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Entrevista
Paulo Motta
POR FÁtima Bel trão
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Responsável pela formação de gestores públicos de carreira, o professor Paulo Motta é titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e PhD/Mestrado em Administração Pública na Carolina do Norte, Estados Unidos. Ele costuma definir o gestor público como o profissional que faz o elo entre governo e sociedade, entre público e privado, responsável pela continuidade das boas ações dos governos independente da cor político-partidária. Destaca nessa entrevista concedida à Revista Gestão Pública que a visão de governança privada criou um sistema de regulação, fonte futura de desburocratização. Segundo ele, há dez anos havia empresários bem-sucedidos que participavam da administração pública. Hoje as estrelas estão na administração pública. São gestores muito bem formados pelas escolas brasileiras, algumas das quais de alto nível, que administram muito bem em seus Estados. Os novos gestores são responsáveis pela formulação das políticas públicas de sucesso e garantidores da memória dessas ações. Significa afirmar que as ações ficarão e os políticos passarão.
Como nasceu a carreira do gestor público? Ela nasce no governo federal, por imposição constitucional em 1988. Veio nessa época quando se visu alizava conquistas históricas na sociedade. Tinha a atração desse gestor de empresa e fazer a me lhoria do serviço prestado. Progrediu bem porque atraiu pessoas, mas tem dimensões novas no futu ro. A ordem pública está cada vez mais inserida no contexto interna cional, no constructo de redes internacionais. É ela quem faz a interligação entre público e privado e essa ligação molda um ao outro. Exige muita cooperação, por isso o gestor público está inserido em uma carreira.
De que forma se faz a regulação do sistema gestão pública? A visão de governança privada criou o sistema de regulação público. A fonte é o sistema privado e a regu lação vai ser no futuro a fonte da desburocratização, exigindo outra forma de desenvolvimento para fa cilitar o trabalho. Já se pode entrever o processo porque os governos são competitivos como as redes privadas também o são. É uma es pécie de caminho sem volta, depois que o processo inicia. A carreira do gestor público é fruto da pres sa que vivenciamos hoje. E é cada vez mais uma construção individu al. Há uma perda do coletivo e por isso mesmo vai depender das com petências de cada um. Cada profissional vai ter de se estruturar em suas tarefas e se destacar do todo. O Brasil se beneficiou muito desse sistema novo. Houve concursos pú blicos importantes. Essas pessoas são bem formadas e disputadas nos ministérios. Embora a carrei ra seja nova, podemos afirmar que houve grandes progressos.
Como o Brasil se situa na gestão pública? Posso dizer, sem sombra de dúvi das, que há um Brasil antes e depois do gestor público. Ele não tem a capacidade de mudar as coisas, do ponto de vista do Executivo e das leis, não depende dele. O Exe cutivo propõe e o Legislativo cria as leis. Mas ele é o responsável pela execução dessas metas. Moderni za a gestão pública, embora ainda existam os loteamentos políticos de cargos públicos. Claro que isso atrapalha, dificulta a gestão públi ca, mas entendemos que são construções que levam tempo para se firmarem. A existência da carreira já é um bom sinal de mudança.
Quem cria as políticas públicas? A figura do gestor profissionali zou a administração, mas ainda é preciso profissionalizar a política. Ambas devem caminhar juntas. O gestor é partícipe da criação da política pública, mas a conquista está no Congresso, de leis que modernizem. Essa não pode ser tarefa do gestor, isso faz parte do rol de atividades dos partidos políticos, responsáveis por essas mudanças. Há muitas diferenças ainda entre gestor público e privado. Por exem plo, o diagnóstico de problemas depende de superiores. O privado tem autonomia para decidir. O público tem de lutar 365 dias por ano pelo orçamento. O privado tem orça mento à sua disposição.
Quando começa essa tendência de profissionalizar a gestão pública? Nos anos 90 começa no mundo essa tendência de imitar o sistema privado. Isso frutifica na Inglaterra, Estados Unidos, especialmente nos países de inspiração britânica. É o pragmatismo britânico que se es palha e faz escola. Coincide com a
época da primeira ministra britâni

ca Margareth Tatcher, que empreendeu outro ritmo à Inglaterra.
E o sistema de metas? O sistema de metas tem sido aper feiçoado a cada dia. Ele é impor
tante para verificar o desempenho, mas é preciso que existam as condições adequadas para que as metas sejam atingidas de fato. Se houver as condições, os instru mentos adequados, o sistema de metas funciona. Os gestores nesse sistema buscam os resultados e estes lhes dão satisfação pessoal e profissional quando atingidos. É a realização profissional.
Sobre quais eixos a profissão se desenvolve? Os eixos são as funções tradicio nais da Administração. Mas eles estão inseridos na formulação de políticas públicas. No Brasil temos muitas escolas boas e que produ zem excelentes gestores para a administração pública. Tem sido uma tarefa bem sucedida a forma ção desses profissionais. A administração pública hoje chama mais
“Posso sem sombra dúvidas um Brasil e depois gestor di zer
de que h á antes do público ”
atenção que a empresarial. Há dez anos haviam empresários bem su cedidos que eram chamados para a administração pública. Hoje as estrelas estão na administração pública. Estrelas que administram bem seus estados ou ajudam na formulação das políticas públicas bem-sucedidas e mais ainda, eles são a garantia de que essas políti cas poderão ter continuidade e até serem aprimoradas, melhoradas, ampliadas de um governo para ou tro, sem cor partidária.
Como se dá a concorrência pelo de sempenho nas organizações? A eliminação de fronteiras econô micas acentuou a interdependência entre nações, substituindo os espaços nacionais de concorrência pelos internacionais. No meu artigo “O Novo Desenvolvimento e a Gestão Pública- as redes sócio-políticas e a cadeia mundial produtiva”, digo que a complexidade moderna, aliada à interdependência, envolve as or ganizações – públicas e privadas – em uma cadeia produtiva mun dial com uma maior variedade de interligações internacionais ou intercultu rais. A função administra - tiva adquiriu uma perspec tiva planetária, mesmo em pequenas em presas ou unidades menores de governo. Por isso, atualmen te o desempenho das organizações públicas ou privadas de pende da capacidade gerencial de lidar eficientemente com a com plexidade e a interdependência. A interdependência entre as nações gerou novos desafios do saber e do fazer, por acelerar continuamente as mudanças e provocar transfor mações expressivas nas últimas décadas.
O desenvolvimento dos emergen tes exige mais desempenho do Estado? A consciência mundial dos dese quilíbrios e atrasos econômicos e sociais reacende a expectativa sobre a oportunidade e a neces sidade de novas ideias. Novas conquistas sociais e econômicas criaram um otimismo a respei to das possibilidades de um novo desenvolvimento. O novo desen volvimento se caracteriza pelo progresso das nações emergen tes, libertadas dos rígidos laços da dependência econômica, permitindo-lhes serem partíci pes mais efetivas nas transações internacionais. Adicionalmente, se acentuou a crença em um re levante e distinto papel da administração pública nesse processo. A dinâmica das relações gover namentais no mundo contemporâneo alterou constantemente as fronteiras jurídicas, sociais e econômicas entre o governo e a sociedade, deixando-as mais ambíguas e variáveis. Os órgãos públicos se veem como parte de uma rede internacional de coope ração e produção com uma maior variedade de interligações entre instituições nacionais, estrangei ras e empresas privadas, mas a gestão pública ainda desempenha um papel primordial, distribuindo e legitimando valores e recursos à sociedade. A administração pú blica está hoje inserida em uma cadeia produtiva mundial, geren ciada diretamente por empresas privadas, interligada a governos de diversas nações.
Essa cadeia aumenta a pressão sobre os governos? A inserção na cadeia mundial pro dutiva acentua as pressões para mais produtividade, valor e quali dade nos seus serviços públicos. As redes se constituem em uma grande interdependência de valor e qualidade. Acrescer valor é a razão de ser de todos os procedi mentos e aumentar a produtividade significa suprimir quase tudo que não agrega valor, além de su primir fontes de não desempenho. C o n s e g u e - s e qualidade pelo melhor conjunto e integração de atividades com o menor núme ro de processos produtivos. Os desafios da atu alidade acentuam as dificuldades e revelam a incapacidade dos governos nacionais de re solverem, por si sós, problemas do desenvolvimento. A comple xidade aliada à interdependência faz pequenas ocorrências, mesmo em nações muito distantes, terem grandes impactos na administra ção de países distintos. Nesse novo meio complexo, competitivo e de grande poder concedido à iniciati va privada, a administração pública adquire um novo e fundamental papel de reguladora, incentivadora e colaboradora do desenvolvimen to.
Cabe ao Estado o papel de contro lador? Espera-se da gestão pública uma forte atividade de controle para proteger não só a produção de bens e serviços, mas o próprio interesse nacional. Conquistas e novidades recentes na administração pública a levaram à proclamação de mode los de gestão privado, resultando em maior fragmentação institucio nal, pluralidade e variedade de unidades e de formas organizacionais. Se, de um lado, essas formas frag mentam a administração, por outro valorizam as redes interativas. Por isso, atualmente, o desempenho profissionali administra profissionali eficiente e eficaz das organizações públicas depende da capacidade gerencial de lidar com uma grande rede de funções muito variadas. O que essas redes fazem na admi nistração? No mesmo artigo que escrevi rela ciono o que elas podem fazer. Por exemplo, proclamam uma política integradora para a distribuição de recursos mais eficaz do que trans parece na articulação e conjugação de interesses. Fazem a decisão pú blica não refletir hierarquia organizacional em virtude da pluralidade de interesses dos participantes. Também fazem com que progra mas de reforma ou inovação institucional, centrados em uma entidade específica, tenham menor impacto na formulação de políticas públicas. Agem além dos limites de organizações específicas. Não há mais correspondência clara e ex clusiva entre a formulação de uma política pública e uma organização específica. Mantêm um mínimo de interesses comuns, suficientes para sustentar a cooperação ape

“O gestor mas ainda sar das contradições e conflitos. a pol ítica
zou a ção pública é preciso ”
zar Tornam a formulação de políticas mais pública por meio de um pro cesso sequencial de decisão. Enfrentam de forma mais eficiente as ambiguidades próprias das etapas iniciais do processo decisório. Re forçam a visão clássica do público sobre ser a política pública menos um produto de análise racional e mais fruto de acordo entre indiví duos e grupos.
Nesse seu artigo o senhor fala também da tarefa que cabe aos gestores? Eles possuem explicitamente a capacidade individual de traba -
lhar na formulação de objetivos e na execução de meios para al cançá-las. Exercem uma função que extrapola os limites tradicio nais de poder impostos pelos objetivos organizacionais. Possuem quase um mandato para manter a lealdade a grupos do poder. Deci dem e agem em um cotidiano de dificuldades, incongruências e paradoxos impostos pelas diver gências entre objetivos políticos. E sobrevivem menos em termos de resultados específicos e mais pela lealdade a amplos objetivos agregadores de apoio político. O que mais importa o resultado ou a satisfação pessoal? A sociedade mais individualista ou da prevalência do individual pelo coletivo transformou as con cepções sobre a relação entre o indivíduo e a organização do tra balho, inclusive as concepções sobre carreira. Posso dizer que no trabalho, os gestores pare cem bem adaptados menos pela expressão do individual de suas escolhas e mais pelo valor da ação e da conquista. Nesse nível, é possível presumir que a satis fação pessoal não seja um fator motivacional para a conquista de resultados, mas exatamen te o inverso. Isto é, o alcance de resultados leva à satisfação pes soal. A sociedade incentivadora do progresso individual cria mais expectativas e exigências sobre as pessoas. Há lembretes cons tantes, vindos de todos os lados, para que se dediquem, se aperfei çoem e progridam. Nesse contexto se enquadram as organizações do trabalho, públicas ou privadas. Elas são, no final das contas, os principais alvos e receptores des se tipo de mensagem. A falta de recursos e o aumento das demandas impõem a busca pela gestão profissionalizada? A dificuldade de recursos finan ceiros é cada dia mais clara na área pública, não em função das dificuldades históricas, mas sim por causa da maior demanda de serviços, sobretudo na área so cial. Praticamente em todos os países, inclusive os mais ricos, produz-se atualmente uma maior


demanda sobre os orçamentos públicos. Na área social, há ati vidades mais caras, de resposta mais difícil, envolvendo dimen sões coletivas mais extensas e ações preventivas constantes. A percepção de escassez aguda de recursos tende a afetar o proces so de gestão de qualquer instituição, principalmente quando não se visualiza a possibilidade de solução rápida. “A administração pública não atua normalmente em
um ambiente de abundância e efi cácia, e sim em meio à escassez aguda. Pode-se indicar o aumen to da burocracia ou dos obstáculos administrativos, a imagem de ineficiência e de incapacidade administrativa, frustrações e pes simismos individuais e restrições à visão estratégica. Problemas se avolumam, sobretudo pelas difi culdades em atender às demandas de áreas sociais, como a da saúde e da educação. O dilema de administrar escassez e a pressão para que se faça mais, aliada à pressão para que se gaste muito menos, estão entre os principais problemas administrativos.