ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA 2020 – 2021
ANAIS Ano VIII
Brasília, março de 2022
Anais: Ano VIII / Academia de Medicina de Brasília (2020-2021) – Brasília: Ed. Do Autor, 2022 128p. ISBN: 978-65-88803-02-8 Coletânea de escritos apresentados em palestras. 1. Medicina. I. Academia de Medicina de Brasília(2020-2021) CDU 61
Revisão: Marcus Vinicius Ramos Diagramação: Marcos Aurélio Pereira Capa: Marcos Aurélio Pereira
Academia de Medicina de Brasília SGAS 607 – Edifício Metrópolis – Cobertura 1 Asa Sul – Brasília – DF – CEP: 70.200-670 E-mail: acadmedbr@gmail.com Site: http://www.academiamedicinadebrasilia.org.br/ Tel.: (61) 3346-3655
ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA DIRETORIA Biênio 2020 - 2021 Presidente Vice Presidente Secretario Geral Diretor Financeiro Diretor Científico
Acad. Marcus Vinicius Ramos Acad. Etelvino de Souza Trindade Acad. Augusto Cesar de Farias Costa Acad. José Ulisses Manzini Calegaro Acad. Nasser Sarkis Simão Acad. Maria Mouranilda T. Schleicher
Conselho Fiscal
Acad. Jair Evangelista da Rocha Acad. Rosely Cerqueira de Oliveira
Conselho Fiscal suplentes
Acad. Edno Magalhães Acad. Antonio Geraldo da Silva Acad. Janice Magalhães Lamas
ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA ACADÊMICOS TITULARES Cadeira nº 01
Acadêmico Elisa de Carvalho
Cadeira nº 02
Acadêmico Marcus Vinicius Ramos
Cadeira nº 03
Acadêmico Augusto Cesar de Farias da Costa
Cadeira nº 05
Acadêmico Laércio Moreira Valença
Cadeira nº 06
Acadêmico Carlos Alberto de Assis Viegas
Cadeira nº 07
Acadêmica Janice Magalhães Lamas
Cadeira nº 08
Acadêmico Luiz Augusto Casulari Roxo Mota
Cadeira nº 10
Acadêmico Edno Magalhães
Cadeira nº 11
Acadêmica Rosely Cerqueira de Oliveira
Cadeira nº 12
Acadêmica Ana Patrícia de Paula
Cadeira nº 13
Acadêmico Antonio Geraldo da Silva
Cadeira nº 14
Acadêmica Maria Mouranilda Tavares Schleicher
Cadeira nº 15
Acadêmico Marcos Gutemberg Fialho da Costa
Cadeira nº 16
Acadêmico Emmanuel Dias Cardoso
Cadeira nº 17
Acadêmico Procópio Miguel dos Santos
Cadeira nº 18
Acadêmico Iphis Tenfuss Campbell
Cadeira nº 20
Acadêmico Leonardo Esteves Lima
Cadeira nº 21
Acadêmica Lucimar Rodrigues Coser Cannon
Cadeira nº 23
Acadêmico Simônides da Silva Bacelar
Cadeira nº 24
Acadêmica Regina Cândido Ribeiro dos Santos
Cadeira nº 25
Acadêmica Antoinette Oliveira Blackman
Cadeira nº 26
Acadêmico José Ulisses Manzzini Calegaro
Cadeira nº 27
Acadêmico Etelvino de Souza Trindade
Cadeira nº 28
Acadêmico Osório Luís Rangel de Almeida
Cadeira nº 29
Acadêmico Isis Maria Quezado S. Magalhães
Cadeira nº 31
Acadêmico Eduardo Freire Vasconcellos
Cadeira nº 32
Acadêmico Alba Mirindiba Bomfim Palmeira
Cadeira nº 33
Acadêmico Nasser Sarkis Simão
Cadeira nº 34
Acadêmico Maurício Gomes Pereira
Cadeira nº 35
Acadêmico Luiz Fernando Galvão Salinas
Cadeira nº 36
Acadêmico José Paranaguá de Santana
Cadeira nº 39
Acadêmico Geraldo Magela Vieira
Cadeira nº 40
Acadêmico Ronaldo Mendes de Oliveira Castro
Cadeira nº 41
Acadêmico Florêncio Figueiredo Cavalcanti Neto
Cadeira nº 42
Acadêmico Francileide Paes da Silva
Cadeira nº 43
Acadêmico Francisco Diogo Rios Mendes
Cadeira nº 45
Acadêmico Sérgio Lincoln de Matos Arruda
ACADÊMICOS EMÉRITOS e COPATRONOS Acadêmico André Esteves de Lima (in memoriam) Acadêmico Antônio Zappalá (in memoriam) Acadêmico Antônio Márcio Junqueira Lisboa (in memoriam) Acadêmico Armando José China Bezerra Acadêmico Célio Rodrigues Pereira Acadêmico Elias Tavares de Araújo Acadêmico Ely Toscano Barbosa Acadêmico Eraldo Pinheiro Pinto Acadêmico Fábio Lage Correa Rabello (in memoriam)
Acadêmico Francisco Floripe Ginani Acadêmico Francisco Pinheiro Rocha Acadêmico Geraldo Damião Secunho (in memoriam) Acadêmico Jair Evangelista da Rocha (in memoriam) Acadêmico Mário Pedro dos Santos (in memoriam) Acadêmico Hélcio Luiz Miziara Acadêmico João da Cruz Carvalho (in memoriam) Acadêmico João Eugênio G. de Medeiros Acadêmico José Antônio Ribeiro Filho Acadêmico José Leite Saraiva Acadêmico José Carlos Quinaglia e Silva (in memoriam) Acadêmica Maria Ophélia Galvão Araújo (in memoriam) Acadêmico Manoel Ximenes Netto Acadêmico Odílio Luiz da Silva (in memoriam) Acadêmico Oscar Mendes Moren (in memoriam) Acadêmico Paulo Andrade de Mello (in memoriam) Acadêmico Pedro Luiz Tauil Acadêmico Renato Ângelo Saraiva (in memoriam) Acadêmico Renato Maia Guimarães (in memoriam) Acadêmico Renault Mattos Ribeiro (in memoriam) Acadêmico Roberto Ronald de A. Cardoso Acadêmico Ruy Bayma Archer da Silva Acadêmico Sérgio da Cunha Camões (in memoriam) Acadêmico Tito de Andrade Figuerôa (in memoriam) Acadêmica Vanize de Oliveira Macedo (in memoriam) Acadêmico Wilson Eliseu Sesana (in memoriam)
ACADÊMICOS HONORÁRIOS Acadêmico Eudes Fernandes de Andrade Acadêmico Jofran Frejat(in memoriam) Acadêmico Rômulo Maroccolo (in memoriam)
ACADÊMICO CORRESPONDENTE Joaquim Roberto Costa Lopes
ACADÊMICOS BENEMÉRITOS Newton Lins Teixeira de Carvalho Luíza de Paula
EX-PRESIDENTES Antônio Marcio Junqueira Lisboa (1989-1991), Ely Toscano Barbosa (1991-1993), Elias Tavares de Araújo (1993-1995), Laércio Moreira Valença (1995-1997), José Antônio Ribeiro Filho (1997-1999), Renault Mattos Ribeiro (2000-2003), Francisco Floripe Ginani (2003-2004), Manoel Ximenes Netto (2004-2006), Sérgio da Cunha Camões (2006-2008), José Leite Saraiva (2008-2010), José Leite Saraiva (2010-2012), Janice Magalhães Lamas (2012-2014), Edno Magalhães (2014-2016), Renato Maia Guimarães (2016-2018), Marcus Vinicius Ramos (2018-2020), Marcus Vinicius Ramos (2020-2022)
SUMÁRIO Apresentação..........................................................................11 Ata da Assembleia Geral Ordinária da Academia de Medicina de Brasília – 29 de Outubro de 2019..............................................13 Projeto conjunto para um curso de História da Medicina................15 Posicionamento da Academia de Medicina de Brasília (1) Pandemia Covid......................................................................20 Comunicado AMeB (1)..............................................................22 Comunicado AMeB (2)..............................................................24 Pandemia...............................................................................25 Acad. José Ulisses Manzzini Calegaro Profissionais da Saúde: resiliência e compaixão...........................28 Acad. Carlos Alberto de A. Viegas Posicionamento da Academia de Medicina de Brasília (2) Pandemia Covid – 19...............................................................30 Comunicado (3)......................................................................32 Cinquenta Anos de História – 1965-1970 (Homenagem da Academia de Medicina de Brasília à Primeira Turma de Médicos Formada pela UnB – Depoimentos)............................................35 Sessenta Anos de História – 1960-2020 (a História da Medicina de Brasília Contada pela Academia – Depoimentos)......................81
Ata da Assembleia Geral Ordinária da Academia de Medicina de Brasília – 19 de Outubro de 2021............................................ 121 Encerramento do Ano Acadêmico – Biênio 2020 – 2021.............. 124
APRESENTAÇÃO
Desde o início de 2020 vivemos uma crise sanitária diferente de qualquer outra que tenha afligido os últimos cem anos da história do nosso país. Mais do que uma crise de saúde, a pandemia provocada pelo SARS-Cov-2 representa também uma crise humana, econômica e social que vem infectando, dia a dia, a própria essência da nossa sociedade. Em particular, expôs, exacerbou e solidificou desigualdades existentes, tornando indivíduos e grupos que vivem em determinados lugares e comunidades mais vulneráveis do que antes. Ao lado deste contingente populacional, fomos nós, os profissionais da saúde os mais expostos a essa forma prolongada de estresse. O contato diário com o risco de infecção fez com que grande parte da nossa classe fosse atingida por diferentes tipos de esgotamento, fosse ele causado pelo medo de contagiar familiares ou pelo isolamento social prolongado. Com o advento das vacinas chegamos a pensar que o impacto da pandemia estivesse chegando ao fim, mas infelizmente essa possibilidade, hoje, não parece mais ser correta. Seus efeitos sociais, econômicos e culturais, ao que tudo indica, perdurarão ainda por um longo tempo. Esses Anais refletem, de certa forma, essa situação: a Sessão Solene que abriria o ano acadêmico de 2020 foi cancelada na véspera por decisão da Diretoria eleita, em razão do lockdown instituído pelo GDF. Sessões plenárias e palestras (assim como o curso de História da Medicina) foram suspensas, encontros pessoais limitados aos membros da Diretoria Executiva, contatos extramuros reduzidos às reuniões
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pontuais com autoridades sanitárias da cidade e às mensais com as demais entidades médicas. Só voltamos a nos reunir quase dois anos depois, para fechar o ano acadêmico de 2021. Ainda assim ficamos com a amarga impressão que todo esse esforço foi insuficiente para impedir que dois dos nossos mais queridos confrades – Jair Evangelista da Rocha e José Carlos Quinaglia e Silva – perdessem a batalha para a Covid 19. A eles a Academia de Medicina de Brasília dedica as páginas destes Anais. Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB
ATA DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA – 29 DE OUTUBRO DE 2019
A sessão foi aberta às 19:10 pelo Presidente Acad. Marcus Vinícius Ramos, que convocou a Comissão Eleitoral, composta pelos acadêmicos Drs. Edno Magalhães, Alba Mirindiba Bonfim Palmeira e Mário Pedro dos Santos, sob a presidência do primeiro, para assumir a mesa e coordenar a eleição da Diretoria para o biênio 2020/2022. O acadêmico Dr. Edno Magalhães agradeceu a presença de todos e informou que a Comissão Eleitoral, designada e empossada pelo presidente da Academia de Medicina de Brasília conforme Art. 29 inciso IV do seu Regimento Interno, reunida no dia 29 de outubro do corrente ano em sua sede situada no SGAS 607 – Ed Metrópolis, Cobertura 01, havia feito a avaliação prévia da chapa denominada “AMeB à Frente”, única inscrita para a Diretoria Executiva e Conselho Fiscal para o Biênio 2020-2022, declarando que a mesma havia cumprido com todos os termos assinalados no Edital divulgado no site da AMeB no dia 10/09/2019. A chapa é composta pelos seguintes acadêmicos na Diretoria Executiva: Presidente, Marcus Vinícius Ramos; Vice presidente, Etelvino de Souza Trindade; 1ª VicePresidente, Isis Maria Quesado S. Magalhães; Secretário geral, Augusto César de Farias Costa; 1º Secretário, Osório Luís Rangel de Almeida; 2º Secretário, Mário Pedro dos Santos; Diretor financeiro, José Ulisses Calegaro; Diretor científico, Nasser Sarkis Simão. O Conselho Fiscal será composto pelos acadêmicos Maria Mouranilda Tavares Schleicher, Jair Evangelista da Rocha e Rosely Cerqueira de Oliveira, tendo como suplentes os acadêmicos Edno Magalhães, Antônio Geraldo da Silva e Janice Magalhães Lamas. Em conformidade com o que reza o inciso 6º do Artigo 29 do capítulo 9º do regimento interno da Academia, as eleições
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podem ser simbólicas, nominais, e/ou por dispositivo secreto. Por haver sido inscrita uma única chapa, liderada pelo acadêmico Marcus Vinícius Ramos, a Comissão Eleitoral propôs à assembleia que a eleição se efetivasse da forma simbólica. Seguiu-se uma salva de palmas, confirmando a eleição da chapa “AMeB à Frente” para o biênio 2020/2022. O Presidente da Comissão Eleitoral devolveu então a palavra ao presidente da Academia, Dr. Marcus Vinicius Ramos, que agradecendo ao plenário a confiança depositada na nova Diretoria para comandar a AMeB por mais um biênio, deu prosseguimento à pauta, convocando os acadêmicos Dr. José Carlos Quinaglia e Silva e Dr. Sérgio Lincoln Matos Arruda para justificarem, de acordo com o Artigo 18, §§ 3º e 4º dos Estatutos da Academia de Medicina de Brasília, a indicação dos nomes dos Drs. Ady Prates Flores e Milton Rabelo Filho para patronos das cadeiras 44 e 45, respectivamente. Por serem reconhecidos vultos da medicina brasiliense e brasileira, se destacado em sua área de atuação e honrado nossa profissão, o nome de ambos foi aprovado pelo plenário unanimemente. A palavra foi então franqueada aos demais membros da Diretoria eleita, fazendo uso dela o Diretor Científico, Dr. Nasser Sarkis Simão, o Vice presidente, Dr. Etelvino de Souza Trindade, e os 1º e 2º Secretários, Drs. Osório Luís Rangel de Almeida e Mário Pedro dos Santos, que deram informações referentes ao nosso prêmio acadêmico e à agenda científica do próximo biênio. Encerrando a Sessão, foi confirmado que o jantar de encerramento do ano acadêmico será realizado no próximo dia 22 de novembro no salão Athos Bulcão do Brasília Palace Hotel, quando será entregue, a cada um dos membros Titulares e Eméritos, o livro e um brinde em comemoração ao aniversário de 30 anos da nossa Academia. Nada mais havendo a ser tratado, a sessão plenária foi encerrada às 20:40 horas. Na ausência justificada do Acad. Augusto Cesar de Farias Costa, impossibilitado de comparecer à Plenária por estar ausente de Brasília, esta Ata foi lavrada por mim, Acad. Marcus Vinícius Ramos, Presidente da AMeB, que a assino juntamente com o Diretor Científico, Acad. Nasser Sarkis Simão. Acad. Marcus Vinícius Ramos
Acad. Nasser Sarkis Simão
Presidente da AMeB
Diretor Científico da AMeB
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ANAIS • Ano VII
Academia de Medicina de Brasília (AMeB) Associação Médica de Brasília (AMBr)
PROJETO CONJUNTO PARA UM CURSO DE HISTÓRIA DA MEDICINA
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Introdução A ideia de se oferecer esse curso surgiu após a realização dos
seminários promovidos pela Academia de Medicina de Brasília (AMeB) e pela Associação Médica de Brasília (AMBr) nos dois últimos anos. O primeiro deles, que contou também com o apoio da Organização Mundial da Saúde (WHO) / Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), foi realizado em novembro de 2018 e avaliava a atuação do Serviço Único de Saúde (SUS) em seus 30 anos de existência. O segundo versava a relação ética entre a tecnologia e a finitude da vida, dentro do Programa de Educação Continuada que vem sendo promovido pela AMBr já há algum tempo. O projeto de se fazer um curso sobre a história da medicina utilizando uma metodologia acadêmica é uma consequência natural do programa dessas entidades irmãs. 2
Justificativa O principal objetivo deste curso será definir as mudanças na me-
dicina em seu contexto histórico. Tem início na tradição que surgiu na Grécia Antiga, que primeiro colocou a medicina em uma base racional e científica. Passa pelas transformações estimuladas pelo Renascimento e pela Revolução Científica, que apresentaram à medicina os
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triunfos da física e da química. Considera a contribuição da ciência médica do século XIX, com seu progresso na saúde pública, biologia celular, bacteriologia, parasitologia, antissepsia e cirurgia anestésica e os grandes avanços tecnológicos do século XX, como os raios-X, uma melhor compreensão da imunologia e da atividade de hormônios e vitaminas, a quimioterapia e a psicanálise. Contudo, o entendimento histórico da medicina está longe de ser uma sequência única de triunfos. O curso procurará também ir além desses aspectos, contando a história da ascensão da medicina e sua interação com a ciência, a sociedade e o público. Visa, através da análise histórica, levantar questões sobre as grandes forças que alimentaram as mudanças médicas ao longo dos séculos e que ainda continuam a fazê-lo. Quem controla a medicina? Foi moldada pela oferta ou pela demanda ou pelas forças do dinheiro e do mercado? Quão adequadamente atendeu às necessidades dos doentes? Quão sensível tem sido aos desejos da profissão médica? Qual tem sido o papel do estado em financiar e direcionar a saúde? Questionar os papéis da medicina é importante para entender as direções que a medicina está tomando atualmente – suas prioridades, financiamento e regulamentação. É crucial que tenhamos uma perspectiva histórica sobre como isso aconteceu. Para isso, é preciso voltar à situação paradoxal da medicina de hoje. Em pelo menos em um aspecto, a medicina sempre foi a mesma: curar os doentes. Mas isso implica em aceitar que imaginativa, organizacional, cientifica e humanamente essa atividade sempre esteve em permanente estado de transformação. O principal objetivo do curso será demonstrar exatamente isso: que a medicina está constantemente se refazendo, destruindo dogmas antigos, forjando novas perspectivas e redefinindo objetivos. 3
Nome do curso: A Medicina no Século 21: Uma Visão Histórica
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Vigência: 2020 – 2021
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Ementa 5.1 A história da doença 5.2 O surgimento da medicina 5.3 O que é doença 5.4 Cuidados primários 5.5 Ciência médica 5.6 Hospital e cirurgia 5.7 Tratamento medicamentoso e o surgimento da farmacologia 5.8 Saúde mental 5.9 Medicina, sociedade e estado 5.10 Olhando para o futuro
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Programa 6.1 Estudar a tradição médica desde a Grécia Antiga, passando por suas transformações estimuladas a partir do Renascimento e da Revolução Científica. 6.2 Considerar a notável contribuição da ciência médica do século XIX, e os grandes avanços tecnológicos do século XX. 6.3 Avaliar esse avanço à luz da interação entre cuidados médicos, responsabilidade social e o papel do estado, questionando o papel social e político da medicina. 6.4 Definir o avanço técnico/científico da medicina atual à luz desse contexto histórico e procurar entender porque numa época em que as pessoas nunca foram tão saudáveis ou viveram por tanto tempo, a ciência médica levanta tantas dúvidas e reclamações como hoje.
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Considerações finais O curso será de responsabilidade conjunta da Academia de Me-
dicina de Brasília (AMeB) e da Associação Médica de Brasília (AMBr) e seus palestrantes serão oriundos preferencialmente de seus quadros. Notas: O texto deste projeto reproduz em parte, trechos das seguintes publicações: • Porter, Roy (editor): The Cambridge Illustrated History of Medicine. 1996. • Academia de Medicina de Brasília (vários autores): Seminário sobre os 30 anos do SUS DF – História e Perspectivas. 2018. • Associação Médica de Brasília / Academia de Medicina de Brasília (vários autores): Tecnologia e Vida – A ética dessa Relação: 2019. Brasília, DF, 11 de fevereiro de 2020
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Academia de Medicina de Brasília – AMeB CANCELAMENTO DA SESSÃO SOLENE 12/03/2020 09:39 Prezados Confrades e Confreiras: Em virtude do agravamento da crise do Coronavírus, a Sessão Solene marcada para esta sexta-feira, dia 13 de março, está suspensa por decisão da Diretoria. A nova data será anunciada oportunamente. Atenciosamente, Acad. Marcus Vinícius Ramos Presidente, AMeB
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POSICIONAMENTO DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA (1) Pandemia Covid – 19
As profundas transformações e melhorias no combate às diversas doenças verificadas ao longo do século passado trouxeram a boa parte da humanidade uma falsa sensação de segurança e conforto. As populações passaram a banalizar, ou até mesmo a desprezar aquelas patologias, como se tivéssemos pleno controle sobre o nosso destino e as forças da natureza. Sabemos que não é assim. Basta dizer que vimos surgir nas últimas décadas a eclosão de doenças como AIDS, Chikungunya, Zika, Ebola, Febre do Oeste do Nilo, Febre de Lassa, Marburg, Superbactérias, Influenza, etc., as quais provavelmente continuarão a assombrar a humanidade com maior ou menor intensidade ao longo dos próximos anos. A atual pandemia provocada pelo novo coronavírus, uma entidade de alto contágio, rápida propagação e letalidade em torno de 2%, trouxe enorme ansiedade aos brasileiros e um complexo problema logístico às suas autoridades sanitárias. Estamos diante de uma situação inusitada a ser enfrentada, especialmente pela possibilidade de exaurir-se a capacidade instalada de atendimento da rede de saúde. No curto intervalo de tempo em que foi avaliada, muitas respostas já́ foram dadas e algumas plausibilidades levantadas, mas as novas informações sobre a doença se propagam em questão de dias e talvez daqui a poucas semanas estejamos, graças a novos conhecimentos adquiridos, com outros enfoques e (in)certezas. Como médicos e acadêmicos, temos o papel de conduzir e orientar a nossa população, mas também temos dúvidas e interrogações nesse momento pelo qual passamos e estamos, da mesma forma, à procura do melhor caminho.
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A Academia de Medicina de Brasília reconhece o impacto socioeconômico da pandemia, sobretudo na manutenção do emprego e no bem estar das famílias, mas a intensidade das medidas de isolamento depende da evolução da doença e pode demandar ações diferentes conforme o momento epidemiológico vivido. Por sermos e termos posição primordial no combate à doença já instalada no nosso meio, nos dirigimos a todos vocês conclamando-os à prudência, principalmente no que tange à orientação de pacientes, familiares, amigos e relacionamentos da convivência de cada um; faz-se necessária, para a superação da crise, que se pratique o equilíbrio, para que não sejamos os que transmitem o medo e nem apontemos o futuro com otimismo extremado. Entendemos que cabe exclusivamente ao Estado brasileiro, por meio de seus poderes constituídos, a formulação e coordenação das ações intersetoriais voltadas ao enfrentamento dessa emergência sanitária. Entendemos também que os balizamentos oriundos das pesquisas e estudos epidemiológicos devem ser as matrizes referenciais que orientem as linhas de cuidado voltadas à prevenção e assistência à nossa população. Precisamos, mais do que nunca, de estar em harmonia com as demais entidades médicas, de modo que não surjam vozes dissonantes ou contraditórias que possam nos levar a perder credibilidade junto à população. É hora de se construir consensos nos níveis distrital e federal, que além de aumentarem a eficácia das medidas sanitárias, proporcionem estabilidade psicoemocional à população, contribuindo para a paz social. Assim sendo, a Diretoria Executiva da Academia de Medicina de Brasília (AMeB), em face da pandemia Covid 19, apoia integralmente as orientações emanadas do Ministério da Saúde do Brasil e, da mesma forma, da Organização Mundial da Saúde/OMS. Cordialmente, Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB Brasília, DF, 29 de março de 2020
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COMUNICADO AMeB (1)
Prezados confrades e confreiras: No dia 29 de março próximo passado a AMeB emitiu uma nota aos seus membros, explicitando o posicionamento tomado pela Diretoria Executiva da instituição diante da Covid 19. Quatro meses são passados e a situação agravou-se bastante: o Distrito Federal contabiliza hoje mais de mil óbitos e os contágios aproximam-se dos noventa mil. Nesse intervalo, a AMeB suspendeu suas atividades presenciais e sua Diretoria passou a se reunir de modo virtual. Durante esse recesso forçado, a Diretoria organizou o Curso de História da Medicina (a ser ministrado com o apoio da AMBr) e deu início aos preparativos para a homenagem que pretende fazer ao Cinquentenário de Formatura dos primeiros médicos de Brasília pela UnB, prevista para dezembro. Faz parte dessa comemoração, além dos depoimentos dos alunos, o testemunho dos acadêmicos que lecionaram para aquela turma, todos eles já entregues. Essas ações, assim como a cerimônia de posse da Diretoria para o biênio 2020-2021 (e a do Dr. Eudes Fernandes como Membro Honorário), a outorga do prêmio científico (referente ao ano de 2020) e o lançamento do livro do Acad. Hélcio Miziara (dedicado à AMeB), seguem em compasso de espera, uma vez que embora tenhamos agora menos dúvidas e mais certezas a respeito daquela doença, entendemos ser ainda necessário manter nosso isolamento social. Estamos, portanto, estudando a possibilidade (dentro do nosso orçamento) de utilizar uma plataforma digital que nos permita, caso a atual situação sanitária do Distrito Federal se prolongue além de agos-
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to ou setembro, retomar pelo menos a nossa programação cientifica, ainda que de modo virtual. Cordialmente, Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB Brasília, DF, 21 de julho de 2020
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COMUNICADO AMeB (2)
Caros confrades e confreiras: A Diretoria Executiva da AMeB vem se reunindo ininterruptamente a cada duas semanas, desde que o governo reconheceu a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, em 12 de março de 2020. Desde então organizou o curso sobre a História de Medicina (que estava programado para ter início em maio próximo passado) e finalizou o livro comemorativo do cinquentenário de formatura da 1ª turma de médicos a se graduar em nossa cidade. Essa obra conta com depoimentos de autoridades, professores e alunos daquela turma e no presente momento encontra-se em fase de edição, devendo ser lançada no site da Academia no dia 18 de outubro próximo, dia consagrado aos médicos. Ainda não conseguiu, no entanto, levar a efeito a programação científica e social programada para o corrente ano, pois além de não contar com uma plataforma eletrônica de qualidade que se acomode ao seu orçamento, boa parte dos seus acadêmicos obviamente não pode ser exposta à já difícil situação sanitária do Distrito Federal, recentemente agravada pela prisão da cúpula da Secretaria de Estado da Saúde. A Diretoria não vislumbra, portanto, o retorno presencial das atividades da AMeB nas próximas semanas, mas os manterá informados sobre seus próximos passos e eventuais mudanças de planos. Cordialmente, Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB Brasília, DF, 02 de setembro de 2020
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PANDEMIA1 Acad. José Ulisses Manzzini Calegaro
A atual pandemia teria começado na China em dezembro de 2019, embora o vírus já estivesse circulando há meses, segundo epidemiologistas ocidentais. O coronavírus, assim chamado porque tinha a superfície cheia de espículas, à semelhança de uma coroa, tinha agressividade dentro dos padrões de outras viroses como a da influenza e a da gripe aviária (H1N1), mas uma infectividade mais acentuada. Em fevereiro de 2020 a epidemia atingiu seu pico, alcançando a Itália e daí se disseminando por toda a Europa. O pico epidêmico nesses países estendeu-se até abril, enquanto o epicentro da epidemia passou para os EUA, afetando New York com maior intensidade. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 27 de fevereiro de 2020 e a primeira morte em 17 de março; em 01 de abril nosso país registrava 5717 casos, com ocorrência de 202 mortes. Nesse momento a pandemia já afetava mais de 150 países. Em 15 de abril o Brasil já contava com 28.320 infectados e 1.736 mortos; em todo o mundo havia 2,08 milhões de infectados, 138 mil mortos e o país ocupava o 14º lugar em comprometimento. Em 30/10 o planeta registrava 44.475.614 casos com 1.1687.814 mortes e o Brasil 5.596.658 ocorrências com 153.477 mortes. A segunda onda estava ocorrendo na Europa, dez meses após seu início, embora fosse atribuída a uma variante do vírus original. A atual pandemia recorda o surto de gripe de 1918 que começou em Fort Riley, Kansas, EUA no mês de março, espalhando-se pelo 1
AMBr: Revista_MedicoemDia_195.pdf. Pandemia. Disponível em <https://ambr.org.br/publicacoes/>. Acesso em 22 de janeiro de 2022.
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restante do país, principalmente pelos militares que estavam aquartelados em função de 2º Guerra Mundial. Os americanos enviaram 2.000.000 de homens para a França, dos quais somente 750.000 entraram em batalha. Essa foi a porta de entrada do vírus da influenza na Europa, que se disseminou pela França, Alemanha, Áustria-Hungria e Inglaterra. Um segundo surto da doença surgiu em Boston, Massachusetts, em agosto de 1918, com cepa mais agressiva, causando uma maior mortalidade: o indivíduo em perfeita saúde tinha a gripe, que se seguia de pneumonia bacteriana e morte em questão de 5-7 dias. Tal como hoje, os principais governos envolvidos naquela guerra censuravam as informações sobre a ocorrência e gravidade da pandemia, ao passo que a Espanha, neutra no confronto, quando acometida noticiou tudo detalhadamente, passando por isso a doença a ser chamada de “gripe espanhola”. O terceiro e último surto ocorreu em março de 1919; estima-se que isso tudo resultou no comprometimento de 28% da população americana, com 675.000 mortes; na Alemanha houve 500.000, na França 400.000 e 275.00 na Inglaterra. Ao retorno dos soldados para seus países de origem (Canadá, Austrália, Nova Zelândia, ilhas do Pacífico, Índia, África e Oriente médio) se deve a propagação da doença. A estimativa posterior definitiva foi de um bilhão de pessoas infectadas, 50 milhões do mortos no mundo, com 20 milhões na Índia, e cerca de 50% de infecção na população humana. Não há números do Brasil, mas os jornais do Rio e São Paulo publicaram recomendações preventivas, inclusive com uso de cloroquina. A população mundial estimada em 1920 era de 2 bilhões de habitantes. Grande discussão se estabeleceu sobre prevenção e tratamento da COVID 19. Sabe-se que ocorre uma politização do problema e que vários países utilizam as informações de acordo com suas conveniências, divulgando, por exemplo, menor número de casos que o real. Sabe-se também que faltava e ainda falta uma testagem em número
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suficiente para comprovar a virose, uma vez que a produção desse material ainda é insuficiente para atender a demanda mundial. Não há tratamento específico para a Covid 19: a pessoa infectada, com manifestações inicialmente respiratórias e a seguir sistêmicas, tem terapia sintomática e preventiva ao longo da evolução da doença. A maior parte das casos não apresenta quadro clínico sério. Na prevenção, algumas iniciativas foram adotadas, mas a comunidade científica assinalava que tais estudos não deveriam ser levados em consideração por não atenderem critérios formais de investigação. De fato, é difícil estabelecer-se uma investigação apropriada de longo prazo durante a vigência de uma pandemia. Resta, de modo mais imediato, a observação de um ou outro procedimento que tenha mostrado resultados positivos. A efetividade real é a utilização de vacina, o que está sendo feito por vários países como China, Rússia, Inglaterra, Alemanha, América do Norte, inclusive com a participação do Brasil que tem muita tradição na área de imunizações.
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PROFISSIONAIS DA SAÚDE: RESILIÊNCIA E COMPAIXÃO2 Acad. Carlos Alberto de A. Viegas
Desde o início da pandemia, e mais recentemente, podemos ver e ouvir manifestações de reconhecimento pelo trabalho dos profissionais da saúde, em várias partes do mundo. No Brasil isso ocorre também, ou principalmente, em relação ao SUS, que teve, tem e terá papel fundamental no atendimento dos pacientes acometidos pela pandemia e de inúmeros mais. Em geral, essas manifestações se referem aos profissionais de forma genérica ou especificamente aos fisioterapeutas, enfermeiros, médicos, etc. Talvez por isso, tenho frequentemente me lembrado dos 30 anos de trabalho como médico, exclusivamente em um único hospital do SUS, o HUB. A presente realidade juntamente com minhas memórias, muitas vezes afetivas, me trazem à tona, lembranças de profissionais e atitudes, na maioria das vezes esquecidos ou referidos nas manifestações. Assim, me recordo de alguns deles: dos que transitam apressados entre os doentes; dos que limpam o piso do pronto socorro, da enfermaria; dos que trocam os lençóis sujos de fezes, urina e vômito; dos que lavam feridas e drenam pus; dos que olham escarro purulento e com sangue; 2
AMBr: Revista_MedicoemDia_195.pdf. Profissionais da Saúde: resiliência e compaixão. Disponível em <https://ambr.org.br/publicacoes/>. Acesso em 22 de janeiro de 2022.
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dos que pegam veias e passam sondas pelos orifícios; dos que tocam reto e vagina com corrimento; dos examinam bocas e dentes com hálito pútrido e pus na garganta; dos que retiram feto morto retido; dos que reduzem fratura óssea exposta; dos que abrem e lavam abdome; dos que recebem rosto desfigurado para repará-lo; dos que amputam um membro para salvar a vida; dos que quebram fecaloma (“pedra de fezes”); dos que abaixam o olhar e tiram as luvas ensanguentadas; dos sentem odores mais próximos de morte que de vida; dos que, com suor na testa e olhos marejados, suspendem a reanimação; dos que lavam e preparam os cadáveres; dos que comunicam que faltou oxigênio no cérebro, que existe má formação, que o tumor é invasivo, que a vida foi interrompida; dos que ouvem gritos, sussurros e lamentos de dor, angústia e desespero; dos que se trancam no banheiro para chorar a impotência; dos que titubeiam, não desistem e vão até o final do corredor olhar solitariamente o dia nascendo.
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POSICIONAMENTO DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA (2) Pandemia Covid – 19
Conforme relatórios e notícias divulgados na imprensa geral e especializada, avaliamos como crítica a situação assistencial da saúde em quase todos os entes federados do país, entre eles o Distrito Federal. Assim sendo, a Academia de Medicina de Brasília (AMeB) mais uma vez se manifesta publicamente. Embora a abordagem da doença venha mudando desde da instalação da pandemia, as informações sobre seu desenvolvimento são compartilhadas por todos os grandes centros de pesquisas. Esse conhecimento acumulado tem gerado protocolos de cuidados e tratamentos que permitem, a nós, médicos, continuar coesos e confiantes na pertinência das recomendações em vigor, que visam essencialmente, à diminuição da circulação do vírus. A luta contra a doença, é, no entanto, coletiva. É fundamental que também se adotem medidas para se obter a colaboração da população, que continua, em parte, alheia aos aspectos consignados do contágio, propagação, evolução e consequências da doença. Além da proteção individual, medidas restritivas de funcionamento e suspensão de atividades não essenciais tomadas pelo poder público – desde que sigam critérios epidemiológicos claros e transparentes – são instrumentos eficazes e muitas vezes imprescindíveis para a redução da circulação e eventual arrefecimento do Sars-CoV 2. O conjunto dessas ações tem se revelado, até agora, o caminho mais seguro a ser seguido enquanto não houver disponibilidade universal de vacinas, esperança maior de todos nós. Até lá, esperamos
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que os sentimentos de concórdia e solidariedade prevaleçam, pois sem eles não conseguiremos vencer essa luta. Cordialmente, Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB Brasília, DF, 02 de março de 2021
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COMUNICADO (3)
Apesar das restrições impostas pela crise que vivemos desde março de 2020, a Diretoria da Academia de Medicina de Brasília (AMeB) tem trabalhado no sentido de cumprir os objetivos dispostos em seus Estatutos. A AMeB continua a participar dos seus compromissos da melhor forma possível, buscando disseminar e encontrar ressonância do seu pensamento acadêmico de acordo com a importância a eles atribuída, em reuniões, encontros e eventos. Uma dessas ações ocorre mensalmente em um almoço junto às maiores entidades representativas dos médicos do Distrito Federal: Associação Médica de Brasília (AMBr), Conselho Regional de Medicina (CRM-DF) e Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico). No ano passado e neste em curso, dele também vem participando regularmente a Federação Nacional dos Médicos (FENAM). Nesses encontros são discutidos assuntos que envolvem os interesses da classe médica dentro das atribuições de cada entidade, de modo a traçar estratégias conjuntas para apoios ou enfrentamentos junto ao Executivo e Legislativo locais. Para tanto, contatos através de instrumentos de mídia eletrônica ou eventualmente de forma presencial, são também regularmente mantidos junto à Secretaria de Estado da Saúde (SES) e à Câmara Legislativa (CLDF). A Academia esteve presente em reuniões com o Secretário da Saúde e sua equipe, juntamente com os representantes das demais entidades médicas, quando da introdução da vacinação contra Covid 19. Representando o pleito de seus membros, pugnou pela inserção de Titulares e Eméritos na primeira etapa daquela campanha. A participação da Diretoria foi decisiva para incluir a AMeB na reunião do “gabinete da crise” da SES que decidiu a mudança do cronograma,
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privilegiando a inclusão de todos os médicos naquela fase, e não apenas os que estavam na linha de frente, como inicialmente previsto. A AMeB vem também mantendo contato permanente com os Deputados Distritais, especialmente quando são detectados Projetos de Leis que envolvem interesses médicos. Essas ações têm se mostrado eficazes, com a interrupção da tramitação de alguns deles e o reestudo de outros. A AMeB tem assumido um papel de proeminência nessas ações conjuntas e muitas vezes tem cabido ao nosso representante nesses fóruns, a primazia de apresentar nossas reivindicações, propostas e discordâncias. Nas atividades científicas, sofremos um impacto muito grande com as limitações criadas pela pandemia. Os encontros presenciais estão limitados e as reuniões através de meios digitais são difíceis de serem realizadas, pois nossa estrutura logística é muito pequena; além do mais, em contatos pessoais, boa parte dos confrades optou pela suspensão temporária desses eventos. Ficamos privados de nossas plenárias, das cerimônias de posse de novos confrades e da cerimônia de entrega do nosso Prêmio Científico. Mesmo assim conseguimos publicar o livro comemorativo do cinquentenário de formatura da 1ª Turma de Medicina da UnB e estamos com uma série de eventos prontos para serem executados assim que as condições sanitárias o permitirem. Entre eles está o curso de História da Medicina, preparado em parceria com a AMBr / AMB e já cadastrado como evento oficial na Comissão Nacional de Acreditação (CNA) para fins de Certificação da AMB. No mês de julho teremos uma apresentação sobre a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, também em parceria com a AMBr, a ser divulgada e aberta a todos os médicos, de modo virtual. Do ponto de vista financeiro, a Diretoria modificou seu sistema bancário: o distanciamento geográfico do campus da UnB, a necessidade do deslocamento físico da Diretoria, as periódicas demandas burocráticas e os excessivos encargos financeiros do Banco do Brasil criavam problemas constantes. Nossa conta bancária foi transferida para o Sistema de Cooperativas Financeiras do Brasil (SICOOB). Sendo
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um banco cooperativo, o SICOOB tem custos menores e mais ainda, tem um sistema de rateio. O usuário, como membro da cooperativa, participa da distribuição dos lucros anualmente e nesse sentido, a AMeB já teve um retorno pecuniário no curso do ano de 2021. O custo de manutenção da Academia também diminuiu no atual biênio, muito em razão da suspensão das nossas atividades sociais. Mas pelo lado pessoal e institucional, nossas perdas têm sido grandes. Muitos colegas adoeceram e neste ano a Academia enlutou-se com o falecimentos dos confrades Jair Evangelista Rocha, José Carlos Quinaglia e Antônio Márcio Junqueira Lisboa: a AMeB chora por eles. Sabemos que a crise advinda com a pandemia está longe de terminar: as dificuldades continuam para os médicos, suas entidade e para a população. Seguimos, nos entanto, a nos esforçar para continuar representando nosso papel de instância maior na manutenção da história, cultura, valores, ciência e arte da Medicina, voltados para os anseios, inseguranças e sofrimentos dos habitantes do Distrito Federal. Acreditamos ser esse o caminho a ser seguido. Aos queridos confrades e confreiras, que nos tem dado integral apoio ao longo desta administração, endereçamos nosso afetuoso abraço. Cordialmente, Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente, AMeB Brasília, DF, 23 de junho de 2021
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CINQUENTA ANOS DE HISTÓRIA 1965-1970
HOMENAGEM DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA À PRIMEIRA TURMA DE MÉDICOS FORMADA PELA UNB
DEPOIMENTOS
A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA 1ª TURMA DE MEDICINA DA UnB Acad. Marcus Vinicius Ramos Presidente da Academia de Medicina de Brasília
Fruto de um projeto inovador e considerada por muitos como a tentativa mais séria feita até então no Brasil para se ensinar ao futuro médico a realidade social do país, a 1ª turma de medicina da Universidade de Brasília comemora este ano o cinquentenário de sua formatura. Com diferentes motivações e expectativas, seus alunos vieram de todos os estados para estudar numa faculdade de medicina que tinha seu foco no trabalho em equipe, na abordagem multidisciplinar e na participação conjunta da comunidade sob seus cuidados, o que divergia completamente do modelo até então adotado pelas demais escolas médicas brasileiras. Divergente também era o padrão daqueles estudantes: com uma idade média mais alta que a habitual, muitos já tinham algum tipo de emprego e formação política, atividade que de resto contagiava a quase todos os demais alunos, pois era praticamente impossível não se envolver nas vicissitudes pelas quais passava a UnB naquela época (1965-1970). Memória e História reivindicam retratar a verdade: ambas procuram contar “o que realmente aconteceu” no passado, às vezes se revezando, às vezes trabalhando em conjunto. Mas a memória, “além de passível de ser manipulada, pode deixar de existir, por perder seus suportes materiais. Nada mais pungente que ouvir a frase ‘já não existe mais’ repetida à exaustão por aqueles que perderam seus marcos e tiveram seus rastros apagados”. Afinal, as lembranças, se apoiadas
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apenas na transmissão oral de certas recordações, não passam de meros fragmentos do passado e usualmente têm curta duração e conteúdo limitado. A memória da 1ª turma de medicina da Universidade de Brasília precisa, portanto, apoiar-se em outros meios e suportes mais firmes para ser duradoura. Foi utilizando esta linha de pensamento que a Academia de Medicina de Brasília (AMeB) se propôs a publicar os depoimentos dos alunos e de alguns dos seus professores no momento em que é comemorado o cinquentenário de formatura dessa turma singular. Acompanhar passos tão diversos – e paradoxalmente tão homogêneos – por tanto tempo, significa se preocupar com o que aconteceu com esses atores históricos e ter uma noção de suas individualidades e aspirações, suas peculiaridades e paixões. Significa reconstruir o projeto original da escola, identificar a participação de seus professores, alunos e funcionários no desenvolvimento do curso e reconhecer as medidas e práticas adotadas por eles na atenção à saúde dispensada à comunidade de Sobradinho. Significa recuperar a memória de um período em que a Faculdade de Ciências Médicas, hoje Faculdade de Medicina, refletiu, mais que nenhuma outra, as lutas e contradições da fase inicial da Universidade de Brasília e da nossa cidade. Significa abrir as portas para a compreensão do que somos, do que fomos, do que poderemos vir a ser. Aos colegas da Primeira Turma, a Academia de Medicina de Brasília dedica esse livro.
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À PRIMEIRA TURMA DA FACULDADE DE MEDICINA POR OCASIÃO DO CINQUENTENÁRIO DE FORMATURA Prof. Gustavo Adolfo Sierra Romero Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília
Costumeira é a tarefa de homenagear o pioneirismo daqueles que construíram com coragem e inteligência soluções para resolver os problemas prioritários da população. Na área da educação, o surgimento da Universidade de Brasília representou fato notável na história do Distrito Federal e do Brasil e o pioneirismo que caracterizou a sua fundação resultou na criação de cursos com propostas inovadoras e arrojadas em diversas áreas, dentre as quais se destaca a do curso de medicina. Os pioneiros pensaram e implementaram o ensino em medicina na UnB com uma visão transformadora que inspira até hoje as nossas ações no enfrentamento do permanente desafio de formar médicas e médicos capazes de exercer com sólida formação técnica, aliada à indispensável sensibilidade humana e à prática permanente da alteridade, a arte de cuidar da saúde da população. No entanto, é comum esquecermos de reconhecer o esforço daqueles que, frente à notável proposta organizada pelos mestres, decidiram aceitar o desafio de trilhar um rumo novo, assumindo corajosamente os riscos e abrindo com o seu caminhar os horizontes vislumbrados pelos construtores. Assim, a primeira turma formada em medicina pela UnB desbravou com firmeza o percurso traçado no inovador projeto de formação e,
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certamente, participou de forma crucial na construção de tudo aquilo que foi novo e que molda até hoje o nosso presente. Na ocasião do cinquentenário de formatura da 1ª. Turma de Medicina da Universidade de Brasília coube a mim o privilégio, como diretor da Faculdade de Medicina, de escrever estas palavras de homenagem às pessoas que marcaram definitivamente a história da nossa faculdade, caminhando junto aos mestres pioneiros na inauguração do futuro do qual usufruímos hoje e que certamente iluminará de forma permanente a caminhada dos que nos sucederão. Dessa forma, a Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília saúda a 1ª. Turma e reconhecendo o significado histórico da sua participação na construção do ensino da medicina no Distrito Federal, sente-se honrada ao se juntar à comemoração do cinquentenário da sua formatura.
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MENSAGEM DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO DISTRITO FEDERAL AOS PRIMEIROS MÉDICOS FORMADOS EM BRASÍLIA Dr. Farid Buitrago Sánchez Presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal
Cinco décadas se passaram desde que os alunos da primeira turma de medicina da Universidade de Brasília (UnB) iniciaram um dos cursos mais importantes para a humanidade. Os tempos são duros e ser um profissional da saúde é hoje, mais do que nunca, uma contribuição para a vida, pois ele que dá o melhor de si, todos os dias, em prol da saúde de um desconhecido, muitas vezes perdendo horas de sono ou grandes momentos com a família. Como não se interessar por uma turma que entrou na UnB em 1965, formada por 77 alunos, sendo apenas sete mulheres? Naquela época, o número de médicas ainda era pequeno e as mulheres buscavam “o seu lugar” na profissão. Quando penso nos desafios sociais que enfrentaram nos últimos 50 anos tenho a certeza que foram muito privilegiados em participar de tantas conquistas. Os primeiros alunos a ter aula no Instituto Central de Ciências, mais conhecido como o “minhocão”, inauguraram o Hospital Regional de Sobradinho, ofertando assistência médica a população do Distrito Federal. O Sistema Único de Saúde (SUS), ainda em construção, contou com ajuda de muito desses médicos, que não tinham acesso a tecnologia como a disponível atualmente, mas que com o estudo, dedicação, contato com o paciente, ética e empenho, fizeram um trabalho excepcional durante anos. Foram muitas as aquisições que mudaram
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e marcaram a história da UnB, do DF e do país. A medicina viveu uma transformação nos últimos 50 anos, como nunca aconteceu na historia da humanidade e vocês não só foram testemunhas, como também foram partícipes dessa transformação. A formatura da turma ocorreu em 1970, com a materialização de um sonho, mas completar 50 anos de formado é algo ainda maior. A medicina é vocação, dedicação, prazer, amor, cansaço... Talvez não haja outra profissão na qual seja possível fazer tanto bem ao ser humano, por isso, a satisfação de ser médico supera todas as dificuldades e os desânimos que encontramos no meio do caminho. É com muito orgulho que o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) participa de um momento tão ilustre nesta homenagem a esses grandes profissionais que transformaram para melhor a história, a medicina e a vida de todos nós.
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AOS EGRESSOS DA PRIMEIRA TURMA DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Ognev Cosac Presidente da Associação Médica de Brasília
A Associação Médica se congratula com a Academia de Medicina de Brasília na comemoração dos 50 anos da primeira turma de Medicina formada pela Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. A medicina é um ato de amor e vocação. É dedicação exclusiva, cuidado e obstinação. É atuar dia após dia com o coração cheio de perseverança. Neste cinquentenário, parabenizamos os profissionais que dedicaram suas vidas aos cuidados com o próximo. Não há dúvida de que a saúde na Capital Federal avançou ao longo dos anos e esse resultado se deve à devoção incansável de muitos de vocês. Com certeza a caminhada foi dura, foi intensa, às vezes exaustiva, até chegar aqui. Nesta trajetória, com vestibular realizado em 1965, com oitenta vagas, alguns ficaram pelo caminho ainda no período universitário e outros mais adiante, depois de cumprirem o seu papel como médicos. Neste momento, temos ainda quase seis dezenas desses bravos guerreiros entre nós, que atuaram e ainda atuam; preceptores e professores, distribuindo cuidados e conhecimento aos seus discípulos, seus pacientes e familiares. O agradecimento é a palavra de ordem no momento em que vivemos. A vocês, pelo exemplo impecável de exercício da medicina e pelo esmero exemplar, parabéns. Fica o reconhecimento da entidade e o meu pessoal como dirigente atual da AMBr.
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A PRIMEIRA TURMA DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA: INEDITISMO E ANTECIPAÇÃO DO FUTURO Marcos Gutemberg Fialho da Costa Presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal
A primeira turma de estudantes de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) iniciou o curso em 1965 e formou-se em 12 de dezembro de 1970. Na Universidade idealizada pelo educador Anísio Teixeira e pelo antropólogo Darcy Ribeiro e projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, foram os primeiros a ocupar o Instituto Central de Ciências, o Minhocão. A história do curso de Medicina da UnB desde cedo se entrelaçou à da saúde pública do Distrito Federal. Esteve sob a ameaça de ser suspenso, pela falta do que hoje se chama cenário de prática, uma vez que o Hospital Universitário de Brasília só viria a ser inaugurado em 1972. Não fosse o convênio proposto pelo então secretário de Estado de Saúde e presidente da Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF), Francisco Pinheiro Rocha, de cessão da unidade de saúde em convênio pelo prazo de 10 anos, aquela turma teria que completar o aprendizado em outra instituição. Em 1968, como internos, inauguraram a Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), que viria a se tornar o Hospital Regional de Sobradinho. Não fica somente por aí a afinidade do curso de Medicina da UnB com a história da saúde pública do Distrito Federal. A Universidade era vanguardista e o projeto inicial do curso antecipava diversos aspectos do que se consolidou, em 1978, na Conferência de Cuidados Primários
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em Saúde, realizada em Alma-Ata. Uma década depois da experiência da UnB em conjunto com a FHDF, a Declaração de Alma-Ata propunha a ação de todos os governos e de todos os que trabalhavam nos campos da saúde e do desenvolvimento da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos com base na implementação de uma política universalizada de atenção primária à saúde. Esse conceito de uma medicina integral, racional e moderna, visando à criação de uma consciência preventiva e voltada para os problemas de cada comunidade já vinha sendo aplicado no curso da UnB e fizeram florescer a UISS como uma experiência inovadora, em sintonia com o Plano Bandeira de Mello. A turma de 1965 da UnB chegou formada aos anos 1970 preparada para se integrar perfeitamente ao projeto de saúde coletiva que ganhou força naquela época e culminou com o movimento da Reforma Sanitária que gestou o SUS, em 1988, e a implementação da Política Nacional de Atenção Primária à saúde, na década de 1990. Foi uma geração que viveu, sob diversos aspectos, momentos únicos na história da Universidade e da Medicina, tanto no âmbito local quanto nacional. Pela trajetória conjunta e individual, os integrantes a primeira turma do curso de Medicina da UnB constituem um baluarte para toda a comunidade médica do Distrito Federal e para toda sua população.
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A FUNDAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UnB Prof. Luiz Carlos Lobo Fundador da Faculdade de Medicina da UnB
Em 2020 comemora-se os 50 anos de graduação da primeira turma da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. Criar a Faculdade de Medicina da UnB foi o mais importante desafio que tive ao longo da minha vida. O convite me foi formulado por Ernani Braga, ex-diretor da Escola Nacional de Saúde Pública e recém nomeado diretor do departamento de Recursos Humanos da Organização Mundial da Saúde, e José Roberto Ferreira, diretor executivo da então Associação Brasileira de Escolas/ Faculdades de Medicina. O Reitor Laerte Ramos de Carvalho, sucessor de Zeferino Vaz, havia convidado, depois de múltiplas tentativas, Edgard Barroso do Amaral, professor da USP para criar a faculdade que já tinha cerca de 80 alunos que haviam terminado seu ciclo básico nos Institutos Centrais da UnB e haviam optado por medicina. O Prof. Barroso pensou em usar a estratégia adotada na criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, viajando à Europa para convidar docentes para o novo empreendimento. Os tempos eram diferentes dos antes encontrados na Europa do pós-guerra e sua viagem não obteve sucesso. O convite era um grande desafio, que me atraiu de pronto. Levou-me a deixar o Rio de Janeiro e o trabalho na UFRJ e vir para o planalto central, no início de 1966, para participar da experiência inovadora de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, que tinha sido a criação da UnB e
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participar do espírito de afirmação da identidade nacional, que caracterizara a construção de Brasília. A UnB estava à época em uma situação difícil, na decorrência da renúncia coletiva de 223 de seus professores, em protesto pelas demissões arbitrárias de 29 docentes, feitas por reitores nomeados pelo regime militar instalado no país. Com isso ela estava meio sem ânimo, ou interrompida, como dizia o Professor Roberto Salmeron. Mas apesar desse ambiente complicado, movido pela ideia de implantar um projeto de curso médico com forte cunho social e inovador, aceitei a empreitada. A reitoria da UnB constituiu uma comissão que contava com vários professores, sobretudo de São Paulo (Edgard Barroso do Amaral, Walter Leser, Jairo Ramos, Isaias Raw, Octávio Della Serra), José Roberto Ferreira e Francisco Pinheiro Rocha, secretário de saúde do Distrito Federal, para definir a nova faculdade. Fui convidado a definir os marcos conceituais que norteariam a criação da nova escola. Ênfase no aprendizado do aluno, cursos interdisciplinares, ensino modular e em tempo integral foi a proposta inicialmente apresentada. Envolvia, desde logo, professores das ciências sociais (antropologia, sociologia, psicologia, epidemiologia, demografia), de ciências básicas (anatomia, histologia, bioquímica, fisiologia, patologia, microbiologia e parasitologia) e ciências clínicas (clínica médica, cirurgia, pediatria, gineco-obstetrícia e especialidades). Já havíamos tentado implantar cursos integrados de ciências básicas na UFRJ, mas a experiência fracassou quando foi perdido o apoio do Decano do Centro de Ciências da Saúde, Professor Carlos Chagas Filho, que havia sido designado como embaixador do Brasil na UNESCO. Propusemos realizar os cursos em bloco de tempo de 3 a 6 semanas, visando contratar inicialmente professores de outras universidades e hospitais como visitantes e assegurar desta maneira: 1 – Concurso de docentes altamente qualificados desde o início da escola.
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2 – Garantir a participação em tempo integral, por períodos curtos, de docentes das várias áreas do conhecimento, convidados para participar nos cursos integrados que se propunha. 3 – Desenvolver cursos modulares, no ciclo básico do curso, abrangendo os vários sistemas orgânicos do homem e que se iniciava com um curso sobre Mecanismo de Agressão e Defesa indicando, assim, a importância da interação do homem com seu meio físico, biológico e social. Os alunos da escola, representados por Armando Vasconcelos, Eleutério Rodrigues Neto e José Silvério Guimarães, acompanhavam todos os nossos passos em Brasília. Queriam saber tudo, conferir tudo, questionar tudo! Queriam saber que professores se fixariam em Brasília, dentre os convidados como professores visitantes, como equiparíamos os laboratórios multidisciplinares que planejávamos para o ciclo básico, onde se desenvolveria o ciclo clínico, que recursos teríamos para equipar o hospital de ensino, etc. O Reitor Laerte Ramos de Carvalho havia indicado uma verba para implantar o curso de Medicina e com esses recursos começamos a solicitar a compra dos equipamentos dos laboratórios multidisciplinares de ensino, onde se desenvolveriam os cursos integrados do ciclo básico do curso e os dos laboratórios de pesquisa que pretendíamos implantar. Buscando integrar a nova escola e seus docentes e alunos na universidade, decidimos implantá-la no prédio ainda em construção do Instituto Central de Ciências, tendo que negociar a realização dos cursos com a colocação de suas enormes vigas pré-moldadas. José Roberto Ferreira e eu elaboramos um documento básico, o livro verde, como era chamado, delineando os princípios que propúnhamos para a Faculdade de Ciências Médicas e que, como de regra, foi apresentado e discutido com um grupo de professores. O documento ressaltava conceitos básicos como ênfase no aprendizado, colocando o aluno como agente ativo do processo ensino/aprendizagem, integra-
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ção das disciplinas, procurando elaborar a teoria a partir de projetos experimentais desenvolvidos por grupos de alunos em laboratórios multidisciplinares, discussão de problemas comunitários e o princípio de cobertura de serviços de saúde e não apenas assistência na estruturação do ciclo clínico do curso. No ciclo básico propunha-se desenvolver o ensino por sistemas orgânicos, através de experiências integrando as várias disciplinas desse ciclo e, indo mais longe, pela integração da patologia, da clínica e das ciências sociais. O aprendizado da morfologia, da bioquímica, fisiologia e fisiopatologia era enfatizado, buscando transmitir uma compreensão plena dos processos de funcionamento dos órgãos e suas alterações patológicas. Em 8 de agosto de 1966 foram dadas as primeiras aulas no prédio do Instituto Central de Ciências. A aceitação do conceito de aprendizado interdisciplinar norteava o ciclo clínico e o de cobertura de serviços de saúde, admitindo uma responsabilidade social na organização desses serviços, de modo a atender as demandas e necessidades de uma população definida, caracterizava a formação integral que se pretendia em medicina. Essa decisão conceitual levou à escolha da Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), responsável pelo atendimento da população dessa cidade satélite e área rural adjacente, como campo de formação clínica dos alunos. A participação efetiva do aluno, no ciclo clínico, em todas as atividades desenvolvidas pela Faculdade, com responsabilidade crescente e supervisão permanente, era a estratégia pedagógica proposta. A organização dos cursos integrados em blocos de ensino permitiu convidar professores de várias universidades a virem a UnB como professores visitantes por períodos curtos. Mas tínhamos todos uma grande preocupação em se obter uma massa crítica de professores na Faculdade, que garantisse a troca de experiências necessária ao desenvolvimento de pesquisas médicas. Muitos vieram e, contaminados
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pelo espírito inovador da escola e da UnB, pelo seu ambiente criativo e altamente estimulante, discutindo tudo a todo o tempo e com a participação sempre desafiadora dos estudantes, aqui ficaram. Em outubro de 1966, o Professor Barroso do Amaral pediu demissão do cargo de Coordenador da Faculdade de Ciências Médicas e eu fui designado para substituí-lo nessa posição, o que fiz até ser demitido pelo Reitor Caio Benjamim Dias, em 10 de agosto de 1970. No período em que estive coordenando a implantação da Faculdade tive o privilégio de contar com a colaboração engajada e constante dos Professores Antero Coelho Neto e Álvaro Alberto de Pinho Simões, que exerceram o cargo de vice-coordenador e dos Professores Odílio Luiz da Silva e Agnelo Augusto Braune Collet na direção da UISS. Deve-se à liderança de Collet e de jovens docentes como Henri Jouval, o trabalho desenvolvido na comunidade de Sobradinho visando atender suas necessidades e demandas em saúde. Em dezembro de 1966 a Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS) foi cedida pela Fundação Hospitalar do Distrito Federal à Faculdade de Ciências Médicas por um prazo de 10 anos. O secretário de Saúde do Distrito Federal, Francisco Pinheiro Rocha foi decisivo na concretização desse convênio. Os Professores Agnelo Alberto Braune Collet, Hélio Barbosa Ferreira, Odílio Luiz da Silva, Zairo Eira Garcia Vieira, Antônio Marcio Lisboa, Pedro Pablo Magalhães Chacel, Antero Coelho Neto, Álvaro José de Pinho Simões, João Bosco Salomon, Jacques Bulcão, Gilvan Juvenal Dutra, José Carvalho Ferreira, Affonso Renato Meira, Oswaldo Martins Reis, João Batista Macuco Janine e Dejano Tavares Sobral foram convidados a organizar o ciclo clínico da Faculdade. A eles se somariam, entre outros professores associados e assistentes, Henri Eugène Jouval Jr., Eraldo Pinheiro Pinto, Francisco Krause Martins, Célio Rodrigues Pereira, Fernando Santos, Paulo Tavares, François Wertheimer, Lise Mary Alves de Lima, Renato Saraiva, Antonio Carlos Moretzhon de Mello, Plínio Caldeira Brant, Lucia Ypiranga de
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Souza Dantas, Reginaldo de Holanda Albuquerque, Geniberto Paiva Gonçalves, Fernando Miranda Henriques, João Geraldo Martinelli, Bráulio Magalhães Castro, Paulo Espirito Santo Saraiva, Renato Figueira, Valdenor Barbosa da Cruz e Luiz Meyer. Contava inicialmente com quinze consultórios, radiologia, laboratório de patologia clínica e anatomia patológica. As primeiras enfermarias e demais dependências da UISS inclusive a unidade de ensino, foram implantadas em 10 de julho de 1967, sete meses apenas após a sua cessão pela FHDF! A UISS assumiu desde logo a responsabilidade pela prestação integral de serviços de saúde à população de Sobradinho e da área rural ao seu redor. Ressalte-se a importância oportuna da doação feita pelo Senado de duas ambulâncias, já usadas, mas ainda em boas condições de funcionamento. O documento que propunha a Faculdade dizia que “o objetivo do ciclo de formação clínica não é demonstrar o máximo de eficiência e sofisticação de um serviço de saúde, mas sim treinar o futuro médico para ser o mais eficiente possível em face às diversas condições dos serviços existentes e à situação sanitária do País” antecipando de muitos anos as decisões da OMS e de sua reunião de Alma Ata. Os alunos, que ingressaram na UISS em janeiro de 1968, iniciaram a sua formação através de um curso de Introdução à Medicina Comunitária e realizaram, sob a orientação de Affonso Renato Meira, o levantamento das condições sociais e de saúde da comunidade de Sobradinho, onde discutiam temas como epidemiologia, demografia, bioestatística, saneamento, nutrição, planejamento e administração de saúde e, desde logo, deontologia médica. Através desse trabalho integrado discutia-se a importância do estudo das condições sociais, ambientais e econômicas da população e a determinação social das enfermidades, levantando a sua estruturação e o seu arcabouço social – como escolas, grêmios e igrejas – e se buscava definir prioridades de ação para nortear o trabalho a ser oferecido, sempre discutindo essas propostas com os docentes, os
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profissionais da equipe de saúde e a própria comunidade. O trabalho era sempre integrado e coletivo. O ciclo clínico compreendia os cursos de Introdução à Medicina Integral, Medicina Integral de Adultos, Assistência Materno-Infantil, Medicina Integral de Crianças e Internato em Medicina Interna, Cirurgia Geral, Pediatria e Obstetrícia. O importante era dar condições para o aluno ver o doente, e não apenas a doença, estar preparado a resolver os problemas de saúde mais comuns e conhecer suas próprias limitações. Capacitar o aluno a lidar com condições estressantes de sofrimento e morte era também uma meta proposta. Sessões de “psicodrama” eram feitas com essa finalidade, sempre sob a supervisão de médicos e psiquiatras. Havia uma participação efetiva e permanente do aluno em todas as atividades desenvolvidas na comunidade, centros de saúde, hospital comunitário (ambulatórios, enfermarias, centros cirúrgico e obstétrico, emergência). Seu aprendizado era, pois, todo feito em regime de “clerkship clínico”, ou internato, desde que começava sua formação clínica. Por isso, tanto os alunos como os docentes atuavam em regime de tempo integral e dedicação exclusiva. Não havia férias escolares longas e sim a obediência a escala de serviços e plantões como qualquer dos docentes e funcionários da UISS. A ideia de se ter a UISS como Hospital da Escola, buscando formar um médico indiferenciado, era, no entanto, discutida por vários professores especialistas que viam na atividade centrada na população daquela cidade uma restrição ao seu desenvolvimento profissional. E assim era, pois, cobrindo uma população de cerca de 35.000 pessoas, dificilmente um endocrinologista atenderia senão pacientes com diabete ou bócio. Que dizer de outras especialidades? Que nosologias poderiam encontrar em Sobradinho? Por outro lado, além de atender pacientes em Sobradinho, os nossos docentes tinham também que participar do ensino dos blocos
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integrados do ciclo básico. Mas como atender a seus anseios legítimos de desenvolvimento especializado? Criou-se assim, um “conflito” entre professores “generalistas” e “especialistas”, minando a unidade do corpo docente da faculdade. A solução seria a construção do Hospital de Base, especializado e, portanto, terciário no atendimento, próximo ao Campus da Universidade. O Hospital do então IPASE, em construção e próximo ao campus da UnB, preencheria essa necessidade. Com o aval do Presidente do IPASE, José Roberto Ferreira e Agnelo Collet, com a colaboração de outros professores da Faculdade, fizeram um estudo detalhando os recursos humanos, os equipamentos e os recursos materiais necessários à operação do Hospital. Um convênio foi discutido com o IPASE, que admitia terminar as obras do Hospital, equipá-lo, e pagar o custo das suas atividades assistenciais, assegurando uma dotação orçamentária para tal fim por um período de 10 anos. Tudo discutido, faltava assinar o convênio e assegurar assim um campo, não só para a atividade especializada de docentes, como também para a formação pós-graduada dos alunos. A dificuldade residia em convencer a reitoria a aceitar o novo convênio, vez que ela não nutria confiança no cumprimento das promessas feitas pelo IPASE e não entendia, por outro lado, a necessidade de se dispor de dois hospitais para a formação dos nossos alunos. A não assinatura do convênio criou um desalento em muitos docentes da Faculdade. Uma série de discussões internas e um esforço muito grande da Reitoria em diminuir o papel da direção da escola, eis que incentivava que os chefes de departamento apresentassem diretamente à Reitoria as suas necessidades e pleitos, minou a unidade pretendida na faculdade. Esse ambiente de tensão na Faculdade, promovido pelo Vice-Reitor José Carlos Azevedo, com a aquiescência do Reitor Caio Benjamim Dias, foi finalmente resolvido com a minha demissão do cargo de Coordenador. O convite para as cerimônias de formatura, organizadas pelos alunos da primeira turma da Faculdade de Ciências Médicas, ora
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comemorando 50 anos de formados, em que o orador foi Humberto Haydt de Souza Mello, dizia o seguinte: “Nesta escola não tivemos obstáculos a transpor, mas deveres a cumprir. Nosso estudo não foi a prova da memória, mas o aprendizado do entender. Nossos mestres estiveram a nosso lado sem a distância do título e o vazio da cadeira. Não fizemos um curso: vivemos ciência, criamos um método, tornamo-nos médicos”. O ideal traçado na criação da escola estava cumprido!
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A FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Acad. Antônio Márcio Junqueira Lisboa Ex-Professor de Pediatria da UnB
A partir de 1965, pensei em ser professor universitário e tentar concretizar algumas ideias, o que seria impossível no Rio, por implicar profundas mudanças no ensino da medicina. Em 11 de janeiro de 1967, o Professor Agnelo Collet transmitiu-me o convite do diretor, Professor Luiz Carlos Lobo, para organizar as atividades de assistência, ensino e pesquisa em Pediatria na recém-criada Faculdade de Ciência Médicas da Universidade de Brasília. Aceitei-o e, no dia 1º de março, assumi o cargo e o desafio. O “hospital universitário” era um barracão de madeira, em Sobradinho, cidade-satélite a trinta quilômetros de Brasília, com 27.000 habitantes. Optei por sair do HSE, uma das glórias da medicina brasileira, e trabalhar no velho e decadente Hospital Rural de Sobradinho onde, não raramente, matavam-se ratazanas, cobras e escorpiões que, colocados em vidros, faziam parte de um “museu”. O consultório resumia-se a uma sala debaixo da escada; a enfermaria contava com dez leitos; havia apenas dois pediatras eu e a Dra. Marília Meira. Tremendo desafio que só foi aceito porque a lei que criara a Universidade de Brasília dizia que: “na organização do seu regime didático, inclusive do currículo de seus cursos, a Universidade de Brasília não estaria adstrita às exigências da legislação geral do ensino superior.” E a Faculdade de Ciências Médicas era estruturada com proposições revolucionárias como “formar um profissional indiferenciado, capaz de atender às necessidades básicas de saúde da população – promoção,
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prevenção, recuperação e reabilitação – em diferentes níveis de atenção – primária (domiciliar, postos e centros de saúde), secundária (hospitais comunitários), terciárias (hospitais especializados e maternidades).” Para que esse objetivo fosse atingido, impunha-se a implantação de um currículo e de metodologias educacionais diferentes dos existentes em outras escolas. Uma das principais inovações era a de acabar com a fragmentação do ensino provocada pela existência de inúmeras disciplinas autossuficientes, que impediam uma visão holística do ser humano. Era o que eu queria. Começar do zero e testar minhas ideias. Larguei a segunda maior clínica do Rio, só suplantada pela do meu saudoso amigo pediatra Rinaldo de Lamare, e mudei-me para Brasília, ganhando a décima parte e trabalhando em regime de dedicação exclusiva. Em maio do mesmo ano, mudávamos para a Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), que iria sediar a maior experiência pedagógica relacionada com o ensino médico no país. O desafio era formar médicos em um hospital comunitário responsável pela saúde dos habitantes de uma pequena cidade, contando com um corpo docente constituído, em sua maioria, por professores sem titulação universitária, trabalhando em tempo integral e dedicação exclusiva. Com a finalidade de promover a integração de programas de promoção da saúde e prevenção de doenças com os de recuperação (hospitalares), pela primeira vez no Brasil, alunos de uma escola médica foram enviados para estagiar em áreas rurais, urbanas, em centros de saúde. Pioneiro em nosso país, o programa de integração docente-assistencial iniciado em 1968 por nós e pelo grande sanitarista Dr. Átila de Carvalho, na Unidade Sanitária de Planaltina, foi um sucesso. Em 1969, também pela primeira vez no Brasil, foram definidos os objetivos educacionais e as competências a serem alcançadas em cada local de estágio, pelos alunos, internos e residentes, registrados em várias publicações, que foram largamente utilizadas como modelo no país e no exterior.
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Em 1967, criamos, pela primeira vez no país, as disciplinas de Neonatologia e Crescimento e Desenvolvimento, hoje existentes em quase todas as escolas médicas. Conseguimos uma boa integração com a Obstetrícia graças ao trabalho do Prof. Pablo Chacel, obstetra, e criamos também o programa “Mãe Acompanhante”, que passou a ser um programa prioritário da Sociedade Brasileira de Pediatria e foi incluído no Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando-se obrigatório. A Comissão de Promoção de Programas de Residência em Pediatria na América Latina, da Academia Americana de Pediatria, indicou como modelo o Programa de Residência da Faculdade de Ciências da Saúde. A Residência de Pediatria na UISS foi considerada a mais completa do Brasil pelo Professor Eduardo Marcondes, presidente do Comitê de Residência em Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria. A excelência do ensino da Pediatria na Universidade de Brasília pôde ser atestada pelas inúmeras visitas de importantes professores e pediatras e pelos convites para divulga-la no Brasil e no exterior – Argentina, Uruguai, Peru, Panamá, Costa Rica, Rep Dominicana, México, Guatemala. Fui membro da Comissão de Residência Médica do MEC (8 anos), da Sociedade Brasileira de Pediatria. Profissionais competentes e com alto grau de comprometimento social foram ali formados e, hoje, ocupam posições de destaque no meio médico. Essa experiência pedagógica, vivida intensamente, permitiu-me concluir que, para serem formados bons médicos generalistas, capazes de promover, proteger e recuperar a saúde de 80% da população, necessita-se, sobretudo, de um corpo docente motivado, dedicado e competente, que goste de ensinar e esteja profundamente comprometido com as necessidades sociais e de saúde da população. Aos meus alunos cinquentenários Vocês estão completando 50 anos de formados. Eu, 75. Foram meus primeiros alunos e, boa parte do que fiz, foi inspirado em nossa convivência diária. Tal como em Pediatria, interagimos com nossos
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filhos e alunos, e ambos nos ensinam muito. De vocês, agradeço o carinho e a amizade que me dedicaram. Tinha um hábito, ao encontrar algum de vocês, como o Marcus Vinicius, de dizer com orgulho: “Foi meu aluno”. Minhas esposas, Therezinha (falecida) e Beth pediram-me que parecia que eu seria o responsável pelas vitórias. Mas a verdade é que, ao saber de seus feitos, eu tenho uma reação igual àquela que eu teria se fossem meus filhos: “Eu me orgulho de vocês”. Sejam felizes é o que lhes deseja este velho professor. Dedico-a a vocês essa mensagem Benjamin Mays que me ajudou a vir para a nossa querida Faculdade de Ciências da Saúde: “Deve-se ter em mente que a tragédia da vida não é não poder alcançar seus objetivos. A tragédia da vida é não ter nenhum objetivo a alcançar. Não é uma calamidade morrer sem poder realizar nossos sonhos, mas é uma calamidade não sonhar. Não é um desastre ser incapaz de incapaz de conquistar seu ideal, mas é um desastre não ter um ideal a conquistar. Não é uma desgraça não poder alcançar as estrelas, mas é um desastre não ter estrelas a alcançar. O maior pecado não é falhar, mas sim não tentar o suficiente.”
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A TURMA DA UNB 70 E A UISS3 Acad. Edno Magalhães Ex-Professor de Anestesiologia da UnB
Iniciei a minha residência médica em Anestesiologia na UISS, em 08 de janeiro de 1968, 23 dias após receber o diploma de médico da Universidade Federal da Bahia. A UISS era o hospital Escola da Universidade de Brasília, situado a 30 km do Plano Piloto, na cidade satélite de Sobradinho-DF. O Hospital era um pouco escuro, e o único sinal de juventude era a presença dos residentes: éramos apenas 12 nas diversas especialidades. A noite era um pouco triste, como também a escura cidade de Sobradinho, na visão noturna daquela época. De repente, o início de um dia com mais vozes, mais movimento, mais alegria e juventude. Era a primeira turma do Curso de Medicina da Universidade de Brasília, lá pelo sétimo semestre, chegando ao Hospital. Para nós, residentes, foi igual a volta às nossas escolas, e logo ocorreu uma relação amigável e de companheirismo entre residentes e alunos. Era divertido observar os “foras” comuns na chegada de alunos ao Hospital. Passamos a conhecer melhor a cidade, graças às novas amizades. Várias dessas amizades perduram entre ex-alunos e ex-residentes que, como eu, permanecem em Brasília até os dias atuais. Assisti, em 1970, à formatura da primeira Turma de Médicos graduados pela Universidade de Brasília. Turma constituída por jovens que acreditaram naquela Universidade, numa cidade que, à época, tinha 3
Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho.
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apenas cinco anos de existência. Também acreditei em Brasília, que adotei pelo coração como a minha cidade. Há 53 anos convivo profissional e socialmente com muitos desses colegas da Turma de 1970 de forma amistosa e cordial. Parabéns à Universidade de Brasília pelos 50 anos de formatura da sua Primeira Turma de Médicos! Aos colegas e amigos dessa Turma um grande abraço!
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A PRIMEIRA TURMA DE MEDICINA DA UnB Acad. Eraldo Pinheiro Pinto Ex-Professor Adjunto de Urologia da UnB
Nasci em Fortaleza, em 12 de março de 1934. Fui aluno do Colégio Cearense do Sagrado Coração, estabelecimento dos irmãos maristas até ingressar no curso de medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1954. Formei-me em dezembro de 1959 e durante todo o curso minha meta sempre foi especializar-me na área cirúrgica. Naquela época fazer residência médica não era um objetivo tão procurado e quase obrigatório como hoje, mas aperfeiçoei-me em cirurgia geral na Casa de Saúde São Miguel, no Rio de Janeiro em 1960, tendo como preceptor o professor Fernando Paulino, residência muito procurada inclusive por médicos de países vizinhos. Voltando para Fortaleza fui para o Instituto de Assistência e Previdência dos Industriários, o antigo IAPI, onde atuei como perito e posteriormente como cirurgião, até novembro de 1967. Em 1961 ingressei como assistente no Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Ceará, inicialmente como voluntário. Nesse departamento, com o inestimável apoio de um de seus titulares, comecei a migrar para a especialidade de Urologia. Ressalto que já na Universidade do Ceará fazia experimentação com transplantes renais em cães. Em parceria com Antero Coelho Neto, que em 1967 também iria para a Universidade de Brasília (UnB), abri um consultório de urologia. Em novembro daquele mesmo ano, recebi um convite para participar do bloco do sistema urinário do curso de medicina dessa universidade. Seria apenas uma participação de aproximadamente trinta dias.
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Além dos Drs. Antero e Célio Pereira, que já pertenciam ao quadro de docentes do bloco, vieram também como professores convidados dois nefrologistas, o Dr. Marcelo Marcondes, de São Paulo e um outro de Belo Horizonte (de quem infelizmente não me lembro do nome), ambos também muito competentes. Formamos um grupo afinado e produtivo. Embora fosse o menos experiente, consegui trabalhar de modo satisfatório, pois já tinha seis anos como professor assistente na UFC. No programa didático da UnB, urologia e nefrologia formavam uma única disciplina. Os docentes convidados foram apresentados aos alunos num anfiteatro do “Minhocão” sem haver problema algum com o paulista ou o mineiro, mas quando anunciaram o meu nome, explodiu uma gargalhada geral. Na época meu sobrenome não tinha significado pejorativo no Ceará, fiquei sem entender. A galhofa permaneceu por todo o tempo em que atuei na UnB, mas o curso transcorreu muito bem: o grupo tinha um ótimo padrão. A anatomia do sistema e alguns temas de patologia urológica ficaram sob minha responsabilidade. A anatomia era ensinada pelo próprio urologista, resultando daí que cada acidente anatômico era relacionado a uma técnica operatória ou a uma patologia do sistema sempre que possível, o que facilitava muito a memorização. Da mesma forma, a utilização de experimentos em cães e ratos foi de grande valia – fez muito sucesso a demonstração de como a obstrução do ureter levava à produção de hidronefrose. A anatomia, a fisiologia e a patologia se encaixavam com facilidade. Este tipo de ensino, que me parecia tão lógico e inteligente, foi um dos motivos que me influenciaram a aceitar o convite para ficar em Brasília, apesar da minha vida já estar organizada no Ceará. Além disso, havia um excelente convívio entre os docentes, pois não havia grandes diferenças de idade entre titulares e assistentes. Qualquer docente tinha fácil acesso à diretoria da escola, o que não se via nas faculdades tradicionais. Outro ponto positivo era o material didático – tudo que precisávamos para as experiências em laboratório e em
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animais estava sempre à nossa disposição e não havia atropelos no biotério da faculdade. O regime de dedicação exclusiva para os professores era obrigatório, o que considero ser o regime ideal, desde que remunerado de forma justa. Nosso sistema de ensino chamou atenção fora do Brasil e foi imitado em alguns lugares: vários países mandaram observadores. O hospital de Sobradinho, hospital de clínicas da faculdade, funcionava muito bem, era um prazer trabalhar ali. Sinto saudades daquele tempo...
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À DISTÂNCIA DO TEMPO: CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRIMEIRA TURMA DE MÉDICOS DA UnB Acad. Francisco Floripe Ginani Ex-Professor de Cirurgia da UnB
Reportar à atualidade fatos e acontecimentos de uma época em que estivemos envolvidos, enseja não só recordações, mas conduz a reflexões, fazendo-nos convergir com a perspectiva dos seus desdobramentos e repercussões. Torna-se então, oportuno submeter à prova o conceito que a história é uma ciência carregada de imaginação. É a ela, porém, negada a afirmação que seja possuidora de um sentido secreto, mas revelado, nem tão pouco um significado que ela por si só não tem. No entendimento da história tem de haver um ponto de vista, uma perspectiva e um interpretação. É como iremos enfocar a importância que se apresenta a nós a celebração do cinquentenário de formação da primeira turma de médicos da UnB. Pessoalmente, sinto-me especialmente envolvido nesse acontecimento, já que estive visceralmente ligado a todas as etapas do seu desdobramento como o procurarei deixar a conhecer na narrativa que se segue. Para alcançar esse intento, contando com o ato de escrever, que é necessariamente uma forma de ação cujas palavras se transformarão no ato de emprestar toda a relevância e importância a aquele período que, com certeza, influenciou uma fase da história de Brasília. É cativante e ao mesmo tempo paradoxal conceber que todo o movimento que nos sensibilizou na transitoriedade daquela época, deixa transparecer o que leva a permanecer no tempo.
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O período que vamos evocar é o transcorrido entre as décadas de 60 – 70, quando se desenvolveu uma das grandes experiências do ensino médico no Brasil. Antes, porém, para melhor compreensão do que se passou, é importante fazer um curto relato de como se deu o meu engajamento em tal acontecimento. No ano de 1962 fui designado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tempo em que exercia liderança estudantil, na qualidade de presidente do Diretório Central dos Estudantes, uma missão institucional junto ao Ministério da Educação. Brasília, nos primórdios da sua construção causou-me um desconcertante impacto que repercutiu indelevelmente em meu espírito, cravando uma indisfarçável certeza de retorno, que mais tarde veio a concretizar-se, levando-me a fincar raízes profissionais e familiares que se estende até a presente data. Concluído o curso médico, e já aceito para o programa de cirurgia geral na cidade do Rio de Janeiro, resolvi especular com uma visita à Brasília, mesmo desprovido de qualquer arranjo ou comprometimento prévios. Informado por colegas que a Universidade de Brasília estava implantando o seu hospital escola, dirigi-me até a Unidade Integrada de Saúde-UISS onde fui recebido pelo coordenador de cirurgia, o professor Hélio Ferreira Barbosa. O curso de medicina estava cumprindo as etapas curriculares iniciais e o hospital se preparava para o desempenho do ensino protocolar. O programa da cirurgia geral já continha em sua grade o treinamento em cirurgia geral, cujos detalhes estavam sendo ultimados. Mesmo assim, considerando que o início desse programa estava previsto para o próximo ano, consegui, com insistência e senso de desprendimento e disponibilidade, convencer o professor Hélio, que após consulta à sua equipe, resolvesse aceitar-me. Admitido como primeiro residente de cirurgia da UISS, restou-me a gratidão e a consciência de que o acontecimento consagrou a minha volta a Brasília cursando um aprimoramento que constituiu num marco profissional incontestável.
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O êxito dessa escolha foi colimado pelo convite em permanecer no hospital, na qualidade de docente, condição que permaneci até a minha aposentadoria. No contexto dessa história, vale relatar o entusiasmo de que fui tomado ao fazer as escolhas acima referidas. Para começo, identifiquei-me amplamente com a linha programática do ensino a ser executado, baseado no conceito da medicina integral e comunitária eivada dos conceitos da multidisciplinaridade e da ênfase aos critérios social e epidemiológico. O médico integral advindo dessa formação era capacitado em sólidos e consistentes valores humanísticos. Acrescento que essa experiência de ensino e prática médica proporcionou-me estender as minhas lealdades e reforçar as minhas convicções. É oportuno inserir nesse relato que o país experimentava, naquele momento, uma influência marcante derivada do movimento sanitarista-desenvolvimentista, que procurava influenciar tanto na elaboração do currículo do ensino acadêmico, como na cobertura dos serviços médicos brasileiros, dando um novo formato a estruturação no campo dos recursos humanos em saúde. Esse movimento era liderado pela Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, que conseguiu estabelecer um marco político-institucional e simbólico, proporcionando mudança e entendimento do papel de políticas públicas de saúde, e consequentemente dos seus profissionais, no campo deste desenvolvimento social e econômico dos países latino-americanos. Para enfrentar a realidade sanitária do país o suporte desses objetivos projetava condicionantes para formar um profissional de saúde mais atento às circunstancias e a nossa realidade nacional e regional. O método de ensino tinha que ser aprimorado, fazendo-se a conexão das ciências sociais com a saúde, deslocando-se da medicina social para a saúde coletiva. O escopo da medicina integral associava-se intrinsecamente a uma sólida formação na prática médica, sustentado por um suporte hospitalar exemplar. Simbolicamente, procurava-se introduzir o médico na história das mentalidades, objetivando
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aperfeiçoar sua forma de pensar, de viver, individual e coletivamente na sua tomada de decisões. Assumindo que o desenvolvimento do meu projeto pessoal e profissional ia alcançando um sucesso marcante, ocorreu um forte abalo quando da desocupação da Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho. A década de 80 foi marcada por uma decisão precipitada da reitoria da UnB, e deixar o hospital e, consequentemente o seu programa de ensino, mudando o enfoque curricular para uma outra instituição hospitalar, na justificativa da desatualização da UISS para enfrentar uma realidade tecnológica no ensino e na assistência à saúde. O desastre deste movimento repercutiu de imediato, não só na exclusão de médicos e alunos numa linha programática de ensino e assistência médica, como no desaparecimento do pertencimento pela universidade de uma instituição preparada para receber alunos, professores e funcionários. Essa realidade começou a ser modificada dez anos depois quando foi designado o atual Hospital Universitário de Brasília – HUB, por decisão do presidente da república. Falhou então a mudança na justificativa de encontrar um centro de formação mais tecnológico premiando as exigências mercadológicas, o currículo médico premiava agora uma nova perspectiva em consonância com o pensamento político da nação. Foi um período que faz lembrar a pensadora Anna Funder: “A falência das utopias, o homem vagueia sem crenças definidas e sem caminhos que agreguem uma coletividade.” A intempestividade da saída de Sobradinho, não planejada no que era indispensável, não conseguiu notar que na ciência biológica com a resolução de problemas desafiadores relativos ao diagnóstico e a terapêutica das diversas especialidades médicas, distanciava o aluno e o futuro médico da abordagem integral do ser humano no contexto social. Novo estágio, novos desafios e novas prioridades foram postas no ensino da medicina na UnB, quando a partir da década de 90. É como celebrava o poeta Paul Valéry: “O mar recomeço das ondas.”
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Embora não se reconciliando com aqueles pressupostos da formação médica em Sobradinho, é preciso acreditar que a educação médica deva sempre estar voltada para o coletivo dos indivíduos e ao ambiente físico, social, político, econômico e cultural através de políticas públicas e condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde. Temos que levar em consideração que um dos meios de reduzir as desigualdades é o aprimoramento do atendimento primário, o que certamente cobrirá a maior parte das necessidades com a saúde de uma pessoa. A experiência de Sobradinho fortaleceu a minha convicção de que o ensino da medicina privilegia duas tendências: uma profissional e técnica, outra cultural e formadora da cidadania. Demonstrando a ciência da responsabilidade que assumimos com isso, e da permanência que tomam os nossos atos que são inscritos e poderão ser avaliados, como nesse instante o faço no âmbito da nossa memória da vida. Inspirando-me no poeta Fernando Pessoa afirmo que vivi sem saber a experiência de Sobradinho só para hoje ter aquela lembrança. “Sinto perto o que está longe, nada é, tudo passa”.
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A CESSÃO DA UNIDADE INTEGRADA DE SAÚDE DE SOBRADINHO (UISS) PELA FUNDAÇÃO HOSPITALAR DO DISTRITO FEDERAL (FHDF) À FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UnB) Acad. Francisco Pinheiro Rocha Ex-Secretário de Estado da Saúde do Distrito Federal
Neste ano de 2020 comemoram-se os 50 anos da formatura primeira turma de medicina da Universidade de Brasília (UnB). A criação da faculdade, que teve início em meados dos anos sessenta, me leva a relembrar fatos quase esquecidos. Eu ocupava, naquela época, o cargo de Secretário de Saúde e Presidente da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, no governo do Professor Eng. Plínio Cantanhede, então prefeito da nova capital. Em 1966, minha equipe e eu estávamos em meio à construção de três unidades hospitalares, projetadas pelo arquiteto mineiro Hélio Ferreira Pinto, sob a orientação e supervisão do Prof. Odair Pacheco Pedroso, da Universidade de São Paulo (USP), especialista em organização hospitalar: os hospitais da L2 Sul, o de Sobradinho e o do Gama. Foi quando dois jovens estudantes da Universidade de Brasília, membros do Diretório Acadêmico de Medicina, foram à minha residência expor a problemática que estavam a viver: tinham concluído o curso básico no Instituto Central de Ciências, mas não poderiam continuar em Brasília por falta de um hospital ligado à universidade para prosseguirem nos seus estudos. Sensibilizado, prontifiquei-me a
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ajudá-los, marcando uma reunião com o então Reitor da UnB, Prof. Laerte Ramos de Carvalho. Expliquei-lhe a situação dos projetos hospitalares em construção e que pretendia concluí-los até o fim do ano. Coloquei-me também à disposição para que a Universidade de Brasília escolhesse, dentre as três obras, a que melhor lhe atendesse para que firmássemos um convênio com a Fundação Hospitalar, a fim de possibilitar a continuação dos estudos médicos dos seus alunos. Outrossim, a Reitoria constituiu uma comissão de professores do Rio de Janeiro e de São Paulo, da qual fiz parte, para organizar o curso de medicina, entre eles o Professor Dr. Luiz Carlos Lobo, ao qual fui apresentado na época. Entreguei as obras dos hospitais da L2 Sul, Sobradinho e Gama em 22 de novembro de 1966, 17 de dezembro de 1966 e 15 de março de 1967, respectivamente. A comissão formada pela Reitoria entendeu que a unidade de Sobradinho era a que melhor se identificava com o projeto de escola médica que se queria implantar, com forte apelo social e inovador. Assim, no dia de sua inauguração o Hospital de Sobradinho foi destinado, por convênio firmado pela Fundação Hospitalar do Distrito Federal com a UnB, a servir como hospital escola da Fundação Universidade de Brasília (FUB) por dez anos, ajudando a consolidar a recém-criada Faculdade de Ciência Médicas da Universidade de Brasília como uma das melhores do país.
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RECORDAÇÕES DA PRIMEIRA TURMA DE MÉDICOS DA UnB Acad. Hélcio Luiz Miziara Ex-Professor de Histologia da UnB
As comemorações do cinquentenário de Primeira Turma de Médicos da Escola de Ciências da Saúde da UnB, hoje chamada de Faculdade de Medicina, são acompanhadas de recordações que gostaria de trazer para esse evento. Na realidade, não pertenci ao primeiro corpo docente, pois fazia parte do Instituto Central de Biologia (ICB) que era coordenado pelo Prof. Friedrich Gustav Brieger, e que foi na realidade, o embrião que formou a escola de medicina. E como havia a necessidade de começarmos o curso, fui o primeiro médico de Brasília a ser convidado a dar as aulas da disciplina de Histologia, e até 1968 fui responsável pela matéria, quando o Prof. Gilberto Santa Rosa veio do Rio e dividiu comigo o trabalho de dar as aulas. No início participava também do curso o Prof. Octávio Della Serra, em Anatomia e posteriormente, o casal Bráulio e Heloisa Magalhães Castro. Todos eles já vieram pertencendo à Faculdade, mas eu continuei sempre vinculado à Biologia. Participei várias vezes de conversações com Luiz Carlos Lobo e José Roberto Ferreira, e dentre os episódios que guardo na lembrança foi o de que logo no começo houve uma greve que duraria mais de dois meses e nesse período fui procurado pelos alunos Humberto Haydt, Mauricio Vasques e Alcir pereira da Silva, que me pediram que os deixassem frequentar o meu laboratório no Hospital Distrital, enquanto perdurasse a paralização. Eles fizeram um excelente trabalho sobre o movimento e índice do número de biópsias. Alunos das turmas
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seguintes também trabalharam comigo em serviços administrativos naquele hospital, cujos nomes fogem à minha memória. Não era minha intenção ser professor ou seguir a carreira do magistério, no entanto fui guindado a dar aulas por solicitação do Prof. Paulo Becker, que ministrava Citologia e me fez o convite do então Reitor Laerte Ramos de Carvalho. Senti-me recompensado por participar da Faculdade de Medicina nesta cidade que lutávamos para a sua fixação, e me lembro ainda que a primeira aula foi ministrada no Auditório Dois Candangos. Foi muito gratificante, fiz muitos amigos, e voltei para a UnB, anos depois.
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MEU DEPOIMENTO PARA A PRIMEIRA TURMA DE MEDICINA DA UnB Acad. Maurício Gomes Pereira Ex-Professor de Pediatria da UnB
Cheguei a Brasília no longínquo ano de 1968. Vinha do Rio de Janeiro, onde havia me formado pela Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, hoje UFRJ, e passado quatro anos em estudos de pós-graduação na Europa, nas cidades de Madri, Espanha, e Bruxelas, Bélgica. No regresso ao Brasil, pretendia permanecer no Rio de Janeiro, mas não foi o que ocorreu. Fui convidado para trabalhar em Brasília, no período em que a cidade estava ainda sendo construída. A Universidade de Brasília mandou passagem e pagou minha estadia durante algum tempo. Eu gostei e fui ficando. Meu contrato de professor da UnB requeria tempo integral e dedicação exclusiva. Fui exercer atividades na Faculdade de Medicina, lotado no Hospital de Sobradinho, então denominado Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho. A minha chegada coincidiu com o início do treinamento clínico dos alunos da primeira turma naquele hospital. Meu entrosamento com os estudantes foi excepcional na minha opinião. Em sua maioria, eles permaneciam o dia no hospital, o que facilitava nossa aproximação. Tínhamos atividades juntos em enfermaria, ambulatório e comunidade. Almoçávamos em um mesmo lugar e havia os plantões. Em pouco tempo, eu e os outros professores, sabíamos o nome de cada aluno. O contato continuado com estudantes nos faz permanecer jovens mais tempo e ver o mundo mais cor-de-rosa. Essa aproximação teve muitos reflexos. Um deles foi meu casamento com uma estudante da terceira turma de medicina, Cleire Paniago.
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Da primeira turma formada na Faculdade de Medicina da UnB guardo especial carinho. Foi com essa turma que aprendi a ser professor universitário, sem ter sido ensinado para isso. O hospital possuía biblioteca, de acervo excelente e continuadamente renovado. As bibliotecárias sabiam do que eu me interessava e guardavam material de leitura para mim. A gentileza não era só comigo. Fazia parte do modo como incentivavam a leitura e o uso da biblioteca. Coisa rara neste país de poucos leitores e de bibliotecas conservadas como museus, afugentando usuários. O tempo vivido no Hospital de Sobradinho foi dos mais gratificantes de minha vida e se revestiu de grande aprendizado, tanto intelectualmente como em coisas da vida. Muitos dos meus amigos atuais são dessa época. Pena que o tempo passe tão rapidamente... Quando penso que fui professor da primeira turma da Medicina da UnB durante três anos, que essa turma formou em 1970 e faz agora aniversário de 50 anos de formatura, acho inacreditável ... A passagem do tempo sempre nos intriga. Oscar Niemeyer afirmou aos 104 anos de idade que a vida é um sopro. Pedro Calderón de la Barca, escritor espanhol do século 17, escreveu que a vida é um sonho. Essas lembranças me fazem refletir sobre o sentido da vida. Ainda vou chegar a alguma conclusão. Continuo frequentando a UnB, como voluntário, onde oriento alunos de pós-graduação. Acho que continuarei a fazê-lo enquanto puder. Os tempos de Sobradinho me marcaram. Sempre trabalhei em tempo integral, o que me sobrou tempo para nutrir o intelecto. Tive recompensas na vida universitária. Após a aposentadoria, a UnB me concedeu o título de Professor Emérito e fui eleito membro titular da Academia Nacional de Medicina, sediada no Rio de Janeiro. Trata-se de instituição quase bicentenária. Fundada em 1829 e, desde sua fundação, os acadêmicos se reúnem cada semana, às quintas-feiras. Essas reuniões constituem motivo para eu estar sempre visitando aquela cidade que tanto marcou meus anos de infância e juventude.
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UnB: MEIO SÉCULO DE FORMAÇÃO MÉDICA4 Prof. Dr. Flávio Goulart
Acabo de receber o livro comemorativo do cinquentenário da primeira turma de médicos que se formou na UnB. Material muito bem elaborado, virtual (como, aliás, tudo ou quase tudo hoje deveria ser), organizado pelas mãos competentes de um dos egressos de então, o Dr. Marcus Vinicius Ramos, que também é presidente da Academia de Medicina de Brasília. Não estudei com eles e até conheço algumas pessoas do grupo, mas minha formatura, pela UFMG apenas um ano depois, me autoriza a comentar este evento tão significativo, além de me congratular com estes coetâneos. Meio século de formação e prática médica em outros países, de primeiro mundo, já seria algo muito significativo, mas aqui no Brasil os acontecimentos correspondentes são verdadeiramente alucinantes! Vale a pena se deter sobre o tema, sem maior pretensão de esgotá-lo. Em primeiro lugar, considerações geográficas. A totalidade dos egressos, naturalmente, vinha de fora do DF; um ou outro de Formosa, Luziânia e cidades vizinhas. Será que voltaram, depois de formados, para seus locais de origem? Muito provavelmente, não, pois o país, àquela ocasião, mostrava uma forte tendência de migração da população para os grandes centros. Assim, vir estudar na capital, saído de alguma cidade do interior, como se confirma para boa parte dos egressos, certamente acarretaria, e de forma majoritária, a fixação neste novo ambiente urbano – ou em outro de mesma característica. Nisso, sem dúvida, houve alguma transformação ao longo dessas cinco 4
A Saúde no Distrito Federal tem jeito, 2020. Disponível em <https:// saúdenodfblog. wordpress.com/2020/10/22unb-meio-seculo-de-formacao-medica/ >. Acesso em: 22 de outubro de 2021.
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décadas, porque aquela tão badalada “interiorização da medicina”, que ainda era uma preocupação e uma palavra de ordem nos anos 70, bem ou mal aconteceu desde lá, até mesmo pelo massivo incremento da formação médica que ocorreu nas décadas posteriores. Criaram-se, inclusive, polos regionais médicos importantes no Brasil, distintos das capitais, como é o caso, por exemplo, de Anápolis, Ceres ou Paracatu, só para citar exemplos próximos à Capital Federal. Mas que não se esqueça que ainda existem cidades bem próximas aos grandes centros urbanos do país, daqui de Brasília, inclusive, que por razões materiais, políticas ou culturais, não dispõem sequer de um profissional de saúde entre seus habitantes. O fato é que, em termos de mercado de trabalho, aqueles egressos de 1970 encontraram um vasto território totalmente livre e aberto para quem estivesse disposto a nele se aventurar. Com efeito, o Brasil contava, na época, com cerca de 58 mil médicos ativos; hoje são quase 500 mil. A população, que pouco passava dos 90 milhões (“em ação”, como dizia a marchinha festiva da Copa do Mundo, propagada pelo triunfalismo da ditadura militar), hoje ultrapassa os 207 milhões. Ou seja, enquanto a população do país dobrou, o número de médicos foi multiplicado por seis ou sete e isso fez com que a razão de médicos por mil habitantes passasse de algo em torno de 1,0 (1,15 é o dado para 1980) para um pouco mais de 2,0 atualmente, mas em crescimento progressivo. Só nas últimas duas décadas, o número anual de registros de novos médicos praticamente triplicou, passando de 8,5 mil para algo acima de 22,5 mil. Tais cifras, naturalmente, devem ter algum significado. Quando ao número de escolas médicas, na época em que se formaram os felizardos aqui em foco, elas não passavam de 50 no Brasil, com um ritmo de crescimento bastante lento, boa parte delas situadas nas capitais e cidades de grande porte. Hoje são alguma coisa em torno de 300, pois as estatísticas divergem. Estão presentes não só nas capitais mas em muitas outras cidades menores. Só para uma comparação, nos EUA as faculdades de medicina são 184, na China 158
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e na Índia 392. É bom lembrar que estes dois últimos países possuem população cinco a sete vezes maior do que a do Brasil, respectivamente. Na época que nossos colegas cinquentenários fizeram vestibular na UnB, o Brasil inteiro oferecia nada mais do que cinco mil vagas para os cursos de medicina; hoje elas são quase 30 mil no país. E do ponto de vista das tecnologias disponíveis para a medicina, qual seria a realidade com que aqueles recém-formados de 1970 lidaram ao longo de suas carreiras? Só para se ter uma ideia, dou um depoimento pessoal. Tive três filhos em meados dos anos 70 e em nenhum deles a gravidez de minha mulher foi acompanhada por ultrassom, pois isso simplesmente não era uma tecnologia disponível no pais de então. Da mesma forma, coronariografias, cintilogramas de diversas naturezas, exames tomográficos, dosagens de substâncias diversas no sangue – para não falar da internet. Foi, portanto, nesta nossa geração de médicos, no auge de nossas carreiras, aliás, que tudo isso passou a fazer parte da rotina da assistência. Digamos que esta turma teve que se esforçar de verdade para aprender muita coisa nova, enquanto trabalhava duramente. Hoje se sabe que dos médicos em atividade no País, 62,5% têm um ou mais títulos de especialista, enquanto 37,5% não têm título algum, podendo então serem considerados, embora de forma aproximada apenas, como generalistas. Certamente a realidade era, nos anos 70, bem diferente. Uma parte daqueles egressos da UnB deve ter se dedicado às grandes especialidades (Clínica Médica, Pediatria, Gineco-obstetrícia ou Cirurgia); outra parte, possivelmente menor, foi procurar diretamente uma formação mais profunda em alguma especialidade ou subespecialidade; outro tanto (quantos?) teve que cair na vida com a cara e a coragem, como generalistas de fato. Era assim que as coisas funcionavam. Muitos certamente fizeram mudanças substantivas em seu perfil profissional ao longo da vida, mas é provável que a maioria tenha tido diante de si duas opções principais: ir direto para a prática médica geral ou fazer residência em uma das quatro grandes áreas, para só então tomar outro rumo. A opção por
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uma subespecialidade de forte substrato tecnológico era algo então muito incipiente no Brasil. Os que aí chegaram provavelmente o fizeram após trajetórias de duração variável em ramos mais clássicos da profissão. Mais uma comprovação do que se trata de uma trajetória especial a dessas pessoas, cheia de aventuras e desafios. Aliás, o próprio Luiz Carlos Lobo, coordenador das atividades didáticas à época, em seu texto no livro em pauta, chama atenção para o conflito entre a prática especializada e a generalista, já existente no âmbito do Hospital Universitário da UnB, por ocasião da formatura da turma de 1970. Como teria sido a formação médica que esta turma de seventies receberam na UnB? Posso dizer que tiveram mais sorte do que eu, pois na minha UFMG o currículo era o mais conservador e careta possível: dois anos de ciclo básico e depois três de clínica, mas de forma totalmente desintegrada. Como disse o meu professor João Amílcar Salgado, o jovem procurava a Faculdade de Medicina para ter contato com gente, mas lhe ofereciam, sequencialmente, cadáveres, lâminas, secreções corporais, chapas, papeletas… Gente, de carne e osso mesmo, só a partir do terceiro ou quarto ano e assim mesmo intermediada por um professor… A Medicina da UnB já começou bem diferente. Primeiro porque trouxe de fora pessoas jovens e conhecedoras do ensino médico mais atualizado, em termos mundiais, como foi o caso dos professores Luiz Carlos Lobo e José Roberto Ferreira. E a proposta, realmente, virava de ponta cabeça a maneira tradicional de ensinar medicina. Entre seus postulados estava a interdisciplinaridade; o ensino em blocos integrados entre o básico e o clínico; o contato precoce do aluno com os serviços de saúde; a responsabilidade social da assistência prestada pela Faculdade; a inclusão de conteúdos de ciências sociais, entre outros, de fazer inveja a uma universidade americana ou europeia de então. Tais coisas só vieram a contaminar a minha velha Faculdade da Avenida Alfredo Balena, em BH, cerca de 10 anos depois. Funcionou na UnB?
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Se tivesse prosseguido o projeto, com certeza teria funcionado. Mas entre outros prejuízos que a ditadura trouxe ao país está mais este: o de ter expulsado professores e aniquilado esperanças, já na década de 70, desestruturando o avanço que vinha sendo construído. Hoje pouco sobrou disso tudo e a vanguarda do ensino médico no DF já não reside na UnB, mas sim na Escola Superior de Ciências da Saúde, abrigada na SES-DF. Menos mal. Mas na verdade, estes 50 anos foram marcados mesmo pelas enormes transformações sociais pelas quais passou o país como um todo, não apenas a formação ou a profissão médica. Com efeito, atravessamos toda uma ditadura, a Democracia foi reconstruída, para depois se ver profundamente ameaçada, como agora. O antigo país rural, extrativista gradualmente adentrou ao mundo urbano industrial. O velho sistema de saúde fragmentado e ineficaz pelo menos foi unificado, embora persistam muitas desigualdades. Mais e mais pessoas passaram a ter acesso à educação, inclusive superior, com a notável presença de pessoas menos favorecidas neste segmento. Novas formas de prestação de serviços médicos se instalaram no cenário, deixando para trás a tradicional polarização entre clínica particular e serviço público/INPS, com o advento da nova realidade dos planos de seguro em saúde. A tecnologia na área médica se tornou indispensável e mesmo dominante. As doenças que matavam antes, tais como as infecciosas e parasitárias e as deficiências nutricionais perderam a vez para as cardiovasculares, as violências e aquelas dependentes dos hábitos de vida. Mas talvez as mudanças mais significativas foram de índole cultural. Os médicos começaram a serem vistos (e se verem, embora com restrições) como trabalhadores assalariados, percebendo-se na contingência de se organizar para lutar por melhores condições de trabalho e melhor prestação de serviços ao público, não apenas por atributos corporativos. Os pacientes começaram a perceber que a prestação de serviços de saúde não era apenas um favor do Estado ou algo a se comprar no Mercado, mas sim um direito social verdadeiro.
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A turma de 1970 (e adjacências) não dispôs de um mar calmo para navegar em sua vida profissional, com certeza. Penso que nós, estes médicos hoje cinquentenários na profissão, representamos, de fato, um marco geracional sui generis: entramos na faculdade numa era ainda antiga, saímos com as coisas já muito alteradas e enfrentamos muitas outras profundas mudanças ao longo de nossa vida profissional. Se não conseguimos grandes vitórias – embora pense que também não tenhamos passado pela vida profissional e de cidadãos em nuvens totalmente brancas – certamente podemos ser reconhecidos como abridores de caminhos. É claro que muitos de nós se perderam e alguns como eu, desistiram da clínica – e nem seria fácil alguém fazer tal viagem sem se perder ou desviar de rumo – mas com certeza temos um testemunho a dar. A medicina não é mais a mesma, o mundo já mudou muito e nós também já não somos aqueles que um dia fomos. Resta saber quantos de nós aprendemos as lições, ou, pelo menos, se fomos capazes de reconhecer que há lições a aprender, nesta acidentada trajetória. E o futuro? Este já não nos pertence…
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SESSENTA ANOS DE HISTÓRIA 1960-2020
A HISTÓRIA DA MEDICINA DE BRASÍLIA CONTADA PELA ACADEMIA
DEPOIMENTOS
ACAD. TITULAR ANTÔNIO MÁRCIO JUNQUEIRA LISBOA Cadeira 1
Em fins de 1956 chegava a Brasília o primeiro pediatra – Edson de Araújo Porto, convidado para assessorar a construção de um hospital de campanha projetado pelo Instituto de Aposentadoria e Assistência aos Industriais (IAPI), que se responsabilizou também pela prestação dos serviços de assistência à saúde da população. No dia 6 de janeiro de 1957, Edson passou a atender, indiscriminadamente, adultos e crianças, em um barraco anexo à construção do restaurante do Serviço de Alimentação e Previdência Social (SAPS). Dadas às péssimas condições sanitárias, não demorou muito a aparecer um surto de diarreia epidêmica. Com isso, o estoque de medicamentos de Brasília se esgotou. Edson deslocou-se para Goiânia para tentar adquiri-los, o que não conseguiu, pois lá também estavam em falta. Soube que boa parte deles havia sido adquirida pelo Sr. Victor, empresário do serviço de cozinha do SAPS, que estava por conta própria mandando que fossem colocados no feijão servido à comunidade. Com essa medida insólita, o surto diarreico foi debelado. Em junho de 1957 foi inaugurado o Hospital Juscelino Kubistschek de Oliveira, o primeiro de Brasília, com a atribuição de prestar assistência médica, cirúrgica e odontológica à população. O Hospital JK possuía um berçário com dez leitos, uma enfermeira de Pediatria com outros vinte e um posto permanente de imunizações onde foram realizadas as primeiras vacinações da população. Edson Porto foi o primeiro diretor de um serviço de Pediatria de Brasília Em 1960 foi criado o Centro de Estudos Médicos do Hospital JK, onde eram discutidos casos clínicos, inclusive os pediátricos. A Unidade
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de Pediatria do Hospital JK contava com os seguintes pediatras: Edson Porto, José Richelieu de Andrade Filho, Luiz Ricarte Serra, Jehovah de Souza e José Scarpelli. Ainda em 1960 foi inaugurado o maior hospital de Brasília – o 1° Hospital Distrital de Brasília (1° HDB). A Unidade de Pediatria entrou em atividade no dia 20 de abril, contando com o concurso de três pediatras: José Flores Alves, Sávio Pereira Lima e Rodolpho de Almeida Prado Costallat. Mais tarde, no mesmo ano, passaram a integrar o corpo clínico da Unidade de Pediatria Roberto Barros de Castro Carvalho, Oscar Mendes Moren e José Ricardo Lemos de Oliveira. Em 1962 foi criada a residência médica em Pediatria no 1° HDB, sob a coordenação de Oscar Mendes Moren, chefe da Unidade de Pediatria. Os primeiros médicos aceitos para cursá-la foram Geraldo Magela Salvado, Ísis Rocha Corrêa, Maria Ester Faria, Antonieta Maria Torres Bandeira e Marcelo Eduardo Arias (Córdoba, Argentina). Desde então o 1° HDB vem, ininterruptamente, formando pediatras. Moren, falecido em 2018, chefiou a Unidade de Pediatria e coordenou sua residência durante 28 anos, até sua aposentadoria. Muito devem a Moren os pediatras e as crianças de Brasília. O primeiro cirurgião pediátrico de Brasília foi Enneman Pimentel, que organizou o primeiro serviço de Cirurgia Pediátrica do 1° Hospital Distrital de Brasília, hoje Hospital de Base. Em 1964 Enneman também criou a primeira residência em Cirurgia Pediátrica de Brasília. Minha vinda para Brasília A partir de 1965, passei a sonhar em ser professor universitário. Amigos e colegas me estimulavam a fazer docência, mas a estrutura rígida, o funcionamento e o ensino nas escolas médicas do Rio daquela época, me certificavam que seria impossível qualquer realização ou mesmo mudança. No dia 6 de janeiro de 1966, dia de meu aniversário, voltava de um congresso em São Lourenço, Minas, com o Cláudio Souza Leite, cirurgião pediátrico. Paramos no restaurante Centenário,
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na estrada Rio - São Paulo. Falei-lhe sobre minhas angústias e brinquei, dizendo-lhe que eu iria acabar muito rico e frustrado, por não ter conseguido realizar um dos meus sonhos: ser professor universitário e concretizar minhas concepções de como deveria ser o ensino médico, principalmente o de pediatria. Fiz-lhe ver que no Rio, mesmo que eu lecionasse em qualquer universidade, isso seria impossível. O convite Era um sábado do mês de dezembro de 1966. Havia acabado de me mudar para um consultório amplo e luxuoso na Clínica Sorocaba, que congregava um grupo de médicos altamente qualificados, cuja construção havia durado cinco anos e consumido todas as minhas economias. Eu estava em meu consultório quando o Fernando Santos, hematologista, chegou com seu filho para uma consulta. Fernando trabalhava em três hospitais para sobreviver. Disse-me que havia sido convidado para ser professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília, e perguntou a minha opinião. Respondi-lhe que deveria aceitá-lo, imediatamente. O Fernando saiu, voltou daí a uma hora, e perguntou-me: “E você, aceitaria o convite?”. Disse-lhe que a minha situação não tinha nada a ver com a dele. Naquele momento, eu tinha a segunda clínica pediátrica privada do Rio de Janeiro, em quantidade e qualidade e trabalhava muito; atendia, por dia, de 20 a 25 crianças no consultório, fora visitas domiciliares, atendimentos em salas de partos e em hospitais; e ainda chefiava o Berçário do Hospital dos Servidores do Estado (HSE), àquela época considerado o melhor do Brasil, e que havia sido um dos meus sonhos de recém-formado. Assim, minha situação não podia ser comparada à dele. Mesmo assim, perguntou-me se eu aceitaria um convite. Respondi-lhe que sim, para pensar. Estava nesse estado de espírito quando, em 11 de janeiro de 1967, fui convidado pelo Professor Agnelo Collet, em nome do Prof. Luiz Carlos Lobo, para organizar as atividades de assistência, ensino e
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pesquisa em Pediatria, na recém-criada Faculdade de Ciência Médicas da Universidade de Brasília. Era o meu sonho, e o convite pegou-me em uma fase extremamente vulnerável. A primeira visita Preciso confessar que eu detestava Brasília, sem conhecê-la. Acreditava que sua construção havia sido a causa principal do processo inflacionário que assolava o país. Já havia recebido inúmeros convites para visitá-la, todos gentilmente recusados. Eu não gostava de Brasília. Cheguei aqui no dia 28 de janeiro aqui cheguei para encontrar-me com os Professores José Roberto Ferreira, vice-reitor da Universidade, e Luis Carlos Lobo, diretor da Faculdade. Trouxe comigo minha esposa Therezinha e meu filho mais velho, Antonio Márcio Júnior, para compartilharem da decisão de uma eventual mudança, que, sem dúvida, seria muito traumática. Eu e Therezinha éramos filhos únicos, de pais idosos. Meus pais haviam acabado de comprar um apartamento ao lado do meu, para ficarem próximos a nós e aos netos. Minha clínica, só menor do que a do meu saudoso amigo Rinaldo Delamare, era formada por um grande número de amigos e de mais de duzentos filhos de colegas. Eu ganhava em torno de 10.000 cruzeiros mensais e iriam pagar-me 1.250, em dedicação exclusiva. Em 1967, o campus estava em construção. A Faculdade estava localizada no Instituto Central de Ciências – o Minhocão. Como o nome indica, era uma construção linear, de quase um quilômetro, inacabada, construída com cimento cru. Aí estavam localizadas a direção e os laboratórios da Faculdade. O “hospital universitário” – o Hospital Rural de Sobradinho – era um barracão de madeira, localizado em Sobradinho, cidade satélite com 30.000 habitantes, a trinta quilômetros de Brasília. A Faculdade de Ciências Médicas seria estruturada com proposições revolucionárias como “formar um profissional indiferenciado, capaz de atender às necessidades básicas de saúde da população –
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promoção, prevenção, recuperação e reabilitação – em diferentes níveis de atenção – primária (domiciliar, postos e centros de saúde), secundária (hospitais comunitários), e terciária (hospitais especializados e maternidades)”. Para que esse objetivo fosse atingido, impunha-se a implantação de um currículo e de metodologias educacionais diferentes dos existentes em outras escolas. Uma das principais inovações era a de acabar com a fragmentação do ensino provocada pela existência de inúmeras disciplinas autossuficientes, que impediam uma visão holística do ser humano. Era tudo que eu queria: implantar minhas ideias partindo do zero. Além disso, as promessas que me fizeram para que eu viesse trabalhar em Brasília foram tão boas, que meu filho dizia que o Lobo tinha muita força, porque tudo o que eu pedia, eles concordavam em dar-me. Graças a Therezinha, minha esposa, e ao incentivo de meu querido mestre Luiz Torres Barbosa pude concretizar mais este sonho – tornar-me professor universitário. Em 1º de fevereiro, já estava com meus filhos matriculados no colégio Dom Bosco. Voltei para Rio e trabalhei até o dia 1º de março, para pagar minhas dívidas. Havia optado por sair do Hospital dos Servidores do Estado, uma das glórias da medicina brasileira, para trabalhar no velho e decadente Hospital Rural de Sobradinho. Chegando aqui, fui morar em um apartamento na SQS 313. Fiquei cerca de um ano almoçando e jantando em mesas improvisadas com tábuas e caixotes, com meus livros espalhados pela sala. Os móveis prometidos só chegaram um ano após. O Ensino na Faculdade de Ciências Médicas No dia 8 de agosto de 1966 iniciaram-se as aulas na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília. Comecei minhas atividades dia 15 de março de 1967. Existia um compromisso da escola com a assistência à saúde da população de Sobradinho. Embora os docentes ensinassem e pesquisassem, o bem-estar da comunidade
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estava acima de qualquer outro compromisso. Os legítimos interesses do ser humano prevaleciam sobre os dos docentes (pesquisa e ensino), dos discentes, e até mesmo, dos funcionários. Os alunos participavam não apenas em atividades do hospital universitário como também em unidades qualificadas do sistema de saúde – hospitais comunitários, serviços de urgência, centros e postos de saúde, programas de atendimento domiciliar. Era enfatizada a importância da promoção e proteção da saúde, e da prevenção das doenças. A medicina deixava de ser essencialmente curativa, para ser preventiva. As atividades de ensino eram regionalizadas e hierarquizadas, tal como ocorre com a assistência. No topo da pirâmide, se encontrava o hospital universitário e, daí até a base, unidades de saúde de complexidade decrescente, até chegar aos domicílios. A integração docente-assistencial permitiu a utilização para o ensino da rede de serviços de saúde. Trabalhar com a comunidade para melhorar suas condições de saúde, e mesmo de desenvolvimento, é uma atividade recomendada. Nos programas de integração docente-assistencial, as atribuições didáticas são conferidas, por delegação ou convênio, às diferentes unidades de saúde, cabendo, à escola médica, a definição dos objetivos educacionais, a supervisão e a avaliação dos alunos. Neste modelo, a escola médica assume um compromisso com a saúde da população, participando das atividades de assistência e formando médicos socialmente necessários e aceitáveis, que respondam às exigências de uma determinada comunidade. O progresso científico tem mostrado que a saúde tem dimensões além da biológica, como a ecológica e a social. A integração docente-assistencial é fundamental para a formação do médico denominado geral, ou generalista, ou simplesmente médico. Neste modelo, valoriza-se o professor competente, inteiramente dedicado à saúde das pessoas, aos alunos, às atividades de extensão e de pesquisa, que desempenham um papel de liderança na comunidade e participam ativamente de decisões que envolvam o bem-estar coletivo, sejam elas de natureza médica ou não. Os docentes deverão
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ser avaliados pelo seu desempenho como cidadãos, como médicos, como professores e como pesquisadores. A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília adotou o paradigma holístico e a integração docente-assistencial. A Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho Em maio do mesmo ano, mudávamos para a Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), a cem metros do primeiro hospital, que iria sediar a maior experiência pedagógica relacionada com o ensino médico no país. O desafio era formar médicos em um hospital comunitário responsável pela saúde dos habitantes de uma pequena cidade, contando com um corpo docente constituído, em sua maioria, por professores sem titulação universitária, trabalhando em tempo integral e dedicação exclusiva. A mudança para a UISS, que durou cerca de dois meses, foi feita pelos professores e funcionários. Nesse período, para atender os pacientes, tínhamos que correr de um hospital para outro, chafurdando na lama. Profissionais competentes e com alto grau de comprometimento social foram ali formados e hoje, ocupam posições de destaque no meio médico. Essa experiência pedagógica, vivida intensamente, permitiu-me concluir que para serem formados bons médicos generalistas, capazes de promover, proteger e recuperar a saúde de 80% da população necessita-se, sobretudo, de um corpo docente motivado, dedicado e competente, que goste de ensinar e esteja profundamente comprometido com as necessidades sociais e de saúde da população. • Estágio Rural – Com a finalidade de promover a integração de programas de promoção da saúde e prevenção de doenças com os de recuperação (hospitalares), pela primeira vez no Brasil alunos de uma escola médica foram enviados para estagiar em áreas rurais, urbanas, em centros de saúde. Pioneiro em nosso país, o programa de integração docente-assistencial iniciado em
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1968 por nós e pelo grande sanitarista Dr. Átila de Carvalho, na Unidade Sanitária de Planaltina, foi um sucesso. • Objetivos Educacionais – Em 1969, também pela primeira vez no Brasil, foram definidos os objetivos educacionais e as competências a serem alcançadas em cada local de estágio pelos alunos, internos e residentes, registrados em várias publicações, que foram largamente utilizadas como modelo no país e no exterior. • A Residência – A Comissão de Promoção de Programas de Residência em Pediatria na América Latina, da Academia Americana de Pediatria, indicou como modelo o Programa de Residência da Faculdade de Ciências da Saúde. A Residência de Pediatria na UISS foi considerada a mais completa do Brasil pelo Professor Eduardo Marcondes, presidente do Comitê de Residência em Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria. A excelência do ensino da Pediatria na Universidade de Brasília pôde ser atestada pelas inúmeras visitas de especialistas nacionais e internacionais. • Disciplina de Neonatologia – Conseguimos implantar ou modificar algumas atividades assistenciais, assimiladas por um grande número de serviços de pediatria. Em 1967, criamos, pela primeira vez no país, as disciplinas de Neonatologia e Crescimento e Desenvolvimento, hoje existentes em quase todas as escolas médicas. • Programa Mãe-Acompanhante – Entre outros programas dedicados à humanização da assistência, destacou-se o da mãe acompanhante. Uma das práticas hospitalares era a de permitir a visita dos pais em certos dias da semana ou, na melhor das hipóteses, algumas horas por dia. Esse tipo de prática era capaz de originar problemas emocionais nas crianças, de gravidade variável, conhecidos como hospitalismo psicossocial. Em 1969, resolvemos promover a permanência das mães nas enferma-
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rias, para acompanhar seus filhos. Esse programa, chamado de “mãe acompanhante”, “mãe participante”, “internação conjunta mãe-filho”, após uma fase de dificuldades de aceitação, principalmente pelo corpo de enfermagem e pela direção do hospital, foi tão bem sucedido que foi implantado em todos os hospitais de Brasília, passou a ser um programa prioritário da Sociedade Brasileira de Pediatria e foi incluído no Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando-se obrigatório. O programa “mãe acompanhante” foi objeto de inúmeras palestras e conferências no Brasil e no exterior. O Governo Militar Em Brasília consegui realizar tudo aquilo que eu desejava como professor e médico, ao custo de alguns sofrimentos e decepções. Em 1975, fui perseguido tenazmente pelo vice-reitor José Carlos de Almeida Azevedo, oficial da Marinha, ligado aos órgãos de repressão, cuja real motivação desconheço até hoje. Pressionou-me e sem meu consentimento, mudou o meu regime de trabalho de dedicação exclusiva para 12 horas, o que significava perder a Chefia do Departamento e da Pediatria, e ter o salário reduzido à quarta parte. Embora avisado por amigos, temerosos de que medidas repressivas mais violentas fossem tomadas, entrei com uma ação trabalhista contra a Universidade de Brasília. Fui convocado para uma sessão na Justiça do Trabalho. Na véspera, à tarde, meu filho, que estudava na Universidade, foi sequestrado. Um claro recado. Poucos dias após, foi-me feita uma proposta: soltar meu filho contra a retirada do processo. Não aceitei. Resolvi sair da Universidade, até que o vice-reitor, depois premiado pelos militares com a reitoria, fosse afastado, o que ocorreu em 1985. Meu filho, denunciado por alguém da Universidade como elemento importante de uma célula comunista, foi preso, torturado e libertado cinquenta dias após, com um pedido formal de desculpas da Policia Federal a ele, a mim e à minha esposa. Na Policia Federal soube do
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nome de quem havia solicitado sua prisão – a pessoa de quem eu já suspeitava. Afastei-me na Universidade por nove anos, até a saída do comandante, que havia assumido a Reitoria. Voltei em 1985, por insistência do Reitor Cristovam Buarque. Therezinha foi minha grande companheira, em todo esse sofrimento. Tendo sido obrigado a me afastar da Universidade de Brasília em função da perseguição que vinha sofrendo, que culminou com a prisão de meu único filho que ali estudava, fui convidado para trabalhar no Ministério da Saúde, onde fiquei cerca de seis meses. Deixei o Ministério por ter aceitado um convite do Secretário de Saúde para ser diretor da Divisão de Seleção e Controle da Fundação Hospitalar, atividade ligada ao ensino, principalmente ao Internato e Residência. Tivemos a oportunidade de produzir vários manuais e ministrar cursos ligados às áreas da saúde. Esqueci-me de contar-lhes que nessa época, 1977, foi aberto concurso para contratação de médicos. Quiseram convencer-me de que eu poderia ser efetivado em função dos meus títulos. Recusei. Como o concurso seria realizado pela minha Divisão, pedi licença do cargo, inscrevi-me, e fiz o concurso, juntamente com meus ex-alunos, que não deixaram de fazer gozação. Fui aprovado em primeiro lugar, em função dos títulos, e fui efetivado. Em Taguatinga, fui designado para chefiar o berçário. Voltei às mesmas atividades que tinha no Hospital dos Servidores. O Chefe do Serviço de Pediatria era o Luiz Osório Serafim, que havia sido meu residente no Hospital dos Servidores e meu Chefe de Clínica na Universidade de Brasília. Serafim, foi um excelente colega e pediatra. Houve um desentendimento entre ele e o Secretário de Saúde e ele pediu demissão. Foi nomeado outro chefe da Pediatria. Algum tempo após, pediram-me para assumir a chefia. Em Taguatinga, criamos um programa chamado Internato Rotativo Integrado, que foi elogiado pelo Ministério da Educação. Continuando o trabalho do Serafim, trabalhamos no sentido de melhorar o Banco
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de Leite e mostrar sua importância nos cuidados aos recém-nascidos. Em 2014, o Banco de Leite do Hospital de Taguatinga era considerado o mais importante do país. Ainda na Fundação Hospitalar, fui nomeado Diretor do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Saúde e, ao final da minha gestão, a pedido do Governador José Aparecido de Oliveira, assumi a direção da Coordenaria de Planejamento da Fundação do Serviço Social (FSS), onde apresentamos um projeto para criação dos Centros Integrados de Desenvolvimento Infantil – CIDI. As Academias Academia de Medicina de Brasília Resolvi fundar a Academia de Medicina de Brasília, com o objetivo de congregar profissionais altamente conceituados em nossa cidade. Com essa finalidade, em outubro de 1989, convidei João da Cruz Carvalho, Elias Tavares Araújo, Laércio Moreira Valença e alguns outros colegas para participar da fundação da Academia – Francisco Pinheiro Rocha, Wilson Sesana, Tito Andrade Figuerôa, Hélcio Luiz Miziara, Manoel Ximenes Neto, Pedro Luiz Tauil, Sérgio da Cunha Camões, Rosely Cerqueira de Oliveira. No dia oito de novembro do mesmo ano foi eleita por aclamação a primeira diretoria – Presidente: Antonio Márcio Junqueira Lisboa; Vice: Francisco Pinheiro Rocha; Secretário: Laércio Valença; 1º Secretário: Manoel Ximenes Neto; 2º Secretário: Rosely Cerqueira Oliveira; Tesoureiro: Elias Tavares de Araújo; Bibliotecário: Pedro Luiz Tauil. Com o passar dos anos, foram aceitos na Academia vários colegas de reconhecida competência profissional. Ocupo a Cadeira número 1 e escolhi para patrono o meu inesquecível mestre Luiz Torres Barbosa. Academia Nacional de Medicina Um de meus sonhos era pertencer à Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro. Em 1991, recebi a visita dos professores Jorge de Marsillac e Geraldo Halfeld, respectivamente Presidente e Secretário
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da Academia Nacional de Medicina respectivamente, que informaram que me fora outorgado o título de Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina. Fui o primeiro médico de Brasília a ingressar na Academia Nacional de Medicina, o que muito me envaideceu. Academia Brasileira de Pediatria Em 1997 foram escolhidos os membros do Conselho Acadêmico da Sociedade Brasileira de Pediatria, hoje Academia Brasileira de Pediatria, em eleição nacional. Consegui que o Dr. Luiz Torres Barbosa, meu mestre e amigo, fosse o patrono da Cadeira 17, ocupada por mim. Academia Leopoldinense de Letras e Artes Eleito, escolhi como patrono o pintor leopoldinense e grande amigo de meu pai, Funchal Garcia. Tomei posse na casa da presidente, Deia Junqueira, minha prima. Para terminar Estou com 94 anos, 70 deles praticando a Medicina das Crianças. Tive a felicidade de ter os pais que todas as crianças desejariam ter. Consegui fazer do nosso lar um porto seguro, onde impera o amor, carinho e segurança. Fui casado com duas mulheres maravilhosas. Tivemos cinco filhos, 8 netos e 5 bisnetos, que só nos proporcionaram alegrias. Foram milhares de amigos inesquecíveis. Fui professor durante 30 anos e tive a felicidade de ver meus alunos praticando a medicina, com amor e competência. Escrevi 20 livros; plantei mais de 50 árvores. Só me resta agradecer a Deus pela vida que ele me proporcionou.
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ACAD. TITULAR LUIZ AUGUSTO CASULARI ROXO DA MOTA Cadeira 8
Nascido na cidade de São Geraldo, MG, em 29 de abril de 1948, Luiz Augusto graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, em 1974. Autor e colaborador de diversos livros e artigos, foi, da mesma forma, editor geral da revista Brasília Médica, órgão de divulgação científica da Associação Médica de Brasília (2004-2014). O Dr. Casulari traz ao conhecimento da nossa Academia um documento histórico, a Ordem de Serviço que criou a primeira Comissão de Controle de Infecção Hospitalar no Hospital de Base, abaixo reproduzida: GDF – Secretaria de Saúde Fundação Hospitalar do Distrito Federal Hospital de Base do Distrito Federal Ordem de Serviço Nº 48/79 – GD O Diretor do Hospital de Base do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 36, item XIII, do Regimento Interno em vigor; Resolve: Criar Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, constituída por: Dr. Mário Cecílio Salomão, matrícula nº 10987310, Chefe da Seção de Segurança, Higiene
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ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA
e Medicina do Trabalho; Dr. Célio Rodrigues Pereira, matrícula nº 10435208, Chefe da Unidade de Cirurgia Pediátrica; Dr. Eurico Aguiar, matrícula nº 11119910, Chefe do Laboratório de Patologia Clínica; Dr. Luiz Augusto Casulari Roxo da Mota, matrícula nº 111254-06, médico e Tereza Cristina C. Vasconcelos, matrícula nº 107010-10, enfermeira, que será presidida pelo primeiro. Brasília, 26 de abril de 1979. Dr. Eugênio M. Sarmento Diretor O Dr. Casulari acredita ter sido convidado para fazer parte daquela Comissão por ter apresentado, na Jornada de Médicos Residentes do Hospital de Base em 1976, na companhia dos Drs. Marcos Holanda Albuquerque (precocemente falecido) e Alice Machado (sua colega de especialidade), uma pesquisa a propósito de infecção hospitalar que apesar de sua importância, havia tido pouca repercussão. Acrescenta que outro membro daquela comissão pioneira, o Dr. Célio Rodrigues Pereira, faz, como ele, parte da AMeB e assinala que seu signatário, o ortopedista Eugênio Sarmento, ainda é bastante lembrado por seus colegas do HBDF.
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ACAD. EMÉRITO HÉLCIO LUIZ MIZIARA Cadeira 9
A especialidade de Anatomia Patológica começou em Brasília a partir do momento em que assinei contrato com a Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF), em 26 de janeiro de 1961, após ser aprovado pela Comissão de Credenciais do 1º Hospital Distrital. Juntamente com o arquiteto Milton Ramos, fiz a planta no local onde seria a Unidade (designação antiga) para que pudéssemos não só instalar os laboratórios, como também parte do necrotério. Em janeiro de 1962 a unidade já estava pronta: criamos, além do laboratório de Histopatologia, a Citologia, o setor de fotografia, arquivos, secretaria, sala de necropsia com geladeiras para cadáveres e salas para os médicos. Mais tarde conseguimos espaço extra para uma sala de reuniões. A aparelhagem já existia pois fora comprada na organização do hospital. O pessoal técnico foi gradualmente sendo preparado e durante dois anos trabalhei sozinho: posteriormente, com participação de Maurício Dusi e Paulo de Castro, estava formada a equipe de Citologia. Em 1964, com o início da Residência Médica, chegou a primeira residente, Waldete Cabral Moraes e nos anos subsequentes, Hans Japp e Maria Ophélia Galvão. Era essa a nossa equipe na primeira década de funcionamento do hospital. Nos anos seguintes foram sendo admitindo novos residentes, e além do programa de Residência já estabelecido, passamos a participar mais intensamente dos congressos regionais e nacionais da especialidade. Aos poucos esses novos profissionais foram agregados
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à Unidade, que passou a atuar com pelo menos um especialista em cada sistema orgânico. Nosso intuito desde o começo, além de cumprir nossa função no hospital, foi formar também técnicos e auxiliares que pudessem suprir o mercado de Brasília. A documentação fotográfica foi intensificada e quando me aposentei tínhamos um arquivo fotográfico com aproximadamente 26.000 slides, entre biópsias e necropsias. O próximo passo foi procurar aproximar a Unidade da vida acadêmica, de tal forma que passamos, inicialmente, a receber alunos da Universidade de Brasília e mais tarde, da Universidade Católica. Fazia parte da nossa rotina participar de reuniões semanais com as diversas especialidades e apresentar o resultado das necropsias realizadas nas sessões anatomoclínicas. Nesses 60 anos de atividades, muitos foram os patologistas de renome que vieram a Brasília e foram recebidos em suas instalações.
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ACAD. EMÉRITO MANOEL XIMENES NETTO Cadeira 10
A história da Cirurgia Torácica do Hospital Distrital de Brasília (atual Hospital de Base) iniciou-se em 12 de setembro de 1960, dia em que suas portas foram abertas pelo Presidente da República, o médico Juscelino Kubitschek de Oliveira. O primeiro cirurgião a atuar na especialidade foi o Dr. Hildebrando De Biase, a quem tive a honra de conhecer numa primeira visita a Brasília em agosto de 1965. Quem teve o privilégio de conviver com o Dr. De Biase jamais esquecerá o perfil daquele médico franzino, falador e de extrema competência no exercício de sua especialidade cirúrgica. Naquela visita ao HDB pude constatar o calor humano que transmitia aos seus pacientes e a determinação de ajudar ao próximo. Não raramente o Dr. De Biase acolhia pacientes tuberculosos com hemoptise em seu próprio apartamento, enquanto aguardavam internação. As cirurgias realizadas naquela ocasião resumiam-se ao tratamento de casos de tuberculose, triados pela equipe do Dr. Carlos Alberto Florentino, responsável pelo Departamento Nacional de Tuberculose em Brasília; da acalasia chagásica e de empiemas, além de algumas doenças inflamatórias pulmonares, tais como a bronquiectasia. O câncer de pulmão era extremamente raro e quando surgia um caso, já era inoperável devido ao estágio avançado da doença. Após a saída do Dr. De Biase, outros médicos treinados por ele assumiram a chefia da Unidade, incluindo-se aqui os Drs. Aluísio T. França e Ortiz Marra, entre outros poucos. Naquela curta convivência
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com o 1º HDB, e na presença do mestre De Biase, pude constatar a sua destreza e capacidade de raciocínio rápido nas decisões que beneficiavam seus pacientes. A técnica cirúrgica utilizada por ele nos procedimentos era descrita à mão e enriquecida por desenhos extremamente ilustrativos. Recém egresso de um programa de pós graduação em Cirurgia em Cleveland, Ohio, constatei o avançado grau do aparelhamento técnico disponível no Hospital, que em nada ficava a dever a qualquer outra instituição do primeiro mundo. A contratação de médicos era feita por indicação e exame de currículo, sem necessidade de exame escrito, método que consideramos o mais adequado na formação de equipes médicas. O grande salto que a Cirurgia Torácica do Hospital de Base se deu na década de 70, com o reconhecimento da especialidade pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). Com o início do programa de pós graduação houve um grande impulso da especialidade, uma vez que até aquela data, todos os procedimentos eram realizados por um cirurgião auxiliado por médicos residentes de cirurgia geral. Naquela época havia uma certa resistência por parte de outras especialidades, que não vislumbravam o potencial da cirurgia torácica. O primeiro residente da Unidade foi o Dr. Reinaldo Oliveira Silva, que após a conclusão da residência em 1978, foi convidado e aceitou continuar como staff, o que vem fazendo até hoje com muito esmero, dedicação e vontade de ajudar o próximo. Os demais estão hoje espalhados por vários estados da federação e na Capital Federal, e com raras exceções, exercem suas atividades nas comunidades onde se inseriram. Dois faleceram. De 1976 a 2009, os seguintes médicos concluíram a residência em Cirurgia Torácica no Hospital de Base:
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1.
Reinaldo Oliveira da Silva, 1976-77
2.
Ricardo Queiroz Cavalcante, 1976-77
3.
Luiz Fernando Vieira, 1978-79
4.
Ilion Fleury Jr, 1979-1980
5.
Wanderley Macedo Almeida, 1980-1981
6.
Maria Lourdes Carvalho Canindé, 1982-1983
7.
Kleber Nogueira de Campos, 1983-1984
8.
Agnelo Santos Queiroz Filho, 1985-1986
9.
Marcos Amorim Piauilino, 1086-1988
10. Henrique José da Mota, 1987-1988 11. Gutemberg de Freitas Rego, 1989-1990 12. Adriana Gregorcic, 1991-1993 13. André Aquino Carvalho, 1993-1994 14. Romildo D’Angelis, 1994-1995 15. Francisco Plácido Souza, 1994-1996 16. José Renalvo Alves Barbosa, 1995-1997 17. Jorge Fernando Mamede Moreira, 1997-1999 18. Jeancarlo Fernandes Cavalcante, 1998-2000 19. Ulisses Eduardo Ramiro, 1999-2001 20. Humberto Alves de Oliveira, 2000-2002 21. Alfredo Sávio Monteiro Nogueira, 2001-2003 22. Rafael Marques Ribeiro Pessoa, 2004-2006 23. Rivaldo Fernandes Filho, 2004-2006 24. Flávio Brito Filho, 2005-2007 25. Antonio Bonaparte Ferreira Jr, 2007-2009 Pioneirismo A Unidade de Cirurgia Torácica tem sido pioneira, nos últimos 30 anos, numa série de procedimentos que relacionamos abaixo: 1.
Primeira cardioplastia tipo Thal, 30.04.1974
2.
Primeira cardiomiotomia tipo Heller com fundoplicatura (Dor), 28.03.1974
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3.
Primeira pneumonectomia com toracoplastia, 11.03.1974
4.
Primeira operação para tumor de Pancoast, 20.01.1975
5.
Primeira operação para divertículo de Zenker sob anestesia local em regime ambulatorial, 20.01.1975
6.
Primeira operação para divertículo epifrênico, 20.01.1975
7.
Primeira operação para rotura de esôfago, 17.01.1975
8.
Primeiro desvio retroesternal (bypass) do esôfago para câncer inoperável usando o estômago, 07.04.1975
9.
Primeira timectomia para miastenia gravis, 23.04.1975
10. Primeira timectomia para timoma, 19.10.1975 11. Primeira operação para cisto do pericárdio, 10.11.1975 12. Primeiro flap tipo Eloesser para empiema pleural crônico, 28.02.1976 13. Primeira ligadura de varizes e reconstrução pela técnica de Thal, 14.09.1976 14. Primeira ressecção para tumor de mediastino, 09.0.1976 15. Primeira esternoplastia para pectus escavatum, 27.02.1978 16. Primeira operação para tratamento primário de rotura traumática de esôfago, 03.05. 1978 17. Primeira reconstrução do esôfago pelo tubo gástrico invertido (G1), 16.02.1978 18. Primeira pleurodese com talco iodizado, 06.97.1978 19. Primeira pneumonectomia com ressecção carinal à direita, 06.09.1978 20. Primeira retirada de corpo estranho do pericárdio (bala), 18.08.1978 21. Primeira herniorrafia hiatal pela técnica de R. Belsey, 30.11.1978 22. Primeira reconstrução do esôfago pelo tubo gástrico (G2), 16.11.1978
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23. Primeira operação para correção de pectus carinatum, 30.5.1979 24. Primeira correção de hérnia traumática diafragmática, 10.07.1979 25. Primeira traqueoplastia para estenose traqueal, 05.07.1979 26. Primeira reconstrução do esôfago pelo colon esquerdo, 17.10.1979 27. Primeira reconstrução do esôfago pelo colon direito, 14.11.1979 28. Primeira reconstrução do esôfago pelo tubo gástrico invertido (G3), 6.11.1979 30. Primeira operação para substituição do faringe, esôfago e estômago pelo ileoceco- colon, 27.12.1979 31. Primeira esofagogastrectomia, pancreatectomia, esplenectomia e reconstrução com alça jejunal para câncer de junção esofagogástrica, 18.03.1980 32. Primeira esternectomia total com reconstrução com o músculo grande peitoral, 10. 06.1980 33. Primeira tireoidectomia para bócio mergulhante, 06.07.1980 34. Primeira mediastinoscopia cervical, 29.12.1980 35. Primeira colectomia por via transesternal e reconstrução pelo tubo gástrico inverti- do, 25.01.81 36. Primeira reconstrução do esôfago para fístula traqueoesofágica benigna pelo tubo gástrico invertido (G1), 31.08.1981 37. Primeira traqueoplastia via torácica para estenose benigna, 21.09.1981 38. Primeira ressecção de higroma cístico, 13.08.1983 39. Primeira esofagectomia transhiatal, 25.10.1984 40. Primeira correção de hérnia de Morgagni, 14.02.1984 41. Primeira ressecção de tumor do mediastino para doença de Castleman, 23.04.1984
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42. Primeira broncomioplastia para fístula brônquica, 26.01.1984 43. Primeira esofagocoloplastia direita / tubo de pele para reconstrução do faringe-esôfago, 17.07.84 44. Primeira carenoplastia para tumor benigno, 22.06.1984 45. Primeira lobectomia para cisto hidático, 13.07.1984 46. Primeira pleurectomia bilateral para pneumotórax espontâneo bilateral, 15.09.1984 47. Primeira pleuro-pneumonectomia radical para mesotelioma, 14.10.1984 48. Primeira timectomia para miastenia gravis pós plasmaferese, 31.10.1984 49. Primeira ressecção de parede costal e reconstrução com retalho miocutâneo (grande dorsal), 16.08.1985 50. Primeira reconstrução do esôfago para estenose com tubo gástrico invertido (G4), 05.01.1986 51. Primeira pneumonectomia com ligadura intrapericárdica, 29.06.1987 52. Primeira lobectomia superior em manga (broncoplastia) para câncer de pulmão tipo carcinoide, 29.09.87 53. Primeira omentoplastia para fístula brônquica pós pneumonectomia direita, 13.02. 1987 54. Primeira pneumonectomia com carenectomia para câncer, 15.12.1988 55. Primeira cardiorrafia para trauma, 26.02.1989 56. Primeira ressecção de sigmoide e cirurgia de Thal para doença de Chagas, 10.01. 1989 57. Primeira lobectomia por via transesternal, 18.04.1989 58. Primeira cirurgia para leiomioma do esôfago via torácica, 26.07.1989 59. Primeira cirurgia para tratamento de quilotórax traumático, 12.23.1989
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60. Primeira ressecção de tumor de traqueia torácica, 17.06.1989 61. Primeira cirurgia para sequestro pulmonar e correção de hérnia de Bochdalek, 15. 01.1990 62. Primeira correção de fístula traqueoesofágica benigna, 20.04.1990 63. Primeira correção de estenose de esôfago cervical com transplante de jejuno, 23. 10.1990 64. Primeira lobectomia com broncoplastia esquerda (LIE) para tumor mucoepider-moide, 05.11.1991 65. Primeira traqueoplastia subglótica (Pearson), 07.01.1992 66. Primeira lobectomia superior esquerda com broncoplastia, 04.01.1993 67. Primeira reconstrução do esôfago pelo tubo gástrico invertido (G1) sem esplenectomia, 30.08.1993 68. Primeira cirurgia para correção de refluxo pela técnica Belsey Marca IV, 17.10. 1993 69. Primeira lobectomia inferior esquerda para câncer associada a esofagocardio-miotomia mais fundopexia, 17.11.1993 70. Primeira colocação de prótese (tubo em T de Montgomery), 23.09.1993 71. Primeira colocação de tubo de Filomeno para drenagem de empiema pleural crô- nico, 27.07.1996 72. Primeira simpatectomia videotoracoscópica para hiperidrose, 2.12.1997 73. Primeira videopleuroscopia para derrame pleural maligno, 22.11.1997 74. Primeira metastasectomia pela incisão clamshell, 12.02.1998 75. Primeiro transplante pulmonar à direita com circulação extracorpórea, 23.05.2000
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Publicações A Unidade de Cirurgia Torácica publicou nos últimos 35 anos, 112 artigos em revistas especializadas, tanto no Brasil como no exterior, abordando praticamente todos os assuntos relacionados à Cirurgia Torácica Geral. Destaque especial merece a abordagem do esôfago, área onde a Unidade é considerada referência em técnicas de reconstrução, com 48 artigos relacionados. Praticamente todos os livros de cirurgia torácica publicados no exterior contam com essa colaboração. Há vários membros do staff com doutorado, tanto em universidades brasileiras quanto no exterior e entre os seus egressos, cinco são também são doutores. Congressos Através dos anos os membros da Unidade compareceram a inúmeros congressos da especialidade tanto no Brasil como no exterior. Nesse sentido, foram feitas mais de 1.200 apresentações individuais, em conferências, ou em forma de painéis. Visitas Como centro formador de especialistas, a Unidade periodicamente recebeu visitas de figuras importantes da Cirurgia Torácica mundial, incluindo os Drs. F. G. Pearson da Universidade de Toronto, Clement A. Hibert da Harvard Medical School e Maine Medical Center, F. Henry Ellis, também da Harvard Medical School, além de médicos de diversas áreas do Brasil que aqui compareceram ou ainda comparecem para observar, aprender e difundir técnicas cirúrgicas úteis no manuseio dos complexos problemas da caixa torácica.
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ACAD. TITULAR EDNO MAGALHÃES Cadeira 10
No segundo semestre de 1969 eu já fazia parte do quadro da Unidade de Anestesiologia e Gasoterapia (UAG) do Primeiro Hospital Distrital de Brasília (1º HDB), atualmente Hospital de Base do Distrito Federal. Logo depois surgiu a ideia de se criar uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para o 1º HDB de Brasília que funcionaria sob a coordenação do Dr. Miguel Marcondes Armando, natural do Mato Grosso. Miguel procurava voluntários para fazer parte da nova unidade, mas enfrentava dificuldades para encontrá-los. Como eu já havia tido alguma experiência nessa área durante meu 2º ano de residência com o professor Zairo Vieira no Hospital da UnB em Sobradinho (onde cuidávamos de um setor que mesmo sem aquele nome já tratava somente os doentes mais graves), me apresentei espontaneamente. Três outros colegas recém saídos da residência médica no próprio 1º HDB também se apresentaram. Assim, o corpo clínico da nova unidade teve como seus primeiros médicos o Dr. Miguel Marcondes Armando, como Coordenador e os Drs. Edno Magalhaes, Cyro Luiz da Silva, Itacir Arlindo Franceschini e Aloísio Toscano Franca, como plantonistas. Além desses profissionais, havia quatro enfermeiras que receberam treinamento dos próprios médicos. Foram elas as Sras. Adir Costa (Coordenadora do grupo), Isa, Olímpia e Hildete. O Dr. Miguel procurou contato com algumas unidades de terapia intensiva no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, que foram visitadas por nós, os quatro futuros plantonistas. Foi uma viagem altamente
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lucrativa porque tomamos conhecimento das novidades e do progresso tecnológico no acompanhamento de pacientes em UTI. Por outro lado, nos deu a oportunidade de estreitar nossos laços de amizade, o que muito ajudou nos primeiros tempos de atividade da nossa UTI. A inauguração da UTI do 1º HDB foi marcada, em princípio, para o início do ano de 1970. No início do mês de setembro ocorreu um grave acidente no plano piloto de Brasília, envolvendo a secretária particular do governador em exercício. A paciente chegou à emergência do hospital com um quadro grave de poli traumatismo, envolvendo múltiplos órgãos, o que deu um grande trabalho para a equipe de cirurgia do hospital. Muito pressionado, o diretor geral do hospital nos solicitou a antecipação da abertura e o início dos trabalhos da futura UTI, de modo a poder atendê-la no pós operatório imediato. O quadro era gravíssimo e infelizmente não foi possível evitar o óbito. Também não foi possível aguardar mais pela programada inauguração. Estava aberta a nova UTI do 1º HDB localizada na extremidade direita do 2º andar do prédio principal do hospital. Tínhamos 4 leitos em uma área maior a direita de quem entrava na unidade e 2 leitos em outra área menor a esquerda, que funcionava como uma espécie de isolamento para pacientes graves e contaminados. O entusiasmo dos plantonistas capitaneados pelo Dr. Miguel Marcondes era excelente. Éramos todos jovens e a impressão que se tinha era que não havia carga horária que nos atacasse. Trabalhávamos muito e atendíamos a contento todos os casos graves que nos eram encaminhados. Tratava-se de uma novidade no atendimento do maior hospital existente no Centro Oeste do Brasil e para ele passaram a ser drenados todos os casos graves que ocorriam no Distrito Federal e seu entorno. Muito importante foi o fato que descobrimos com o passar o tempo: a nossa UTI fora a primeira a iniciar seu atendimento na região Centro Oeste do Brasil. A nossa carga de trabalho era muito grande o aprendizado era ótimo e todos se esforçavam para transmitir aos outros alguma coisa que sabia a mais. A nossa atividade não se resumia apenas ao atendimento. Discutíamos todos os casos que eram atendidos,
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participávamos das reuniões clinicas do hospital e nos dedicávamos a ministrar ensinamentos ao corpo de enfermagem que se transformou num quadro de excelência dentro do hospital. Aos poucos fomos recebendo outros colegas, que depois de treinados por nós, eram incorporados ao quadro, redistribuindo a carga horária dos plantonistas e facilitando a montagem da escala da unidade. Passados 12 a 18 meses aproximadamente, a saudade bateu e resolvi voltar para as salas de cirurgias no próprio 1º HDB. Eram 15:00 horas do dia 14 de março de 1985. Estava em casa juntando documentos para a declaração de imposto de renda, quando recebi um telefonema do diretor do nosso hospital que agora já se chamava Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). O diretor me pedia que mantivesse o telefone ligado pois ocorreria um atendimento no hospital no qual ele precisaria da minha participação como profissional. Disse-me ainda que por telefone não poderia falar sobre o paciente. No restante da tarde e início da noite continuei a receber muitos avisos da parte do diretor, sem que me fosse dito exatamente do que se tratava. Às 21:00 horas, fui convocado ao hospital: deixei claro que participaria do atendimento desde que me dissessem qual era o caso, quem era o paciente e quem seria o cirurgião. Não foi surpresa para mim saber que o cirurgião era o Dr. Francisco Pinheiro Rocha. Estávamos acostumados a atender juntos políticos influentes e membros do corpo diplomático de Brasília. Entretanto foi uma grande surpresa saber que o paciente era o futuro quase presidente da república. A agitação em Brasília nesta altura era grande, envolvendo autoridades e políticos que se encontravam na cidade. Este atendimento e os desdobramentos seguintes foram aumentados no decorrer do tempo com informações falsas, invencionices e todo tipo de maldade que poderia ocorrer em função da importância política que envolvia aquele paciente. Somente consegui ficar a sós com o paciente e sua esposa, que o acompanhava, durante 35 minutos
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antes da decisão de se iniciar a cirurgia. O paciente negava qualquer informação a respeito de doenças ou uso de medicamentos, dizia que usava apenas vitamina E. O que eu tinha como informação até então era um hemograma indicativo de infecção, boatos de um mal estar cardíaco em uma viagem ao exterior (o que era negado pelo paciente). Havia também o resultado de uma cineangiocoronariografia realizada em 1977 onde se lia: Área de ventrículo esquerdo com hipocontratilidade pronunciada e uma obstrução na descendente anterior. Notava-se ainda que o paciente apresentava uma respiração tipicamente abdominal própria do idoso sedentário. O ato anestésico iniciou-se com o auxílio de mais três colegas anestesiologistas à 01:00 hora do dia 15 de março 1985, no centro cirúrgico central do 1º HDB e o ato cirúrgico, à 01:10. Às 03:30 com o paciente respirando espontaneamente e com reflexo de vias aéreas presentes foi realizada a extubação traqueal. Foi necessário utilizar furosemida (2 ampolas) e aguardar o aumento da diurese e diminuição dos estertores de base que reduziram-se bastante com o aumento da diurese. A pressão arterial e a frequência cardíaca eram totalmente normais às 05:00, quando acompanhamos o paciente na maca até à UTI. Respirava espontaneamente, estava consciente e hemodinamicamente estável. Estas eram as condições de admissão na UTI, verificadas pelo plantonista que recebeu o paciente, conforme consta no seu prontuário. Nenhum Raio-X de tórax realizado durante a internação do paciente mostrou sinais de aspiração de conteúdo gástrico ou pneumonia. Infelizmente, no pós operatório desse paciente ocorreram muitas interferências que na realidade, foram as responsáveis pelo trágico desfecho desse caso. Resolveu-se reunir uma equipe de “notáveis” composta por cinco ou seis professores de fora de Brasília, entre eles um “professor de São Paulo”, que veio acompanhado de dois assistentes. Das reuniões de notáveis resultou uma segunda intervenção no dia 20 de março por insistência do referido professor que realizou a cirurgia com o auxílio do
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Dr. Francisco Pinheiro Rocha, que elegantemente lhe passou a posição de cirurgião. Resultado: laparotomia branca, como falamos nos meios cirúrgicos para cirurgias nas quais nada se encontra. No pós operatório dessa segunda cirurgia o professor e seus assistentes insistiram em passar uma sonda via esôfago até o duodeno, apesar de termos avisado que era praticamente impossível passar uma sonda gástrica ou qualquer outra em virtude de uma grande hérnia diafragmática do paciente. Essas manobras resultaram em sangramento e na transferência do paciente para o Hospital do Coração em São Paulo, sob a responsabilidade do referido professor e seus assistentes. Lá foi submetido a mais dois atos cirúrgicos (em 26 de março e em 12 de abril), além de outros procedimentos intermediários para tratamento de hérnia estrangulada, drenagem de abscesso intra-abdominal e traqueostomia. No dia 21 de abril de 1985 foi declarado o óbito desse paciente. Participar desse caso, foi a atuação que mais me incomodou em toda a minha vida profissional, já agora com mais de 50 anos, principalmente pelo comportamento inadequado e antiético daquele “professor de São Paulo”. Procurei omitir todo e qualquer nome de participantes do grupo, citando tão somente o do Dr. Francisco Pinheiro Rocha como uma homenagem pela sua atuação respeitável, ética e de excelente postura profissional e o grande injustiçado deste caso. Além dessas atuações, duas outras muito me honraram, pela participação na história da medicina de Brasília. Por duas vezes fui convocado, uma das vezes pelo então Secretário de Saúde e outra pelo próprio Governador do Distrito Federal, para assumir a direção geral do Hospital de Base do Distrito Federal. Na primeira vez deram-me como tarefas principais, instalar e pôr em funcionamento aparelhos adquiridos e encaixotados há 4 anos. Entre eles, um tomógrafo computadorizado (que foi o primeiro da Secretaria de Saúde do Distrito Federal), e componentes digitais para funcionamento da hemodinâmica e dos exames de mamografia.
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Passei muitas horas respirando poeira dentro de obra, mas coloquei em funcionamento esses equipamentos, que tanto atormentavam a cúpula da Secretaria de Saúde. Ocorrendo mudança de governo no Distrito Federal e na Secretaria de Saúde, pus o cargo à disposição e voltei para as salas de cirurgia. A segunda foi quando tínhamos no Hospital de Base, como anexo, uma grande construção que se destinava a instalação de um novo Pronto Socorro, pois o antigo estava em situação tão precária que era carinhosamente apelidado pelos plantonistas de “chiqueirão”. Ali seriam instalados um novo centro cirúrgico, com 11 salas de cirurgias e espaço para amplas salas de recuperação, área para internação de pacientes de transplantes, área também para internação de pacientes da neurocirurgia e novas e amplas áreas para a UTI e uma unidade coronariana. Por questões políticas, apesar de praticamente pronta a obra física, a área não era concluída e posta em funcionamento. Por incrível que pareça, havia sabotagem de todos os tipos possíveis e imagináveis. Essa situação incomodava bastante o Governador em exercício do Distrito Federal. Como tínhamos amigos em comum, ele sabia que eu estava querendo ir para São Paulo concluir o meu Doutorado. Convocou-me um dia ao seu gabinete e me fez uma desafio: “Você assume o Hospital de Base, termina aquela obra e a coloca em funcionamento, inclusive com instalação de um novo tomógrafo no Pronto Socorro. Feito isso, eu lhe concedo a licença para ir a São Paulo terminar o seu Doutorado”. Topei a proposta, concluí as obras e inaugurei o prédio com a presença do Governador e do Ministro da Saúde dentro do prazo que me concederam e fui concluir o meu Doutorado em São Paulo, na UNIFESP.
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ACAD. EMÉRITO JOSÉ LEITE SARAIVA Cadeira 39
Professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) José Leite Saraiva graduou-se em medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) em 1957. Foi Secretário Geral Adjunto do Ministério da Saúde, membro do Conselho Nacional de Saúde, da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério de Educação e Cultura (MEC) e Consultor da Unesco. Como responsável pela implantação (e seu primeiro Secretário) da Secretaria Regional de Medicina Social do antigo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS/MPAS-DF), participou ativamente das gestões que permitiram a transformação do antigo Hospital Presidente Médici (HSU) num hospital universitário (HUB) vinculado à Universidade de Brasília. O HUB passou a funcionar como hospital-escola da Faculdade de Medicina da UnB a partir de 1979, em substituição à Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), que cumpria esse papel desde 1967.
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ACAD. RONALDO MENDES DE OLIVEIRA CASTRO Cadeira 40
Nasci no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1932, filho de Jorge Mendes de Oliveira Castro e de Cecília Fernandes Figueira de Oliveira Castro. Desde a infância, sendo o primeiro filho homem, mais velho de sete irmãos, fui constantemente solicitado por meu pai, engenheiro do Serviço de Engenharia do Banco do Brasil e Prof. de Engenharia da PUC–RJ, a acompanhá-lo a diversas obras de construção. Hoje penso com um pouco mais de clareza, o quanto nós filhos somos conscientes ou inconscientemente, influenciados pelos desejos de nossos pais, e também por vezes, por pessoas do nosso convívio e admiração. Deste modo, acredito que o meu interesse pela engenharia decorreu da influência de meu pai. Cheguei mesmo, a realizar vestibular para Engenharia, na PUC-RJ. Os tempos nos mudam e as influências também. Suspeito que passei a ser influenciado por minha mãe, que com frequência referia-se a seu pai, com muito carinho e respeito. Ele foi um dos iniciadores da Pediatria no Brasil, Dr. Antônio Fernandes Figueira, e chegou a ter seu livro Éléments de Sémiologie Infantile (1903), adotado pela Faculdade de Medicina de Paris. Foi também poeta e colega de Colônia de Estudantes dos grandes poetas brasileiros, Olavo dos Guimarães Bilac e Alberto de Oliveira. Durante o período em que servi o CPOR, nos anos 1951, convivi com colegas que estudavam Medicina, um deles meu primo irmão Gustavo. Lá conheci e tornei-me amigo do nosso saudoso Tito Figueroa. Vários colegas me convidaram para fazer a prova de vestibular na Faculdade de Ciências Médicas, que era em São Cristóvão, pertinho do quartel. Foi então que entrei para a Faculdade de Medicina, onde
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fui colega do também saudoso Aloysio Campos da Paz, com quem frequentemente estudava e a quem, anos depois, ajudei a vir trabalhar em Brasília. A nossa turma de Medicina por sugestão minha, que era da Comissão de Formatura, escolheu o então Presidente da República Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico, como paraninfo. O Presidente nos recebeu em fevereiro de 1960 no Palácio do Catete e nos presenteou com um convite para conhecer Brasília. Ainda estudante no 4º ano de Medicina, em 1957, casei-me com Maria Helena D’Arriaga Lima, filha do Dr. Bayard Lucas de Lima. Para tanto, trabalhei como técnico de laboratório do HSE (IPASE), para onde fui nomeado pelo Presidente Juscelino, através de seu colega e médico pessoal, Dr. Aloysio Salles da Fonseca. Com a renuncia do então Presidente Jânio Quadros, fui demitido do HSE, devido a um decreto seu no qual uma percentagem pequena de pessoas nomeadas pelo Presidente Juscelino teria que retornar às funções anteriores ou mesmo serem demitidas. Naquela ocasião já trabalhava na Unidade de Medicina Interna, serviço do Dr. Theobaldo Vianna, onde me especializei em Pneumologia com o Prof. Paulo Dias da Costa e posteriormente, com o Prof. Jayme Landman, em Nefrologia, que estava iniciando a técnica da diálise peritoneal. Nesse período conheci e trabalhei também com o Dr. Renault Ribeiro. No 2º semestre do ano de 1961 fui pressionado a trabalhar em Brasília, no 1º Hospital Distrital. hoje Hospital de Base. Esclarecendo, minha esposa e eu havíamos vindo visitar seu pai, o Dr. Bayard, quando surgiram o advogado da Fundação Hospitalar, Dr. Paulo César Carvalho de Mendonça e o Dr. Rizzi (Prefeito Interino), aparentemente para almoçar. Qual não foi meu espanto, quando o Dr. Paulo César me entregou um contrato para assinar e assim ingressar no 1ºHDB. Surpreso, disse-lhe que não estava preparado, não tinha roupa para trabalhar no Hospital e que ainda, trabalhava no SAMDU no Rio. Resumindo, disseram que eles conseguiriam a roupa e que além do mais, eu estaria de plantão no PS, onde o clínico era o chefe do plantão. O inesperado e a juventude (falta de experiência) causaram-me um enorme impacto e uma assustadora responsabilidade.
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Naquela ocasião, não existiam ainda as unidades de especialidades, e tínhamos que atender toda e qualquer patologia. Aos poucos, fomos organizando e estruturando as diversas unidades de Medicina Interna. Renault e eu organizamos a Unidade de Nefrologia. Tive o privilégio de realizar a 1ª diálise peritoneal em um caso de uma paciente em coma hepático. Segundo constava na época, não havia ainda descrição e publicação de caso semelhante. A colocação do trocar no peritônio foi realizada pelo Dr. Francisco Pinheiro Rocha. Após cerca de 10 dias em coma hepático, com todos os exames sanguíneos alterados, a paciente saiu do coma e até hoje goza de saúde. Não posso deixar de registrar o pioneirismo da época e os improvisos, pois até a solução de diálise peritoneal era encomendada por mim ao Prof. Landman e vinha do Rio para Brasília em avião da antiga VASP. Posteriormente, com a chegada do Dr. Melânio Barbosa, que também havia trabalhado com o Prof. Dias da Costa em pneumologia, resolvemos organizar junto com o Dr. Abib Ani Cury, a Unidade de Pneumologia. Deparei-me aqui com o início do excelente Plano de Médico-Hospitalar, estabelecido por Henrique Bandeira de Mello, baseado na ideia da criação de uma rede médico-hospitalar diversificada e descentralizada. Consistia em um modelo regionalizado de unidades satélites (Centros de Saúde), unidades hospitalares (Hospitais Distritais) para o atendimento preferencial de pacientes agudos e finalmente o Hospital de Base, cuja finalidade precípua era o atendimento de pacientes com enfermidades crônicas. Foi o Dr. Bayard Lucas de Lima, primeiro Secretário de Saúde do DF que inaugurou o 1º Distrital de Brasília, em 18 de maio de 1960, na presença do Presidente da República, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira e do Dr. Israel Pinheiro, Prefeito do Distrito Federal. Foi também o seu primeiro Diretor e o principal responsável por iniciara a implantação do Plano Médico-Hospitalar de Brasília. Para um médico, recém-formado e cheio de ideais, esta era a oportunidade de realizar-me. No 1º HDB tive a satisfação em ocupar algumas funções de chefia, tais como a chefia da Unidade de Clínica Médica, a Vice Diretoria (interina)
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e alguns anos depois, a chefia da Unidade de Psiquiatria. Publiquei muitos trabalhos profissionais entre 1976 e 2016 e em 2014, “Acordes do Coração” (Super Nova Gráfica, Brasília), um livro de poesias. Não posso deixar de relatar circunstâncias médico-éticas que muito me afetaram. A primeira passou-se durante o Regime Militar, em 1966, ocasião em que recebi um telefonema aflito de uma senhora, esposa de um cliente meu do Banco do Brasil, suplicando-me que fosse ao Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), examinar seu marido que lá se encontrava preso há dois meses e enfermo. Fomos o enfermeiro Santiago e eu, na ambulância do Banco do Brasil, tentar ter acesso ao paciente, para examiná-lo. Com muita dificuldade, conseguimos entrar no quartel. No entanto, recebemos através do tenente a informação de que não seria permitido atendê-lo, devido à alta periculosidade do mesmo. Consegui que imprimissem no meu receituário minha suposição diagnóstica e o fato de que embora estivéssemos ali, havíamos sido impedidos de examiná-lo, não podendo, portanto, assumir nenhuma responsabilidade pelo que viesse a acontecer. Imediatamente, o Coronel deixou que o examinasse, e novamente nos deparamos com um fato pungente. Enquanto, o sargento e cabos que nos conduziam, chamavam pelo meu cliente, vários detentos, num pavilhão com cerca de trinta colchões no chão, pediam-me que anotasse nome e telefone deles, para informar às esposas e famílias, de que ainda estavam vivos. Fui impedido de fazê-lo e ameaçado de prisão se não cumprisse suas ordens. Dois dias depois três militares (“catarinas”, como eram chamados) bateram na porta do meu consultório no ambulatório do 1ºHDB, acompanhando o preso que eu havia visto no quartel e pedido exames. Enquanto fui com o meu cliente tirar umas radiografias dos pulmões, fiquei ciente do grau de tortura que sofrera. Creio que era considerado de alta periculosidade, devido a ter sido auxiliar de informações do 1º Ministro no período Parlamentarista. Dias depois recebo um telefonema à noite onde, sussurrando, a pessoa me pedia que fosse ao seu apartamento, pois como estava com uma pneumonia bilateral, fora solto para que não viesse a falecer
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no quartel. Ao visitá-lo, defrontei-me com uma cena profundamente chocante e triste. Havia telefonado para o seu advogado, o grande jurista Dr. Sobral Pinto, que lhe dissera para que fugisse do Brasil, pois tornaria a ser preso quando melhorasse. Nunca mais o vi, porém fiquei sabendo que morrera uns três anos após, na fronteira com o Uruguai. Em 1969, mudei mais uma vez o rumo da medicina que praticava e resolvi conhecer uma faceta do ser humano que me era desconhecida, mas que frequentemente surgia no meu consultório – os distúrbios psíquicos-emocionais. Já com quatro filhos pequenos, consegui bolsa de estudos para especialização em Psiquiatria na Europa, por dois anos. O nosso quinto filho, gerado em Genebra, veio a nascer em Brasília, enquanto ainda lá me encontrava. Estudei Psiquiatria como especialização, na Universidade de Madrid (Espanha), no serviço do Prof. Juan José López Ibor (1967-1968) e, em continuação, na Universidade de Genebra (Suíça), na Clinique Bel Air, com o Prof. Julian de Ajuriaguerra. A Psiquiatria na Universidade de Madri seguia a metodologia Fenomenológica e a de Genebra, uma orientação mais psicodinâmica. Foi certamente o contato com a Psiquiatria Psicodinâmica, cuja a abordagem era mais ancorada na Psicanálise e com atividades com grandes psicanalistas da época, tais como Dr. René Diatkine e o Dr. S. Lebovici, que aumentou o meu interesse pela Psicanálise. Foi na Clinique Bel Air que escrevi o trabalho Les bouffés délirants aigües. No final do ano de 1969, retornei à Brasília, assumindo em seguida a chefia da Unidade de Psiquiatria do 1º HDB. Procurei implantar algumas das atividades que havia aprendido na Europa, principalmente em Bel Air, como por exemplo, as reuniões matinais com toda a equipe da Unidade. Chamadas de rapports (relatórios), éramos informados, por meio dos colegas e da enfermagem, o que havia se passado com os pacientes na Unidade, principalmente à noite. Em julho de 1970, tivemos como era habitual, uma reunião dos Chefes de Unidades do HDB, para discutirmos as necessidades de cada
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uma delas. Nesta, porém, estava presente o irmão do Governador Prates da Silveira, o Dr. Caio Prates da Silveira. Nosso propósito era conseguirmos mais prontamente os materiais de cada Unidade que estavam em falta. Qual foi nossa surpresa, em outubro do mesmo ano, quando quatro de nós fomos chamados a comparecer ao gabinete do Diretor do Hospital. Lá chegando, recebemos das mãos dele o que se chamava de “bilhete azul”, ou seja, um documento assinado pelo então Secretário de Saúde, o Dr. Simões, nos demitindo sumariamente, sem que nos explicassem os motivos. Os quatro demitidos foram os Drs. André Esteves Lima, João da Cruz, Ubiratan O. Peres e eu. O único boato que ouvi foi o de que teríamos criticado o Dr. Simões (Secretário da Saúde) e o Governador Prates da Silveira. Passaram-se quinze anos para que tomasse conhecimento do real motivo da minha demissão. O livro “Brasil Nunca Mais” havia sido publicado pelo Arcebispado de São Paulo, o qual tinha tido acesso a alguns processos da Justiça Militar do tempo da Ditadura Militar de 1964. Lá constava uma parte do laudo que eu havia fornecido em carácter confidencial ao então Diretor do 1º HDB. O laudo se referia ao segundo caso de tortura que eu acompanhara no HDB, enquanto chefe da Psiquiatria. Tratava-se de uma estudante da UnB, com cerca de 20 anos, que fora internada no hospital, vinda do Batalhão da Guarda Presidencial. Encontrava-se em estado de pânico, seu olhar era de medo, de sofrimento. Não revelava nenhum movimento corporal e não pronunciava qualquer palavra. Por prudência, solicitara ao neurologista João da Cruz um exame neurológico, que nada revelou. Sua confiança em mim foi aumentando na medida em que foi conseguindo me reconhecer. Disse-me que eu a havia examinado para admissão como funcionária do Banco do Brasil, há alguns anos. Também a reconheci, pois coincidentemente, era irmã da secretária do Diretor do Hospital e também irmã da secretária do Arcebispo de Brasília Dom José Newton, meu cliente há vários anos. Após uma semana começou a falar o que havia ocorrido. Tinha sido brutalmente torturada. Levara inúmeros choques elétricos por todo o corpo, banhos de chuveiro
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gelado de madrugada, espancamento de maneira a não deixar marcas, etc., pois havia um médico que orientava as torturas. Sua confiança em mim foi aumentando na medida em que foi conseguindo me reconhecer. Disse-me que eu a havia examinado para admissão como funcionária do Banco do Brasil, há alguns anos. Também a reconheci, pois coincidentemente, era irmã da secretária do Diretor do Hospital e também irmã da secretária do Arcebispo de Brasília Dom José Newton, meu cliente há vários anos. Foi justamente no ano de 1970 que iniciei a minha Formação em Psicanálise, com a Diretora do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, a psicanalista Prof.ª Virgínia Leone Bicudo. Creio que estando em tratamento psicanalítico, tolerei melhor a minha frustração de médico e de injustiça ética. Inclusive o ideal do jovem médico que experimentara em Brasília uma medicina mais integrada, valorizada pelo trabalho em tempo integral, conforme previsto inicialmente. Tínhamos um bip, que nos localizava a qualquer momento quando fora do hospital e nos informava sobre nossos pacientes internados. Por pouco, não me decepcionei totalmente com o exercício da Medicina. Ao ingressar na Academia de Medicina de Brasília, novas esperanças surgiram, no sentido de batalharmos junto às entidades médicas e poderes públicos, por uma Medicina mais ética, mais aprimorada, mais humana e digna. Atualmente, sinto-me bastante compreendido e reconfortado, com o convívio com meus atuais Confrades.
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ATA DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DA ACADEMIA DE MEDICINA DE BRASÍLIA – 19 DE OUTUBRO DE 2021
Às 19 horas, do dia 19 de outubro de 2021, no Auditório Tito Figuerôa, na sede do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, situado no SGAS 607, Edifício Metrópolis, Cobertura 1, Brasília – DF, foi realizada a Assembleia Geral Extraordinária da Academia de Medicina de Brasília, em segunda convocação. A Assembleia foi convocada no dia 06 de outubro de 2021 pelo seu Presidente, Acadêmico Marcus Vinicius Ramos, no uso das atribuições que lhe confere o item IV do artigo 8º do Estatuto Social da AMeB, observados os termos do inciso I do artigo 29 do Regimento Interno, com a seguinte pauta: Eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal da AMeB para o biênio 2022-2023. De acordo com a Resolução 001/2021 da Academia de Medicina de Brasília, de 30 de setembro de 2021, coube à Comissão Eleitoral, composta pelos Acadêmicos Laércio Moreira Valença, Francileide Paes da Silva e Alba Mirindiba Bomfim Palmeira, sob a presidência do primeiro, conduzir a referida Assembleia Geral Extraordinária. O presidente da AMeB abriu a sessão convocando os membros da Comissão Eleitoral para comporem a mesa. Em seguida, passou a palavra ao Presidente da Comissão Eleitoral que informou ao plenário que havia quinze membros titulares da Academia de Medicina de Brasília que assinaram a lista de presença, que se encontra arquivada na secretaria da AMeB; que todos se encontravam adimplentes e vinte dois justificaram sua impossibilidade de comparecer, ficando o colégio eleitoral composto de quinze acadêmicos votantes. O Acadêmico Laércio Moreira Valença informou à Assembleia que havia somente uma chapa inscrita e registrada e que havia sido cumprido os preceitos normativos do Estatuto Social e Regimento Interno da Academia com a aquiescência escrita
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e assinada pelos componentes da chapa e inscrição em tempo hábil, e passou a ler o nome dos componentes da chapa com os respectivos cargos: Presidente: Acad. Etelvino de Souza Trindade; Vice-Presidente: Acad. Nasser Simão Sarkis; 1ª Vice- Presidente: Acad. Eduardo Freire Vasconcelos; Secretário Geral: Acad. Alba Mirindiba Bomfim Palmeira; 1º Secretário: Acad. Janice Magalhães Lamas; 2º Secretário: Acad. Elisa de Carvalho; Diretor Financeiro: Acad. Carlos Alberto de Assis Viegas; Diretor Científico: Acad. Sérgio Lincoln Arruda; Conselho Fiscal: Acad. Augusto Cesar de Farias Costa, Acad. José Ulisses Manzzini Calegaro, Acad. Marcus Vinicius Ramos; Conselho Fiscal Suplente: Acad. Edno Magalhães, Acad. Mouranilda Tavares Schleicher. O Presidente da Comissão Eleitoral informou à Assembleia Geral que, atendendo às normas contidas no Regimento Interno, no Artigo 29, os acadêmicos presentes se manifestariam, naquele momento, para a eleição dos componentes da chapa “UNIÃO e INOVAÇÃO”, para dirigir a Academia durante o biênio 2022 a 2023, e, atendendo à possibilidade prevista no inciso VI do Artigo 29 do Regimento Interno, ele, como Presidente da Comissão Eleitoral, recomendou ao plenário, em virtude de haver chapa única inscrita, que a eleição fosse realizada por aclamação. Os acadêmicos presentes concordaram e os acadêmicos membros da chapa foram aclamados eleitos por unanimidade. O Presidente da Comissão Eleitoral declarou eleitos os membros da chapa única e encerrou o processo eleitoral. O Presidente da Academia de Medicina, Acadêmico Marcus Vinicius Ramos, deu a palavra ao Acadêmico Etelvino de Souza Trindade, recém-eleito futuro Presidente da Academia, que agradeceu a confiança de todos em tê-lo elegido e fez comentários sobre a importância da Academia, trazer mais acadêmicos às reuniões, envolver os acadêmicos em atividades internas, buscar uma sede própria para divulgar mais a vida dos médicos que fizeram a saúde do DF melhor e mudar os patronos das cadeiras da AMeB para os médicos que contribuíram para isso. O Presidente da Academia de Medicina de Brasília informou que a posse da nova Diretoria eleita será realizada em março de 2022, em local a ser informado. Nada mais havendo a ser discutido, foi encerrada a Assembleia e, eu, Acadêmico Laércio Moreira Valença,
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Presidente da Comissão Eleitoral, elaborei esta ata que assino com seus demais membros da Comissão Eleitoral, Acadêmicas Francileide Paes da Silva e Alba Mirindiba Bomfim Palmeira Laércio Moreira Valença Comissão Eleitoral Presidente Francileide Paes da Silva
Alba Mirindiba Bomfim Palmeira
Comissão Eleitoral
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Membro
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ENCERRAMENTO DO ANO ACADÊMICO BIÊNIO 2020 – 2021 Acad. Marcus Vinicius Ramos
Boa noite a todos! Agradeço a presença entre nós dos Drs. Ognev Cosac, presidente da AMBr e do Dr. Carlos Fernando da Silva, secretário geral da FENAM e vice-presidente do Sindicato dos Médicos do DF. Queridas confreiras e caros confrades da Academia de Medicina de Brasília: a Diretoria que está encerrando o mandato que lhe foi conferido há quase quatro anos, agradece por celebrarmos juntos esta noite tão especial. Sejam todos muito bem vindos. Ao assumirmos a responsabilidade de guiar os destinos da nossa instituição no já distante ano de 2018, tínhamos como principal objetivo transformar expectativas em realidades. Para tanto, precisamos deixar o confinamento das nossas salas e reforçar, com o apoio das demais entidades médicas, nossa presença em muitos outros fóruns. Com a Associação Médica de Brasília (AMBr), mantivemos uma profícua parceria, participando pontualmente do seu programa de educação continuada e fazendo parte efetiva do corpo editorial da revista Médico em Dia, na qual a AMeB tem uma página aberta a todos os seus membros. Estamos também colaborando para o ressurgimento da Brasília Médica, o principal veículo que os médicos desta cidade dispõem para divulgar suas pesquisas. Fomos apoiados pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) na promoção de uma grande retrospectiva sobre a atuação do SUS no Distrito Federal ao longo de seus 30 anos de existência, na qual
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um painel de especialistas, das mais variadas áreas ligadas à saúde, avaliou as ações passadas, as condições presentes e as perspectivas daquele Serviço para o futuro. Com as demais entidades médicas procuramos e fomos recebidos pelos poderes Executivo e Legislativo, oferecendo sugestões e solicitando explicações por tomadas de decisões que ao nosso ver penalizavam o bem estar da população ao mesmo tempo em que prejudicavam o exercício da nossa atividade profissional. Participamos, da mesma forma, da formação de futuros colegas, divulgando o papel e importância da Academia junto a estudantes das diversas escolas de medicina da nossa cidade. No plano nacional, voltamos a participar da Federação Brasileira das Academias de Medicina (FBAM), onde ocupamos atualmente a vice-presidência da regional centro-oeste dessa instituição. Aumentamos o número de nossas cadeiras – temos conosco mais cinco acadêmicos titulares que escolheram como patronos colegas que honraram e dignificaram a medicina de Brasília no passado e com quem tivemos o prazer de conviver e aprender. Foram eles os Drs. Edson Porto, pediatra, ex-diretor do HRAS e primeiro médico a se instalar em Brasília; Isaac Barreto Ribeiro, cirurgião e primeiro presidente da Associação Médica de Brasília; Miguel Paes de Carvalho, urologista e como o Dr. Isaac, ex-presidente da AMBr; Ady Prates Flores, chefe da unidade de cardiologia e diretor do 1º Hospital Distrital de Brasília de 1967 a 1970 e Milton Rabello Filho, chefe da unidade de cirurgia do mesmo hospital e seu diretor entre 1975 e 1977. Ao Dr. Milton Rabello o Acad. Emérito Dr. Hélcio Miziara dedicou o livro que escreveu sobre o nosso antigo Hospital Distrital de Brasília, o qual já foi distribuído entre nós. Passamos também a ter honra de contar em nossos quadros com um membro honorário, o Dr. Eudes Fernandes de Andrade, referência em urologia na nossa cidade e que ainda hoje será formalmente empossado. Com o apoio institucional da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, comandada pelo maestro Cláudio Cohen, celebramos o trigésimo aniversário de fundação da Academia. Além daquele
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inesquecível concerto, a data foi comemorada com a publicação de um livro – acompanhado por uma estatueta representando Asclépio, o deus da medicina na mitologia grega – contendo os perfis de seus membros titulares e eméritos. Essa estatueta passou a representar desde então o símbolo do nosso prêmio científico anual, o qual foi recentemente outorgado aos professores e pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, os Drs. Riccardo Pratesi e Lenora Gandolfi. Um segundo livro, referente ao cinquentenário de graduação da Primeira Turma de Médicos formada pela Universidade de Brasília (UnB), foi editado e publicado ao final do ano passado. Os dois volumes foram também distribuídos às academias e faculdades de medicina de todo o Brasil. Infelizmente, tivemos também nosso quinhão de insucessos. Em consequência das medidas sanitárias adotadas a partir de março de 2020, suspendemos todas as atividades presenciais programadas pela AMeB, as quais apenas hoje estão sendo retomadas. Quase dois anos se passaram sem que a Diretoria, que se reuniu religiosamente de modo virtual semana sim, semana não ao longo desse período, pudesse voltar a desfrutar da companhia dos demais confrades e confreiras. Entre esses insucessos, tivemos que cancelar o curso sobre a História da Medicina, o qual já havia sido credenciado pela Associação Médica Brasileira. Esperamos que a próxima Diretoria, que toma posse em março do próximo ano, consiga colocá-lo em prática, intercalando seus módulos às nossas sessões plenárias. Nossos esforços junto ao GDF para a doação de um imóvel pleiteado ainda na administração anterior, não foram levados em consideração, assim como também algumas das nossas sugestões para amenizar a sempre precária situação dos serviços de saúde oferecidos à população de Brasília. Adversidade muito maior porém, foi a perda de amigos fraternos, verdadeiros pilares da nossa instituição. Renato Maia, Odílio Silva e Jofran Frejat, no ano passado e Jair Evangelista da Rocha, José Carlos Quinaglia e Silva, Antônio Márcio Junqueira Lisboa (nosso fundador), Geraldo Damião Secunho e Mário Pedro dos Santos, neste ano, se foram. Junto às suas famílias e amigos ainda estamos chorando por
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eles, mas por conta da sólida formação médica, do prazer em ensinar, da retidão do caráter, da gentileza no trato, na grandeza do coração e no carinho para com o próximo deles, nos serve de consolo saber que não se foram completamente. São imortais de direito e de fato e permanecerão para sempre em nossos pensamentos: suas cadeiras serão ocupadas por colegas que possuirão o mesmo tipo de DNA e obedecerão aos mesmos paradigmas estabelecidos por eles. Nesses duros tempos vivemos à sombra da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Vários dos nossos membros expressaram opiniões sobre e sugeriram caminhos para o enfrentamento da Covid 19. Termos como “aglomerações, azitromicina, cloroquina, cepas, curvas de achatamento, distanciamento social, lockdown, máscaras, testes, tratamento precoce e vacinas”, entre outros, tornaram-se corriqueiros entre aqueles que defendiam o apoio a essa ou àquela conduta. Não podia ser de outra maneira, pois a Academia, embora guiada pelo duplo paradigma da ciência e da ética, é uma instituição plural e abriga em seu seio uma grande diversidade de opiniões: nossas experiências são distintas, múltiplas são as nossas especializações, e estávamos diante do óbvio fato dessa virose ser uma infecção até então desconhecida, longe, portanto, de poder ser completamente decifrada em tão exíguo espaço de tempo. Como dizia William Osler, considerado por muitos como o pai da medicina moderna e um dos cofundadores do Johns Hopkins Hospital, uma das instituições de referência na luta contra essa virose, “Nenhum ser humano é concebido para conhecer a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade; mesmo o melhor dos homens deve se contentar com fragmentos, com vislumbres parciais, nunca com seu conhecimento completo.” Mas também sabemos “que momentos marcados por preocupações quanto ao colapso do sistema de saúde e a um aumento alar-
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mante do número de contaminação e mortes, exigem não apenas mudanças no comportamento social, mas também na construção de reflexões. Afinal de contas, a eclosão de uma pandemia nas proporções da atual não representa apenas um fenômeno biológico – tem implicações na nossa cultura, na economia, nas relações internacionais e em mecanismos ideológicos. E entendemos também que a saída, além de precisar passar obrigatoriamente pela ação do Estado, deve ser necessariamente coletiva”. Nesse sentido, vimos com satisfação que o conhecimento acumulado nos dois últimos anos gerou protocolos de cuidados e tratamentos que aumentaram a confiança nas recomendações que visavam, essencialmente, à diminuição da circulação do vírus. Os resultados dessas condutas, especialmente a vacinação em massa da nossa população, são agora evidentes: queda no número de contaminações, internações e mortes. E a bem vinda possiblidade de finalmente podermos nos reunir em segurança. Por fim, e antes de diplomar o Dr. Eudes, quero agradecer a todos os demais membros da nossa Diretoria. Nesses últimos quatro anos trabalhamos num sistema colegiado e em absoluta harmonia, o que só foi possível graças à generosidade, confiança e apoio incondicional dos confrades e confreiras à nossa administração. Ao deixarmos o posto que tanto nos honrou, reiteramos a força dos laços que nos unem. Essa união é, e continuará sempre sendo, o coração e a alma da Academia de Medicina de Brasília. A todos o nosso mais sincero muito obrigado! Brasília, DF, 27 de novembro de 2021
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Sabemos “que momentos marcados por preocupações quanto ao colapso do sistema de saúde e a um aumento alarmante do número de contaminação e mortes, exigem não apenas mudanças no comportamento social, mas também na construção de reflexões. Afinal de contas, a eclosão de uma pandemia nas proporções da atual não representa apenas um fenômeno biológico – tem implicações na nossa cultura, na economia, nas relações internacionais e em mecanismos ideológicos”. Sabemos também que “nenhum ser humano é concebido para conhecer a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade; mesmo o melhor dos homens deve se contentar com fragmentos, com vislumbres parciais, nunca com seu conhecimento completo”. Os Anais da Academia de Medicina de Brasília referentes ao biênio 2020 – 2021 refletem, em grande parte, o que aconteceu em nossa instituição na vigência da pandemia provocada pelo Sars-Cov-2. Ainda assim, desejamos a todos uma boa leitura.