Revista do CBH do Rio Pará nº3 - Dezembro de 2024

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EXPEDIENTE

Presidente: Túlio Pereira Sá

Vice-Presidente: Beatriz Alves Ferreira

Secretário: José Hermano Oliveira Franco

Secretária-Adjunta:Vilma Aparecida Messias

Produzido pela Assessoria de Comunicação do Rio Pará, Tanto Expresso Comunicação e Mobilização Social

Coordenação Geral:

Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Comunicação e Edição: Luiz Ribeiro

Textos: Ricardo Miranda, Leonardo Ramos e Paulo Barcala

Projeto Gráfico e Diagramação:

Albino Papa e Rafael Bergo

Foto: Adílson Nogueira, Agência Brasil, Bianca Aun, Fernando Piancastelli, Helenir Gaipo,João Alves, Léo Boi, Luiz Maia, Ohanna Padilha, ShutterStock, Udner Rios

Fotos de capa: Léo Boi

Ilustrações: Clermont Cintra e Albino Papa

Revisão: Ísis Pinto

Impressão: EGL Editores

Tiragem: 600 Exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Assessoria de Comunicação: comitedoriopara@gmail.com

Versão on-line:

EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

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O QUE A DESPOLUIÇÃO DO RIO SENA PODE ENSINAR

P. 26

ENTREVISTA: MARCELO DA FONSECA (IGAM) P. 32

PERFIL: ADÉLIA PRADO, FILHA ILUSTRE DA BACIA P. 34

MICROPLÁSTICOS NA

ÁGUA - E NOS PEIXES

P. 42

TERRITÓRIOS: ITAÚNA

P. 46

E D I T O R I A L

A preservação de nossos territórios vai muito além de medidas conservacionistas; requer uma compreensão profunda das culturas, ecossistemas e realidades que neles habitam. Percorrer a bacia hidrográfica, dialogar com suas comunidades e se conectar com a riqueza de saberes locais são passos fundamentais para garantir que ações de preservação sejam eficazes e respeitosas.

Pensando nisso, o CBH do Rio Pará tem pegado a viola e viajado pelo território. Além do desenvolvimento de projetos de recuperação hidroambiental em várias porções da bacia, a mobilização social e a educação ambiental têm sido o carro-chefe na estratégia de apresentar o colegiado, o território e o que precisamos fazer para que tenhamos todos mais e melhores águas.

Problemas a serem combatidos não faltam; especialmente em tempos de emergência climática. Em uma matéria especial, contaremos aqui nesta Revista como os eventos extremos – na bacia, no país e no mundo – exigirão da sociedade medidas igualmente extremas, e coletivas.

2024 foi o ano das queimadas. Em praticamente todo o Brasil, vivenciamos números recordes de incêndios, que destruíram milhares de hectares de vegetação nativa e resultaram numa péssima qualidade do ar em pleno auge do período de estiagem. Mostraremos esse retrato na nossa bacia, as ações de combate realizadas e como podemos fazer para conscientizar e prevenir sobre essa prática.

Outro problema que tem alertado pesquisadores é a presença de microplásticos no estômago de peixes da bacia do Rio Pará. Além de mostrar os riscos que isso oferece à saúde humana, apresentaremos um dos mais importantes laboratórios de pesquisa sobre a saúde dos peixes de Minas Gerais, localizado em Divinópolis, no Médio Rio Pará.

E se o assunto é revitalização de cursos d’água, nos inspiraremos nos esforços empreendidos na França para a despoluição do Rio Sena – ícone parisiense que recebeu as provas de natação do triatlo e a maratona aquática dos Jogos Olímpicos 2024. Embora alvo de críticas por parte de atletas, que disseram ter sido contaminados, o Sena hoje é um outro e melhor rio. A pergunta que fica é: o que o Brasil pode aprender com a despoluição de um rio urbano como o Sena?

E para a revitalização de bacias hidrográficas, não há como negar o papel fundamental dos recursos da Cobrança pelo Uso da Água. Em uma entrevista exclusiva, o diretor-geral do IGAM, Marcelo da Fonseca, fala sobre a importância desse mecanismo e liga o alerta sobre a inadimplência desse pagamento entre os usuários de recursos hídricos que possuem outorga. “Infelizmente, a gente sofre um nível de inadimplência elevado em Minas Gerais. Essa inadimplência tem aumentado em todo o estado”, revela.

A inspiração maior para que tenhamos um território mais belo e sadio vem de Adélia Prado, escritora e filha ilustre da Bacia Hidrográfica do Rio Pará. Contaremos aqui, também, como suas poesias nasceram em Divinópolis para conquistar o mundo.

O território homenageado desta edição é Itaúna, polo industrial da região e com belos pontos naturais de visitação.

Vem com a gente!

COM A PALAVRA

João Alves

O PRESIDENTE

2024 foi um ano de profundos desafios para a gestão ambiental em todo o mundo. Na bacia do Rio Pará não foi diferente. Vivenciamos queimadas nunca dantes vistas e uma estiagem que levou o IGAM a declarar situação crítica de escassez hídrica superficial em parte do território, impondo restrições na captação de água por parte dos usuários.

E, se os desafios são muitos, as ações de recuperação e revitalização devem ser ainda mais efetivas. Pensando nisso, os projetos e programas do CBH do Rio Pará caminham a passos largos, como nunca dantes visto. A começar pelo Programa de Conservação Ambiental e Produção de Água – realizado em três microbacias consideradas prioritárias, em cada região fisiográfica da bacia: Alto, Médio e Baixo Rio Pará. As intervenções deste seguem a todo vapor, com obras hidroambientais sendo implementadas em Cláudio e Carmo do Cajuru.

Outro exemplo é o Plano de Educação Ambiental (PEA) da Bacia Hidrográfica, com ações sistemáticas acontecendo junto a um público variado: técnicos das prefeituras, comunidade escolar, usuários de recursos hídricos e população em geral.

Não podemos deixar de falar do nosso Programa de Saneamento Rural, que vai aplicar cerca de R$ 2,5 milhões em sua primeira edição para beneficiar diretamente sete comunidades rurais em seis municípios, nem tampouco do nosso Programa Continuado de Comunicação Social e Relacionamento, que nos auxilia a divulgar nossas ações e a chegarmos ao nosso público preferencial de maneira estratégica.

Mas você sabia que tudo isso só é possível graças aos recursos da Cobrança pelo Uso da Água na Bacia do Rio Pará? A Cobrança é um instrumento que visa dar ao usuário (aquele que capta o recurso hídrico direto das águas superficiais ou subterrâneas) uma indicação de seu real valor, estimulando a economia do recurso hídrico. Os recursos financeiros arrecadados com a Cobrança são destinados aos programas e às ações voltados para a bacia hidrográfica – não se trata, portanto, de uma taxa ou de um imposto; esse tipo de recurso é denominado Preço Público. A aprovação da metodologia e dos valores da Cobrança é uma atribuição dos Comitês de Bacia.

É exatamente esse recurso, pago pelos usuários de recursos hídricos, que viabiliza o desenvolvimento desses projetos de recuperação hidroambientais promovidos pelo CBH do Rio Pará – cujos benefícios são retornados aos usuários na forma da garantia de mais e melhores águas para os múltiplos usos.

Após anos de contingenciamento dos recursos da Cobrança por parte do governo do estado, desde 2020 esse valor tem chegado ao Comitê e Agência Peixe Vivo. Contudo, hoje o que tem ameaçado a sustentabilidade desse sistema é a inadimplência no pagamento pelo uso da água na bacia do Rio Pará, atualmente na casa dos 60%.

Na perspectiva do Comitê, é importante apresentarmos com cada vez mais clareza e transparência as ações que temos promovido ao longos dos anos, na busca por mais e melhores águas em toda a bacia hidrográfica.

Enquanto representante do segmento de usuários, conclamo os meus iguais – sejam eles do setor produtivo, agropecuário ou mesmo dos municípios e estado, e suas companhias de saneamento – para que mantenham em dia esse pagamento tão importante para a saúde ambiental do nosso território, especialmente em tempos de emergência climática.

Esperamos, também, que o estado faça a sua parte, garantindo continuamente um processo de pagamento ágil e simplificado.

INSTITUCIONAL

COM A ALMA REPLETA DE CHÃO

CBH do Rio Pará busca o caminho que vai dar no Sol indo aonde o povo está

Texto: Leonardo Ramos

Ilustração: Clermont Cintra

Fotos: Léo Boi e João Alves

“Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão / Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Esses dois versos dos compositores Milton Nascimento e Fernando Brant estão na música “Nos bailes da vida” – canção que todo mineiro conhece. Ela exalta, de maneira tocante, a vida de um artista cantor que, para encontrar seu público, enfrenta todo tipo de obstáculo. O trabalho de um Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) não é muito diferente. Para atuar em defesa de água em quantidade e qualidade para múltiplos usos, os integrantes de um Comitê precisam ir aonde o povo está – conversar com as pessoas, levar informação, implementar projetos e programas que irão “buscar o caminho que vai dar no Sol”.

Completando seu 26o ano, o CBH do Rio Pará já está com a alma repleta de chão. Com 35 municípios e um território de cerca de 12.300 km2, a bacia do Rio Pará viu o Comitê percorrer esse chão diversas vezes, com ou sem os recursos da Cobrança pelo Uso da Água. Instituída em 2017, o CBH do Rio Pará só viu os recursos da Cobrança a partir de 2020, após o término do contingenciamento imposto pelo governo do estado de Minas Gerais. Desde então, o Comitê tem colocado em prática diversas ações que incrementaram a integração da população da bacia, atuando em prol da disponibilidade hídrica para a sociedade.

