Revista ABTPé 3.2 jul/dez 2009

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Revista ABTPé

Jul/Dez 2009

volume 3 número 2 p. 57-115


ISSN 1981-772X

Revista ABTPé Rev ABTPé v. 3, n. 2, p. 57-115, jul/dez 2009 Editor Chefe Antonio Egydio de Carvalho Jr. (São Paulo, SP) Editor Científico Caio Augusto de Souza Nery (São Paulo, SP) Editores Associados Augusto César Monteiro (São Paulo, SP) Jorge Mitsuo Mizusaki (São Paulo, SP) Sergio Eduardo Vianna (Rio de Janeiro, RJ) Conselho Executivo Nelson Astur Filho (São Paulo, SP) João de Carvalho Neto (São Paulo, SP)

Conselho Editorial Manlio Mario Marco Napoli (São Paulo, SP) Osny Salomão (São Paulo, SP) Egon Erich Henning (Novo Hamburgo, RS) Sérgio Bruschini (São Paulo, SP) Roberto Atíllio Lima Santin (São Paulo, SP)

Corpo de Revisores Antônio Augusto Couto de Magalhães (São Paulo, SP) Antônio César Mezêncio da Silveira (Belo Horizonte, MG) Antônio Francisco Ruaro (Umuarama, PR) Arnaldo Papavero (São Paulo, SP) Carlos Fontoura Filho (Uberaba, MG) Cibele Ramos Réssio (São Paulo, SP) Cíntia Kelly Bittar (Campinas, SP) Davi de Podestá Haje (Brasília, DF) Décio Cerqueira de Moraes Filho (Marília, SP) Edegmar Nunes Costa (Goiânia, GO) Fábio Batista (São Paulo, SP) Francisco Mateus João (Manaus, AM) Gildásio de Cerqueira Daltro (Salvador, BA) Helencar Ignácio (São José do Rio Preto, SP)

João Fernando Saraiva (Passo Fundo, RS) João Luiz Vieira da Silva (Curitiba, PR) Jorge Eduardo de Schoucair Jambeiro (Salvador, BA) José Felipe Marion Alloza (São Paulo, SP) José Vicente Pansini (Curitiba, PR) Kelly Cristina Stéfani (São Paulo, SP) Luiz Antonio Chaves Carvalho (Porto Alegre, RS) Luiz Carlos Ribeiro Lara (Caçapava, SP) Luiz Eduardo Cardoso Amorim (Rio de Janeiro, RJ) Luiz Sérgio Martins Pimenta (São Paulo, SP) Marcelo Pires Prado (São Paulo, SP) Márcio Passini Gonçalves de Souza (São Paulo, SP) Marco Antonio Rocha Afonso (Fortaleza, CE) Marco Túlio Costa (São Paulo, SP)

Marcos de Andrade Corsato (São Paulo, SP) Mário Kuhn Adames (Florianópolis, SC) Marta Imamura (São Paulo, SP) Paulo César de César (Porto Alegre, RS) Renato do Amaral Masagão (São Paulo, SP) Ricardo Cardenuto Ferreira (São Paulo, SP) Ricardo Malaquias de Miranda (Belo Horizonte, MG) Rui dos Santos Barroco (São Paulo, SP) Sérgio Rodrigues Tírico (São Paulo, SP) Sidney Silva de Paula (Curitiba, PR) Túlio Diniz Fernandes (São Paulo, SP) Verônica Fernandes Vianna (Rio de Janeiro, RJ) Wilson Roberto Rossi (Campinas, SP)


Expediente Revista ABTPé, ISSN 1981-772X é uma publicação oficial da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé. A responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores. Permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, desde que mencionada a fonte.

Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé Diretoria Regional Bahia: Marcus Vinícius Mota Garcia Moreno (Salvador, BA) Brasil Central: Wesley Jordão Milazzo (Goiânia, GO) Espírito Santo: Silvio Pavan (Vitória, ES) Minas Gerais: Ricardo Malaquias de Miranda (Belo Horizonte, MG) Nordeste: Guilherme Marques Cerqueira Júnior (Recife, CE) Norte: Francisco Mateus João (Manaus, AM) Paraná: José Vicente Pansini (Curitiba, PR) Rio de Janeiro: Frederico Paz Genuíno de Oliveira (Rio de Janeiro, RJ) Rio Grande do Sul: José Antônio Veiga Sanhudo (Porto Alegre, RS) Santa Catarina: André Bergamaschi Demore (Joinville, SC) São Paulo: Alfonso Apostólico Netto (São Paulo, SP)

Presidente: Nelson Astur Filho (São Paulo, SP) Vice-presidente: Edegmar Nunes Costa (Goiânia, GO) 1º Secretário: João de Carvalho Neto (São Paulo, SP) 2º Secretário: Gustavo Ghedini (Santos, SP) 1º Tesoureiro: Marco Túlio Costa (São Paulo, SP) 2º Tesoureiro: Luiz Eduardo Cardoso Amorim (Rio de Janeiro, RJ) Dir. Educação Continuada: Augusto César Monteiro (São Paulo, SP) Dir. Ensino e Treinamento: Ricardo Cardenuto Ferreira (São Paulo, SP) Dir. Ética e Defesa Profissional: Augusto Braga dos Santos (Goiânia, GO) Conselho Fiscal: Sergio Eduardo Vianna (Rio de Janeiro, RJ) Jorge Mitsuo Mizusaki (São Paulo, SP) Jardélio Mendes Torres (Belo Horizonte, MG) Ângelo Cortês de Oliveira (Recife, PE) Helencar Ignácio (São José do Rio Preto, SP) Fábio Batista (São Paulo, SP) Diretoria de Informática: Marco Túlio Costa (São Paulo, SP) Diretoria Social: Arnaldo Papavero (São Paulo, SP) Júlio César Falaschi Costa (Poços de Caldas, MG) Ricardo Salomão (São Paulo, SP)

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Secretaria Executiva

Assessoria Técnica

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Edna Terezinha Rother Maria Elisa Rangel Braga

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Sumário

ISSN 1981-772X

Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé

Rev ABTPé v. 3, n. 2, p. 57-115, jul/dez 2009

Revista ABTPé

Editorial O desafio do Cazuza Antonio Egydio de Carvalho Junior

57

Artigo Especial Indicações e técnicas da osteotomia supramaleolar The indications and techniques of supramalleolar osteotomy

58

Mark S. Myerson

Artigos Originais Tratamento cirúrgico das fraturas articulares do tipo língua do calcâneo: comparação dos resultados clínico-funcionais entre a técnica aberta clássica e a percutânea

68

Operative treatment of tongue type fractures of the calcaneus: comparison of clinical results between open and percutaneous techniques Sidney Silva de Paula, Rodrigo Abbud Canova, Wesley Gidi Secco, Afonso Klein Junior, Lie Mara Hirata, Natasha Assis Baruffi

Condroblastoma dos ossos do pé: Aspectos clínicos e radiográficos Chondroblastoma of the foot bones: Clinical and radiographic findings

75

Gustavo Sampaio de Souza Leão, Antonio Marcelo Gomes de Souza, Cícero Heleno Feitosa

Hálux valgo em homens – parte II: avaliação do tratamento cirúrgico Hallux valgus in men – part II: surgical treatment Caio Nery, Flávio José Ballerini, Silvia Iovine Kobata

81


Artigo de Revisão

89

Conceito atualizado no tratamento do pé torto congênito idiopático Updated concept of congenital idiopathic clubfoot treatment Antonio Francisco Ruaro, Antonio Egydio de Carvalho Junior, Silvio Pereira Coelho, Fábio de Campos Bicudo

Artigo de Reflexão

102

Avaliação funcional pela Escala FFI da cirurgia de Hoffman modificada Functional evaluation of the modified Hoffman procedure through FFI Scale Flávio José Ballerini, Sérgio Damião Prata, Leda Magalhães Oliveira, Jorge Mitsuo Mizusaki

Relato de Caso

109

Fibroma desmoide extra-abdominal em criança. Relato de caso Extra-abdominal desmoid fibroma in a child. Case report Marcelo de Pinho Teixeira Alves

Nominata

114

Nominata

Índices

115

Índice de Autor Índice de Assunto Subject Index


Instruções aos Autores A Revista ABTPé (ISSN 1981-772X) é o órgão oficial de divulgação científica da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé, publicada semestralmente nos meses de julho e dezembro, com o objetivo de divulgar trabalhos sobre temas de Medicina e Cirurgia do Pé e áreas correlatas. Todos os trabalhos enviados à Revista serão submetidos à avaliação pelos pares (peer review) por pelo menos dois revisores. A aceitação será feita com base na originalidade, significância e contribuição científica. Os revisores farão comentários gerais sobre o trabalho e informarão se o mesmo deve ser publicado, corrigido segundo as recomendações ou rejeitado. Em caso de discordância entre os avaliadores, poderá ser solicitada uma nova opinião. Quando forem sugeridas modificações, as mesmas serão encaminhadas ao autor principal que deverá devolver o manuscrito corrigido em até 60 dias. Em seguida, será devolvida aos mesmos revisores para verificarem se as exigências foram satisfeitas. Em casos excepcionais, quando o assunto do manuscrito assim o exigir, o Editor chefe poderá solicitar que a avaliação seja feita por um profissional que não conste da relação dos Editores e do Conselho Editorial. Após este processo de revisões, o Editor chefe encaminhará para publicação, os manuscritos aprovados. A decisão sobre a aceitação do artigo para publicação ocorrerá, sempre que possível, no prazo de 120 dias a partir da data de seu recebimento. Uma vez aceito para publicação, uma prova do artigo editorado (formato PDF) será enviada ao autor correspondente para sua avaliação e aprovação definitiva. Cabe ao Corpo Editorial classificar os trabalhos nas categorias aceitas pela revista, podendo sugerir trocas e modificações nos textos, desde que não se altere o conteúdo científico, com a devida concordância do autor. As afirmações e informações expressas nos artigos publicados na Revista são de inteira responsabilidade dos autores e seus colaboradores. As normas para publicação da revista estão de acordo com Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals, de fevereiro de 2006, preparado pelo International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), disponível em: http://www.icmje.org/. A revista recebe para publicação: editoriais, artigos originais, artigos de revisão, ponto de vista, relato de caso, comunicação breve, carta ao editor, imagem, ciência & tecnologia e artigo especial.

