9 minute read

CONTA CERTA

Next Article
OPINIÃO

OPINIÃO

Por Pedro Farias

Especialista Principal em Modernização do Estado do Banco Interamericano de Desenvolvimento, onde atua desde 2003, apoiando diversos países latino-americanos em dezenas de projetos de fortalecimento da governança e da capacidade institucional.

Advertisement

Com partilham ento de Serviços no Setor Público: o que aprender com a experiência internacional

Abusca de racionalização dos gastos do setor público tem sido uma preocupação permanente dos governos, com ênfases diferenciadas ao longo dos anos. Nas últimas décadas, a preocupação com o equilíbrio fis cal orientou muitas ações voltadas para uma gestão mais eficiente. O marco conceitual do New Public Management preconizava o alcan ce de resultados a partir da maior autonomia dos gestores públicos e do uso de novas ferramentas gerenciais. Ainda que os resulta dos obtidos sejam díspares a nível internacional, há um relativo con senso quanto a uma consequência indesejada da concessão de auto nomia promovida nesse período: o recrudescimento da fragmentação institucional com a decorrente per da de capacidade para garantir o alinhamento estratégico das múlti plas entidades e o melhor aproveitamento dos recursos públicos. Como resposta, o fortaleci mento dos órgãos de centros de governo e de uma abordagem integral da ação governamental tem sido amplamente estimulado. Nesse contexto, instrumentos de incenti vo à colaboração e à coordenação são crescentemente valorizados e ideias antigas são renovadas para buscar ganhos de eficiência. A ra cionalização de recursos comuns aos órgãos públicos ganha impul so com o uso de novos recursos tecnológicos que potencializam o compartilhamento de serviços ad ministrativos ofertados de forma centralizada, ou “shared sevices”, como são conhecidos. Esse modelo busca, por meio do estabelecimen to de agências ou centros de compartilhamento de serviços (CCS), reduzir custos, através de ganhos de escala e especialização, além de melhorar a qualidade da oferta dos serviços corporativos, tais como a gestão de compras, contrações, recursos humanos (RH), patrimo niais, financeiros e de tecnologia de informação e comunicação (TIC).

O compartilhamento de servi ços administrativos tem sido estimulado nos últimos anos, mas não representa uma novidade. A agên cia General Service Administration (GSA) do Governo dos Estados Uni das é notória por operar nesse modelo desde 1949, como resultado da fusão de outras seis agências, para administrar a oferta de supri mentos e prédios públicos às demais agências federais. No Brasil, são pouco co muns os projetos governamentais que comprometam a autonomia dos órgãos setoriais na execução de suas atividades administrati vos. O Decreto Lei 200 fortaleceu o exercício descentralizado das funções administrativas ao homo genizar regras a serem seguidas pelos órgãos setoriais no âmbito dos sistemas auxiliares que criou e estabelecer mecanismos de con trole pelos órgãos centrais desses sistemas. Desde o século passado, esses órgãos centrais não tiveram como prioridade a assunção de funções operativas, concentrando

-se no papel normativo e supervisor dos sistemas administrativos pelos quais eram responsáveis.

Uma exceção nessa política ocorreu durante a gestão do Mi nistro Bresser Pereira no então Ministério da Administração e Re forma do Estado (MARE). Entre 1996 e 1997, tive oportunidade de coordenar um Grupo de Trabalho composto por representantes do MARE, Casa Civil, Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Por demanda da Câmara da Refor ma do Estado, preocupada com os gastos das unidades do Governo Federal nos estados, o Grupo for mulou uma proposta de reorganização administrativa instituída por Decreto em 1997. O Decreto criou o Programa de Racionalização de Unidades Descentralizadas, com o objetivo de “promover a melhoria dos serviços prestados, o fortaleci mento das atividades finalísticas e a otimização dos recursos alocados às unidades civis da Administração Pública Federal Direta”.

O Programa previa a transfor mação gradual das Delegacias de Administração do Ministério da Fazenda em prestadoras de ser viços às demais unidades federais em cada Estado nas áreas de ad ministração de pessoal, compras, contratações, patrimônio, serviços gerais e outras “áreas de compe tência dos sistemas de atividades auxiliares, quando verificada a pos sibilidade de obtenção de ganhos de escala”. Apesar de avanços nas etapas de planejamento e de pilo tos iniciados nos estados de Mato Grosso do Sul e Ceará, o Progra ma foi encerrado em 1999, devido a forte resistência de responsáveis pelas áreas de administração nos órgãos setoriais e da falta de capital político para contrapor-se a essa resistência.Mais recentemente, alguns estados brasileiros empre enderam iniciativas importantes de compartilhamento de serviços administrativos. Por exemplo, o es tado de Mato Grosso lançou seus Núcleos de Administração Sistêmi ca em 2009 e, em Minas Gerais, um CCS provê serviços corporativos aos clientes governamentais abri gados no Centro Administrativo do Estado desde 2010.

A tendência em países desen volvidos é no sentido de enfatizar o compartilhamento da gestão de compras, contratações e serviços de TIC, devido à crescente comple xidade dos mercados provedores desses serviços. O Governo dos EUA vem ampliando o papel da GSA na oferta de serviços tecnoló gicos e o Office of Personnel Management tem incentivado agências governamentais credenciadas na gestão de RH a assumir a provisão desses serviços a outras agências. No Governo Britânico, entre 2004 e 2011, oito CCS foram estabele cidos como resultados de arranjos dos próprios departamentos, sem uma padronização rígida definida a nível central. No Canadá, desde 1996, a Public Works and Govern ment Services Canada (PWGSC) oferece a mais de 100 agências federais vários serviços, entre os quais as compras centralizadas e a construção e administração de imóveis. Em 2012, foi criada a Shared Services Canada (SSC), com a missão de consolidar e adminis trar a infraestrutura e a gestão dos serviços de TIC em todo o Go verno Federal.