Tenho comigo as lembranças do que eu era

Antes, porém, que os recursos da Cobrança pelo Uso da Água – importante instrumento de gestão – pudesse ser utilizado, os anos foram de dificuldades, mas não de paralisia. Tempo de “estrada de terra na boleia de caminhão”, os membros do Comitê, enquanto lutavam para que o governo do estado liberasse os recursos da Cobrança, já planejavam também as ações que seriam implementadas assim que tivessem acesso ao que havia sido arrecadado. Presidente do CBH do Rio Pará entre 2018 e 2023, José Hermano Franco conta como foi esse tempo. “Desde a criação, o Comitê veio sendo construído, evoluiu bastante. Em 2008, instituiu seu Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH), mas ainda não havia Cobrança. Aí ele ficou ali naquele limbo de ‘funciona, não funciona’ até que se estabelecesse a Cobrança de fato. Porém, o governo contingenciou os recursos e não repassava o dinheiro”, lembra.

Com a chegada dos recursos, prossegue Hermano, o Comitê iniciou suas ações. “Quando a gente começou a receber, foi hora de colocar a casa em ordem, estabelecer os instrumentos de gestão. Ele tinha um PDRH já profundamente defasado, nós tivemos de fazer todo o alicerce desse Comitê. E eu entendo que como ele é um órgão de mobilização, uma coisa que ele tem de ter muito forte é a capacidade de comunicação, então a primeira coisa que foi contratada foi um Programa de Comunicação”, explica.

No entanto, em 2020, com os recursos, chegou também a pandemia da Covid-19 e, com ela, o isolamento social. Túlio de Sá, hoje presidente do CBH do Rio Pará e secretário à época, traz à memória as dificuldades do período. “Vivemos a pandemia no meio do caminho… porém, assim mesmo, a gente estava estudando e começando a avaliar os projetos a serem implantados no Comitê, e, depois, já começamos os programas”, conta.

Presidente do CBH do Rio Pará entre 2018 e 2023, José Hermano Franco ajudou a solidificar as bases de Comunicação e Mobilização Social do colegiado.
Ana Carolina Mello foi peça importante para o sucesso da passagem da Semana Rio Pará por Nova Serrana.

Com o objetivo de mobilizar os atores da bacia, o Comitê promoveu os “Encontros do CBH do Rio Pará”, que começaram em 2020 e prosseguiram no formato online durante as restrições da Covid-19. Os “Encontros” colocaram em pauta assuntos como uso racional dos recursos hídricos, questões energéticas, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Educação Ambiental. Essa é apenas uma ponta de um amplo programa de mobilização e Educação Ambiental que o CBH do Rio Pará conduz.

“O Plano de Educação Ambiental (PEA) foi aprovado no ano passado, e o CBH do Rio Pará foi o primeiro, entre os Comitês de Bacia de Minas Gerais, a ter um Plano assim. Este ano alguns trabalhos já estão sendo feitos em relação à capacitação de técnicos municipais. Há um Grupo de Trabalho que está trabalhando especificamente para envolver o Plano de Educação Ambiental dentro dos programas e projetos que o CBH do Rio Pará já desenvolve”, celebra Túlio.

Também em 2023, o Comitê promoveu a primeira Expedição pelo território, que passou por 12 municípios da bacia do Rio Pará, percorrendo o rio da nascente em Resende Costa até a foz em Pompéu, apresentando o CBH do Rio Pará para a população, divulgando suas ações e ouvindo a sociedade. “A gente precisava fazer uma expedição do Rio Pará”, lembra Hermano, então presidente do Comitê. “Vamos mostrar que o Comitê existe, para que ele serve, o que ele tem de fazer… Então fizemos essa primeira expedição do Rio Pará, da nascente à foz de fato, foram 10 dias sensacionais”, conta.

Expedição pelo Rio Pará em 2023 estabeleceu um marco na história do CBH. Em destaque a passagem da comitiva por Conceição do Pará.

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão

O atual presidente do CBH do Rio Pará, Túlio de Sá, avalia que a Expedição cumpriu seu papel e deve acontecer a cada dois anos. “A gente definiu fazer a Expedição a cada dois anos, porque é um programa maior de mobilização. A ideia é que a próxima expedição seja mais científica, com monitoramento da qualidade do rio”, conta.

Para Hermano, a Expedição rendeu fruto: ela se desdobrou na Semana Rio Pará, realizada em maio de 2024. “A Semana foi um derivado da Expedição. A gente esteve em algumas cidades na primeira edição e no outro ano a gente foi em outras cidades e levamos mais sobre o Rio Pará para todo mundo. O legal dessa segunda etapa foi que a gente já chegou com vários programas rodando. Então as pessoas enxergaram a gente de uma forma diferente, já que a gente estava falando de coisas que o Comitê já fazia. Isso gera um impacto positivo e diferenciado”, reflete Hermano. Segundo Túlio, unindo as cidades percorridas na Expedição e na Semana, mais da metade dos municípios da bacia foram contemplados.

Passando por Desterro de Entre Rios, Carmópolis de Minas, Itapecerica, Nova Serrana, Leandro Ferreira e Araújos, a Semana Rio Pará teve ampla participação dos atores da bacia e grande receptividade. “Nesse período passamos por seis municípios. Fomos muito bem recebidos por todos esses atores, desde o poder público até as escolas, passando por alunos, professores e diretores, e ficamos muito felizes com esse entendimento do nosso projeto, este ano muito focado no PEA, pelos municípios que foram visitados. Parabenizo todos os envolvidos nessa semana, que possamos dar continuidade a esse programa que é defender o Rio Pará”, comemorou Túlio ao final do evento.

Responsável pela mobilização em Carmópolis de Minas, Flávio Ceccotti, representante da prefeitura daquela cidade no CBH do Rio Pará, teve seu primeiro contato com o Comitê em 2007. Ele considera que a Semana Rio Pará foi um sucesso e projeta um futuro de recuperação de áreas degradadas na bacia. “Conheci o Comitê no ano de 2007, quando trabalhei como mobilizador regional. Desde então, sou membro titular e represento a Prefeitura Municipal de Carmópolis de Minas. A Semana Rio Pará foi muito boa. Conseguimos mostrar para as crianças a importância do Rio Pará em nossas vidas com muita interação e Educação Ambiental. Vejo pessoas engajadas e comprometidas nessa causa. Espero que o CBH do Rio Pará realize mais projetos hidroambientais, como cercamento de nascentes, revitalização de áreas degradadas, entre outros”.

“Na época da minha faculdade, em 2004, o CBH do Rio Pará já existia, e eu fui bem atuante no Comitê, na época em que a Regina Greco era presidente”, recorda Ana Carolina Mello, representante da Prefeitura de Nova Serrana e mobilizadora da Semana Rio Pará na cidade. Ela, que tem pós-graduação em Educação Ambiental, pensa que a área é essencial para a eficácia do Comitê. “Em 2017 eu voltei a participar do Comitê e comecei a atuar em projetos, e, em 2022, me tornei Conselheira. Acompanhei as Semanas de 2022, 2023 e 2024, e, este ano, fui a responsável pelo evento em Nova Serrana. Vejo a necessidade de levar mais programas de Educação Ambiental como a Semana Rio Pará para todos os municípios da bacia”, conclui.

Secretário de Desenvolvimento, Agricultura e Meio Ambiente de Carmópolis de Minas e conselheiro do CBH do Rio Pará, Flávio Ceccotti foi um dos mobilizadores da Semana Rio Pará 2024 no município.

Em 2023, Expedição de reconhecimento da bacia hidrográfica foi finalizada no encontro das águas dos Rios

Se foi assim, assim será

Para coroar um ano – que ainda não acabou – de atividades em todo território da bacia, Túlio e Hermano representaram o CBH do Rio Pará no Fórum Mundial da Água, evento internacional que acontece a cada três anos. Mirando o futuro do Comitê, eles tiveram contato com projetos e programas implementados no mundo todo e pretendem trazer essas experiências para a realidade da bacia. “É uma oportunidade sensacional porque você vai ver e conversar com pessoas do mundo inteiro que lidam com o mesmo tema. Então, são formas diferentes, de culturas diferentes, mas é um aprendizado. Você volta de lá com um monte de experiências novas, de ideias novas e a gente vai vendo o que é aplicável, o que não é...”, diz Hermano.

Para Túlio, os destaques foram os projetos de Soluções Baseadas na Natureza (SbN), além da possibilidade de financiamentos e investimentos para além da Cobrança pelo Uso da Água. “A gente conseguiu avaliar o que os Comitês desenvolvem no mundo, metodologias de soluções ambientais. Uma delas são as SbN. Não precisamos inventar roda. Vamos pegar o que já funciona, vamos adaptar, investir em tecnologia e fazer com que isso funcione na nossa realidade. Outro ponto importante foi conhecer muitas linhas de investimentos para essas questões de contexto de bacias. A gente tem que saber como buscar isso”.

Observando as histórias dos demais Comitês, o presidente entende que o CBH do Rio Pará está no caminho certo. “Nas conversas, nos contatos que a gente teve, a gente vê que algumas questões que o pessoal de outros Comitês ainda enfrenta, já estamos à frente. Essa troca de experiência foi importante para termos consciência de que há lugares que estão engatinhando ainda e a gente já está dando alguns passos”, celebra Túlio

Pará e São Francisco.

No final de abril, capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, viu inundação tomar a cidade e contabilizou mortes, estragos e desabrigados.

Eventos extremos exigem medidas extremas – e coletivas

Texto: Leonardo Ramos Fotos: Agência Brasil, Léo Boi, João Alves e Luiz Maia

Secas de longa duração seguidas por chuvas intensas e concentradas em poucos dias. Queimadas e inundações. Tufões, ciclones, baixa qualidade do ar. Esta é uma era de extremos climáticos em que estamos enfrentando um momento de mudanças no ambiente da Terra. A Amazônia, bioma onde a chuva costumava ser abundante, sofre com a estiagem, enquanto o Pantanal, ecossistema conhecido pelos charcos e pântanos, seca golpeado pelo fogo. O Cerrado, onde o fogo pode acontecer de maneira natural, arde com incêndios criminosos, e a Mata Atlântica sofre com o desmatamento. Diversas cidades da bacia do Rio Pará sofrem há meses com a seca e a baixa disponibilidade de água.

No Rio Grande do Sul, no final de abril, a precipitação de um dia – que, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), correspondeu ao esperado em dois meses de chuva –, aliada ao desmatamento, urbanização não planejada e inércia do poder público, causou grande estrago, com centenas de mortos e milhares de desabrigados. Entre junho e setembro, muitas cidades do Brasil enfrentaram estiagens rigorosas. O cenário é dramático e exige mudança nos modelos de desenvolvimento que emitem grandes quantidades de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera do planeta, afetando o clima global.

Apesar dos alertas emitidos por cientistas e ambientalistas sobre os riscos que teremos de enfrentar cada vez mais, pouco foi feito para prevenir e/ou amenizar os efeitos dos extremos climáticos. A transição energética, que deve, aos poucos, abandonar os combustíveis fósseis, é urgente, e a meta definida no Acordo de Paris em 2015, que consiste em manter “o aumento da temperatura média global em bem menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais” parece difícil de atingir.

No entanto, eventos extremos exigem medidas extremas. E a Humanidade, que é a principal responsável pela alteração do padrão climático planetário, tem também a missão de reverter a tendência de que os eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais frequentes.

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A dinâmica dos gases atmosféricos

Emissão de gás carbônico (CO2) é um evento natural e necessário. A presença desse gás na atmosfera garante que a temperatura no planeta se mantenha estável e que não congelemos durante a noite. O excesso de CO2 na atmosfera, no entanto, gera outros impactos. Quem nos elucida essa dinâmica dos gases atmosféricos é a vicepresidente do CBH do Rio Pará, professora da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Beatriz Ferreira, doutora em Química. “Emissão de gases são eventos naturais. É a ação do homem no meio ambiente que tem acarretado essas mudanças climáticas que transcendem a questão natural, e, com isso, acarretado um excesso de emissão de gases, queimadas, destruição da vegetação, entre outros. Isso tudo causa um desequilíbrio no ecossistema como um todo, e aí a gente começa a observar esses eventos extremos –principalmente chuvas intensas em determinados locais e seca em outros”, explica.

Com o excesso de CO2, o efeito estufa se intensifica e provoca diversas alterações nos ciclos naturais da Terra. “Além disso, nós temos também o problema que já tem sido alertado, há muitos anos, que é o aumento da temperatura não só da Terra como um todo, mas, principalmente, o aumento da temperatura dos oceanos que, por sua vez, está causando o derretimento das geleiras. Com isso, há um aumento na quantidade de água dos oceanos e isso pode trazer impactos muito maiores nas regiões litorâneas de todo o planeta”, alerta Beatriz.

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O aumento da temperatura dos oceanos está, no momento, causando também a suavização da La Niña. Enquanto o El Niño, evento climático que aumenta a temperatura do Oceano Pacífico, causou seca na Amazônia e as chuvas intensas no Rio Grande do Sul, a La Niña seria responsável por resfriar esse mesmo oceano e trazer de volta as chuvas para as localidades que sofreram com a estiagem. O que se vê, porém, é que a La Niña está menos intensa e mais atrasada este ano, e o esperado refresco para a seca que estamos vendo no Brasil acontece timidamente.

Mas o gás carbônico não é o único gás causador do efeito estufa. “Há uma escala de dano dos gases de efeito estufa para atmosfera. O dióxido de carbono tem um valor de dano igual a um, por isso é chamado de ‘gás carbônico equivalente’. Ele é a base da nossa equivalência”, explica o professor Mauro Cruz, da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), geógrafo pós-graduado em Engenharia Civil.

Segundo ele, outros gases, como o metano e o óxido nitroso, são mais nocivos. “Por exemplo: nos aterros, nos lixões, toda a matéria orgânica em decomposição aeróbica – ou seja, que se decompõe em ambiente sem o oxigênio – gera, além de gás carbônico, também metano em grande quantidade. E o metano é 21 vezes mais agressivo do que o gás carbônico. Fertilizantes nitrogenados, em uso indiscriminado, também causam um dano tremendo para a atmosfera”, diz. O óxido nitroso, utilizado nesses fertilizantes, é mais de 300 vezes mais potente que o gás carbônico.

Seca
IGAM a declarar situação crítica de escassez hídrica superficial em parte da bacia do Rio Pará.

A situação na Bacia Hidrográfica do Rio Pará

Todas essas mudanças na dinâmica atmosférica global afetam também a bacia do Rio Pará. Sem volume significativo de chuva em quase toda a bacia, o agronegócio, uma das atividades econômicas mais importantes do território, sente um grande impacto.

A prefeitura de Pompéu precisou abastecer pequenos produtores com caminhões-pipa e o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) declarou “situação crítica de escassez hídrica superficial” no trecho do Rio Pará que fica a montante da Estação Velho do Taipa, em Conceição do Pará, reduzindo 25% do volume diário outorgado para a finalidade de irrigação. “A jusante do ponto de monitoramento que há em Conceição do Pará chegou à situação de criticidade e o IGAM publicou uma portaria para reduzir a captação de água em porcentagem a depender do uso. Os grandes usuários tiveram que diminuir a captação. Ou seja, a gente já está vivenciando isso”, lamenta Beatriz.

Em Divinópolis, a maior cidade da bacia hidrográfica, além da seca, ocorreram também inúmeros focos de queimada. A cidade lidera o ranking de incêndios florestais em Minas Gerais. “Precisamos fazer um trabalho de conscientização das pessoas. A gente vê Unidade de Conservação sendo queimada, mas também muitos pequenos focos de incêndio que são em lotes malcuidados, que o próprio proprietário não cuida. Nos municípios em que há poucas áreas verdes a gente vê muito incêndio causado por pequenos pontos”, diz Vilma Messias, representante da Prefeitura de Divinópolis e secretária-adjunta do CBH do Rio Pará.

Vilma acredita que a Educação Ambiental na bacia é essencial para uma guinada nas ações que impactam o meio ambiente. “Estamos começando a executar o nosso Plano de Educação Ambiental [PEA]. Ainda em 2024, por exemplo, vamos começar um treinamento para os técnicos de alguns municípios, e o Comitê também já começou a estudar fazer uma campanha através de mídias para poder conscientizar as pessoas em relação às queimadas”, conta.

Baixa vazão: estiagem crítica em 2024 levou cursos d’água a minguarem. Em destaque a foz do Rio Pará, no encontro com o Velho Chico.

“Não

tá morto quem peleia”

A pergunta, no entanto, que rodeia nossas mentes frequentemente, é: toda essa situação é reversível? São séculos de emissões de gases de efeito estufa e os efeitos que estamos sentindo agora são bastante graves. No entanto, é importante notar que eventos extremos exigem medidas extremas – e coletivas.

Beatriz argumenta que é necessário que todos os países se engajem nas mudanças e procurem mudar uma cultura de exploração. “Enquanto alguns países estão extremamente preocupados com essa questão climática, outros nem tanto – às vezes por questões mais políticas, outros por questões de infraestrutura mesmo, por serem países pouco desenvolvidos ou subdesenvolvidos e que não têm condições de estruturar essas questões, pensando em mudanças climáticas. Mas eu vejo que o grande desafio é realmente romper o padrão cultural”, enfatiza.

Mauro aponta na mesma direção, ressaltando que é necessária uma mudança de mentalidade e de padrão de consumo. “O nosso meio de transporte é ainda baseado na individualidade do carro. Mas, por outro lado, culpabilizar o indivíduo é até covardia. Porque problemas coletivos requerem de fato soluções coletivas. Então, obviamente, nós temos de ter consciência, temos de nos posicionar, de fazer a nossa parte – mas a gente só vai conseguir uma efetividade mudando a base de como a gente produz e consome coletivamente”, alerta.

Vilma reflete que fazer parte de um Comitê de Bacia Hidrográfica requer acreditar na mudança e, como Mauro e Beatriz, aposta na mudança coletiva de consciência ambiental. “Eu acredito que a gente vai conseguir mudar tudo isso. Até mesmo porque, se eu não acreditasse, eu não participaria tão ativamente assim de um Comitê. Acho que tem solução, a gente consegue sim alcançar a mudança, desde que as pessoas se conscientizem. Porque não adianta uma ou duas pessoas fazerem o papel de toda a sociedade”, conclui.

Professor da UEMG, Mauro Cruz reforça necessidade de mudança de mentalidade e padrão de consumo da sociedade.
Secretária-Adjunta do CBH, Vilma Messias acredita na Educação Ambiental para uma guinada na mudança em relação às ações que impactam o meio ambiente.
P.

QUEIMADAS

PAÍS EM CHAMAS

Recorde de incêndios florestais destrói

milhares de hectares de vegetação –na bacia do Pará, em Minas e no Brasil como um todo

Texto: Ricardo Miranda

Ilustração: Clermont Cintra

Fotos: João Alves e Fernando Piancastelli

Uma enorme coluna de fumaça preta tomou conta do céu de Pará de Minas. Durante quase uma semana, os moradores viveram momentos tensos ao verem um incêndio descontrolado se alastrando pela vegetação nos morros ao redor da cidade. Os bombeiros trabalhavam incansavelmente na luta contra os focos e a guerra parecia difícil de ser vencida, já que a todo momento novos focos surgiam.

O vento tornava a situação ainda mais complicada. Enquanto os militares se concentravam no combate ao fogo em determinado local, rapidamente as chamas conseguiam se espalhar. Nesta, cerca de 1 mil hectares de vegetação acabaram destruídos.

Pará de Minas, no Baixo Rio Pará, tem cerca de 97 mil habitantes e em agosto enfrentou um dos maiores incêndios florestais já registrados na cidade. Foram centenas de focos, concentrados principalmente em quatro regiões: Serra da Torre, Serra do Caracol, Vilarejo de Gorduras e povoado de Meireles. Para conseguir controlar o incêndio, o Corpo de Bombeiros trabalhou por seis dias e teve que dividir as equipes em diferentes locais. Os brigadistas usaram abafadores e até um drone para mapear os locais onde havia fogo.

O povoado de Meireles foi um dos mais atingidos. “Foi tudo muito rápido.

Quando vimos o fogo já estava por toda parte. Ficamos desesperados, com muito medo de que as chamas chegassem até nossa casa”, conta Débora Ribeiro, produtora rural que mora na comunidade.

P.
Entre janeiro e setembro de 2024, segundo o INPE , foram mais de 200 mil focos de queimadas no Brasil - o maior número desde 2010.

Focos de incêndio no

BRASIL

Brasil que arde

Janeiro a setembro de 2023

200.013 focos

Janeiro a setembro de 2024 2024 2023

100.789 focos 98% de crescimento

Focos de incêndio em

Focos de incêndio na região

MINAS GERAIS

(54 cidades do 10º batalhão dos bombeiros)

Focos de incêndio no

Focos de incêndio em

MINAS GERAIS

BRASIL

Em 2024, o número de queimadas no Brasil bateu recorde. Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até setembro foram mais de 200 mil focos – o maior número desde 2010. Na comparação com 2023, a quantidade praticamente dobrou. A situação afetou todas as regiões do país. Na Amazônia, o Instituto Greenpeace afirmou que o registro de queimadas foi o maior em quase duas décadas.

Fonte: INPE Fonte: INPE

Os meses de agosto e setembro são considerados os mais críticos, marcados pelo pico no número de registros de incêndio em vegetação em Minas Gerais. Os números mostram que 2024 já é um dos anos com maior número de focos de incêndio na história do estado. Um levantamento feito pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais revela que, só de janeiro a agosto deste ano, Minas registrou 20.236 casos de incêndio em vegetação. O número já é 18% maior que o total de casos em 2023, quando houve 17.135 ocorrências.

Janeiro a setembro de 2023

Janeiro a dezembro de 2023

CENTRO-OESTE DE MG

200.013 focos

20.236 focos

Janeiro a setembro de 2024

Janeiro a agosto de 2024

17.135 focos 18% de crescimento

100.789 focos 98% de crescimento

2024 2023

2024 2023

Focos de incêndio na região

CENTRO-OESTE DE MG

(54 cidades do 10º batalhão dos bombeiros)

Janeiro a dezembro de 2023

Janeiro a dezembro de 2023

20.236 focos

2.646 focos

Janeiro a agosto de 2024

Janeiro a agosto de 2024 Fonte: INPE

2.290 focos 15% de crescimento

17.135 focos 18% de crescimento

2024 2023

2024 2023

Janeiro a dezembro de 2023

2.646 focos

Janeiro a agosto de 2024

2.290 focos 15% de crescimento

2024 2023

Ao longo da bacia do Rio Pará, a situação também foi crítica. O 10º batalhão do Corpo de Bombeiros, com sede em Divinópolis, é responsável pelos chamados em 54 cidades da região CentroOeste de Minas Gerais – onde se concentra a maior parte da bacia hidrográfica. De janeiro a agosto deste ano, foram 2.646 incêndios, 15% a mais do que o registrado ao longo de todo o ano passado.

Divinópolis, maior cidade da bacia do Rio Pará, é o município com mais casos de incêndios em vegetação em Minas Gerais. De janeiro a agosto deste ano, os bombeiros atenderam a 886 ocorrências de incêndios em vegetação apenas em Divinópolis, 40% a mais que no mesmo período de 2023.

O capitão Ívano Brandão, chefe da seção de planejamento do 10º batalhão do Corpo de Bombeiros, afirma que “desde 2019, Divinópolis tem enfrentado um aumento significativo no número de incêndios florestais. Dados recentes mostram que a cidade não apenas mantém essa posição de evidência, mas também tem visto um crescimento preocupante nos registros de queimadas. A situação se agrava especialmente durante o pico do período de estiagem, que em 2024 se mostrou particularmente severo, com a baixa umidade e altas temperaturas contribuindo para a propagação rápida das chamas”, alerta.

Especialistas afirmam que o grande número de queimadas pode trazer consequências graves para a qualidade e quantidade das águas na bacia do Rio Pará. “Essa situação gera uma série de impactos. No contexto imediato, com a fumaça das queimadas vamos ter um aumento do aporte de matéria orgânica e inorgânica, que vai atingir os rios. Com isso, em um contexto em que os cursos d’água estão com volume baixo, vamos ter um efeito concentrador dessas substâncias, e isso pode ser nocivo para a qualidade da água”, explica Ludmila Brighenti, bióloga e conselheira do CBH do Rio Pará.

Ainda segundo Ludmila, que é professora e pesquisadora na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) em Divinópolis, a médio e a longo prazo os impactos dos incêndios podem ser ainda mais severos. “Dependendo da intensidade das queimadas, se a gente tem a destruição da vegetação daquela área, o solo fica menos propenso para a retenção da água. A água vai escorrer, promovendo mais enchentes e erosões de solo. E isso vai comprometer também as nascentes, porque não vamos ter a recarga dos lençóis subterrâneos”, alerta.

As autoridades monitoram a situação com extrema preocupação e afirmam que, além das condições climáticas, com o longo período de estiagem e tempo seco criando situações favoráveis para propagação das chamas, outros fatores contribuem para o crescimento dos casos. As estatísticas mostram que o maior gatilho para os incêndios é a ação humana, responsável por nove a cada dez casos registrados em Minas Gerais.

“Acredito que a falta de consciência das pessoas seja a principal causa disso. A maioria dos incêndios em vegetação é provocada pela ação humana. Em meses com mais vento, como é agosto, a situação tende a se complicar bastante. Porém, a ação humana tem agravado muito esse cenário. Ou seja, com as mesmas condições climáticas, mas sem a ação do homem, certamente teríamos o registro de incêndios, mas não seriam tantos casos”, afirma Rodrigo Belo, Gerente de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Pegada humana
Professora da UEMG e conselheira do CBH do Rio Pará, Ludmila Brighenti chama a atenção para impacto das queimadas nas reservas de águas.
Símbolo parisiense, Rio Sena recebeu as provas de natação do triatlo e a maratona aquática dos Jogos Olímpicos 2024.

O QUE A DESPOLUIÇÃO DO RIO SENA PODE ENSINAR

Volta dos peixes, balneabilidade e outros avanços no emblema parisiense iluminam o caminho também para ações na bacia do Rio Pará

Texto: Paulo Barcala

Fotos: Léo Boi, João Alves, Helenir Gaipo e Shutterstock

Deu muito o que falar, sob os holofotes de um megaevento como os Jogos Olímpicos de Paris, o pretenso insucesso que teria prevalecido sobre os polpudos investimentos na despoluição do Rio Sena, esse rio-ícone francês.

Alguns casos de infecção bacteriana em atletas que disputaram provas de águas abertas, bem como o adiamento ou a transferência de algumas competições inicialmente agendadas para o Sena, dominaram páginas de jornais, chamadas de TV, homepages e perfis de redes sociais – como se todo o esforço houvesse sido em vão.

Não foi nada disso. Os cerca de 1,4 bilhão de euros – quase R$ 9 bilhões na cotação atual – aplicados, somente no período que antecedeu as Olimpíadas, em despoluição e nas obras de uma nova rede de esgoto que evitou a calha do rio, vieram se somar a uma gigantesca mobilização que começa nos anos de 1960 e combina leis de proteção, infraestrutura e estações de tratamento, produzindo a recuperação paulatina da qualidade das águas.

No início daquela década, os cientistas deram o rio por praticamente morto do ponto de vista biológico, cenário desolador em que resistiam apenas três das 32 espécies de peixes nativos. Muito antes disso, em 1923, o banho já era oficialmente proibido.

A luta contra a degradação do Sena veio vencendo rounds ao longo do tempo. Em 2009, o Salmão do Atlântico ressurgiu no rio e a região de Paris já abrigava 20 espécies endêmicas de peixes. No entanto, e aqui vai um sério alerta, análises mostram que 70% dessas espécies seguem impróprias para consumo em razão de sua contaminação por produtos químicos, alguns banidos há mais de 20 anos, mas ainda presentes nas vísceras dos peixes por conta da bioacumulação.

Visualmente limpo e com a presença dos peixes, o Rio Sena deve ser formalmente liberado para banho em 2025. Segundo especialistas, mesmo com a sensível melhora da qualidade das águas, ainda há um longo trajeto a percorrer. Um dos problemas remanescentes é o da poluição difusa, carreada pelas chuvas para dentro dos leitos do curso principal e de seus afluentes, exigindo um conjunto robusto de soluções de drenagem urbana e tratamento.

De toda essa história, que está longe do fim, emerge uma importante questão: o que temos, no Brasil e, particularmente, na bacia do Rio Pará, a aprender com a experiência dos gauleses? O que já existe ou está sendo gestado para que a despoluição de nossos rios deixe de vez o campo da ficção e vire realidade?

Rio Itapecerica atravessa 29 km em área urbana no município de Divinópolis, o mais populoso da bacia do Rio Pará.

No caso da bacia do Rio Pará, os afluentes cujo peso de trechos urbanos interfere mais fortemente na qualidade das águas são, num isolado primeiro lugar, o Rio Itapecerica, que atravessa 29 quilômetros em área urbana no município de Divinópolis e seus 240 mil habitantes, seguido pelo Rio São João, que cruza Itaúna, com cerca de 100 mil habitantes.

A análise de amostras coletadas no Itapecerica por ocasião da Expedição Rio Pará 2023, promovida pelo Comitê em maio daquele ano, revelou que a oxigenação do Itapecerica [OD, oxigênio dissolvido] está muito abaixo do recomendado pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 357. Enquanto a norma determina que o índice 6 seja o mínimo para água doce, o Itapecerica agoniza em 3,9. Além disso, a análise identificou a presença de coliformes totais termotolerantes, comprometendo a qualidade da água, seu consumo e a vida aquática.

O professor de Biologia Adriano Parreira, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) em Divinópolis, conselheiro do CBH do Rio Pará, que analisou as amostras juntamente com o ambientalista Jairo Gomes Viana, explicou: “O resultado mostra que é mais do que urgente a adoção de iniciativas efetivas. Aumentou a degradação e, em alguns trechos, o rio está perto de morto. O OD está muito abaixo do preconizado, um alerta extremamente significativo”.

Não é de hoje, aliás, que a sub-bacia do Rio Itapecerica vem sendo apontada como a mais crítica. O Plano Diretor de Recursos Hídricos da bacia do Rio Pará, de 2008, já recomendava: “Um estudo de ampliação da rede coletora e tratamento de esgoto e a melhoria na destinação dos resíduos sólidos, tanto domésticos como industriais, constituem ações emergenciais a serem executadas nesta sub-bacia”.

Corrida de obstáculos

Expedição promovida pelo Comitê, em 2023, revelou péssima qualidade do Rio Itapecerica.

O sistema de água e esgoto de Divinópolis é operado pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). Segundo a empresa, “o sistema de esgotamento sanitário de Divinópolis é dividido em duas bacias distintas: as dos Rios Pará e Itapecerica. A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Rio Pará está em operação desde 2013 na região do Centro Industrial”.

Para o Itapecerica, contudo, cujo sistema será composto por duas ETEs, a solução ainda não veio. A estação Ermida, de pequeno porte, atenderá a localidade de Santo Antônio dos Campos. Já a ETE Rio Itapecerica, informa a Copasa, “está em fase avançada de implantação, com 90% de sua macroestrutura concluída”. A previsão é de que “ambas as unidades estejam totalmente finalizadas até junho de 2025”.

Ainda de acordo com a empresa estadual de saneamento, “a ETE Itapecerica encontra-se em fase de ajustes operacionais, recebendo e tratando aproximadamente 22% do volume previsto para a conclusão do projeto”. Somado ao que já é tratado pela ETE Pará, somente 14% da população divinopolitana é hoje atendida pelo serviço de tratamento dos efluentes domésticos.

Beatriz Ferreira, professora de Química da Universidade Federal de São João del-Rei, campus Centro-Oeste, conselheira e atual vice-presidente do CBH Rio Pará, aponta que o problema “vem se arrastando por várias gestões e a própria prefeitura deixa um pouco solto”. Para ela, é preciso “ajustar o contrato e fazer com que seja cumprido”.

Outra agressão permanente vem do lixo que termina dentro dos cursos d’água. Parreira reconhece que “tem havido algumas obras para melhoria da drenagem urbana pluvial, mas ainda carecemos de política de coleta e tratamento de resíduos sólidos”, sem falar nos “bota-foras e aterros clandestinos, com o agravante de que não há local licenciado para os entulhos da construção civil, o que estimula a disposição inadequada e fere, direta ou indiretamente, o Itapecerica”.

Professora na UFSJ e vice-presidente do CBH do Rio Pará, Beatriz Ferreira destaca o dever de casa do colegiado: Plano de Educação Ambiental, Programa de Saneamento Rural e Enquadramento dos corpos d’água, implementados nos últimos dois anos.

A sub-bacia do Rio São João, com 1.171 km2, abrange territórios de 11 municípios mineiros: Itaguara, Itatiaiuçu, Carmo do Cajuru, Itaúna, Mateus Leme, São Gonçalo do Pará, Igaratinga, Conceição do Pará, Pará de Minas, Onça de Pitangui e Pitangui.

A situação de Itaúna, que até dois anos atrás era calamitosa, com todo o esgoto despejado no São João sem tratamento, começou a mudar em setembro de 2023, com a inauguração da ETE do município. A estrutura tem capacidade para processar 400 litros de esgoto por segundo, mas, segundo o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) local, opera hoje com menos da metade, ou 150 litros por segundo. Algumas regiões do município seguem sem coleta de esgoto.

Pará de Minas, com pouco mais de 100 mil habitantes, está em condição oposta. Segundo o Instituto Água e Saneamento, outra organização civil que batalha pela universalização do saneamento no Brasil, conta com 100% de tratamento, serviço prestado pela empresa Águas de Pará de Minas.

O impacto dos usuários insignificantes, fortemente concentrados na região, é outro mal. A suinocultura, na sub-bacia do Ribeirão Paciência, a avicultura, no Médio Rio Pará, e a pequena mineração, na sub-bacia Rio Lambari, respondem por parte significativa da degradação das águas.

Outra questão grave, para além da qualidade do patrimônio hídrico, é sua quantidade. Dados do Instituto Trata Brasil de 2022 acusavam que a vazão média do São João diminuiu 60% em oito anos: de 12,5 m³/s para 5 m³/s.

Vista aérea do Rio São João em Itaúna, o terceiro município mais populoso da bacia do Rio Pará.

De acordo com o professor Parreira, as ações desenvolvidas pelo CBH do Rio Pará dão maior visibilidade para o assunto: “Dessa forma, os habitantes se sentem instigados a cobrar do poder público ações e intervenções que irão melhorar a qualidade da água”.

“A aprovação do Plano de Educação Ambiental (PEA) do CBH Rio Pará”, diz Beatriz Ferreira, “tem horizonte de 10 anos e atua no tripé ‘mobilização, conscientização e informação’, pois não adiantam recursos vultosos se não mudar o padrão de comportamento de pessoas e segmentos”. O PEA tem como um dos focos a ação nas escolas públicas, “iniciativa extremamente positiva de levar a discussão para dentro da sala de aula”, salienta Adriano Parreira.

Outro avanço essencial foi a aprovação da Proposta de Enquadramento dos corpos hídricos na bacia do Rio Pará, estudo que teve o apoio do CBH do Rio São Francisco. A atualização detectou “progressos de modo geral na bacia, com a tendência de continuar esse trabalho para melhorar ainda mais”, comemora a professora Beatriz.

Ela cita, ainda, o Programa de Saneamento Rural, implantado em seis municípios e sete comunidades rurais com os recursos da Cobrança pelo Uso da Água. Conforme a vice-presidente, trata-se de “um programa piloto e, a partir dele, poderemos verificar as tecnologias mais adequadas para as demais comunidades, ver custos, ampliar e atrair parceiros. Melhorar a situação na área rural, que é muito negligenciada, é um salto decisivo”.

A luta continua

São muitas as fraturas a pavimentar no terreno da revitalização. Uma pergunta poderia ser: se a França, país rico, não logrou êxito completo na despoluição do seu rio mais famoso, essa meta é viável para um país do Sul Global, em vias de desenvolvimento e com carências sociais que gritam na esquina?

A resposta é sim. A empreitada, claro, exige investimentos de vulto, mas nada impossível. Para comparar ordens de grandeza, a receita de Minas Gerais em 2024 deve ficar em torno dos R$ 115 bilhões, quase 13 vezes o valor aplicado no Sena, enquanto, em Belo Horizonte, o valor bate em R$ 19,6 bilhões. Tais números comprovam que não vive nas nuvens quem aposta na possibilidade de enfrentar e resolver o problema.

Estimativas de Beatriz Ferreira chegam a cifras em torno de R$ 800 milhões para a total recuperação do Itapecerica, o que dá pouco mais de três vezes a receita prevista no orçamento da cidade de Divinópolis para este ano.

Se a pesca ainda vai precisar de alguns anos para ser liberada no Rio Sena, o esforço empreendido até aqui pode permitir a volta da balneabilidade, perdida há mais de 60 anos, já em 2025. Esse será o legado dos Jogos de Paris. Qual será o nosso para as gerações futuras aqui na bacia do Rio Pará?

Adriano Parreira, professor da UEMG e conselheiro do CBH, diz que em alguns pontos o Rio Itapecerica “está perto de morto”
Até dois anos atrás, todo o esgoto de Itaúna era despejado no Rio São João, sem tratamento. Realidade mudou com inauguração de ETE.

ENTREVISTA - MARCELO DA FONSECA

COBRANÇA PELA ÁGUA MIRA RECUPERAÇÃO E REVITALIZAÇÃO HIDROAMBIENTAL

Alto índice de inadimplência, no entanto, compromete investimentos na bacia do Rio Pará

Por: Paulo Barcala Ilustração: Clermont Cintra Fotos: João Alves e Udner Rios

Para induzir ao reconhecimento da água como bem ecológico, social e econômico, foi instituída a Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos para usuários que fazem desse insumo essencial um meio de produção. O valor da Cobrança fica na casa das unidades de centavo de real por cada mil litros captados.

A Cobrança não é um imposto, pois o dinheiro arrecadado não vai para o governo, mas para financiar estudos, programas e ações voltados para a melhoria da quantidade e da qualidade da água, conforme previstos no Plano Diretor de Recursos Hídricos aprovado pelo respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH).

Em Minas Gerais, a Cobrança vem sendo adotada gradativamente desde 2010, sendo posta em prática, no caso do CBH do Rio Pará, a partir de janeiro de 2017, após acordo entre o poder público, os setores usuários e as organizações civis representadas no âmbito do Comitê.

Contudo, as altas taxas de inadimplência, na casa dos 95% nas pequenas intervenções de mineração e de 78% nas propriedades rurais, na bacia do Rio Pará, têm comprometido a continuidade e a consolidação dos programas e, em decorrência, a saúde hidroambiental do território. Para esmiuçar o assunto, fomos ouvir o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), Marcelo da Fonseca, que fala sobre o papel da Cobrança e sobre as estratégias contra a inadimplência.

Servidor de carreira do Sisema, Marcelo da Fonseca é engenheiro civil de formação, com especializações em engenharia e recursos hídricos. Há quatro ocupa o posto de diretor-geral do IGAM.

Por que a Cobrança pelo Uso da Água é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos?

Esse instrumento tem o objetivo de recuperar e revitalizar nossas bacias hidrográficas e promover o uso racional das águas, mas também vem com um objetivo que é dar sustentabilidade ao sistema. Diferentemente das outras políticas, que tem sustentação basicamente por meio de recursos públicos, no caso da Cobrança, o princípio é que o usuário que está fazendo uso de um bem público possa ressarcir à sociedade por aquela utilização – uma empresa que está auferindo lucro com a utilização daquele insumo que é a água, ela faz uma reversão disso para sua bacia hidrográfica, de forma a melhorar as condições daquele território e minimizar eventuais impactos negativos que sua atividade possa causar.

O que a Cobrança pode viabilizar em termos de proteção e recuperação da qualidade e da quantidade da água numa determinada bacia?

Em primeiro lugar, a Cobrança é um recurso que não é um imposto, não é uma taxa, mas um preço público pela utilização desse bem e tem a finalidade específica de promover a recuperação e a revitalização das bacias. Esse recurso tem uma destinação obrigatória: deverá ser utilizado na bacia em que foi arrecadado para melhorar a situação.

Quais ações precisam ser realizadas ou empreendidas naquele território? Isso vai depender do Plano de Bacia [Plano Diretor de Recursos Hídricos].

O Plano de Bacia é que vai definir quais são as ações prioritárias no território para melhorar a realidade, sendo objetivo e prático. Pode ser desde a elaboração de um Plano Municipal de Saneamento Básico, o cercamento de nascentes, a recuperação hidroambiental, a Educação Ambiental... É um leque muito diverso de soluções, vai depender de qual é a solução para aquele problema enfrentado na bacia hidrográfica.

Qual é o nível geral de inadimplência no pagamento da Cobrança pelo Uso da Água em Minas e, especificamente, na bacia do Rio Pará?

Infelizmente, a gente sofre um nível de inadimplência elevado em Minas Gerais. Essa inadimplência tem aumentado em todo o estado. O número de usuários inadimplentes ultrapassa a casa dos 50,6%. Isso não significa 50% do valor cobrado. Em termos de valor, esse percentual desce um pouco, porque os grandes usuários, principalmente as companhias de saneamento e grandes empresas, tendem a ser adimplentes com a Cobrança.

Qual o perfil predominante dos inadimplentes?

Temos observado que são os pequenos usuários prioritariamente inseridos nas zonas rurais. Há pequenos produtores rurais, mas não só. Nós temos, no caso da bacia do Pará, uma inadimplência muito grande do setor da mineração – 78% em termos de valor e 95% do total de intervenções. Mas quando a gente fala em mineração, logo se pensa naquelas grandes mineradoras. Não, nós temos na bacia do Pará, e em outras bacias, pequenos areeiros, dragagens, que também estão sujeitos ao pagamento pelo uso da água. São exatamente esses pequenos. Então, a gente está envolvendo os conselhos de classe, os contadores, que já fazem periodicamente as declarações para a Receita Estadual, para a Receita Federal, para que também tenham conhecimento que existe essa obrigação, que é o pagamento pelo uso de recursos hídricos, para que isso entre na sua rotina.

Esse é um ponto que a gente vem conversando muito, tentando entender. Esse usuário não está inadimplente porque não quer pagar. Na maioria das vezes, é porque nem sabe que precisa pagar, ou seja, essa informação não chegou a ele. Não são valores expressivos, são pequenos valores, mas eles estão na zona rural, onde a comunicação não é tão acessível. Mesmo hoje com as redes sociais, WhatsApp e outros aplicativos de mensagens, isso ainda é um pouco deficiente e é exatamente sobre esse público que nós estamos buscando construir um plano de comunicação, junto com os Comitês de Bacia, com as entidades equiparadas, para poder chegar a esses usuários, procurando parcerias com as federações, sindicatos rurais, entidades representativas do setor, conselhos de profissionais como o CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia], para que a nossa comunicação seja assertiva, que ele saiba como buscar o site do IGAM para ter acesso a essa informação. A gente tem tido muito cuidado com a forma como essa informação é transmitida, porque a gente hoje vive o mundo das fake news, dos golpes cibernéticos. A gente tem hoje a prática de levar o usuário a buscar o nosso site, que é o igam.mg.gov.br, ele mesmo gera o DAE [Documento de Arrecadação Estadual] para evitar que atravessadores, pessoas com o objetivo de dar golpe, façam envio de documentos falsos.

COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA

ANO 2023 / ANO BASE 2022

ANÁLISE SOBRE O TOTAL DE VALORES COBRADOS

ANÁLISE SOBRE O TOTAL DE INTERVENÇÕES COBRADAS

P. 36

Na sua opinião, o que os Comitês de Bacias Hidrográficas devem fazer para remar no mesmo rumo?

A gente está buscando construir essa parceria com os Comitês de Bacia, fundamentalmente porque, por mais que o IGAM seja quem operacionaliza todo o processo, o cálculo, a geração do boleto, a arrecadação, trata-se de um recurso que não é nosso, é um recurso do Comitê de Bacia. Então, os membros dos Comitês, as entidades ali representadas precisam também entender e ter um papel importante nesse processo, que é exercer a sua influência no seu segmento. Se eu sou um representante do setor do agro eu preciso utilizar os canais aos quais tenho acesso para que essa informação seja disseminada no meu meio, como na indústria e assim sucessivamente, porque esse é um recurso que vai para o Comitê e é importante para a reversão do quadro das nossas bacias hidrográficas. Então, o Comitê e seus membros, suas Câmaras, seu Plenário, toda a sua estrutura precisa se empoderar desse papel de um cobrador entre aspas, de ter esse papel institucional de estar sempre lembrando os usuários que a Cobrança é um instrumento da Política [de Recursos Hídricos].

Eu tenho feito essa provocação aos Comitês de Bacia: “vocês, nas suas atividades diárias, colocam que aquela obra que está sendo feita é uma obra paga pelos usuários dos recursos hídricos? Na sua cartilha você fala que aquilo ali é pago pelo recurso da Cobrança? É conscientizar sobre o que é a Cobrança, que vai ser mais natural na medida que a pessoa sabe que ela é revertida para o território.

Sabemos que os valores da Cobrança são limitados frente à dimensão do que precisa ser feito. Como equacionar a questão da proteção e da recuperação dos recursos hídricos?

O recurso da Cobrança é um indutor, eu consigo começar uma iniciativa com o recurso da Cobrança, mas preciso atrair patrocinadores dos mais diversos setores, desde recursos de editais até de usuários privados, de órgãos públicos... Então a gente está trabalhando para que o recurso da Cobrança seja esse indutor, que dá o exemplo. Ao mesmo tempo, estamos buscando construir aqui em Minas Gerais um Programa Produtor de Águas que vai ter esse olhar muito próximo, muito focado no produtor rural, trazendo diretrizes e incorporando ações como as do PRA Produzir Sustentável, do IEF [programa do Instituto Estadual de Florestas que estimula a regularização ambiental das propriedades rurais], trazendo outras iniciativas como o PSA [Pagamento por Serviços Ambientais], os créditos de carbono, para que a gente tenha um cardápio de ações no nosso território e, a partir disso, instituirmos uma unidade de coordenação que envolva não só o poder público, mas os usuários, os Comitês, as universidades, para atingir a escala necessária ao tamanho do desafio.

Cobrança pelo Uso da Água na bacia do Rio Pará tem viabilizado uma série de ações de produção de água no território.

ARTE NA BACIA

BELEZA DO COTIDIANO

Adélia Prado, a filha mais ilustre da bacia do Rio Pará, e as poesias que nasceram em Divinópolis para conquistar o mundo

Texto: Ricardo Miranda

Ilustração: Albino Papa

Detalhes simples do dia a dia, que para muitas pessoas passam despercebidos, são ressignificados e eternizados nos versos de Adélia Prado. A poeta mineira, escritora de incontáveis poemas marcados por um estilo romancista crítico, conquistou o mundo com versos cheios de simbolismo, além de palavras que recontam o cotidiano, a religiosidade e a vida de uma mulher do interior.

Adélia Prado, ou melhor, Adélia Luzia Prado de Freitas, nasceu em dezembro de 1935 em Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, no Médio Rio Pará. Considerada a maior poeta brasileira da atualidade, Adélia é a filha mais ilustre da bacia do Rio Pará. Em suas obras, sempre fez questão de destacar as belezas do cotidiano, incluindo a dos rios que cortam a cidade, como o Itapecerica e o Pará. “Minhas lembranças com esses rios são muito felizes. Quando criança, costumávamos fazer piqueniques na beira dos rios e isso era motivo de imensa felicidade. Meu pai costumava pescar nesses rios. Mas hoje, o que estamos vendo é um descaso e uma falta de vontade política quando se trata desse assunto. Basta andar pelas margens dos nossos rios para vermos a catástrofe”, disse Adélia em entrevista exclusiva à equipe de Comunicação do CBH do Rio Pará.

Formada em magistério e em filosofia, Adélia Prado trabalhou por mais de 20 anos como professora. Já casada e mãe de cinco filhos, passou a se dedicar à paixão pela literatura. Na década de 1970, a poeta enviou alguns textos escritos para Carlos Drummond de Andrade, que se impressionou com o talento da escritora. Em 1976, com o apoio e conselhos de Drummond, Adélia Prado estreou oficialmente na literatura, com o lançamento do livro ‘Bagagem’. Desde então foram mais de 20 obras como ‘O Coração Disparado’, ‘Solte os Cachorros’, ‘Cacos para um Vitral’, ‘Terra de Santa Cruz’, ‘A Faca no Peito’ e ‘Dona Doida’.

Em 2013, Adélia lançou o livro ‘Miserere’. Desde então, a poetisa não voltou a publicar, mas anunciou que se prepara para encerrar o hiato literário e deve lançar em breve uma obra que recebeu o título provisório de ‘O Jardim das Oliveiras’ – uma menção ao local onde Jesus Cristo orou antes de ser crucificado.

Romancista, contista, professora e filósofa, Adélia Prado retrata a natureza de forma lúdica, mas com a capacidade de conduzir o leitor a reflexões profundas. “A natureza é parte da experiência poética. Falar sobre ela não é algo que eu escolho. Sou escolhida por ela. É um dado intrínseco ao próprio ato de ser”, afirma Adélia.

Sua terra natal, Divinópolis, hoje com mais de 230 mil habitantes, está presente em várias de suas obras. Adélia testemunhou o crescimento da cidade e, em versos, apresentou as mudanças. Não à toa, é reconhecida por recontar o cotidiano, transformar em texto e poesia situações que tocam as memórias afetivas do leitor. Como em “O amor no éter”, presente no livro “Terra de Santa Cruz”, publicado pela primeira vez em 1981.

O amor no éter

Há dentro de mim uma paisagem entre meio-dia e duas horas da tarde. Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água, entram e não neste lugar de memória, uma lagoa rasa com caniços na margem. Habito nele, quando os desejos do corpo, a metafísica, exclamam: como és bonito!

Quero escavar-te até encontrar onde segregas tanto sentimento. Pensas em mim, teu meio-riso secreto atravessa mar e montanha, me sobressalta em arrepios, o amor sobre o natural.

O corpo é leve como a alma, os minerais voam como borboletas. Tudo deste lugar entre meio-dia e duas horas da tarde.

“Se falo de mim, ou do outro, ou sobre qualquer assunto, estarei falando da natureza”

Em vários poemas, Adélia destaca a admiração pela natureza. Nos versos, as paisagens são frequentemente retratadas de forma simbólica. “A literatura, como qualquer outra arte, precisa fazer parte da formação básica das pessoas. A arte é uma via de sentido e simbolização. Não é possível viver com ausência de sentido. Uma vez inseridos no universo simbólico da arte estamos prontos para entender a natureza como parte inseparável de nós mesmos. O ser humano que está alimentado pela arte é fatalmente um ser humano mais cuidadoso com seu entorno”, conta.

A beleza no cotidiano traduzido por Adélia Prado saiu de Divinópolis e de Minas Gerais para ganhar o Brasil e o mundo. A poetisa é uma das escritoras mais premiadas do país. Em 2024, foi consagrada pelo Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Semanas depois, recebeu o Prêmio Camões, o maior reconhecimento literário do mundo lusófono, vinculado ao Ministério da Cultura do Brasil e governo de Portugal. O júri do Prêmio Camões descreveu Adélia como poeta autora “de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras ‘Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo’.

Aos 88 anos de idade, e prestes a lançar mais um livro, Adélia ainda vai encantar muitos leitores com seus poemas. Na conversa com a equipe de Comunicação, ela disse ter ficado “comovida” com o trabalho desenvolvido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará na proteção dos recursos naturais. Ao falar sobre isso, como de costume, respondeu de forma poética. “Eu acredito que a poesia está presente em tudo. Sinto que a produção de natureza artística escapa de qualquer intenção de natureza racional, didática, lógica etc. Quando você se depara com uma pintura de um rio ou uma música sobre um rio, ou um poema sobre um rio, você é tomado de amor por aquele fenômeno da natureza de um modo que você vai defender e tentar proteger esse rio com todas as suas forças. A contribuição do artista está em revelar para as pessoas a maravilha do rio ou de qualquer que seja o objeto poético”, finaliza.

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“A natureza é parte da experiência poética. Falar sobre ela não é algo que escolho. Sou escolhida por ela. É um ato intrínseco ao próprio ato de ser.”

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Mais de 430 toneladas de plásticos são produzidos por ano no mundo. Parte expressiva ainda éinfelizmente - descartada nos cursos d’água.

DEGRADAÇÃO SINAL DE ALERTA

Presença de microplásticos no estômago de peixes da bacia do Rio Pará preocupa pesquisadores

Texto: Ricardo Miranda

Fotos: Ohanna Padilha e Udner Rios

Seja com as embalagens para alimentos, garrafas para bebidas ou com outros produtos, o crescimento vertiginoso na fabricação de plásticos é um alerta em todo o planeta. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estima que sejam produzidas mais de 430 toneladas de plásticos por ano no mundo. Um material que faz parte da vida moderna, mas que coloca em risco a biodiversidade e se tornou uma ameaça.

A ONU (Organização das Nações Unidas) afirma que dois terços do volume de plásticos produzidos no mundo são fabricados para utilização de curta duração – ou seja, são descartados rapidamente. Ao se tornar lixo, o plástico pode levar séculos para se decompor totalmente, e, enquanto isso, acaba poluindo rios e oceanos. Durante o processo de decomposição, o material se fragmenta em partículas menores, praticamente invisíveis a olho nu, os chamados microplásticos, capazes de entrar na cadeia alimentar dos animais e até na do ser humano.

Em Divinópolis, no Médio Rio Pará, pesquisadores da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei) estudam a presença de microplásticos no sistema digestório dos peixes do Rio Itapecerica, um dos mais importantes da bacia do Rio Pará. As análises preliminares encontraram diferentes tipos de materiais desse tipo nas espécies analisadas.

Resultados preocupantes

Na primeira coleta no Rio Itapecerica, os pesquisadores do Laprotec recolheram cerca de 100 peixes de diferentes espécies, principalmente traíra e piau. Os animais foram levados para o laboratório, onde estão sendo dissecados pela equipe do projeto. “Aos poucos estamos analisando o sistema digestório dos peixes. Observamos uma presença grande de parasitas e dos 105 animais coletados, 10 já foram dissecados. Em três encontramos presença de microplásticos dentro do estômago. Um número bastante alto e que indica que esses produtos foram introduzidos e estão na cadeia alimentar desses animais”, destaca Vitor Correa dos Santos, doutorando em biotecnologia.

Os resultados surpreenderam os pesquisadores que dizem que a situação acende um grave sinal de alerta sobre o descarte irregular de plásticos próximo aos cursos d’água. Eles acreditam que os materiais estão sendo levados para os rios e, à medida que se fragmentam com o passar do tempo, acabam sendo ingeridos pelos peixes. Isso provoca uma série de problemas de saúde nos animais, comprometendo a fauna da bacia.

Além dos professores coordenadores do Laprotec, o trabalho no laboratório é feito por alunos pesquisadores da universidade, incluindo três doutorandos, dois mestrandos e cinco alunos de graduação.

Jicaury Roberta da Silva faz doutorado em biotecnologia e parte da equipe. Ela veio da Paraíba, no Nordeste do país, onde estudava a saúde dos peixes em áreas de enseada, no litoral. Agora, ela aprofunda as análises sobre a presença de plastificantes nos rios da bacia do Rio Pará. “O plástico é um material que inevitavelmente está presente no ambiente, e ainda não é possível extinguir seu uso. A partir do momento em que percebemos que o descarte incorreto vai fazer esse material interferir na sua própria vida e na dos organismos, e de alguma forma até na sua própria alimentação com os peixes que você consome, nossa ideia é incentivar a conscientização sobre a importância de pensarmos em maneiras de substituir esse tipo de material e trabalhar com o descarte correto”, enfatiza Jicaury.

Laboratório de Processamento de Tecidos da UFSJ, o Laprotec, estuda a presença de microplásticos no sistema digestório dos peixes do Rio Itapecerica.

Professor Ralph Thomé é um dos coordenadores do Laprotec, da UFSJ.

Risco para a saúde humana

Dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, indicam que no Brasil anualmente são gerados, em média, mais de 60 kg de resíduos plásticos por pessoa. E boa parte desse volume não recebe a destinação correta, aumentando ainda mais a preocupação dos pesquisadores. Ao serem descartados nos rios, a ação do tempo faz com que esses materiais se transformem em partículas microscópicas, de cinco milímetros ou até menores, insolúveis em água e que podem ser ingeridos pelos animais. Inclusive por peixes que servem de alimento para o ser humano. “É um risco para a saúde humana. Os microplásticos entram pela via digestória dos peixes, dependendo do tamanho podem passar para a corrente sanguínea e podem se alojar em tecidos que são alimentos para o homem, como o músculo. E no organismo humano, podem parar em órgãos vitais, como fígado e até coração, causando inúmeras doenças”, alerta Jicaury.

Outras coletas de peixes vão ser realizadas pela equipe do Laprotec, que segue analisando os animais para avaliar a presença dos microplásticos no estômago dos peixes. “Temos um sistema de bioacumulação. Os animais menores ingerem os microplásticos, depois animais maiores ingerem esses animais menores e isso vai acabar parando na mesa das pessoas. Ou seja, nós estamos poluindo os rios, porém isso está retornando pra gente”, finaliza Vitor.

Doutoranda em biotecnologia, Jicaury Silva chama a atenção para riscos dos microplásticos quando ingeridos pelo ser humano.
Vitor Correa chama a atenção para sistema de bioacumulação: animais menores sendo ingeridos por maiores “até chegar à mesa das pessoas”.

TERRITÓRIOS

CIDADE DE ENCANTOS

Itaúna: polo industrial tem belos pontos de visitação e contato com a natureza na bacia do Rio Pará

Texto: Ricardo Miranda

Ilustração: Clermont Cintra

Fotos: João Alves e Adílson Nogueira

Na língua Tupi-Guarani, Itaúna significa “pedra negra”. Segundo historiadores, essa é uma das hipóteses para explicar o nome da cidade. Por lá, para onde quer que se olhe, vemos imagens que nos ajudam a entender o porquê. Em meio à vegetação que cobre os morros que cercam a cidade, o solo rochoso escuro se revela.

É desse solo rochoso e escuro, das “pedras negras”, que vem uma das principais riquezas de Itaúna. A cidade, localizada no Baixo Rio Pará, integra o Quadrilátero Ferrífero, uma área de aproximadamente 7 mil km², abrangendo vários municípios, reconhecida internacionalmente devido ao terreno rico em recursos minerais, como ouro, ferro e basalto. Devido a esse potencial, diversas indústrias de fundição se instalaram em Itaúna e o setor responde por boa parte da economia da cidade.

Sua formação data de 1877. Com a criação de uma agência do correio, fez-se o primeiro movimento para a criação da vila de Itaúna. Em 1901, o Conselho Distrital assinou um apelo dirigido à Assembleia, transformado na Lei nº 319, que emancipou o município, separando-o de Pará de Minas. A vila de Itaúna foi elevada à categoria de cidade em 1915, e de Comarca em 1925.

Hoje, Itaúna tem cerca de 98 mil habitantes e é um dos principais municípios da região Centro-Oeste de Minas Gerais. É conhecida como Cidade Educativa do Mundo, título conferido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1975.

Além da fundição, a natureza e a história são outras riquezas locais. O município é cortado pelo Rio São João, um importante afluente da bacia do Pará. Apesar do crescimento urbano e industrial vertiginoso recente, é possível encontrar belas paisagens no município.

A cerca de 8 km do centro da cidade,

é um dos cartões postais de Itaúna, no Baixo

P.
Barragem do Benfica
Rio Pará.

A praça da Igreja Matriz de Santana, bem no centro de Itaúna, é outro ponto marcante na cidade. Em meio aos prédios, um refúgio da natureza, com muitas árvores. O visitante disposto a fazer uma pequena caminhada pode esticar o passeio até a Capela Nossa Senhora do Rosário, no alto de um morro, a cerca de 700 metros da praça.

Para quem gosta de contato com a natureza, a cerca de 8 km do centro da cidade fica a Barragem do Benfica, uma represa do Rio São João com 40 milhões de metros cúbicos de água. Um local de beleza natural única, ponto ideal para prática de esportes náuticos e que também desempenha a função de regular a vazão do rio. “É um dos meus lugares preferidos em Itaúna. Bom para descansar a cabeça e apreciar a paisagem. E me remete muito à infância, quando costumava vir para cá com meus amigos e com a família para ver a barragem. Uma imensidão de água impressionante”, comenta Samuel Rodrigues, empresário, nascido e criado em Itaúna.

Nos arredores da cidade, é possível encontrar algumas cachoeiras e pontos para contemplar a beleza dos rios que passam pela região. Uma das mais conhecidas é a Cachoeira dos Campos, a aproximadamente 18 km do centro de Itaúna. Para conhecer, o visitante passa por uma trilha em meio às arvores, no povoado dos Campos, até chegar à cascata. “É um lugar maravilhoso com muitas matas e um pequeno riacho que, ao correr entre as pedras, forma várias lindas e pequenas cascatas. Um lugar de muita paz, bem perto da área urbana”, descreve o fotógrafo Adilson Nogueira.

A Cachoeira das Borboletas, próximo ao povoado Córrego do Soldado, também é bastante procurada por banhistas. Depois de uma pequena caminhada por uma trilha, o visitante se encanta com a queda d’água. Para visitar, a orientação é seguir pela MG-431, em direção a Itatiaiuçu. Depois da entrada para a barragem do Benfica, entrar à direita na estrada para Córrego do Soldado.

Igreja Matriz de Santana, no Centro de Itaúna.

Memória preservada

A Capela Nossa Senhora do Rosário foi a primeira igreja erguida em Itaúna, por volta de 1750, e é um dos cartões postais do município.

A fachada da Capela, pintada de branco e azul, guarda os traços tradicionais da época em que a igreja foi construída. Em 2014, o local passou por um grande processo de restauração, conduzido pelo Instituto Yara Tupynambá. “No ano passado, restauramos 70 imagens sacras e as colocamos em exposição no Museu Municipal, compondo a “Religare”, exposição que conta a vasta cultura religiosa de Itaúna através das peças do acervo do Museu. Nesse mesmo ano, desenvolvemos ações de Educação Patrimonial com aproximadamente 2,3 mil alunos das redes públicas e privadas da cidade”, destaca Filipe Abner, chefe do núcleo do Museu Municipal de Itaúna.

A religiosidade é um ponto marcante e que atrai muitos visitantes a Itaúna. Além da Capela do Rosário e das imagens sacras preservadas, a cidade mantém vivas tradições importantes, como a montagem dos tapetes de Corpus Christi. “A confecção dos tapetes de Corpus Christi é hoje um patrimônio imaterial tombado da cidade. Também temos outras tradições fortes e marcantes, como a Festa de Nossa Senhora do Rosário, que atrai muitos turistas para acompanhar as oito guardas de Congado. Arte e cultura têm um poder transformador na vida das pessoas, além de serem importantes fontes de trabalho e renda”, comenta Bel de Abreu, fundadora da Associação Projeto Usina dos Sonhos e que, há mais de 30 anos, está envolvida com projetos culturais em Itaúna.

A cidade ainda mantém alguns casarões históricos, como o que abriga a Biblioteca Pública Municipal e o da sede do Museu Francisco Manoel Franco. Na cultura, são vários artistas da terra, com projetos de dança e teatro. “Fazemos questão de valorizar nossas belas paisagens, além das igrejas e casarões históricos. Realizamos projetos de Educação Patrimonial, em que guiamos empresas, escolas e grupos interessados em um verdadeiro tour por esses patrimônios, contando o histórico e valorizando a memória de Itaúna. Essas construções ajudam a recontar e preservar nosso passado”, comenta Filipe.

Capela Nossa Senhora do Rosário foi a primeira igreja erguida em Itaúna, por volta de 1750.
Filipe Abner é chefe do núcleo do Museu Municipal de Itaúna.

Olhando para o futuro, Itaúna ainda encontra vários desafios. A cidade é uma das maiores da região do Baixo Pará. O Rio São João, importante afluente da bacia, guarda belezas naturais, mas também muitos problemas. “Sou da época em que ainda era possível nadar no Rio São João, na década de 1970. Mas, hoje, o rio recebe rejeitos domésticos e está poluído. Além disso, enfrentamos problemas com o assoreamento, destruição de nascentes e mata ciliar”, destaca Varlei Marra, representante do Sindicato das Indústrias de Metalurgia de Itaúna e conselheiro do CBH do Rio Pará.

Até pouco tempo atrás, todo esgoto doméstico produzido pelos moradores de Itaúna era despejado diretamente no Rio São João. A situação só começou a mudar em setembro do ano passado, com a inauguração da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do município. A estrutura tem capacidade de processar 400 litros de esgoto por segundo. Porém, segundo o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Itaúna, um ano após a inauguração, a ETE opera com 150 litros por segundo – ou seja, menos da metade do que foi projetado. Algumas regiões do município nem sequer possuem coleta de esgoto.

São Gonçalo do Pará Pará de Minas

Igaratinga

Carmo do Cajuru
Fotógrafo Adilson Nogueira registra há anos as belezas e encantos de Itaúna.

A recuperação do Rio São João é o principal desafio ambiental de Itaúna. Tanto ele, quanto seus córregos afluentes, estão bastante assoreados. Em épocas de chuva forte, os rios transbordam e alagam importantes ruas e avenidas, causando muito prejuízo à população. A destruição da vegetação na área urbana também preocupa. “É visível que o Rio São João está perdendo volume de água com o passar do tempo. Antigamente havia uma área aqui em Itaúna conhecida como Usina do Caixão, onde as pessoas vinham nadar e se divertir. Mas depois que o rio começou a receber esgoto doméstico isso acabou. E o nível de água do rio foi diminuindo devido ao assoreamento. Pra piorar, centenas de árvores da mata ciliar foram cortadas durante os trabalhos da prefeitura para tentar resolver o problema do assoreamento, mas depois a vegetação não foi substituída. Isso aconteceu tanto no Rio São João quanto nos afluentes, como o Ribeirão dos Capotos e o Ribeirão Joanica”, afirma Varlei.

O CBH do Rio Pará é parceiro do município de Itaúna. Em 2023, a cidade foi um dos pontos de passagem da Expedição pela bacia do Rio Pará promovida pelo Comitê. “Estamos trabalhando no CBH para tentar encontrar soluções para esses problemas e devolver a vida ao Rio São João, que é tão importante para a cidade e a região. São muitos obstáculos, mas o potencial é imenso e podemos mudar essa realidade”, complementa Varlei.

Itaúna fica a cerca de 80 km de Belo Horizonte. O visitante que sai da capital pode seguir pela BR-262 até Juatuba e, em seguida, pela MG-050 até a cidade. Outra opção de trajeto é saindo da capital pela BR-381 até Itatiaiuçu e, depois, pela MG-431 até Itaúna.

Varlei Marra é uma das principais lideranças do CBH do Rio Pará em Itaúna.
Museu Municipal de Itaúna recebe 2,3 mil alunos por ano em ações de Educação Patrimonial.

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