Editorial – Refere-se a assuntos selecionados em cada número da revista pela sua importância para a comunidade científica. Geralmente, são redigidos pelo Editor chefe ou encomendados a especialistas de destaque na área de interesse. Artigo Original – Estão incluídos aqui, estudos controlados e randomizados, estudos observacionais, registros, bem como pesquisa básica com animais de experimentação. Os artigos originais devem conter, obrigatoriamente, as seguintes seções: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusões, Referências, Resumo e Abstract. O número de referências não deve exceder quarenta. Artigo de Revisão (a convite ou a critério do Editor) – Avaliações críticas e ordenadas da literatura de temas de importância clínica. A convite do Corpo Editorial, assunto de interesse para os leitores, será solicitada para renomado Especialista. A Revista ABTPé também aceita artigos de revisão enviados pela comunidade científica. As Referências especificamente desses artigos devem ser atuais, preferencialmente publicadas nos últimos dez anos, em número máximo de quarenta referências. Artigo de Reflexão – É a apresentação de um artigo relevante publicado na especialidade. Especialistas são convidados, pelo Editor, para comentar a respeito do referido artigo, seus pontos positivos e negativos, metodológicos, conceituais, sua aplicabilidade clínica e relevância. Devem apresentar no máximo dez referências. Relato ou estudo de Caso – Descrição de casos envolvendo pacientes, ou situações singulares, doenças raras ou nunca descritas, assim como formas inovadoras de diagnóstico ou tratamento. O texto em questão aborda os aspectos relevantes que devem ser comparados com os disponíveis na literatura não ultrapassando dez referências. Comunicação Breve – Pequenas experiências que tenham caráter de originalidade. Carta ao Editor – Diálogo Científico e Comentários – Devem comentar, discutir ou criticar artigos publicados na própria Revista, ou versar sobre outros temas de interesse geral. É possível uma resposta dos autores do artigo em questão que será publicada junto à carta. Artigo Especial (a convite do editor) – Artigos não classificáveis nas categorias anteriormente descritas, mas considerados relevantes na especialidade pelo Conselho Editorial. A Revista ABTPé dará prioridade de publicação aos artigos classificados como originais. Os artigos poderão ser escritos em Português, Inglês, Espanhol e serão publicados na versão impressa, na língua original que


o manuscrito foi enviado, podendo ser disponibilizados também na versão eletrônica através do site, assim como em outros meios eletrônicos que surjam no futuro, sendo que essas publicações já implicam na anuência prévia dos autores. Requisitos técnicos Pesquisa com seres humanos e animais Os autores devem, na seção Métodos, informar se a pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa de sua Instituição, em consoante à Declaração de Helsinki. Nos trabalhos experimentais envolvendo animais, as normas estabelecidas no “Guide for the Care and Use of Laboratory Animals” (lnstitute of Laboratory Animal Resources, National Academy of Sciences, Washington, O.C., 1996) e os Princípios éticos na experimentação animal do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) devem ser respeitados. Os trabalhos de pesquisas que envolvem seres humanos devem ser encaminhados juntamente com uma cópia do “Termo de Consentimento Livre e Informado” Direitos autorais Os autores dos manuscritos aprovados deverão encaminhar, previamente à publicação, declaração escrita e assinada por todos os co-autores de transferência de direitos autorais e de responsabilidade pelo envio da publicação, seguintes termos: “O(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) todos os direitos autorais do manuscrito (título do artigo) à Revista ABTPé. O(s) signatário(s) garante(m) que o artigo é original, que não infringe os direitos autorais ou qualquer outro direito de propriedade de terceiros, que não foi enviado para publicação em nenhuma outra revista e que não foi publicado anteriormente. O(s) autor(es) confirma(m) que a versão final do manuscrito foi revisada e aprovada por ele(s)”. Todos os manuscritos publicados tornam-se propriedade permanente da Revista ABTPé e podem ser publicados com o consentimento por escrito do editor. Critérios de Autoria Sugerimos que sejam adotados os critérios de autoria dos artigos segundo as recomendações do ICMJE. Assim, apenas aquelas pessoas que contribuíram diretamente para o conteúdo intelectual do trabalho devem ser listadas como autores. Os autores devem satisfazer a todos os seguintes critérios, de forma a poderem ter responsabilidade pública pelo conteúdo do trabalho:

vi

• ter concebido e planejado as atividades que levaram ao trabalho ou Interpretado os resultados a que ele chegou, ou ambos; • ter escrito o trabalho ou revisado as versões sucessivas e participado no processo de revisão; • ter aprovado a versão final. Exercer posição de chefia administrativa, contribuir com pacientes e coletar e agrupar dados, embora importantes para a pesquisa, não são critérios para autoria. Outras pessoas que tenham feito contribuições substanciais e diretas ao trabalho, mas que não possam ser consideradas autores, podem ser citadas na seção Agradecimentos. Conflitos de Interesse Quando existe alguma relação entre os autores e qualquer entidade pública ou privada que pode derivar algum conflito de interesse, esta possibilidade deve ser comunicada em carta a parte para o Editor, que garantirá a confidencialidade da declaração; Reprint Com base nas normas adotadas do ICMJE – a publicação secundária devido a muitas outras razões, na mesma língua ou em outra língua, especialmente em outros países, é justificável e pode ser benéfica, desde que as condições descritas no editorial sejam preenchidas. Preparo do Manuscrito Primeira página Identificação. Título do trabalho de maneira concisa e descritiva, em português e inglês. Nome completo, sem abreviações, de todos os autores, titulação acadêmica e instituição a que pertencem por extenso, endereço completo, inclusive telefone, fax e e-mail do autor principal, data do envio e órgão financiador da pesquisa, se houver. Se o trabalho foi apresentado em congresso ou é parte de uma tese ou dissertação, deve ser mencionado o nome do congresso, local e data da apresentação ou instituição e data da defesa da tese. Segunda página: Resumo/Abstract. Deve ser estruturado contendo: Objetivo, Métodos, Resultados, Conclusões/Objective, Methods, Results, Conclusions). Deve conter informações facilmente compreendidas sem necessidade de recorrer-se ao texto. O verbo deve ser apresentado no passado para os resultados, e no presente para generalização. Utilizar sempre que possível número em lugar


de percentagem. Não usar: os autores apresentam, os achados são apresentados, ou o tratamento é discutido, e semelhantes. O resumo de artigo original, deve ter no máximo 250 palavras. O resumo de artigo de revisão deve ter no máximo de 250 palavras e apresentar os principais conceitos contidos no texto. O resumo de relato de caso, com o máximo de 100 palavras, deve mostrar a originalidade do caso e seus aspectos clínicos, laboratoriais diagnósticos e terapêuticos mais importantes. Também devem ser incluídos no mínimo 3 descritores ou palavras chave com a respectiva tradução para o inglês: Keywords. Esses descritores podem ser consultados nos endereços eletrônicos: http://decs.bvs.br/ que contém termos em português, espanhol ou inglês, ou http://www. nlm.nih.gov/mesh, para termos somente em inglês. Terceira página Texto: Para os artigos originais e de pesquisa, o manuscrito deve ser conter: Introdução, Métodos, Resultados e Discussão e Referências. Para os Relatos de casos, o manuscrito deve conter: uma breve Introdução, Descrição do Caso, Discussão e Referências. Os demais tipos de manuscrito, seguem a estrutura temática proposta pelo autor. Citações no texto Em todas as categorias de Manuscrito, as citações no texto devem ser feitas numérica e seqüencialmente, por ordem de aparecimento no texto. Se forem citadas mais de duas Referências em seqüência, apenas a primeira e a última devem ser digitadas, separadas por um traço. Exemplo: (7-11). Em caso de citação alternada, todas as referências devem ser digitadas, separadas por vírgula. Exemplo: (7,11,16). Agradecimentos Opcional. Devem ser concisos e apresentados no final do texto, indicando os nomes das pessoas ou instituições que contribuíram na fase intelectual ou técnica do trabalho, bem como as agências de fomento que contribuíram com a pesquisa, que resultaram no artigo publicado. Tabelas Devem ser apresentadas apenas para a efetiva compreensão do trabalho, não contendo informações redundantes já citadas no texto e numeradas por ordem de aparecimento. Devem ser apresentadas em página separadas e configuradas em espaço-duplo. Devem ser enumeradas em

numeral arábico e conter um título curto. Utilize a mesma fonte que a utilizada no texto. Indicar os marcadores de rodapé na seguinte ordem: *, t, *, §, 11, #, **. Não use linhas verticais entre as colunas. Use linhas horizontais apenas na parte superior e inferior do cabeçalho na parte inferior da tabela. As abreviações utilizadas na tabela devem ser definidas no rodapé da própria tabela. Figuras Para a submissão, as figuras devem ter boa resolução para serem avaliadas pelos revisores, preferencialmente em formato JPEG, podendo ser enviadas também em PDF, TIFF/Gif. As legendas das figuras devem permitir sua perfeita compreensão, independente do texto. Devem ser enumeradas em numeral arábico e conter um título curto. As abreviações usadas nas ilustrações devem ser explicitadas nas legendas. Referências Citar no item Referências, somente os trabalhos consultados e citados no texto. As referências devem ser numeradas seqüencialmente, conforme citadas no texto. Citar todos os autores, quando até seis; acima deste número, citam-se os seis primeiros seguidos de et al. O título abreviado do periódico deve estar em conformidade com o as abreviaturas de periódicos do Medline. Seguem exemplos dos principais tipos de referências bibliográficas. Para outros documentos consultar o site: http://www.icmje.org/ Material Impresso Artigo de Revista: Attar F, Selvan D, Machin D, Shariff R, Geary NP. Perioperative changes in the microcirculation in feet after foot and ankle surgery. J Foot Ankle Surg. 2007;46(4):238-41. Reid KS, Martin BD, Duerksen F, Nicolle LE, Garrett M, Simonsen JN, et al. Diabetic foot complications in a northern Canadian Aboriginal community. Foot Ankle Int. 2006;27(12):1065-73. Instituição como autor: The Foot Society of Australia and New Zealand. Sciatic nerve injury following intramuscular injection: a case report and review of the literature. J Neurosci Nurs. 2006;38(4):238-40. Sem Indicação de autoria: Orthopedic in South Africa [editorial]. S Afr Med J. 1994; 84(1):15.

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Capítulo do Livro: Mylek WY. Endothelium and its properties. In: Clark BL Jr. editor. New frontiers in surgery. New York: Mc Graw HiIl; 1998. p. 55-64. Livro: Sutton MG St J, Oldershaw PJ, Ketler MN, editors. Textbook foot and anjle. Cambridge (MA): Blackwell Science; 1996. Tese: Takimura CK. Correlação das variáveis geométricas de lesões do tornozelo com achados ultra-sonográficos [tese ]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2003. Eventos: Silva HH. Pé torto congênito In: 45º. Congresso Brasileiro de Atualização em Cirurgia Ortopédica; 1995; São Paulo. Anais. São Paulo: Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé; 1995. p.27-9. Minna JD. Recents advances for potential clinical importance in the biology of lung cancer. In: Annual Meeting of the American Medical Association for Cancer Research: 1984 Sept 6-10. Proceedings. Toronto: AMA; 1984. v. 25. p. 293-4. Material Eletrônico Artigo de Revista: Morse SS. Observations on the fibrous retinacula of the heel pad. Foot Ankle Int [serial on the Internet]. 2006 [cited 2006 Dez 5];27(8): [about 4 p.]. Available from: http://www. cdc.gov/ncidod/EID/eid.htm. Livros: Tichenor WS. Observations on the fibrous retinacula of the heel pad [monograph on the Internet]. New York: Health On The Net Foundation; 1996. [cited 2005 May 27]. Available from: http://www.sinuses.com Capítulo do Livro: Tichenor WS. Radiographic comparison of standing medial cuneiform arch height in adults with and without acquired flatfoot deformity In: Tichenor WS. Foot: treatment [monograph on the Internet]. New York: Health On The Net Foundation; 1996. [cited 2005 May 27]. Available from: http://www.sinuses.com/postsurg.htm. Tese: Fernandes TD. Avaliação biométrica comparativa do tálus no pé equinovaro congênito [tese]. São Paulo: Universidade

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de São Paulo; 1994. [citado 2006 Jun 10]. Disponível em: http://servicos.capes.gov.br Eventos: Barata RB. Epidemiologia no século XXI: perspectivas para o Brasil [texto na Internet]. In: 4º Congresso Brasileiro de Epidemiologia; 1998 Ago 1-5; Rio de Janeiro. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1998. [citado 2005 Jan 17]. Disponível em: http://www.abrasco.com.br/epirio98. Homepage / Website Cancer-Pain org [homepage on the Internet]. New York: Association of Cancer Online Resources, Inc.; c2000 [update 2002 May 16; cited 2002 Jul 9]. Available from: http://www. cancer-pain.org/ ENVIO DO MATERIAL Todos os artigos devem vir acompanhados por uma Carta de Submissão, sugerindo a Seção em que o artigo deva ser incluído; declaração do autor de que todos os co-autores estão de acordo com o conteúdo expresso no trabalho, explicitando presença ou não de conflito de interesse* e a inexistência de problema ético relacionado. A carta de submissão deve conter o número de palavras contidas no texto (excluindo Tabelas e Figuras), o número de Tabelas e Figuras. Sempre que possível, os artigos devem ser submetidos à publicação por correio eletrônico (e-mail). Entretanto, na impossibilidade de envio pela Internet, três cópias do material, incluindo texto e ilustrações, bem como disquete e/ou CD identificado poderão ser enviadas por correio convencional. Formatos de submissão: texto em Word (preferível), Word Perfect. Figuras devem ser submetidas como JPEG (preferível), PDF, TIFF/Gif, Adobe photoshop, Excel, Word, Word Perfect.

REVISTA ABTPé Editor: Antonio Egydio de Carvalho Junior Alameda Lorena, 1304, conj. 1108 CEP 01424-001 – SP – Brasil Tel: 55 (11) 3082 6919 – Telefax: 55 (11) 3082 2518 email: abtpe@abtpe.org.br


Editorial

O desafio do Cazuza

É

pocas, gerações, alternâncias são evidências de mudanças. Colocando-se numa escala linear, a percepção pode ser lenta, entretanto, o deslocamento

define o moto-contínuo. Foi notável, nesse último Congresso de Ortopedia e Traumatologia, no Rio de Janeiro, a participação renovada de apresentadores e, mais ainda, a premiação de jovens pesquisadores. Da mesma forma e, em boa hora, a ABTPé, no programa científico do Curso Avançado de Patologias do Pé e Tornozelo, decidiu prestigiar a futura plêiade de novos autores. A sessão Painel vai oportunizar a apresentação do que a “jovem-guarda” está fazendo, pesquisando e avançando... O interesse da Revista ABTPé é que isto se reflita no surgimento de novos colaboradores! Aliás, tem sido patente esse acréscimo de contribuições, como visto no número 2 do volume 3, no qual quatro artigos confirmam esta feliz tendência. Cabe aos mais experientes apoiar e dar suporte aos “novatos”. Vamos assistir, desde já, à sucessão de uma época e geração exitosas, que têm emprestado sua inestimável colaboração aos sucessos da criação e do progresso científico de nossa Revista. É primordial que a juventude aceite este desafio: “MOSTRA A SUA CARA”... Antonio Egydio de Carvalho Junior Editor Chefe da Revista ABTPé A Revista ABTPé sente falta de comentários e críticas. Enviem “Cartas ao Editor” para que se estabeleça o diálogo necessário ao nosso crescimento.


Artigo Especial

Indicações e técnicas da osteotomia supramaleolar The indications and techniques of supramalleolar osteotomy Mark S. Myerson1

Resumo O propósito deste estudo é demonstrar o emprego da osteotomia supramaleolar para correção de deformidades congênitas ou adquiridas do terço distal da tíbia, tornozelo ou pé. São apresentadas as indicações atuais das técnicas e os diferentes tipos de fixação. As finalidades dessa técnica são corrigir os desvios distais do membro inferior, aliviar a dor e redistribuir as pressões intra-articulares do tornozelo. Várias técnicas específicas de osteotomia supramaleolar são descritas para a correção dos desvios em varo, valgo, recurvato, antecurvato, translação, rotação e deformidades multiplanares. Diversos métodos de fixação foram descritos; resultados de autores que utilizaram essa técnica foram analisados e comparados com essa casuística e se mostraram encorajadores. O escore da American Orthopaedic Foot & Ankle Society (AOFAS) variou de 54 a 87 pontos em pacientes com deformidades até 10º e seguidos por 34 meses. Este estudo clínico suporta o uso das osteotomias supramaleolares como método efetivo para o tratamento das deformidades distais da tíbia, tanto congênitas como pós-traumáticas. O planejamento pré-operatório é decisivo para o sucesso da execução. O realinhamento favorece o retardo ou mesmo previne a progressão da artrose. Descritores: Osteotomia/métodos; Deformidades congênitas do pé/cirurgia; Tíbia/ anormalidades

Abstract The aim of this study is to demonstrate the use of supramalleolar osteotomy for correction of congenital or acquired deformities in distal tibia, ankle or foot. The current indications of the techniques and different types of fixation are presented. The purposes of this technique are to realign the lower limbs, to lessen pain and to redistribute the loads on the ankle joint. Specific supramalleolar osteotomy is indicated to address deformity at, above, or below the ankle joint as well as ankle arthrosis associated with intra-articular varus or valgus deformity. Multiplanar distal tibial deformity with angular and translational components alters the weight bearing axis of the tibia through the ankle joint. Outcomes after supramalleolar osteotomies have overall been encouraging. The results of using supramalleolar osteotomies for the treatment of distal tibial deformities of at least 10° in 13 patients with ankle pain treated with an average follow-up 34 months, showed improvements in American Orthopedic Foot and Ankle Society (AOFAS) scores from 54 to 87 points. Clinical outcomes Correspondência Mark S Myerson 301 St. Paul Place – 21202 Baltimore, Maryland, United States (USA) E-mail: mark4feet@aol.com Data de recebimento 29/05/09 Data de aceite 09/09/09

Trabalho realizado no Institute for Foot and Ankle Reconstruction do Mercy Medical Center, Baltimore, Estados Unidos. 1 Médico, Diretor do Institute for Foot and Ankle Reconstruction at Mercy Medical Center, Baltimore, USA. Recebido original em inglês. Traduzido pelo editor, por solicitação expressa do autor.


Myerson MS

support the use of supramalleolar osteotomies as an effective surgical option for the treatment of lower extremity deformities, whether congenital or post-traumatic. Meticulous preoperative planning of deformity correction and limb realignment helps redistribute joint forces safely and reliably within the ankle to prevent development of arthrosis or halting its progression. Keywords: Osteotomy/methods; Foot deformities, congenital/surgery; Tibia/abnormalities

Introdução A osteotomia supramaleolar é um procedimento cirúrgico frequentemente usado para corrigir deformidades congênitas ou adquiridas do terço distal da tíbia, tornozelo ou pé. No grupo etário infantil, a osteotomia tem sido usada para corrigir pseudartrose de fraturas, atraso do crescimento por lesão fisária, torção tibial, deformidades paralíticas e sequelas de pé torto congênito(1-3). Mais recentemente, as osteotomias tibiais distais têm sido feitas para corrigir o alinhamento de deformidades do pé e tornozelo, nos adultos, com a finalidade de prolongar a função articular e evitar-se a artrodese. A meta desses procedimentos é realinhar o membro nas indicações citadas e redistribuir a carga pelos compartimentos do tornozelo, resultando na melhora da ação biomecânica(4) A mesma premissa se aplica ao uso dessas osteotomias como tratamento alternativo da artrose do tornozelo(5,6). O objetivo deste artigo será apontar as indicações correntes, a técnica e os diferentes modos de fixação para as osteotomias supramaleolares.

BIOMECÂNICA DE CORREÇÃO DA DEFORMIDADE A relação entre a deformidade e a artrose do tornozelo não está bem esclarecida, pois não há consenso definitivo relativo aos limites de tolerância de uma deformidade angular da tíbia e o potencial desenvolvimento da artrite do tornozelo. Os modelos laboratoriais que simulam deformidades distais da tíbia têm demonstrado alterações articulares, devido às pressões de contato anômalo. Tarr et al. estabeleceram que as deformidades distais, com angulação de 15º, mostram redução da área de contato acima de 42% com maiores alterações observadas nas deformidades no plano sagital. Em adição, este estudo também revelou que a limitação do movimento da articulação subtalar diminui a área de contato no tornozelo, enfatizando a importância da função vicariante da articulação subtalar relativamente à deformidade tibial(4). Stamatis, Cooper e Myerson confirmaram este achado demonstrando que uma osteotomia valgizante de 10º dimi-

nui a força sobre o “domus” talar medial em 42%(7). Entretanto, Kristensen, Kiaer e Blicher relataram, em uma casuística de 22 pacientes que tiveram fraturas da tíbia, com mais de 10º de desvio angular e até 20 anos de seguimento, que 38% eram assintomáticos e nenhum paciente apresentava limitação da amplitude articular do tornozelo maior que 10º ou, ainda, sinais radiográficos de artrose(8). A capacidade do tornozelo e pé para tolerar a deformidade proximal ao tornozelo depende da flexibilidade e da competência do pé em acomodar e compensar este desvio. Com o desvio distal da tíbia em varo ou valgo, a articulação subtalar deve everter ou inverter para a manutenção da posição plantígrada do antepé, a qual ficará comprometida se o retropé for rígido. O exame clínico do pé é; portanto, importante no planejamento da correção do desvio tibial distal. De maneira consensual, sabe-se que a deformidade em valgo da tíbia distal ou do tornozelo é mais tolerada que o varo, possivelmente devido à compensação da articulação subtalar, a qual pode inverter muito além da capacidade de everter(9). É provável que uma deformidade em valgo da tíbia distal de 10º possa ser compensada pela capacidade de adaptação do pé, mas isto, definitivamente, pode cursar com alteração biomecânica do tornozelo e, consequentemente, artrose. Genericamente, recomenda-se corrigir as deformidades maiores que 10º em qualquer plano, desde que o retropé não seja rígido.

INDICAÇÕES PARA OSTEOTOMIA Uma osteotomia supramaleolar está indicada para corrigir deformidade dentro, acima ou abaixo do tornozelo, assim como a artrose associada com desvios intra-articulares em varo ou valgo(10). A deformidade multiplanar da tíbia distal com angulação e componente de translação altera o eixo mecânico de carga da tíbia pelo tornozelo. Nos pacientes com esta enfermidade, a osteotomia pode ser usada para corrigir o desvio e para prevenir o desenvolvimento de alterações degenerativas ou, também, em casos de artrose do tornozelo para alterar a mecânica articular e mudar o apoio para zona de cartilagem intacta. A correção, pela osteotomia distal da tíbia, pôde ser facilmente executada quando ocorreu consolidação viciosa em equino residual, Rev ABTPé. 2009; 3(2): 58-67.

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que produziu alongamento do membro, levou ao recurvato do joelho e aumentou as pressões no mediopé. As artrodeses consolidadas em dorsiflexão resultam em aumento de estresse no coxim gorduroso subcalcanear durante o toque do calcâneo. As consolidações, em varo ou valgo, podem sobrecarregar a coluna lateral e a medial, respectivamente, resultando na rigidez das articulações transversas do tarso e, também, na deformidade em pé plano grave. Muitos casos de artrose do tornozelo, que seriam candidatos à artroplastia total, serão contraindicados pelo desalinhamento distal da tíbia, o que pode resultar na falência desse procedimento(11,12). A correção e o restabelecimento do eixo mecânico da perna, pela osteotomia da tíbia distal, como um procedimento prévio, é uma necessidade absoluta anteriormente à artroplastia. Em acréscimo, as osteotomias da tíbia podem ser usadas para corrigir deformidades, tais como, o desvio fixo em valgo associado com a enartrose do tornozelo, desvios secundários à lesão da placa de crescimento e as deformidades resultantes de neuropatias. O objetivo do tratamento é manter o eixo de carga do membro inferior centrado com as articulações do tornozelo e subtalar. A osteotomia supramaleolar também é útil como adjuvante na correção do desvio, em varo, intra-articular, associada à instabilidade recorrente do tornozelo, como também nos casos de tíbia-vara congênita distal.

PLANEJAMENTO CIRÚRGICO O planejamento cirúrgico começa com o exame físico do paciente. Na posição ortostática pode-se avaliar a discrepância do membro inferior, a obliquidade pélvica e o varo ou valgo dos joelhos e tornozelos. O teste da amplitude articular do tornozelo e subtalar são muito importantes. A limitação de movimentos do tornozelo pode ser secundária à contratura dos gastrocnêmios ou retração do tendão calcâneo, os quais podem ser corrigidos no ato cirúrgico. A pesquisa da mobilidade articular subtalar é necessária para indicação da correção supramaleolar nas deformidades no plano coronal do tornozelo. Nos pés normais há uma considerável maior amplitude da inversão sobre a eversão e; portanto, o retropé pode se beneficiar das osteotomias valgizantes, com relação à mobilidade articular. A pele e os tecidos moles adjacentes ao terço distal da tíbia e do tornozelo devem ser cuidadosamente avaliados. Uma das complicações mais dramáticas da osteotomia supramaleolar está relacionada com a cicatrização ou comprometimento das partes moles. Na maioria dos pacientes poderá haver cicatriz prévia ou comprometimento da pele, os quais poderão influenciar na decisão sobre a via de acesso e a técnica a ser empregada. A magnitude da cor-

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reção e o longo curso das deformidades podem aumentar a tensão na incisão cirúrgica levando a subsequentes complicações de cicatrização. As relações anatômicas normais da perna e do tornozelo devem ser previamente reconhecidas antes de se indicar a osteotomia distal da tíbia. O eixo mecânico (anatômico) da tíbia distal está em alinhamento com o eixo mecânico da extremidade inferior. O eixo mecânico, distalmente, estende-se passando pelo centro do tornozelo. O pilão tibial em projeção radiográfica de anteroposterior forma ângulo de 93º, com eixo mecânico da tíbia, chamado de ângulo da superfície distal da tíbia (TAS – tibial ankle surface angle). Na projeção lateral, este ângulo é referido como aquele da superfície tibial em perfil (TLS – tibial lateral surface angle), cujo valor médio é de 80º(13). Quando é feita uma osteotomia distal, o objetivo do cirurgião deve ser restaurar o TAS e TLS dentro dos valores normais, quando comparado com o membro contralateral. Talvez, uma pequena hipercorreção para se prevenir de algum colapso previsível no local da osteotomia seja desejada. O planejamento da correção começa com radiografias comparativas dos membros inferiores em chassi longo, o qual inclua todo comprimento da extremidade inferior. Os comprimentos dos membros e, sobretudo, o eixo mecânico são medidos, assim como seus respectivos ângulos articulares. Se uma desigualdade (discrepância) está presente, então, uma osteotomia de adição de cunha ou cupuliforme é feita, porque a osteotomia com retirada de cunha poderia levar a maior encurtamento. Deformidades multiplanares, frequentemente, envolvem componentes no plano coronal e sagital, os quais podem resultar numa combinação de deformidades, tais como tornozelo varo, valgo, recurvato, antecurvato, translocado e rodado. Os tipos de deformidades são mensuradas e descritas pelo centro de rotação e angulação (CORA). O CORA é criado pela intersecção do eixo mecânico dos segmentos proximal e distal que irão definir a deformidade. Deve ser dada atenção à avaliação da articulação do tornozelo, concernente às erosões do pilão tibial ou, ainda, às deformidades do tornozelo que necessitam de tratamento específico. Quando a osteotomia corretiva é feita no nível do CORA, a anatomia é restaurada com a correção angular e rotacional sem que ocorra a translação do fragmento distal. Em outras situações, quando a osteotomia for feita abaixo ou acima do CORA, por exemplo, em artrodese em consolidação viciosa ou fratura de impacção do pilão tibial, o segmento distal necessitará ser transladado em relação ao eixo mecânico. Para se evitar a criação de uma deformidade translacional distal, quando a osteotomia for feita num nível diferente do CORA, a linha da osteotomia deverá ser transladada(14). Por exemplo, com a osteotomia de fechamento medial, o fragmento tibial


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distal necessita ser transladado lateralmente, para que seja evitada uma deformidade translacional distal. Nestes casos, a correção das deformidades do tornozelo necessita ser feita logo acima do CORA para permitir fixação rígida.

TÉCNICA CIRÚRGICA As osteotomias distais da tíbia são feitas sob anestesia geral, geralmente, associada ao bloqueio poplíteo para controle da dor no pós-operatório imediato. A via de acesso é feita por uma incisão medial, centrada no nível da osteotomia planejada. O descolamento periosteal e a retração da pele devem ser realizados no padrão mínimo necessário. Dependendo do local da osteotomia, em relação ao CORA, haverá necessidade de translação e, dependendo do grau de correção da deformidade, pode ser necessária osteotomia oblíqua da fíbula, para permitir adequada correção. Isto é feito por nova incisão na face lateral. Esta osteotomia permite translação, rotação e significante correção da angulação.

CORREÇÃO DA DEFORMIDADE EM VARO Em relação à causa da deformidade, o varismo pode se localizar acima, abaixo da articulação ou ainda ser intra-articular? Para cada uma destas situações, uma diferente tática deve ser usada, conjuntamente aos procedimentos adicionais que são necessários à correção de outras deformidades associadas(15-17). De fato, é raro fazer uma osteotomia tibial isolada, desde que as deformidades associadas são comuns, e também necessitam de correção, incluindo a reconstrução ligamentar do tornozelo, a osteotomia de calcâneo, a transferência dos tendões tibial posterior e anterior, a artrodese do retropé, a osteotomia do primeiro metatarsal, assim como os procedimentos intraarticulares, a artroscopia e a artroplastia (Figura 1A, B, C, D e E). Para se obter o alinhamento da tíbia, quando em varo, pode ser necessário o alongamento da borda medial ou o encurtamento da sua face lateral. Isto é obtido pela osteotomia de adição de cunha medial, fechamento de cunha lateral ou pela osteotomia cupuliforme (mais frequentemente utilizada para corrigir deformidades multiplanares). De maneira geral, uma osteotomia de adição de cunha medial é quase sempre utilizada por ser tecnicamente mais fácil. As chances de consolidação e incorporação do enxerto ósseo são grandes e o comprimento da perna é restaurado, ou pelo menos, mantido. Nas osteotomias distais da tíbia onde o CORA está no nível da articulação do tornozelo, a osteotomia ideal da tíbia é feita em 4 a 5 cm, próxima ao topo do maléolo medial, correspondendo à região metafisária. Por meio de uma incisão medial, um fio de Kirschner é inserido sobre fluoroscopia e

utilizado como guia para o corte horizontal, utilizando-se uma serra oscilante larga. Deve-se ter o cuidado de manter intacta a cortical lateral, na qual ocorrerá o fulcro da correção. Um descolador de periósteo é introduzido no local da osteotomia para separar os fragmentos e permitir a colocação das lâminas de um separador ósseo. Uma manobra suave de distração, observada na fluoroscopia, é realizada na face medial da osteotomia. O afastador ósseo é gradativamente aberto até que a linha articular do tornozelo fique paralela ao solo, ou perpendicular ao eixo da tíbia. Haverá dificuldade na inserção do enxerto ósseo, pois as lâminas do afastador competem com a introdução da cunha óssea précalculada. O melhor seria utilizar um afastador ósseo com fixação por meio de dois fios de Kirschner, próximos às bordas dos fragmentos, o que facilitaria a colocação do enxerto. A performance da cunha óssea é sempre melhorada com o uso de um produto “ósteo-biológico”, que consiste de um concentrado de células mesenquimais, obtido de um aspirado da crista ilíaca. Fios de Kirschner são inseridos temporariamente para fixar a osteotomia, enquanto a fixação interna, definitiva, é aplicada (Figura 2A, B, C, D, E, F). Quando a deformidade ocorre num único plano, tanto coronal quanto sagital, a correção total com esta técnica é obtida; entretanto, nas deformidades multiplanares, geralmente se requer rotação e translação para se atingir o alinhamento ideal. Para essas deformidades multiplanares, é possível usar tanto a osteotomia cupuliforme quanto aquela de adição feita em planos combinados (sagital e coronal), sob intensificador de imagem, rompendo-se a cortical lateral para serem obtidas as correções rotacionais e translacionais, ou ainda, com a colocação de uma cunha assimétrica para se obter o alinhamento definitivo. Há indicações para se utilizar a osteotomia de retirada de cunha lateral, embora este procedimento não seja usual. São exemplos desse emprego, as situações nas quais a pele medial está sofrida, o comprimento do membro inferior não esteja em questão, ou a via lateral seja empregada em procedimentos adicionais no tornozelo.

CORREÇÃO DA DEFORMIDADE EM VALGO Para as deformidades em valgo, o alongamento do aspecto lateral da tíbia ou o encurtamento da região medial é necessário. Pode-se obtê-lo pelo uso da osteotomia de ressecção de uma cunha medial, pela osteotomia de adição de cunha lateral e por osteotomia cupuliforme. A osteotomia de retirada de cunha medial é a preferida, a menos que haja um encurtamento preexistente do membro. A base da cunha é calculada no pré-operatório e os fios de Kirschner são colocados sob escopia de maneira convergente, demarcando Rev ABTPé. 2009; 3(2): 58-67.

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Figura 1 - Uma deformidade em “bola-soquete” do tornozelo, resultado de coalizão talo navicular. Correção com osteotomia de retirada de cunha da tíbia e osteotomia de translação medial do calcâneo (A, B, C, D, E). as linhas proximal e distal da cunha na cortical lateral. Esses fios são usados como guias de corte; uma cunha medial é removida usando-se serra oscilante com lâmina larga. É necessário ter cuidado em manter a camada periosteal lateral intacta para atuar como um fulcro durante a correção da deformidade (Figura 3A, B, C, D, E). As deformidades quando multiplanares são corrigidas tanto com a ressecção de uma cunha assimétrica quanto pela osteotomia de retirada de cunha em planos associados. As deformidades multiplanares do terço distal da tíbia requerem meticuloso planejamento pré-operatório, pelo fato de serem complexas. Elas se apresentam como resultado da combinação do varo e valgo associada a componentes rotacionais e translacionais. A correção destas deformidades requer osteotomias planejadas para atuarem na deformidade angular, rotação e translação. Para essas deformidades mul-

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tiplanares, uma osteotomia, em ambas corticais, no plano das deformidades combinadas (coronal e sagital) deve ser feita sob intensificador de imagem, o que permite a correção rotacional e translacional, até mesmo pela osteotomia com a inserção de cunha óssea alográfica, assimétrica, ou ainda pela ressecção de cunha assimétrica. A osteotomia cupuliforme é uma técnica útil que pode ser usada tanto para correção do valgo e do varo, sem a necessidade de encurtar o membro. Esta osteotomia é feita, geralmente, por uma incisão anterolateral no terço distal da tíbia. É preciso ter cuidado na dissecção e no afastamento do plexo neurovascular. O plano da articulação do tornozelo é previamente marcado, colocando-se um fio de Kirschner na posição horizontal, paralelo à linha articular do tornozelo e conferido pela fluoroscopia. Com uma broca de 3,2 mm são feitas múltiplas perfurações, no sentido


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Figura 2 - Deformidade em varo pós-traumática do terço distal da tíbia – boa amplitude de movimento articular a despeito de moderado grau de artrose (A, B, C, D, E, e F). A osteotomia de adição foi feita para corrigir o varismo, usando-se cunha óssea tricortical. A osteotomia foi fixada com duas placas, uma medial e outra anterior. Não foi necessária a fixação da fíbula. de se criar a forma convexa de uma cúpula, com a altura de aproximadamente 1 a 1,5 cm, podendo ser feito tanto por “free hands” ou com a ajuda de um molde. É preciso estar atento para limitar-se dentro da área metafisária da tíbia; logo em seguida a osteotomia fibular é feita no mesmo nível. Um pino de 4 mm é inserido dentro do fragmento tibial distal, paralelo à superfície articular do tornozelo e um segundo pino é inserido na diáfise tibial, 8 a 10 cm proximal ao local da osteotomia. A osteotomia é, então, completada, usando-se a serra oscilante, conectando-se os múltiplos furos previamente feitos. A correção no plano frontal da deformidade é conseguida alinhando-se os dois pinos de forma a se tornarem paralelos.

CORREÇÃO DA DEFORMIDADE INTRAARTICULAR EM VARO A deformidade do tornozelo em varo pode estar associada à instabilidade crônica e a deformidade é, geralmente, intra-articular. A deformidade do tornozelo se associa, comumente, com o desvio do pé. O tornozelo instável resulta de retropé posicionado em varo. Comumente, os tendões fibulares estão rotos e os tendões tibial anterior e posterior acentuam a deformidade em varo do pé. A decisão primária é verificar se esses pacientes são, ou não, candidatos à artrodese. Mesmo se a artrodese estiver indicada, a correção da deformidade deve ser feita e o pé, equilibrado, com osteotomia Rev ABTPé. 2009; 3(2): 58-67.

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Figura 3 - A osteotomia de retirada de cunha lateral foi indicada para correção da deformidade pós-traumática em varo da tíbia. Embora uma osteotomia de adição pudesse ser a escolhida, a pele no lado medial estava sofrida e a decisão foi pela via de acesso lateral (A, B). A incisão é feita longitudinal, lateralmente, sobre a fíbula e os pinos-guias são inseridos na fíbula e na tíbia (D). Um deles é paralelo à superfície articular do tornozelo e o outro perpendicular ao eixo da tíbia (C). A osteotomia, com serra, é feita nas margens dos pinos, mas respeita a cortical medial da tíbia, numa tentativa de fraturar-se a tíbia à maneira de “galho verde” (E). e transferência tendínea. O primeiro objetivo é estabelecer se o tornozelo é flexível ou rígido, porque se não houver mobilidade, a deformidade não é acessível pela osteotomia intra-articular. O tornozelo é inspecionado pelo intensificador de imagens, produzindo-se manobras de estresse em valgo. Uma vez que se tenha recolocado o tálus numa posição mais lateral, o defeito intra-articular será mais visível, sob o aspecto medial da articulação como uma “denteação” (chanfro). Este defeito na linha articular persistirá após uma osteotomia tibial tradicional de cunhas de adição ou retirada. Por exemplo, percebe-se que na correção do tornozelo varo, a qual é feita com osteotomia de retirada de cunha distal da tíbia, o defeito na região medial da articulação persistiu levando à recidiva da deformidade em varo.

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Mesmo na presença de artrose do tornozelo, o realinhamento com a osteotomia é vantajoso, pois as forças serão mais bem distribuídas e a viabilidade será prolongada. Um problema com a instabilidade crônica em varo do tornozelo é a displasia que ocorre no maléolo medial. A face medial do maléolo não será mais vertical e a linha articular terá uma direção medialmente inclinada, devido à pressão crônica exercida pela posição assumida do tálus. A única maneira de se corrigir esta deformidade é com uma osteotomia que tenha um ápice, o qual é intra-articular. Esta particular osteotomia intra-articular do pilão tibial é indicada para reconstruir a superfície articular distal da tíbia (plastia), tendo a possibilidade de corrigir as deformidades em varo ou valgo, secundárias às lesões de impacção, ou


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outras deformidades crônicas do pilão. Esta técnica (plastia) para alinhamento do pilão é primeiramente idealizada fixando-se um fio de Kirschner, guiado pela fluoroscopia para se determinar o nível e o alinhamento da superfície articular distal da tíbia. Então, um segundo fio de Kirschner é introduzido paralelamente à porção impactada da superfície articular. Este é inserido de tal maneira que fique dentro do osso subcondral, próximo à cartilagem articular, no ápice da angulação correspondente à deformidade. Ele é usado como orientador da linha de osteotomia, permitindo que o osso subcondral distal permaneça íntegro. Esta ponte óssea é então usada como dobradiça, e um formão largo é utilizado para gradualmente descomprimir a porção do pilão tibial até que a superfície articular da tíbia fique paralela à porção intacta. Um afastador laminar é inserido na falha da cortical com o objetivo de manter a correção, enquanto se insere uma cunha óssea para preencher o defeito criado e manter o alinhamento da superfície articular. Uma placa tibial distal (Orthohelix, Akron, OH) é fixada para permitir que o enxerto permaneça no local e forneça suporte ao pilão reposicionado. Cuidado deve ser tomado para inserir o parafuso mais distal, paralelo à articulação, de maneira que esteja em área extra-articular. Após completar-se o tipo de osteotomia distal da tíbia planejada, é decidido qual tipo de fixação é necessária. Com a introdução da tecnologia das placas bloqueadas, os cirurgiões têm agora uma miríade de escolhas para a fixação das osteotomias. A primeira decisão a ser realizada é qual fixação interna ou externa será utilizada. A externa pode ser necessária nas reconstruções complexas, em que a correção gradual é preferível àquelas usadas para correção em um estágio ou, ainda, na presença de infecção ativa. Também, se a correção da deformidade resultar em encurtamento do membro, podese, simultaneamente, alongá-lo pela osteotomia; portanto, a fixação externa é o método recomendado. A fixação interna tem a vantagem de atuar como suporte para manter o enxerto no local quando se faz uma osteotomia de adição, sendo, comparativamente, menos incômodo para o paciente e com menor taxa de infecção. No osso metafisário, como no terço distal da tíbia, em que a fixação com parafuso é muitas vezes problemática e não rígida, o uso das placas bloqueadas é uma vantagem sobre as placas convencionais. A placa bloqueada cria um sistema rígido, resultando no silêncio mecânico entre os três componentes, ou seja, placa, osso e parafuso. Este sistema rígido é quatro vezes mais resistente às forças de cisalhamento que em outro tipo de sistema de fixação. As placas bloqueadas atuam como aparelho de fixação interna direcionando os parafusos em diferentes ângulos, sendo indicadas quando a fixação com parafusos seria inapropriada, devido à má qualidade óssea. Além disso, os parafusos quan-

do colocados nas diversas direções, guiados pela placa, dificultam seu afrouxamento. Há uma variedade desses sistemas no mercado, os quais por serem pré-moldados adaptam-se à anatomia da tíbia, fazendo a sua introdução mais fácil e menos invasiva(18) (Figura 4A, B, C, D, E, F, G). Os pacientes são imobilizados com bota, por quatro semanas, sem apoio. Na quinta e sexta semana, coloca-se órtese e são realizados exercícios ativos para ganho da amplitude articular, sem resistência. A carga é permitida dependendo da estabilidade de fixação e evidência radiográfica de consolidação.

RESULTADOS Os resultados após as osteotomias supramaleolares têm sido estimulantes. O primeiro estudo de 18 pacientes, com longo seguimento (sete anos), foi realizado por Takakura et al.(5) em 1995. Nesta casuística foi empregada a osteotomia de adição de cunha para corrigir a deformidade em varo do tornozelo. Seis pacientes tiveram resultado excelente; nove tiveram bom; e três obtiveram resultado regular. Os três pacientes, com resultados regulares, apresentavam correção insuficiente. Foram avaliados 10 dos 18 pacientes em segundo procedimento por artroscopia, o qual revelou, em 70%, evidência de reparação da superfície articular por tecido fibrocartilaginoso. A consolidação desta osteotomia foi, em média, de seis semanas, sendo que, em apenas um paciente, ocorreu retardo de consolidação de seis meses. A média do ângulo tíbio-talar pré-operatório era de 70º e este ângulo corrigido no pós-operatório foi de 87,1º. Seis pacientes neste estudo se queixaram de algum grau de rigidez articular(6). Stamatis, Cooper e Myerson(7) publicaram os resultados utilizando-se de técnicas de osteotomias supramaleolares para tratamento de deformidade distal da tíbia que apresentavam pelo menos 10º de desvio e todos com queixa de dor. Treze pacientes tiveram seguimento médio de 34 meses. O resultado mostrou melhora no escore da American Orthopaedic Foot & Ankle Society (AOFAS) de 54 para 87 pontos, sendo que pelo mesmo critério, o escore obtido por Takakura(6) variou de 57 a 82 pontos. O estudo mostrou a correção do valgo, medido pelo ângulo TAS, no pré-operatório de 107º para uma média de 92,6º no pós-operatório. A correção da deformidade, em varo, mostrou ângulo médio do TAS, variando de 72º pré a 86,6º no pós-operatório. Harstall et al.(20) descreveram, em 2007, uma casuística de nove pacientes tratados com osteotomia de fechamento lateral para o tratamento da deformidade em varo do tornozelo. O tempo médio de consolidação foi de dez semanas. O escore AOFAS melhorou de 48 para 74 pontos e o ângulo TAS melhorou de 6,9º de varo a 0,6º de valgo no pós-opeRev ABTPé. 2009; 3(2): 58-67.

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Figura 4 - Deformidade pós-traumática devido à consolidação viciosa, assim como pseudoartrose no terço distal da tíbia e pseudoartrose do maléolo medial (A). Acesso à face medial da tíbia. Osteotomia do maléolo medial seguida da remoção dos parafusos (B). A osteotomia do maléolo medial foi fixada temporariamente com fios de Kirschner e osteotomia de fechamento da tíbia foi planejada com fios-guia (C, D, E). Uma placa foi colocada no aspecto medial da tíbia para a fixação da correção obtida inicialmente (F, G).

ratório. Entretanto, dois dos nove pacientes apresentavam progressão da artrose nos tornozelos. O uso de uma osteotomia supramalelolar para o tratamento das deformidades multiplanares da tíbia distal tem sido relatado por Graehl, Hersh e Heckman(21). Nesse estudo, oito pacientes foram apresentados com diagnóstico de consolidação viciosa em varo de 15º, em média. Todos pacientes foram tratados com osteotomias tibiais. Os autores usaram osteotomias cupuliformes para correção das deformidades no plano coronal e para as biplanares que incluíam a necessidade de correção no plano sagital, usaram osteotomias de retirada de cunha. Sete entre os oito pacientes referiram melhora significante após a osteotomia, eles acreditam que a correção adequada pode ser obtida e checada no intraoperatório, e esta deve ser mantida com fixação rígida.

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As complicações com as osteotomias supramaleolares são raras. A mais comum delas é a rigidez do tornozelo. O retardo de consolidação destas osteotomias também é raro; entretanto, foi referida nos trabalhos de Takakura e Stamatis. Em ambos os estudos, um total de três falhas de consolidação ocorreram; entretanto, terminaram por consolidar em seis meses. Estudos clínicos suportam o uso das osteotomias supramaleolares como opção cirúrgica efetiva para o tratamento das deformidades distais da tíbia, tanto congênita como pós-traumática. O planejamento cuidadoso da correção da deformidade para o realinhamento do membro ajuda a redistribuir as forças articulares, de maneira segura e comprovada, prevenindo o desenvolvimento da artrose ou retardando sua progressão.


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Artigo Original

Tratamento cirúrgico das fraturas articulares do tipo língua do calcâneo: comparação dos resultados clínicofuncionais entre a técnica aberta clássica e a percutânea Operative treatment of tongue type fractures of the calcaneus: comparison of clinical results between open and percutaneous techniques Sidney Silva de Paula1, Rodrigo Abbud Canova2, Wesley Gidi Secco3, Afonso Klein Junior4, Lie Mara Hirata5, Natasha Assis Baruffi6

Resumo Objetivo: Realizar um estudo retrospectivo caso-controle, comparando os resultados das fraturas articulares do tipo língua do calcâneo operadas por duas técnicas: cirurgia aberta clássica ou percutânea. Métodos: Entre janeiro de 2005 e dezembro de 2007, foram operados pela técnica percutânea 15 pacientes com fraturas do tipo língua (Grupo A). Esses pacientes foram comparados a outros 15, operados pela técnica aberta clássica e fixação com placa (Grupo B), levando-se em conta semelhanças em relação à idade, sexo, lado acometido, tipo de fratura e desvio inicial. Resultados: O seguimento mínimo foi de dez meses. Ocorreram mais complicações precoces (p=0,005) e tardias (p=0,004) nos pacientes do Grupo B. O número de pacientes com AOFAS considerado bom/excelente (>80) e o AOFAS médio dos pacientes do Grupo A foi levemente superior (ambos sem diferença estatística: p=0,2557 e p=0,1224, respectivamente). Separando-se os pacientes pelo ângulo de Böhler pós-operatório, em ambos os grupos os pacientes com Böhler >20º tiveram um AOFAS médio significativamente superior (p=0,0002). Agrupando-se os pacientes num único grupo (n=30), o AOFAS médio dos 22 pacientes com Böhler >20º também foi significativamente maior (p=0,0001). Conclusões: O tratamento cirúrgico percutâneo das fraturas do calcâneo leva a resultados clínico-funcionais semelhantes àqueles da redução aberta e fixação com placa, porém com menos complicações pós-operatórias. No presente estudo, o fator mais importante para uma boa evolução clínica não foi a técnica cirúrgica empregada, e sim a qualidade da redução pós-operatória, com melhor evolução para os pacientes que atingiram um ângulo de Böhler maior que 20º. Descritores: Calcâneo/lesões; Calcâneo/cirurgia; Fixação interna de fraturas; Fraturas ósseas/cirurgia; Procedimentos ortopédicos/métodos

Abstract Objective: To realize a case-control study, comparing the clinical outcomes of tongue fractures of the calcaneus treated by two techniques: open reduction and internal fixation or percutaneous fixation. Methods: Between January 2005 and December 2007, 15 patients were treated by the percutaneous reduction and fixation (Group A). These patients were compared to other 15, treated by open reduction and internal fixation with plate (Group B). The groups were similar in age, sex, side of fracture, type of fracture, initial displace and Correspondência Rodrigo Abbud Canova Rua Desembargador Otávio do Amaral, 614, apto. 404 CEP 80730-400 – Curitiba (PR), Brasil Fone: (41) 8466-4068 E-mail: rodrigo_canova@yahoo.com.br. Data de recebimento 13/6/09 Data de aceite 9/9/09

Trabalho realizado pelo Grupo de Cirurgia do Pé e Tornozelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Cajuru – HUC – Curitiba (PR), Brasil. Apresentado no 14º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé, realizado em Florianópolis, em 2 de maio de 2009. 1 Mestre em Cirurgia; Chefe do Grupo de Cirurgia do Pé e Tornozelo do Hospital Universitário Cajuru – HUC – Curitiba (PR), Brasil. 2 Estagiário do Grupo de Pé e Tornozelo do Hospital Universitário Cajuru – HUC – Curitiba (PR), Brasil. 3 Residente de Terceiro Ano de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Cajuru – HUC – Curitiba (PR), Brasil. 4 Médico Assistente do Grupo de Cirurgia do Pé e Tornozelo do Hospital Universitário Cajuru – HUC – Curitiba (PR), Brasil. 5 Acadêmica de Medicina do 9º período da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-Paraná – Curitiba (PR), Brasil. 6 Acadêmica de Medicina do 9º período da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-Paraná – Curitiba (PR), Brasil.


Paula SS, Canova RA, Secco WG, Klein Junior A, Hirata LM, Baruffi NA

time between the injury and the surgery. Results: Minimal follow-up was ten months. More early (p=0.005) and late (p=0.004) complications occurred in Group B. There were more patients with AOFAS score considered good/excellent (>80) in the Group A than in the Group B, but with no statistical significance (p=0.2557). The mean AOFAS score of Group A was slightly better than Group B, but with no statistical significance too (p=0.1224). When the groups were separated by the postoperative Böhler angle, in both groups patients with Böhler angle >20º had a mean AOFAS score statistically better (p=0.0002). Regrouping all 30 patients in one group, the mean AOFAS score of the 22 patients with Böhler >20º also was statistically better than the mean AOFAS of the 8 patients with that angle <20º. Conclusions: The percutaneous approach results in clinical outcomes similar to those of open reduction and internal fixation with a plate, but with less early and late postoperative complications. In this study, the most important factor for good outcome was not the surgical technique but the quality of postoperative reduction, with better evolution for patients with a Böhler angle >20º. Keywords: Calcaneus/injuries; Calcaneus/surgery; Fracture fixation, internal; Bone fractures/surgery; Orthopedic procedures/methods

Introdução As fraturas do calcâneo são as mais comuns dentre os osso do tarso (cerca de 60%). Características anatômicas, como estrutura trabecular, não muito densa, corticais finais e posição vulnerável no retropé, tornam esse osso altamente suscetível a fraturas(1,2). O mecanismo mais comum da fratura do calcâneo é a queda de nível, com trauma axial sobre o calcâneo, ocorrendo mais frequentemente em trabalhadores da construção civil, ocasionando grande impacto socioeconômico(3,4). Devido ao próprio mecanismo, é comum a associação com fraturas da coluna (10%) e outras fraturas de membros inferiores (26%), inclusive fraturas bilaterais de calcâneo(3,5). Em 1952, Essex-Lopresti(5) desenvolveu uma classificação radiológica dividindo as fraturas do calcâneo em extra e intra-articulares. As fraturas articulares acometem a articulação subtalar e são a maioria dos casos (cerca de 75%), sendo subdivididas em tipo língua e depressão central. As fraturas do tipo língua apresentam um traço primário de fratura oblíquo, que atravessa o calcâneo, de anterolateral para posteromedial, produzindo dois fragmentos principais: o sustentacular (anteromedial) e o da tuberosidade (posterolateral). Ocorre um segundo traço de fratura, que se inicia na subtalar e se estende posteriormente, terminando abaixo da tuberosidade do calcâneo. Esses traços originam um grande fragmento posterolateral que contém parte lateral da faceta articular posterior e a tuberosidade do calcâneo. Esse fragmento roda distalmente, deprimindo a porção da faceta posterior e elevando a tuberosidade do calcâneo(6). Sanders(7) desenvolveu uma classificação baseada em cortes coronais da faceta posterior do calcâneo. A classificação baseia-se no número de traços de fratura e localização dos mesmos em relação à tuberosidade do calcâneo. Atualmente, a maioria dos autores concorda que o tratamento das fraturas intra-articulares desviadas do calcâneo é cirúrgico, para restaurar a anatomia e a congruência articular(8-10). O acesso lateral clássico descrito por Seligson

provê ótima exposição do calcâneo, facilitando a redução dos fragmentos, porém, é acompanhado de alto índice de complicações, como lesão do nervo sural, infecção e necrose de pele(11). Para evitar tais complicações, muitos cirurgiões têm optado pela redução e fixação percutânea, como descrita por Westhues, difundida por Essex-Lopresti(12) e modificada por Tornetta(13). As fraturas do tipo língua, em que a faceta posterior está desviada, porém intacta, são as que mais se prestam a esta técnica(12-14). As vantagens dessa abordagem em relação à técnica aberta clássica são a menor lesão de partes moles e as menores complicações com a ferida operatória, como necrose dos bordos da ferida, infecção e deiscência. A não visualização direta da fratura pode tornar a redução mais difícil, além de a indicação ser restrita a fraturas do tipo língua, sem cominuição(12). Este trabalho teve por objetivo realizar um estudo retrospectivo caso-controle, comparando os resultados clínicos e funcionais das fraturas intra-articulares do tipo língua do calcâneo, operadas por duas técnicas: cirurgia aberta clássica, com acesso lateral e fixação com placa ou cirurgia percutânea.

Métodos Entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2007, foram operados, no Hospital Universitário Cajuru (HUC), em Curitiba, 155 pacientes com fraturas intra-articulares do calcâneo. Destes, 15 pacientes foram tratados cirurgicamente pela técnica percutânea. Todos estes pacientes apresentavam fraturas do tipo língua, pela classificação de Essex-Lopresti(5). Desenvolveu-se, então, um estudo retrospectivo caso-controle, selecionando-se os 15 pacientes operados pela técnica percutânea para compor o Grupo A (casos) e 15 pacientes operados pela técnica aberta, com acesso lateral de Seligson e fixação com placa, para compor o Grupo B (controles)(11). Os 15 pacientes do Grupo B foram selecionados levando-se em conta semelhanças com o Grupo A em relação à idade, sexo, lado acometido, tipo de fratura (em língua), desvio iniRev ABTPé. 2009; 3(2): 68-74.

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Tratamento cirúrgico das fraturas articulares do tipo língua do calcâneo: comparação dos resultados clínico-funcionais entre a técnica aberta clássica e a percutânea

Figura 1 - Técnica aberta. Acesso lateral de Seligson e fixação com placa AO. O retalho de pele é afastado com dois fios de Kirschner. Um terceiro fio de Kirschner fixa provisoriamente a fratura.

Figura 2 - Técnica aberta. Radiografia em perfil do calcâneo. Pósoperatório imediato de fixação com placa AO.

Figuras 3 - Técnica percutânea. Introdução do fio de Kirschner posteriormente no calcâneo, para redução do fragmento.

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cial e pelo tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição. A técnica cirúrgica aberta consistia no posicionamento do paciente em decúbito lateral, uso de torniquete e acesso lateral em “L” de Seligson(11). Após a incisão da pele, a dissecção era feita diretamente até o periósteo do calcâneo, de modo a produzir um retalho de pele espesso, tomando-se o cuidado de não lesar o nervo sural. Após a identificação e o afastamento dos tendões fibulares, identificava-se a articulação subtalar, fixando-se, então, dois fios de Kirschner 1,5 mm no tálus. Esses fios eram dobrados e serviam como afastadores do retalho de pele. A fratura era identificada e reduzida (tomando-se como parâmetro principal a redução da faceta posterior do calcâneo). Com um fio de Kirschner, fixava-se provisoriamente o fragmento ao sustentáculo do tálus. A seguir fixava-se a placa (duplo H ou placa AO de calcâneo) na face lateral do calcâneo (Figuras 1 e 2). Na técnica percutânea(5,12,13), o paciente também era posicionado em decúbito lateral. Um fio de Kirschner de 3,0 mm era introduzido posterior e superiormente no calcâneo, lateralmente à inserção do Aquiles, no fragmento em língua desviado (Figura 3). Manipulando-se o fio, sob visão do intensificador de imagens, o fragmento era reduzido e fixado provisoriamente, avançando-se o fio de Kirschner até o cuboide (Figura 4). Fixava-se a fratura com um parafuso canulado de 3,5 mm, rosca parcial, entrando na face lateral do calcâneo, logo abaixo da faceta articular posterior, até o sustentáculo do tálus. Um pequeno acesso era realizado, para afastar os tendões fibulares. Um segundo parafuso era introduzido superiormente no calcâneo, entre a faceta posterior e a tuberosidade do calcâneo, com direção distal e anterior (Figura 5). O protocolo pós-operatório utilizado foi o mesmo em ambas as técnicas. O paciente usava tala gessada por 15 dias, quando tinha seu primeiro retorno ambulatorial. Nesta consulta, eram retirados os pontos e a tala, iniciando-se a mobilização, mas não o apoio. O retorno era mensal, com avaliação radiológica e, clinicamente, pela escala da American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS)(15), que avalia parâmetros como dor, limitação das atividades, marcha, mobilidade e alinhamento do pé (Tabela 1). Também foi aferido, tanto na radiografia pré como pós-operatória, o ângulo de Böhler(16). Na escala AOFAS, que vai de 0 a 100 pontos, considerou-se a seguinte pontuação: 0 a 70, ruim; 71 a 80, regular; 81 a 90: bom; 91 a 100, excelente(15). O apoio era iniciado, de forma progressiva, com 8 semanas de pós-operatório e carga total com cerca de 12 semanas. Todos os pacientes tiveram seguimento mínimo de dez meses.


Paula SS, Canova RA, Secco WG, Klein Junior A, Hirata LM, Baruffi NA

Para a análise estatística, utilizou-se o teste do χ2 para avaliação das frequências e o teste t de Student para avaliação das médias, adotando-se valor de significância de 0,05.

Resultados Dos 15 pacientes operados pela técnica percutânea (Grupo A), 12 (80%) eram do sexo masculino e três (20%) do sexo feminino. A média de idade foi de 42,9 anos (18 a 64 anos). Nos pacientes operados pela técnica aberta convencional (Grupo B), a proporção homens/mulheres foi a mesma que no Grupo A, e a média de idade foi de 43,8 anos (22 a 60 anos). A queda de nível foi o mecanismo responsável por 13 fraturas (86,67%) no Grupo A e 11 (73,33%) das fraturas no Grupo B. Todas as demais fraturas ocorreram devido a acidentes de trânsito. Onze pacientes (73,33%) no Grupo A e 12 (80%) no Grupo B apresentavam-se com fratura do calcâneo isolada, sem outras lesões. Os outros quatro pacientes do Grupo A (26,67%) e os três do Grupo B (20%) tinham lesões associadas: fratura do anel pélvico, diáfise femoral, platô tibial e fratura de coluna lombar. Não houve nenhum caso de fratura exposta do calcâneo. Utilizando a classificação de Essex-Lopresti, todos os pacientes do estudo apresentavam fraturas do tipo língua. Dos 15 pacientes do Grupo A, um foi operado imediatamente (6,67%) e 14 o foram com um intervalo de tempo que variou entre dois e dez dias, com média de 5,14 dias. No Grupo B, dois pacientes foram operados no mesmo dia (13,33%) e os demais o foram com intervalo médio de 6,2 dias (2 a 11 dias). Constatou-se distribuição uniforme das fraturas em relação ao lado, pois oito estavam localizadas no calcâneo direito (53,33%) e sete no esquerdo (46,67%), em ambos os grupos. O tempo médio de seguimento nos pacientes operados percutaneamente (Grupo A) foi de 19,46 meses (10 a 32 meses). Ocorreu apenas uma complicação precoce (um caso de infecção superficial). Entre os pacientes operados por cirurgia aberta, o seguimento médio foi de 18,33 meses (10 a 29 meses) e ocorreram sete complicações precoces, em quatro pacientes. Dentre elas, as mais comuns foram a perda de redução e a infecção superficial (Tabela 2). Houve diferença significativa na frequência de complicações precoces entre os grupos (p=0,005). Houve quatro complicações tardias nos pacientes do Grupo A. O edema residual foi a complicação mais comum, com dois casos (13,33%), associado à artrose e consolidação viciosa em um caso. No Grupo B, ocorreram 14 com-

Figura 4 - Técnica percutânea. Após a redução da fratura, a mesma é provisoriamente fixada, avançando-se o fio até o cuboide.

Figura 5 - Técnica percutânea. Radiografia em perfil do pós-operatório da fixação percutânea. plicações, em 5 pacientes; diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0,04). O edema residual também foi a complicação mais comum, com cinco casos (33,33%), apresentando-se isolado ou associado a outras sequelas (Tabela 3). O ângulo de Böhler, importante para acessar a qualidade da redução da fratura, foi mensurado no pré e pós-operatório. No Grupo A, a média pós-operatória foi de 26,33° (10 a 38°), sendo que, em quatro pacientes (26,67%), esteve abaixo de 20°. No Grupo B, a média pós-operatória foi de 27,53° (12 a 38°), com quatro pacientes (26,67%) com Böhler menor que 20°. A classificação dos resultados segundo a escala AOFAS permitiu reconhecer que, no Grupo A, 11 fraturas evoluíram com bons ou excelentes resultados (AOFAS≥80) e Rev ABTPé. 2009; 3(2): 68-74.

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quatro com resultados considerados regulares ou ruins (AOFAS<80), sem diferença estatística em relação ao Grupo B, no qual oito fraturas obtiveram resultados bons ou excelentes e sete obtiveram resultados regulares ou ruins (p=0,2557). O escore AOFAS médio do Grupo A foi 83,33 pontos, também sem diferença estatística em relação ao Grupo B, que obteve AOFAS médio de 73,67 pontos (p=0,1224) (Tabela 4). Separando-se os pacientes pela medida do ângulo de Böhler pós-operatório, nota-se que no Grupo A, os 4 pacientes com medida menor que 20° obtiveram um escore AOFAS médio de 60,25 pontos, contra uma média de 91,72 pontos para os 11 pacientes com Böhler >20° (p=0,0002). No Grupo B, os 4 pacientes com medida menor que 20° Tabela 1 - Escala de avaliação clínica do tornozelo e retropé (AOFAS) Parâmetro 1. Dor (40 pontos) Nenhuma Leve, ocasional Moderada, diária Intensa, quase sempre presente 2. Função (50 pontos) 2.1 Limitação das atividades e necessidade de suporte Sem limitação, sem suportes Sem limitações as atividades diárias, limitação recreacional, sem suportes Limitações as atividades diárias e recreacionais, bengala Limitação importante das atividades diarias, muleta, andador, cadeira 2.2 Distância máxima de marcha (quateirões) Maior do que 6 De 4 a 6 De 1 a 3 Menor do que 1 2.3 Superfície de marcha Sem dificuldade em qualquer superfície Alguma dificuldade em terrenos irregulares, escadas ou ladeiras Dificuldade intensa em terrenos irregulares, escadas ou ladeiras 2.4 Anormalidade de marcha Nenhuma ou leve Óbvia Marcante 2.5 Mobilidade sagital (flexão + extensão) Normal ou restrição mínima (30° ou mais) Restrição moderada (15º a 29°) Restrição intensa (menor do que 25%) 2.6 Mobilidade do retropé (inversão e eversão) Normal ou restrição leve (75 a 100%) Restrição moderada (25 a 74%) Restrição intensa (menor do que 25%) 2.7 Estabilidade do tornozelo e retropé (anteroposterior + varo-valgo) Estável Instável 3. Alinhamento (10 pontos) Bom – pé plantigrado com tornozelo e retropé alinhados Regular – pé plantigrado, algum desalinhamento, sem dor Mau – pé não-plantigrado, desalinhamento importante e sintomático

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Pontos 40 30 20 0

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obtiveram um escore AOFAS médio de 53,25 pontos, contra uma média de 81,09 pontos para os 11 pacientes com Böhler >20° (p=0,0002). O total de pacientes com Böhler maior que 20° (22 pacientes) atingiu AOFAS médio de 86,4 pontos, significativamente maior (p=0,0001) que o AOFAS médio do total de pacientes com ângulo de Böhler <20° (8 pacientes), que foi de 56,62 pontos (Tabela 5).