A diversidade de experiências com agências ou CCS permite identificar algumas variáveis que definem os modelos mais adota dos pelos governos, em função de seus contextos políticos, jurídicos e institucionais. As principais vari áveis são: jurisdição dos serviços, propriedade dos ativos, amplitude dos serviços ofertados, caráter da relação com os clientes, e tipo de financiamento.

Em relação aos clientes, os CCS pode ter sua jurisdição abar cando todo o Governo (a exemplo da GSA e do PWGSC) ou ter uma cobertura parcial que atende, em geral, a um critério geográfico ou setorial. A experiência britânica de estabelecimento de centros de serviços que atendem a entidades vinculadas ao mesmo departa mento tem despertado críticas por dificultar as economias potenciais que advém de uma padronização mais ampla de processos. Avan ços tecnológicos e de conectividade tornam cada vez menos comum a adoção do critério geográfico, o qual orientou o desenho do proje to do MARE. Também o menu de serviços ofertados pode ser bas tante amplo ou restrito a um tema no qual o CCS tem uma especiali zação diferenciada, como é o caso da SSC canadense, na área de TIC.

Em geral, a propriedade dos ativos envolvidos nos serviços prestados é do próprio CCS, em bora este também possa administrar ativos dos órgãos e entidades clientes, em um modelo que se assemelha à terceirização.

A forma de relação com os clientes governamentais tem re lação forte com os mecanismos de financiamento dos serviços pres tados. Quando a adesão dos clientes é voluntária, o financiamento do CCS costuma ser feito através do pagamento pelo serviço, o que

demanda o desenvolvimento e a ve redistribuição de poder dentro negociação de critérios para a da burocracia e demanda compro definição dos preços adequados, misso ao mais alto nível governacomo ocorre na GSA. Nos casos mental. em que o CCS é o único provedor 2. O uso voluntário de serviços e a relação com os clientes é com compartilhados conduz a um com pulsória, seu orçamento costuma promisso mais forte dos clientes, incorporar dotações específicas mas reduz os ganhos com econo que consideram seus custos ope mias de escala. rativos. No Canadá, a SCC tem 3. Recursos para investimen uma meta acordada com a Secre tos iniciais são cruciais para a imtaria de Tesouro de reduzir anualplementação do modelo e o retormente sua dotação orçamentária, no financeiro pode levar anos para na medida em que realize ganhos se consolidar. de escala e racionalize o uso dos 4. As mudanças provocadas nos processos de “ A tendênci países des a em envolvidos trabalho das en tidades clientes de serviços são significativas. Os é no sentido de enfatiz ar dirigentes devem o comp artilhamento estar preparados para adaptar suas da gestão de comp ras, rotinas e admi nistrar as resiscontratações tências de atores e serviços de TIC que se sintam ameaçados. 5. O cronogra recursos e contratos de TIC que ma de implementação do modelo herdou de outra agências. deve buscar um equilíbrio entre

A implementação de serviços a construção de capacidade insti compartilhados a nível internacio tucional para seu funcionamento nal tem gerado lições que podem e a disponibilidade de capital po ser utilizadas pelos governos inte lítico que o suporte. Estratégias ressados no tema. Em 2012, orienque considerem projetos-pilotos, tei o trabalho de conclusão de um aproveitamento de uma agência grupo de estudantes de Mestrado existente para ofertar os serviços em Políticas Públicas da American e gradualidade, podem ser úteis, University, em Washington. O tema mas devem levar em conta a sus do trabalho foi “Shared Services in tentabilidade do apoio político rethe Public Administration” e as li querido. ções mais relevantes identificadas 6. Mudanças no marco nor e sistematizadas pelos mestran mativo dos serviços podem facidos foram: litar a transição ao novo modelo, 1. O processo de compartilha mas é a capacidade de ofertar mento de serviços requer forte bons serviços que garante sua apoio político. A mudança promo sustentabilidade.

Adicionalmente, existem outros fatores comuns nas experiências exitosas: a. um marco de gerenciamento da qualidade e dos custos, com in dicadores que permitem o controle e a eventual cobrança pelos servi ços, em função de volumes, número de transações, horas de assessoria, etc. b. gestão da relação com clien tes, incluindo unidades especializadas e compromissos de desempenho; e c. uso intensivo de TIC para oferta de soluções inovadoras que reduzem os custos de transação e agregam valor aos processos fina lísticos dos clientes.

No Brasil, há crescente interes se de governos estaduais e do governo federal no tema. O amplo uso de instrumentos como o registro de preços associados aos pregões eletrônicos, além da existência de sistemas de informação consolida dos para a gestão financeira e de atividades administrativas geram condições favoráveis à adoção de modelos de compartilhamento de serviços. Além disso, as prerroga tivas outorgadas pelo Decreto-Lei 200 aos órgãos centrais dos siste mas administrativos facilitam a definição de padrões uniformes, um requisito importante para o funcio namento do modelo.

O BID tem apoiado países em projetos que envolvem a oferta de serviços e recursos compartilha dos. O potencial de ganhos é grande, mas o desafio é garantir as condições necessárias para o sucesso, sem subestimar a complexidade e os riscos existentes, pois o modelo transcende às práticas de gestão interna e afeta a própria lógica da governança no setor público.

This article is from: