cabos, arrumadas as tralhas, fechados os paióis de proa e ré, olhei espantado para uma série de bateiras embandeiradas que se

A MINHA VISITA AO S. PAIO

faziam ao regresso Interrogado um amigo com quem regateei (?!), em tempos, no Moliceiro «O Ilhavense» - paz á sua alma e a quem assim ordenou o seu fim, o de apodrecer no cais da Bruxa – fui informado que a regata dos «Chinchorros» em que eu pretendia participar, horsserie, se tinha realizado no sábado Bem, engano por engano - um homme nasce p ’ ra ser enganado, se for que não se importe

Cangas há muitas! dizia o Felisberto, «Ógado da Inês «Mamalhuda» – que até de vaca era corno! Decidi render de imediato visita ao S Paio, não fosse ele levar a mal, a falta de urbanidade Com santos, nada há como os não indispor Zangados podem atirar cá para baixo, alguma maroteira

A procissão, essa, já não ia no adro, pois tinha feito o seu percurso Os andores jaziam já encanteirados dentro da igreja, ainda exuberante e prodigiosamente floridos, exibindo, ao lado, um dístico: Proibido roubar flores. Sem mais. Que raio, interroguei-me eu Lá que se roube um Multibanco, eu compreendo Mas uma flor(?) Uma flor: - flor Não

das outras, está bem de ver! Se ali estivesse a Manelinha Leite, aproveitava para afirmar com aquele ar de beata empedernida: - a onda de criminalidade já chegou ao interior dos lugares de culto, tudo por culpa desses maçons socráticos.

E foi então, aí, que vislumbrei o S Paio Não o o pequeno e mulato S Paio, avinhado como uma linguiça, escurecido por tanto baptismo com tintol.

Este Orago tem uma história

A Torreira (meados séc XVIII) é um pouco mais nova que a Costa-Nova Começou por ser um ponto do litoral onde se empregou a Xávega Ora, conta a tradição que, um dia, na coada de uma das artes, terá vindo arrolado um santinho de pau, com rosto de criança Logo foi adoptado para orago, por aquela gente da borda Companhas sem orago, não puxa remo O ser o orago, uma criança, até teria as suas vantagens, deveriam ter pensado aquelas gentes Mas para o que eu não encontro explicação, é para o facto da tradição mandar verter almudes de vinho sobre a criança-santo, despejando-os pela cabeça abaixo do pobrezito A tal ponto que as faces rosadinhas tomaram uma cor arroxeada que mais parece provocada por cirrose de figadeira empapada em vinhaça, a que só falta, uma cebolada, para dele fazer umas excelentes iscas

Ora o S Paio é santo de muita devoção lá para a Galiza E eu acredito que, aqueles que trouxeram as Artes Grandes, no séc XVIII, para estas bandas, teriam trazido com eles o santinho, dando conta do seu feitio milagreiro A entrega do santo deveria ter tido festa de arromba. E copos a mais Às tantas foi um banhada E daí a tradição foi o que foi Mas ao que parece, já não é

Voltemos ao rendez-vous:

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Os flamingos

No andor estava o Orago que, muito embora exiba a cara de menino, tem um corpo de rapaz espigadote Estive tentado a dizer-lhe: -Vai chamar o teu irmão mais novo Mas como nisto de falar com santos, não sei em que dialecto se faz, decidi antes inquirir uma santa, que, ajoelhada em frente do irmão mais velho, se lhe encomendava, confiadamente – Olhe por favor, não me sabe dizer o que é feito do santinho «bebedola»? – Está guardado – Então porquê? Não me diga que têm medo que o roubassem adiantei eu, com cara de santa ingenuidade – Pois olhe o senhor, que até «assucedeu», uma vez Uns «escaramentados velhacos», quiseram levá-lo p’rá Aveiro Mas não é por isso É que faziam –lhe uma tropelias e o Sr Prior achou por bem acabar com elas O santo não compareceu ao encontro, não por sua culpa, que até devia de gostar desta visita de um ateu, respeitoso, seu conhecido e com quem mantém bom relacionamento desde há mais de cinquenta anos Paciência Como habitual dei uma volta pelo arraial da feira antes de entrar numa das muitas tasquinhas para a bacalhauzada do costume São dois quilómetros de barraquinhas das vendas Tudo de marca(?!): malas Versage, óculos Raybam, camisolas La Coste, Calvin Kleiner, etc. etc. Este ano proliferavam, contudo, os hair dressers a anunciar: Fazem-se TERERÉS e RASTA

Nas vendas de roupa, por todo o lado se exibiam body’s para todos os gostos e tamanhos: vermelhinhos como as «papoilas saltitantes» do Benfica, negros como a Briosa, ou branquinhos como as pombas que pretendem engaiolar Dei comigo a apreciar como uma Murtoseira avantajada, daquelas que só debaixo de um capote de Varino disfarça

DIREITA: O S Paio (espigadote)

BAIXO O «Costa-Nova»

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CIMA: Cangas (inspiradores dos brochados do "Moliceiro")

os refegos, mirava e remirava, tirando medidas a um dos vermelhos, tipo fio dental Não entendi lá muito bem – ou imaginei - como seria a avantajada moçoila, vestida (despida), com o bodesão a conformar-lhe as regueifas Ainda se fosse às riscas O que estaria ela a pensar fazer com aquele body extra largo? Dei tratos de polé á minha imaginação, que dizem fértil, a pensar no que seria o ataque do bode (salvo seja) Mas a verdade é que, na feira, se encontra tudo.

Por exemplo: - eu que me vejo atrapalhado sempre quero comprar uns boxers (fino não é?!) -XL, lá, tinha ao dispor a medida XXXL. A 5€ a molhada. Não podia perder a oportunidade, até porque a marca era convidativa: «DESPERADO», assim mesmo Elucidativo e apelativo para aqueles momentos , em que, um home se

vê com as ditas na mão… Adiante que estamos a falar de coisas sérias Regressei ao cais Foi aí que deparei com um grupo especado, embasbacado, contemplando o «Costa-Nova». Claro que quando cheguei meteram conversa, inquirindo onde tinha eu ido buscar aquela maravilha Palavra puxa palavra, e eis que do grupo, há um velhote simpático que me atira: – Pena é que tenha sido pintado «à moliceiro» Foi lamiré bastante para eu já o não largar – Então mestre diga-me porquê – Olhe: – ali e ali faltam os botões de rosa; ali, àquelas letras falta-lhe ressaimento, e no painel de popa falta a corda da embelezadura E a bica não é pintada em preto Fiquei espantado: andei eu na semana passada a dilucidar sobre as diferenças,

levando horas a ensaiar a dissertação, e o homenzinho, um pintor de “Varinos”, “Faluas” e “Fragatas”, explica-me, ali, tudo bem explicado, em duas penadas Exactamente como eu pensava ser As diferenças são, de facto, abismais.

Então abri o jogo e lá lhe expliquei que eu sabia a diferença Só que não podia levar o barco todos os anos à Moita para ser pintado por mestre. E assim, tinha-me socorrido do que havia (do melhor!) por cá Como não havia outros para comparar, fiquei-me pelos mestres de cá, e o barquinho faz um vistão. Pudera… Conversa puxa conversa, e quando dou comigo – e com o «Costa-Nova» - velas içadas, ambos desejosos de regressar para trazer cumprimentos do orago à Srª da Saúde,o CN estava em seco: encalhado, abusacado no lodaçal – Estou bem aviado, pensei Agora vou passar aqui a noite Resolvido lá me atirei para o lodo E zás: fui por ali abaixo Espetado até à cintura, eu já queria era, ao menos, saltar para dentro da embarcação Mas o que vale é que por aquelas bandas tenho muito gente conhecida Lá vieram quatro murtoseiros, safar-me: -a mim e ao «Costa Nova».

A calmaria apanhou-me entre águas, e lá arrolei com a maré e com um sopro de vento, até ao CVCN

Lancei mourão às dezanove. Tempo de tirar as arrufadas da bica da proa Descontraidamente lá vim para casa, todo sujo de lodo, quando ouvi uma voz: -Onde é que vai de cuecas?!

Então não era mesmo verdade que despidos os calções por causa do lodaçal, eu nem tinha dado que vinha naquele preparo!....

Ao menos se estivesse atento, tinha calçado as «Desperadas»

Cumpri a minha promessa As contas com este "santinho". ficam em dia

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OS JOVENS E O MAR

Updates do Vasco da Gama: No último Bordo Livre falei-vos que estou neste momento embarcada no navio Vasco da Gama Agora, passados dois meses de embarque venho vos contar algumas novidades Mencionei no outro artigo que ja sentia falta dos navios de expedição, e enquanto isso continua a ser verdade, o meu gosto por ambos os navios ja se encontra mais igualado. Sem dúvida que os navios de expedição vão a locais mais interessantes e remotos e têm sempre a oportunidade de fazer operações de zodíaco e Tenders mais frequentemente No entanto, navios de cruzeiro de maiores dimensões têm uma operação mais complexa no que toca não só à interação entre os membros da ponte/ convés, como também com outros departamentos

O trabalho em si:

Nestes últimos dois meses tive também a sorte de apanhar uma equipa que aposta bastante na formação dos oficiais, já me tendo proporcionado a oportunidade de fazer a manobra de saída do navio de porto mais que uma vez e de ter o “Conn” em canais e rios Há sempre uma grande disponibilidade por parte de todos para a partilha de novos conhecimentos.

Fazer um drill tambem se torna bastante diferente a bordo de um navio destas dimensoes, que enves de dois LB como as suas irmas mais novas, tem oito

Como estamos de momento em “Wet Dock”, tambem tive oportunidade de conhecer o navio mais a fundo, tendo entrado e inspecionado diversos tanques

Vida Social:

Já somos uma tripulação relativamente grande de cerca de 350 pessoas, o que faz com que este navio ja seja como uma pequena cidade Não existe um único evento importante que não seja celebrado a bordo, de forma que os tripulantes possam experienciar um pouco de casa a bordo Umas festas são no nosso crew bar, outras são em áreas de passageiros que são temporariamente fechadas para nós podermos utilizá-las Obviamente sem nunca perturbar os nossos passageiros, que são sempre a nossa prioridade

O nosso Crew Bar de convívio está sempre aberto durante a hora de almoço e à noite para que os tripulantes possam conviver uns com os outros

E claro que ter 9 praticantes portugueses a bordo torna tudo muito diferente, especialmente porque andei com muitos deles na nossa escola náutica

BÁRBARA CHITAS

Natal a Bordo:

Há medida que caminhamos para outro fim de ano, também nos navios já se começa a preparar o Natal

Para mim vai ser o primeiro Natal a bordo de um navio de cruzeiros, visto que até hoje quando estive embarcada durante esta quadra estava no navio Corvo da Mutualista

Por isso estou bastante curiosa para saber como há de ser. Mas mais que o natal estou bastante expectante de ver o fogo de artifício no Funchal

Aqui, como somos 10 portugueses, temos a nossa própria família para passar o natal

Desejo a todos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!

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