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Município de São Paulo

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Bibliografia

Bibliografia

plano diretor vigente do município de São Paulo é a Lei municipal nº 16.050 de julho de 2014. O processo de sua elaboração contou com 60 audiências públicas, consultas pela internet e direito à palavra assegurado à todas. Participaram da elaboração do documento inúmeras entidades sociais, coletivas e afins, inclusive coletivas de mulheres/feministas. No próprio texto de apresentação da Lei, é afirmado: p.17

São Paulo é extremamente desigual. Os investimentos, as oportunidades de emprego e a oferta de bens e serviços urbanos são concentrados em uma pequena parcela central do território, enquanto a vulnerabilidade predomina nas áreas periféricas. É possível, sobre essa estruturação urbana, traçar paralelo com o Distrito Federal, mesmo com todas as diferenças entre ambos os casos. A lei dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, o Sistema de Planejamento Urbano e o Plano Diretor Estratégico (PDE) do Município de São Paulo, sendo válido em toda a sua abrangência.

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Fluxograma da função social da propriedade.

A preocupação com a promoção da igualdade social não é apresentada apenas a nível de diretrizes. O plano já trás determinações através das quais isso pode ser executado. Um exemplo é impor a destinação mínima de 30% do Fundo de Desenvolvimento Urbano para a aquisição de imóveis bem localizados (áreas com empregos e infraestrutura bem estabelecida). Impõe também que a isto se some ao menos 25% dos recursos arrecadados em Operações Urbanas Consorciadas como formas de garantir fontes de financiamento para habitação de interesse social. O plano diretor é compromissado em efetivar o princípio da função social da propriedade urbana, e uma das formas em que isso é feito pode ser observada no fluxograma da página anterior.

No Capítulo II que trata dos princípios, diretrizes e objetivos é possível identificar os seguintes tópicos relevantes a serem citados, sobretudo para fins comparativos às nossas legislações distritais equivalentes:

Art. 5º Os princípios que regem a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico são:

I - Função Social da Cidade;

II - Função Social da Propriedade Urbana;

III - Função Social da Propriedade Rural;

IV - Equidade e Inclusão Social e Territorial;

V - Direito à Cidade;

VI - Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado;

VII - Gestão Democrática.

§ 1º Função Social da Cidade compreende o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental, incluindo o direito à terra urbana, à moradia digna, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao sossego e ao lazer.

§ 4º Equidade Social e Territorial compreende a garantia da justiça social a partir da redução das vulnerabilidades urbanas e das desigualdades sociais entre grupos populacionais e entre os distritos e bairros do Município de São Paulo.

Art. 7º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico se orientam pelos seguintes objetivos estratégicos:

XIII - reduzir as desigualdades socioterritoriais para garantir, em todos os distritos da cidade, o acesso a equipamentos sociais, a infraestrutura e serviços urbanos;

Existem inúmeros pontos iguais ou equivalentes, que derivam das próprias diretrizes estabelecidas tanto pela Constituição quando pelo Estatuto da Cidade, porém com níveis um pouco maiores de enfoque sobre as questões sociais. Tal qual apontado em relação ao PDOT, não constam nessas diretrizes e objetivos o reconhecimento da existência das demandas específicas que as mulheres possuem em relação à cidade.

No Capítulo VIII no entanto, algumas das necessidades específicas das mulheres são reconhecidas.

Art. 303. Os objetivos do Sistema de Equipamentos Urbanos e Sociais são:

I - a proteção integral à família e à pessoa, com prioridade de atendimento às famílias e grupos sociais mais vulneráveis, em especial crianças, jovens, mulheres, idosos, negros e pessoas com deficiência e pessoas em situação de rua;

II - a redução das desigualdades socioespaciais, suprindo carências de equipamentos e infraestrutura urbana nos bairros com maior vulnerabilidade social;

Art. 305. As ações prioritárias no Sistema de Equipamentos Urbanos e Sociais são:

VII - expandir a rede de Centros de Educa- ção Infantil - CEI e a rede de Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEI, inclusive por meio da rede conveniada e outras modalidades de parcerias;

XIV - aprimorar as políticas e a instalação de equipamentos, visando à viabilização das políticas de acolhimento e proteção às mulheres vítimas de violência;

A expansão da rede de educação infantil é fundamental para combater a desigualdade social entre homens e mulheres sobretudo no mercado de trabalho, uma vez que muitas mães acabam não podendo trabalhar fora de casa por não terem com quem deixar seus filhos. Não é possível pensar em inclusão das mulheres sem pensar nas mães e suas demandas ainda mais específicas, que se mesclam às demandas das crianças.

A Comissão de Defesa da Mulher da Câmara

Municipal de São Paulo apresentou, em audiência pública realizada em dezembro de 2002, inúmeras reivindicações com perspectiva de gênero para o desenvolvimento de políticas urbanas, como sugestão a serem incluídas no PDE-SP. As principais recomendações podem ser lidas ao lado, e apesar de terem claramente influenciado alguns pontos, fica visível o quanto ainda é possível melhorar:

Diretrizes a) Priorizar programas habitacionais com subsídios para mulheres que chefiam as famílias; b) Garantir que o título da propriedade ou de concessão real de uso seja feito em nome da mulher; c) Na questão do uso do solo, a criação da lei que obriga a murar os terrenos vazios da cidade; d) Desenvolver campanhas educativas de combate ao assédio sexual nos transportes; e) Garantir a aplicação de normas que garantam a acessibilidade aos edifícios e levem à diminuição das barreiras arquitetônicas, promovendo o rebaixamento de guias para locomoção dos carrinhos de bebês, de feira, etc.; f) Relocação dos pontos de ônibus em lugares ermos, pois favorecem o estupro das mulheres; g) Banheiros públicos de qualidade e gratuitos, localizados em locais centrais e periferias; h) Criar condições para as mulheres utilizarem os espaços públicos com estrutura para atender as necessidades dos filhos, como fraldário, bancos, playground, arborização; i) Criação de itinerários interbairros, que passem pelas creches, escolas, unidades básicas de saúde e comércio; j) Garantir a aplicação de normas para diminuir as barreiras arquitetônicas de edifícios e espaços públicos, qualificar os passeios com rebaixamento da via para acesso de carrinhos de bebês, cadeirante, idosos; k) Fortalecimento e implementação dos espaços de amparo a mulheres vítimas da violência doméstica e sexual; l) Aumento do número de creches e escolas integrais, como os Centros de Artes e Esportes Unificados - CEUS; m) Iluminação pública como estratégia para garantir segurança; n) Sistema de sinalização nos espaços da cidade que possam oferecer risco de violência contra a mulher; o) Garantir a participação da mulher em organismos de representação, como orçamento participativo, conselhos e conferências; p) Participação das entidades das mulheres nas agências de desenvolvimento social e econômico.

Município de Santo André

O plano diretor vigente no município de Santo André se apresenta na Lei municipal nº 9.394 de janeiro de 2012 e possui abordagem muito progressista no que diz respeito às questões sociais e combates às desigualdades a nível de planeamento urbano. Logo no Título I, que diz respeito aos princípios fundamentais e objetivos gerais da política urbana social, temos:

Art. 4º As funções sociais da cidade no Município de Santo André correspondem ao direito à cidade saudável e sustentável para todos e todas, o que compreende o direito à terra urbanizada, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura e serviços públicos, ao transporte coletivo, à mobilidade urbana e acessibilidade, ao trabalho, à cultura e ao lazer.

Pode parecer pouco, ou muito sutil, mas o uso da palavra “todas” compreende a existência das especificidades femininas, e não nos anula dentro de uma falsa neutralidade ao nivelar as mulheres dentro do masculino (OKIN, 2008). E continua:

Art. 7ºA O Poder Público Municipal deve combater a exclusão e as desigualdades sociais adotando políticas públicas que promovam e ampliem a melhoria da qualidade de vida dos seus munícipes atendendo às suas necessidades básicas, garantindo a fruição de bens e serviços socioculturais, urbanos e de proteção ambiental que o Município oferece.

Parágrafo único O Poder Executivo Municipal deve assegurar que toda a população andreense seja assistida, sem qualquer tipo de discriminação, bem como promover e garantir o cumprimento dos Direitos Humanos.

Art. 7º C As ações do Poder Público devem garantir a transversalidade das políticas de gênero, orientação sexual, raça e etnia, bem como daquelas destinadas às crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, permeando o conjunto das políticas públicas do Município, buscando alterar a lógica da desigualdade e discriminação nas diversas áreas.

Nenhuma das legislações urbanas anteriormente apresentadas citam garantia e cumprimento dos Direitos Humanos, enquanto há quase uma década isso se faz presente na de Santo André. Além disso, as desigualdades sociais que os mesmos visam combater são explicitamente citadas, incluindo as políticas de gênero.

Também de forma inédita nas legislações avaliadas, as demandas das mulheres são levadas em consideração até mesmo no que diz respeito às áreas verdes e de lazer:

Art. 18 A O Sistema Municipal de Áreas Verdes e de Lazer é elemento da Política de Saneamento Ambiental Integrado, com disposições sobre:

III - o tratamento paisagístico a ser conferido às unidades do sistema, de forma a garantir multifuncionalidade às mesmas e atender às demandas por gênero, idade e condição física

A lei traz ainda abordagens muito progressistas e inclusivas no que diz respeito a outras questões que não são exatamente o foco deste trabalho, como por exemplo referente à educação. No Capítulo VIII que trata da saúde, temos no art. 27 que, em relação às diretrizes da saúde:

VIII - desenvolver ações em consonância com os objetivos do milênio, quais sejam: acabar com a fome e a miséria; promover educação básica de qualidade para todos; promover condições de igualdade entre sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a AIDS, a malária e outras doenças; promover qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e estimular discussões com o objetivo de que todos trabalhem pelo desenvolvimento;

Assim como no processo da cidade de São Paulo, o movimento das mulheres na luta pela inclusão de nossas demandas específicas foi fundamental e determinante, e o processo foi muito semelhante. O Plano Diretor de Santo André foi o pioneiro a apresentar o Plano Municipal dos Direitos das Mulheres em 1990, e estabeleceu políticas específicas que passaram a ser incorporadas em todas as secretarias do município. Abaixo, é possível conferir síntese das principais diretrizes.

Diferente de Brasília, que data da segunda metade do século passado, a origem da cidade de Santo André se deu com um povoado que foi reconhecido como vila pelo então governo de São Paulo em 1553. Apesar da distinta natureza dos patrimônios, Santo André também possui inúmeros tombamentos e uma grande preocupação com a preservação dos mesmos. Desta forma, podemos aprender com seu exemplo que é possível uma política urbana que concilie a preservação patrimonial e um real combate às desigualdades.

Plano Municipal dos Direitos das Mulheres de Santo André, 1990

I. Estabelecer políticas públicas aos órgãos municipais, combatendo a discriminação e objetivando a melhoria da qualidade de vida da população feminina da cidade;

II. Estabelecer maior participação do poder público na socialização do trabalho doméstico, visando a facilitar a gestão da vida cotidiana com melhoria e criação de equipamentos sociais, tais como: postos de saúde, creches, refeitórios, cozinhas e lavanderias coletivas, escolas em período integral;

III. Formular programa que incentive o emprego e incentivos fiscais, financeiros e técnicos, voltados especificamente para mulheres, de modo que se estimule a formação e o desenvolvimento de pequenas e micro empresas;

IV. Estabelecer normas para a formação de um banco de dados sobre a mulher no município, objetivando inventariar a situação da mulher;

V. Assegurar a participação das mulheres na elaboração, acompanhamento e gestão dos programas e equipamentos públicos.

Seção XII do Plano Municipal dos Direitos das Mulheres de Santo André, 1990. Fonte: Sarmento, 2017

Município de Blumenau

Em sua dissertação de mestrado “A Participação da Mulher na Construção da Cidade Contemporânea: contribuições para um novo modelo de planejamento urbano em Blumenau/SC”, após levantamento bibliográfico e documental sobre a história das mulheres e transformações dos espaços urbanos, sobre as noções de espaço público e espaço privado, direito das mulheres à cidade e então a relação das mulheres com a cidade de Blumenau, Sarmento organizou encontros que visavam promover o diálogo entre os diferentes grupos de mulheres participantes. Ela realizou seis encontros presenciais envolvendo 55 mulheres de Blumenau com perfis socioeconômicos diversos. As perguntas que nortearam os diálogos foram as seguintes:

1) Blumenau atende seu direito à cidade? Identificar as principais limitações que impedem as mulheres de exercerem seu direito à cidadania, à qualidade de vida e à emancipação.

2) Considerando a rotina do seu dia-a-dia, como você solucionaria os principais pro- blemas levantados na questão anterior?

Identifique, por ordem de prioridade, quais questões devem estar na carta das mulheres para cidade.

3) Quais alternativas e soluções as mulheres incluiriam no planejamento da cidade?

A partir dos relatos obtidos, Sarmento sistematizou as principais demandas levantadas na forma da “Carta das Mulheres para a Cidade de Blumenau”, que foi lida e protocolada em junho de 2016 na Conferência Municipal das Cidades, sediada na mesma. No evento, o conteúdo da carta foi debatido e protocolado para encaminhamento para o processo de Revisão do Plano Diretor de Blumenau. O conteúdo da Carta também integrou o Manifesto Lilás, que se tratou de um documento construído por diversos coletivos de mulheres que compõem o movimento pela criação do Conselho Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres de Blumenau. Segue, na próxima página, a lista de demandas que compõe a carta entregue na Conferência das Cidades de 2016.

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