7 minute read

Entrevista: Transplantação e

Next Article
Antidepressivos

Antidepressivos

Educação Médica

Entrevista: Transplantação e Reconstrução Facial, com Ricardo Horta

Advertisement

Rita G. Rodrigues, 5º ano

Foi com prontidão que Ricardo Horta, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e médico especialista em Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética, aceitou o convite da Revista ANEMIA para esta entrevista. Recorda-se dos tempos do jornal “O ANEMIA”, uma vez que estudou na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Doutor Ricardo Horta, gostava que começasse por nos explicar que área da Medicina é esta, a da Cirurgia Reconstrutiva. Se um leitor nosso quiser seguir as suas passadas, quais as escolhas a tomar no final do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina?

é uma especialidade muito variada, vasta e diversificada. Essencialmente, envolve duas grandes áreas de atuação: a cirurgia reconstrutiva e a estética. Apesar de alguns a considerarem um luxo, esta especialidade é, na verdade, transversal a todas as classes sociais e uma necessidade para muitos.

É uma especialidade que vê várias pessoas que apresentam problemas de autoestima e imagem corporal significativos, situações oncológicas graves (tumores da cabeça e pescoço, cutâneos), queimados, doentes mastectomizadas, malformações congênitas, esfacelos/ ferimentos graves dos membros e outras lesões traumáticas. Trata o doente de forma integral e em todas as áreas anatómicas, sendo que cada doente tem especificidades próprias, pelo que temos de adaptar e individualizar os planos, obrigando-nos a estar em constante atualização.

Fez o seu doutoramento na área da

Reconstrução Facial Autóloga de grandes defeitos e Transplantação Facial, pelo que deduzo ser apaixonado por ela. Pode-nos contar o motivo desta paixão?

Sempre tive interesse na área facial, quer estética quer reconstrutiva. Talvez pelo impacto que a desfiguração, deformação, malformação facial ou corporal possam ter do ponto do vista físico, emocional e social, afetando as relações pessoais e profissionais, podendo mesmo algumas pessoas sofrer a chamada “morte social”. Implica também utilizar as técnicas mais adequadas, acompanhando a evolução da especialidade. Privilegiamos tecidos do próprio doente, que são bem tolerados e compatíveis, evitando materiais protésicos com risco de infeção, extrusão, encapsulamento, necessidade de substituição ou revisão. Contudo, temos também utilizado materiais sintéticos biocompatíveis e estamos a desenvolver um projeto na área de Engenharia Tecidular com o 3Bs (Universidade de Minho), que poderá trazer resultados promissores no futuro.

Quais as principais razões pelas quais alguém se submete e esta cirurgia?

São sobretudo pessoas com traumatismos agudos (por exemplo, acidentes de viação, lesões por armas de fogo) ou sequelas de traumatismos, malformações congênitas ou adquiridas (oncológicas, lesões vasculares), queimaduras, entre outras.

É possível recorrer a cirurgia plástica e reconstrutiva sem ter uma patologia propriamente dita? Ou é necessário ter algo “destruído” para se reconstruir?

Sim, é possível. Vejamos o caso da cirurgia estética facial e cirurgia plástica de contorno corporal, onde recebemos pessoas que querem atenuar os sinais de envelhecimento (como a queda gravitacional dos tecidos, diminuição do volume) e dispostas a procedimentos de rejuvenescimento, ou ainda quem queira corrigir cicatrizes de várias etiologias.

É difícil chegar até si, ou a outro colega da mesma área?

Não, na realidade, atualmente o processo de referenciação no setor

Educação Médica

público pode ser simplificado, dado os hospitais poderem receber doentes de outras áreas de residência, mediante pedido de consulta por parte do médico assistente de Medicina Geral e Familiar. Além disso, tanto eu como outros colegas da especialidade, também damos consultas no sector privado, no qual o doente pode através de um simples contacto telefónico ou digital, agendar uma consulta.

Transplante facial, é ainda uma utopia em Portugal? Transplante facial, é ainda uma utopia em Portugal?

Existem centros em Portugal com capacidade técnica e logística para a sua realização, nomeadamente, os com afiliação universitária. Os candidatos terão que ser rigorosamente escrutinados e deverão ter sido submetidos, preferencialmente, ao menor número de procedimentos reconstrutivos autólogos. Porém, há falta de legislação específica para este procedimento, levantando-se questões éticas e relacionadas com a necessidade de imunossupressão Existem centros em Portugal com capacidade técnica e logística para a sua realização, nomeadamente, os com afiliação universitária. Os candidatos terão que ser rigorosamente escrutinados e deverão ter sido submetidos, preferencialmente, ao menor número de procedimentos reconstrutivos autólogos. Porém, há falta de legislação específica para este procedimento, levantando-se questões éticas e relacionadas

com a necessidade de imunossupressão vitalícia, que acarreta sequelas. Têm-se vitalícia, que acarreta sequelas. verificado alguns óbitos, o que, Têm-se verificado alguns óbitos, o numa cirurgia considerada que, numa cirurgia considerada life-enhancing mas não lifelife-enhancing mas não lifesaving, é preocupante, como no saving, é preocupante, como no primeiro transplante realizado primeiro transplante realizado a nível mundial. Outros tipos a nível mundial. Outros tipos de alotransplantação ou de de alotransplantação ou de transplante de tecidos compostos, transplante de tecidos compostos, podem também ser considerados podem também ser considerados extremamente complexos (mão, extremamente complexos (mão, laringe, útero, língua, etc.). laringe, útero, língua, etc.).

Porque há tão poucos casos de sucesso a nível mundial?

Para além da questão ética e do enorme planeamento que terá que ser realizado, existem ainda os riscos de infeções graves, aparecimento de situações oncológicas no contexto de elevada imunossupressão, má recuperação funcional devido a incompatibilidade morfológica entre dador e recetor, incapacidade de regeneração motora e sensitiva funcionalmente satisfatória, gravidade das lesões inicialmente presentes e impossibilidade de otimizar as coaptações nervosas necessárias.

Todos os atos médicos, até mesmo a inércia, podem ter complicações. Quais as principais complicações da Cirurgia de Reconstrução? E da Transplantação Facial?

Sim, existem sempre riscos, devendo-se sempre equacionar um plano B ou C. No caso da reconstrução facial autóloga, há risco de infeção, hematoma, necrose de retalhos livres (microvascularizados) ou pediculados, da não integração de enxertos, formação de fístulas, má integração ou exposição óssea ou de placas de reconstrução, lesões nervosas ou iatrogénicas, entre outras.

No caso do transplante, existem as consequências que já referi anteriormente, ou seja, infeções

Educação Médica

graves, incluindo choque séptico, surgimento de lesões neoplásicas ou alterações metabólicas (ex: diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial) associadas à imunossupressão, risco de rejeição aguda/crónica, incluindo até complicações psicológicas e a não aceitação da nova identidade.

Qual o caso mais complexo com que se deparou? Se não conseguir falar de apenas um, pode escolher dois. Qual a duração da(s) cirurgia(s)?

Tive vários! O caso de reconstrução total de uma orelha, através de prebabricação no antebraço, incluindo biomateriais e transferência microcirúrgica para a face após 3 meses (durante esse período, o doente andou com uma orelha no antebraço). A orelha tinha sido amputada após um acidente de viação e estava destruída. Devido aos danos existentes nos tecidos à sua volta, impedindo a reconstrução com tecidos locais, este procedimento foi a melhor solução. Já realizámos outros casos de fabricação facial complexos, como do 1/3 médio da face, através das costas, para tratar sequelas graves de queimaduras. Poderia citar muitos e distintos casos de reconstrução de grandes defeitos, como os resultantes de osteoradionecrose, de situações oncológicas ou traumáticas.

No SNS, qual o apoio monetário que estes pacientes recebem?

O SNS apoia-os desde o momento da consulta, internamento, estadia em unidade de cuidados intensivos/ intermédios caso seja necessário, medicação, quimioterapia em situações oncológicas, assim como nas sessões de radioterapia, fisioterapia, entre outras.

É dado apoio psicológico a estes doentes?

Sim! Várias vezes, é fundamental, principalmente em doentes com desfiguramento e evicção social, pelo risco de depressão, de prejuízo da autoestima e de instigação do suicídio.

Terminemos em Coimbra. Tem saudades da cidade dos estudantes?

Sempre. Gostei muito de estudar em Coimbra. É verdade que as épocas de exames do curso de Medicina eram e continuam a ser longas, mas depois existiam aqueles períodos de confraternização, de convívio e conhecimento de pessoas

de outros cursos. Até do tempo em que frequentávamos as salas de estudo, as cantinas, das romarias para a Latada e Queima da Fitas... Estudava muitas vezes na sala de estudo da AAC, embalado ao som dos ensaios das guitarras de grupos de Fado de Coimbra ou tunas. Emocionei-me muito ao ouvir fado de Coimbra no meu último jantar de curso, como ainda hoje ouço Fado de Coimbra para recordar, com saudade, as noites de serenata. Hoje, vivo no Porto e gosto de viver nessa cidade, sou natural de Viseu e gosto de ambas as cidades, mas também tenho um carinho especial por Coimbra, que foi também escola de vida. Saudades ainda de ir ao “Zé Manel dos Ossos”, comer uma “feijoada de javali”... e queremos novamente a Académica de volta à 1a divisão! Obrigado pelo vosso convite.

Doutor Ricardo Horta, só lhe posso agradecer pela colaboração, em meu nome, de toda a ANEMIA e dos nossos leitores. Tenho a certeza que terá um impacto extremamente positivo nos médicos em formação e que os “bem educará”.

This article is from: