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Violência Obstétrica

Nosso Mundo

Violência Obstétrica

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Inês Teixeira, 4º ano

A mulher é tão especial que possui a capacidade de gerar vida no seu interior, multiplicando o número de pessoas no mundo e criando gerações que escrevem a história da humanidade, que determinam a mudança e que acompanham a evolução. Dar à luz é o momento mais esperado e mais bonito da vida da mulher, tanto na teoria como na imaginação, mas deixa de o ser quando nos deparamos com um conceito de violência que o transforma em experiências tão traumatizantes quanto infernais. É através desse conceito que nasce este artigo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), “todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto”. A violência obstétrica assenta nos abusos físicos e verbais, nas práticas invasivas, nos comportamentos negligentes, no desrespeito durante o parto que muitas mulheres vivenciam e sob os quais escondem memórias de sofrimento, humilhação e terror. Quem vive a gravidez e o parto na primeira pessoa é a mulher, que não esquece o momento em que é submetida a procedimentos médicos coercivos ou não consentidos; à realização indiscriminada de episiotomia ou a procedimentos desnecessários e invasivos; o momento em que lhe é proibida a presença do acompanhante que escolheu, o marido, o companheiro, o irmão, o amigo. A mesma mulher não esquece que lhe foi imposta a posição do parto, que a impediram de andar, comer e beber, que lhe realizaram o exame de toque múltiplas vezes (através de mãos diferentes e rostos desconhecidos) e que lhe administraram hormonas para acelerar o parto. A mulher chora e recorda as palavras feias, rudes e insensíveis, a infantilização,

a desvalorização completa das suas emoções e a falta de privacidade que a fez desejar sair dali a correr, se não estivesse a morrer de dor. Privaram-na de tanta informação, que ficou sem compreender o que aconteceu. Não se lembra de consentir o que lhe fizeram. Desconhecia que fora alvo de violência obstétrica e que esta assumiu, em múltiplas dimensões, a sua perda de autonomia como mulher. Esta forma de violência prolonga-se na recuperação física e psicológica durante o puerpério, na autoestima, na vida sexual, na saúde mental e na relação com o bebé. Portugal é um dos países da Europa com maior taxa de intervenção no parto. Observamos uma banalização da episiotomia e da manobra de Kristeller, recorrendo-se a elas mesmo quando não existem critérios para tal. Em 2014, a OMS publicou a declaração sobre “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”. O abuso de intervenções médicas, sobretudo sem justificação clínica, constitui uma das principais manifestações de violência obstétrica, encobertas pela inexistência de um enquadramento legal. Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na gravidez, parto e pós-parto são “protegidos” pela Lei 15/2014, a qual concede às mulheres o direito a um acompanhante, a cuidados de assistência adequados, a um tratamento humano e respeitador, direito à informação, consentimento informado, privacidade e confidencialidade. Dada a urgência em atribuir maior visibilidade a este problema, foi aprovada na Assembleia da República a Lei 110/2019 com o objetivo de fortalecer estes direitos. A Natureza concebeu um corpo capaz de gerar vida no seu interior, de desenhar o embrião perfeito e desenvolver o feto no mundo interior. O parto é um fenómeno fisiológico que deve ocorrer de modo natural - a experiência negativa pode magoar a intimidade feminina ao ponto de apagar o desejo de uma nova gravidez.

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