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INOVAÇÃO
Mãe Coruja
Muito além da Saúde
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POR CATARINA LUCrécia
Irailda Quitéria da Silva, 32 anos, mãe de três filhos, deu uma guinada na vida. Ela é de uma família de pequenos agricultores, no município de Panelas, Agreste de Pernambuco, e também casou com um agricultor. Estava meio que predestinada a focar as atenções na mesma profissão depois que perdeu o emprego de agente de saúde e entrou em depressão em plena gravidez da filha caçula. Mas isso não aconteceu. Ela se livrou da depressão e diversificou completamente suas ativida des, mesmo não tendo deixado de lado o trabalho no campo. Agora faz bolos e doces para festas, costura, faz artesanato com material reciclá vel e quer muito mais. Irailda é uma das 106 mil mulheres cadastradas no Programa Mãe Coruja, do Governo de Pernambuco, e está determi nada a seguir em frente. “Não é porque eu nasci cortando cana e mato que quero o mesmo para os meus filhos”. Tem razão.
A pretensa e m p re e n d e d o r a Irailda, de fato, sabe o que quer. Para ela e para quem acredita que precisa seguir um Fotos: Iramaraí/ Mãe Coruja rumo semelhante. Agora é meio que um agente multi plicador. A história de vida dela, afinal, ganhou novos con tornos com a ajuda do Mãe Coruja. “Eu via que esse programa exis tia pela televisão, mas não achava que chegaria em Panelas”. Chegou e mais rápido do que ela imaginava e de uma maneira até surpreendente. “ A agente de saú de vinha de casa em casa chamando KIT Bebê para participar. An é oferecido às mães que tes o atendimenfazem o pré-natal completo to era no posto de saúde, mas ago ra temos uma sede e ficou muito Irailda. Além do acompanhamento melhor. Sempre que vou na cidade pré-natal, ela recebeu assistên passo por lá atrás de novidades e cia psicológica e estímulo para se dos cursos”. qualificar profissionalmente. O Mãe Coruja surgiu em 2007 através do decreto 30.859 para Diagnóstico reduzir o índice de mortalida Irailda talvez nem saiba, mas de infantil em Pernambuco, mas quando o programa surgiu foi acabou sendo consolidado com constatado um quadro de morta uma dimensão muito maior e já é lidade infantil que indicava desireconhecido nacionalmente e in gualdades latentes entre as regiternacionalmente como um proões de Pernambuco. E olhe que a grama inovador. Instituído como dela nem estava na pior situação. lei em 2009, funciona como uma É o que revelou um diagnóstico rede, proporcionando ações inte feito pela Secretaria estadual de gradas, como as que beneficiaram Saúde em cima de indicadores

do período de 2000 a 2005. O desafio apare ceu muito bem delineado. A chance de uma criança nascer e viver no Recife era muito maior do que a de uma criança quilombola, indígena e, sobretudo, sertaneja. Mas qual seria a melhor alter nativa para reverter essa situação? Ana Elizabeth de Andrade Lima, coorde nadora do Comitê Executivo do Programa e diretora geral da Ges tão de Cuidado e das Políticas Estratégicas da Secretaria estadual de Saúde, conta que o primeiro passo, antes mesmo de consolidar o Mãe Coruja, foi im plantar uma política de fortalecimento da atenção primária nos municípios. O foco era fortalecer o município na gestão do cuidado. “O Estado cofinanciou, colocou princípios, diretrizes, in dicadores e o projeto foi implantado. “Em outubro de 2007, com esse programa formatado e com o foco da redução da mortalidade materno-infantil, e ainda com a lógica de trabalhar integrado nos eixos de saúde, educação, assis tência e desenvolvimento social , nasce o Mãe Coruja”.
O Sertão do Araripe foi o local escolhido para deflagrar o traba lho. Não por acaso. A região detinha os piores indicadores de mortalidade infantil de Pernambuco, chegando a 25 mortes para cada
Mulheres recebem qualificação e acompanhamento sistemático


mil nascidos vivos. Uma situação bem mais séria do que, por exem plo, a do Recife, com 15 mortes para cada mil nascidos vivos e a do Estado, que chegava a 21 mor tes por cada mil nascidos vivos. Como o sub-registro era muito grande, na prática a situação do Sertão do Araripe era bem pior. Sem contar com outros indicado res preocupantes e que também foram levados em consideração, como baixa renda e desenvolvi mento social. A equipe arregaçou as mangas e colocou em prática a ação integrada, que diferencia o Mãe Coruja de tantos outros por que permite o trabalho, em sintonia, entre nove secretarias. De lá para cá, não parou mais.
Depois do Sertão do Araripe, o programa chegou ao Sertão do Moxotó, cuja situação também era grave, e hoje cobre 103 municí pios. Todos os que, em 2007, apareciam no mapa com mortalidade acima de 25 por mil. “Estamos no Estado inteiro, cobrindo as 12 re gionais”.
Ana Elizabeth conta que a meta foi atingida e destaca que o foco sempre foi amplo. Mesmo quando um município apresenta va estatísticas menos preocupantes do que outros, se ele estivesse inserido em uma região onde 50% das localidades tinham mortali dade acima de 25 mortes por mil nascidos vivos e , portanto, onde o sinal de alerta estava aceso, ele também seria contemplado pelo programa.
A experiência cresce e mesmo municípios que não têm índices alarmantes de mortalidade ma terno-infantil se interessam pelo Programa. Surge, então, a versão municipal viabilizada através de cooperação técnica. Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife, já tem o seu Canto, como são cha madas as sedes, e o Recife está em fase final de entendimento para fazer o mesmo.
Inovação
Com metas e resultados em dia e em processo de expansão, a boa fama do Mãe Coruja corre o Brasil e já ultrapassou as fron teiras do País. Em 2012, depois de uma visita a Pernambuco, re presentantes do Governo do Timor- Leste, na Ásia, anunciaram que iriam replicá-lo. Nacional mente, inspirou o Rede Cegonha e o Brasil Carinhoso, do Governo Federal. O sucesso é atribuído ao mo delo de gestão, que não dá espaço para ações isoladas e que foi construído com base na premissa

Mãe Coruja em Números 106.815 mulheres cadastradas 50 mil crianças de zero a cinco anos acompanhadas 103 cantos Mãe Coruja 12 regionais 246 profissionais envolvidos na rede direta 9 secretarias envolvidas
do trabalho integrado. Ana Eliza beth é taxativa. Diz que o modelo é inédito e tem, de fato, atraído a atenção pelo gerenciamento, pela forma como é conduzido. Nove secretarias trabalham juntas. “Não foi feito um ajunta mento de coisas. Todas elas participaram e construíram o programa juntas”, destaca Ana Elizabeth, ressaltando que o programa vai além: une Governo, municípios e sociedade civil.
Esse menino, essa menina
Os resultados do Mãe Coruja já apontam para uma situação diferente daquela encontrada em 2007, quando o Programa come çou. O indicador revela que, em nível estadual, a taxa retraiu de 21 para 15 mortes para cada mil nascidos vivos. A Saúde ainda tem indicadores que mostram o aumento do aleitamento materno, aumento da captação precoce de gestantes no pré-natal, e maior índice de vacinação.
O resgate da cidadania tam bém é destacado por Ana Elizabeth”. Fomos no lugar da vulnerabilidade e onde pessoas estavam completamente alijadas do pro cesso de sociedade e onde encontramos crianças com 10, 11 anos ainda sem nome, que moravam no meio do nada e eram chama dos pelos pais de esse menino, essa menina”.
Na Educação, os Ciclos de Educação e Cultura têm ajudado mulheres como Irailda Quitéria a olhar para vida com novas pers pectivas. Os profissionais que atuam nestes ciclos fizeram o caminho inverso do professor-aluno. Tiveram qualificação pedagógica para se adequarem à realidade daquelas mulheres grávidas que não conseguem passar cinco ho ras ininterruptas em sala de aula. Os módulos de ensino também ganharam nomes afinados com a realidade das alunas. Módulo Mulher, Módulo Família, Módu lo Criança e Módulo Território. O método é o Paulo Freire, constru tivista, que permite que elas construam conhecimento a partir da necessidade do saber delas.
Os cursos de qualificação pro fissional também avançam. O Mãe Coruja tem parceria com o Sistema S e tem despertado a atenção de muita gente. O Cozinha Brasil, que transmite, por exemplo, orienta ções sobre a alimentação saudável, é um deles e não dá para quem quer. Irailda Quitéria, de Panelas, já está inscrita e recomenda.
PROJETOS de E do Rio Grande como inspira Curitiba
do ção Sul
Ocuidado com as gestantes em situação de risco e com crianças na primeira infân cia, de 0 a 6 anos, impulsiona experiências importantes em muitos estados brasileiros. Dois projetos serviram de inspiração para o Mãe Coruja. Curitiba, no Paraná, tem, desde 1999, o Mãe Curitibana. Mas, mesmo tendo sido uma referência, reguarda uma particularidade: é focado exclusivamente na Saúde. O Rio Grande do Sul investiu no PIM – Programa Primeira Infância Me lhor, implantado em parceria com a Unesco em 2003.
O Mãe Curitibana volta as aten ções para a melhoria da qualidade do pré-natal e a garantia de acesso ao parto. A humanização do aten dimento, cuja preocupação foi replicada em Pernambuco, é outra prioridade.
Ana Elizabeth, coordenadora do Comitê Executivo do Mãe Co ruja, conta que a Mãe Curitibana conseguiu atingir uma meta que o Mãe Coruja ainda persegue. É fazer com que a mulher que está no pré - -natal já saiba onde vai ter o filho. “É o chamado padrão ouro de um programa com tais pretensões”.
No Rio Grande do Sul, as esta tísticas do PIM, disponibilizadas na página oficial do Programa na in ternet, trazem resultados relevantes. O número de famílias atendidas passou, por exemplo, de 1.875, em 2003, para 53.940, em 2013. O
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número de visitadores habilitados também cresceu no mesmo pe ríodo, passando de 75 para 2.697 respectivamente. A quantidade de crianças atendidas já chega a quase 60 mil.
Quando a equipe de Pernam buco chegou no Rio Grande do Sul para conhecer o programa ele ainda era mais voltado para a Educação, mas hoje já ampliou. Assim como o Mãe Curitibana, que tinha as suas particularidades, o diferencial do PIM é o vinculo com a Unesco. Em Pernambuco, o financiamento do Mãe Coruja é do Governo do Estado.
Pernambuco, que foi buscar
Fotos: Iramaraí/ Mãe Coruja

“Queremos fazer o mesmo que Curitiba, onde a mulher já sabe, no pré-natal, onde vai ter o filho” Ana El izabe th, Coordenadora do Comitê Executivo do Mãe Coruja experiências exitosas como refe rência, agora também é apontado como exemplo, assim como Curiti ba e o Rio Grande do Sul. A Bahia, que estrutura a sua rede estadual da primeira infância, promoveu re centemente um seminário e o Mãe Coruja estava lá entre os demais es tados convidados para contar como se organizou e como avançou nos seus objetivos, sobretudo do ponto de vista de gestão – o seu grande diferencial.
México, Peru, Paraguai e Afri ca têm estabelecido diálogos com o Mãe Coruja na expectativa de conhecer a experiência. A rede de parceiros também cresce. Em 2012, o Programa ganhou um reforço im portante – A Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, de São Paulo, organização não governamental que disponibiliza todos as suas publica ções para o Mãe Coruja.
Também há parceria com a Unicef e a Save the Children - que é da Fundação Abrinq, que viabili za a qualificação de profissionais que atuam no Mãe Coruja no Ser tão. Os profissionais passam a ser agentes multiplicadores. A Funda ção holandesa Bernard Van Leer inclui Pernambuco no roteiro de viagem em recente visita ao Brasil e saiu muito bem impressionada. O diferencial? O modelo integrado de gestão. Deve entrar para as listas de parceiros, inclusive do ponto de vista financeiro.
Monitoram ento e resultados
encontro reuniões fazem parte da rotina do programa
Fotos: Iramaraí/ Mãe Coruja

Omonitoramento é uma ferramenta que dá resul tados. O Mãe Coruja não abriu mão dele. Segue essa sis temática desde que foi criado e assim deve permanecer porque os resultados positivos servem de estímulo. A rotina não é fá cil, mas é reconhecidamente necessária. Desde que foi cria do, em 2007, o Comitê Executivo se reúne toda segunda-feira. O mesmo acontece nos comitês regionais, uma prática que não deixa parada a rede de informa ções, considerada primordial no trabalho do dia a dia.
O Programa também é acompanhado mensalmen te através da Sala de Situação do Canto Mãe Coruja onde são disponibilizadas informações que subsidiam a tomada de de cisões, a gestão do cuidado, a prática profissional e a geração do conhecimento. O Programa integra o Mapa da Estratégia do Governo e como todos os outros precisa cumprir metas e apre sentar os resultados.
A tecnologia é parceira. O sistema é descentralizado e permite que o gestor que está no Recife, por exemplo, saiba exatamente o que está aconte cendo nos municípios mais distantes. É um sistema avançado, que além de eficiente, tem um diferencial importante: conse gue dar as informações praticamente em tempo real. Para uma equipe que envolve tantos profissionais em tantos luga res, agilidade e precisão são fundamentais.