Discussão O tratamento cirúrgico percutâneo das fraturas do calcâneo foi proposto inicialmente por Westhues em 1935, modificado por Gissane e propagado por EssexLopresti(5,17). Tornetta modificou a técnica, substituindo o uso de fios de Kirschner por parafusos canulados para a fixação(13). Para este autor, as indicações para esse tipo de tratamento são limitadas e compreendem as fraturas do tipo língua, sem cominuição, em que a faceta articular posterior encontra-se presa à tuberosidade do calcâneo, permitindo sua manipulação. Quando bem indicado, os resultados desse tipo de tratamento são excelentes, comparáveis ou superiores aos da redução aberta, por diminuir o índice de complicações com a ferida cirúrgica(12). Ainda para este autor, o tratamento percutâneo pode ser

7 4 0 5 4 2 0 5 3 0 8 4 0 8 4 0 6 3 0 8 0 10 5 0

Tabela 2 - Complicações precoces Complicações Necrose de pele Infecção Deiscência Perda de redução Flictenas

Grupo A (percutânea) Frequência % 0 0 0 0 0 0 1 6,67 0 0

Grupo B (aberta) Frequência % 1 6,67 2 13,33 1 6,67 2 13,33 1 6,67

Tabela 3 - Complicações tardias Complicação Edema Tendinite de fibulares Consolidação viciosa Artrose

Grupo A Frequência % 2 13,33 0 0 1 6,67 1 6,67

Grupo B Frequência % 5 33,33 1 6,67 4 26,67 4 26,67

Tabela 4 - Escala AOFAS Classificação Mau (<70) Regular (70-79) Mau + regular Bom (80-89) Excelente (90-100) Bom + excelente Total

Grupo A n % 2 13,3 2 13,3 4 26,6 4 26,6 7 46,6 11 73,33 15 100

Grupo B n % 3 20 4 26,6 7 46,6 7 46,6 1 6,6 8 53,3 15 100

Total n 5 6 11 11 8 19 30

% 16,6 20 36,6 36,6 26,6 63,3 100


Paula SS, Canova RA, Secco WG, Klein Junior A, Hirata LM, Baruffi NA

Tabela 5 - Estratificação em relação ao ângulo de Böhler pós-operatório e a escala AOFAS Ângulo Böhler <20° >20°

Grupo A n Böhler médio 4 13,5° 11 31°

AOFAS médio 60,25 91,72

Grupo B n Böhler médio 4 14,25° 11 32,36°

indicado para melhorar a redução das fraturas em pacientes diabéticos ou tabagistas, que não são candidatos para o tratamento cirúrgico. Rammelt et al.(18) compararam os resultados da fixação percutânea assistida por fluoroscopia e artroscopia subtalar com a redução aberta e fixação interna pelo acesso lateral. Ambos os procedimentos obtiveram bons a excelentes resultados clínicos, subjetivos e restauraram o ângulo de Böhler, mas os pacientes submetidos à fixação percutânea não tiveram complicações com a ferida operatória, retornaram mais precocemente à reabilitação e obtiveram amplitude de movimento do pé significativamente maior. No grupo de redução aberta houve um caso de necrose dos bordos da ferida cirúrgica. Tornetta(13), utilizando o Maryland Foot Score, encontrou bons a excelentes resultados em 87% de 22 pacientes seguidos por uma média de 2,9 anos com fraturas do tipo língua tratados com fixação percutânea, sendo que 50% obteve resultado excelente. Os resultados clínicos foram superiores a outra série de fraturas articulares, operadas pelo mesmo autor, por meio de redução aberta e fixação interna pelo acesso lateral, com 77% de bons e excelentes resultados(19). Como no serviço do HUC não há tomografia disponível para todos os pacientes, foi utilizada a classificação radiográfica de Essex-Lopresti. O parâmetro escolhido para análise da redução foi o ângulo de Böhler. Apesar de não ser o único parâmetro radiológico, tem correlação com bons resultados clínicos(20-22). No presente estudo, os pacientes operados pela técnica percutânea apresentaram frequência significativamente menor de complicações, tanto precoces quanto tardias. Dos 15 pacientes operados por esta técnica, houve apenas uma complicação precoce (um caso de perda de redução) versus sete casos nos pacientes submetidos à cirurgia aberta, sendo que as mais comuns foram a infecção superficial e a perda de redução. Não foi possível identificar a causa dos casos de perda de redução. Em relação às complicações tardias, no Grupo A, a mais comum foi o edema residual. No Grupo B, além do edema residual, tiveram destaque a consolidação viciosa e a artrose. Ressalte-se que os pacientes que evoluí-

AOFAS médio 53,25 81,09

Grupos A+B n Böhler médio 8 13,87° 22 31,68°

AOFAS médio 56,62 86,4

ram com quadro de edema não apresentaram nenhum tipo de complicação vascular (insuficiência venosa ou trombose venosa profunda). Analisando o escore AOFAS, os pacientes operados percutaneamente obtiveram um escore médio discretamente maior; também o número de pacientes com resultados bons/excelentes foi levemente superior, porém, ambos os parâmetros não tiveram diferença estatística em relação aos pacientes operados pela técnica aberta. O presente trabalho concorda com outros estudos que mostram que as técnicas menos invasivas levam a bons resultados clínicos e funcionais e a incidência de complicações pós-operatórias é significativamente menor(20,23,24). Quando se analisa a influência da qualidade da redução na evolução clínica, percebe-se que, em ambos os grupos, os pacientes com ângulo de Böhler pós-operatório maior que 20° tiveram um AOFAS médio significativamente maior. Quando os 30 pacientes foram agrupados e divididos, levando-se em conta o parâmetro redução (ângulo de Böhler >20°), novamente os pacientes com boa redução obtiveram AOFAS médio significativamente maior. Esses achados estão de acordo com a literatura, que mostra que pacientes com boa redução final têm melhor evolução clínica(21,25-27).

Conclusões Conclui-se que o tratamento cirúrgico percutâneo das fraturas do tipo língua do calcâneo leva a resultados clínicofuncionais semelhantes àqueles da redução aberta e fixação com placa, porém com menos complicações pós-operatórias. No presente estudo, o fator mais importante para uma boa evolução clínica não foi a técnica cirúrgica empregada, e sim a qualidade da redução pós-operatória, com melhor evolução para os pacientes que atingiram um ângulo de Böhler maior que 20°. Reconhece-se que o desenho do estudo (caso-controle) pode gerar viés de seleção, porém, tentou-se fazer um pareamento dos grupos por meio da idade, sexo, lado acometido, tipo de fratura, desvio inicial e pelo tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia.

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Tratamento cirúrgico das fraturas articulares do tipo língua do calcâneo: comparação dos resultados clínico-funcionais entre a técnica aberta clássica e a percutânea

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Artigo Original

Condroblastoma dos ossos do pé: Aspectos clínicos e radiográficos Chondroblastoma of the foot bones: Clinical and radiographic findings Gustavo Sampaio de Souza Leão1, Antonio Marcelo Gomes de Souza2, Cícero Heleno Feitosa3

Resumo Objetivo: O condroblastoma é uma neoplasia benigna rara que representa 1% de todos os tumores ósseos primitivos, acometendo tipicamente a epífise dos ossos longos, com maior incidência na segunda década de vida e no sexo masculino. Muito raramente, pode acometer os ossos chatos do pé. O objetivo deste trabalho foi avaliar os aspectos clínicos e radiográficos do condroblastoma. Métodos: Foram tratados, entre 1990 e 2007, cinco casos desse tumor, com localização nos ossos do pé. Foram avaliados os aspectos clínicos e radiográficos, bem como o tratamento cirúrgico realizado e os resultados funcionais obtidos, comparando-os à literatura médica. Resultados: Observou-se que esse tumor nos ossos do pé tem maior recidiva local e é mais frequente em faixas etárias mais avançadas, quando comparado aos sítios ósseos comumente acometidos. Conclusão: Trata-se de uma lesão benigna rara no pé, com prognóstico semelhante aos locais de maior incidência (fêmur, tíbia, úmero), podendo apresentar comportamento agressivo, em alguns casos, e exigindo uma abordagem terapêutica cuidadosa; mesmo em casos de recidiva local, a cirurgia mostrou um bom resultado funcional. Descritores: Condroblastoma/cirurgia; Condroblastoma/radiografia; Ossos do pé/patologia; Resultado de tratamento

Abstract Objective: The chondroblastoma is a rare benign neoplasm, and comprise 1% of all primary osseous tumors, typically occurring in epiphysis of long bones, with higher incidence in the second decade of life predominantly in men. The objective of this study was to evaluate the clinical and radiological features of concroblastoma. Methods: Five cases of chondroblastoma in foot were selected between 1990 and 2007 to study the clinical and radiologic data, as well as the type of surgical treatment and functional results obtained, comparing with literature. Results: It was observed that these tumors of the foot have more recurrence rates and are more frequent in adults, when compared to the places common occurred. Conclusion: These tumors are rare on the foot, with similar prognostic to the places of higher incidence (femur, tibia, humerus), being able to present aggressive behavior, in some cases, and demanding a careful therapeutic boarding. Surgical results showed a good functional outcome even in cases with recurrence. Keywords: Chondroblastoma/surgery; Chondroblastoma/radiography; Foot bones/pathology; Treatment outcome Correspondência Gustavo Sampaio de Souza Leão Rua do Futuro, 897/401 – Aflitos. CEP 52050-010 – Recife (PE), Brasil E-mail: gustavo_leao@hotmail.com Fone: (81) 9977-8446 Data de recebimento 3/6/09 Data de aceite 9/9/09

Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia Oncológica do Hospital de Câncer de Pernambuco – HCP – Recife (PE), Brasil. 1 Médico Adjunto do Serviço de Ortopedia Oncológica do Hospital de Câncer de Pernambuco – HCP – Recife (PE), Brasil. 2 Doutor; Professor da Universidade de Pernambuco – UPE – e da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE – Recife (PE), Brasil; Chefe do Serviço de Ortopedia Oncológica do Hospital de Câncer de Pernambuco – HCP – Recife (PE), Brasil. 3 Membro do Serviço de Ortopedia Oncológica do Hospital de Câncer de Pernambuco – HCP – Recife (PE), Brasil.


Condroblastoma dos ossos do pé: Aspectos clínicos e radiográficos

INTRODUÇÃO O condroblastoma é um tumor ósseo benigno, tipicamente epifisário de ossos longos, com maior incidência na segunda década de vida e no sexo masculino(1-3). Foi descrito inicialmente por Kolodny, em 1927(4), sendo considerado uma variante do tumor de células gigantes, do tipo cartilaginoso e, mais tarde, como tumor de células gigantes calcificado, por Ewing, em 1928(5). Mas apenas em 1942, Jaffe e Lichtenstein(6) o diferenciam como neoplasia única, utilizando o termo condroblastoma benigno. Embora seja um tumor histopatologicamente benigno, há casos descritos na literatura de comportamento agressivo com extensa destruição óssea periarticular e metástase pulmonar(2,3,7,8). Os tumores ósseos representam 1% dos tumores em geral, sendo que o condroblastoma é responsável por apenas 1% desses tumores. A importância dessa patologia reside na faixa etária precoce de ocorrência e na localização epifisária, que pode acarretar limitação funcional e quadro clínico variável, levando, muitas vezes, a um diagnóstico errôneo(5). A dor, o aumento de volume e a limitação funcional são os principais sintomas, geralmente de início insidioso(2). Acomete principalmente as epífises de fise aberta, como úmero proximal, fêmur distal e tíbia proximal. Apresenta como característica radiográfica lesão osteolítica solitária, arredondada e de limites precisos, com esclerose óssea reacional e pequenos focos de calcificação no interior. O estudo histopatológico apresenta aspectos característicos, como células arredondadas ou poliédricas, com amplo citoplasma, e núcleo central ou excêntrico e cromatina densa. Podem-se observar áreas irregulares de diferenciação cartilaginosa e células gigantes multinucleadas(2). O objetivo do presente estudo foi apresentar cinco casos de condroblastoma nos ossos do pé tratados no Hospital do Câncer de Pernambuco (HCP) com seguimento de 17 anos, discutir características clínicas, tratamento, resultados funcionais e o prognóstico.

MÉTODOS Estudo do tipo retrospectivo transversal realizado no HCP, onde foram revisados todos os prontuários de paTabela 1 - Distribuição dos casos de condroblastoma dos ossos do pé Nº 1 2 3 4 5

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Paciente AFB GAS PFMS JFS JCS

Rev ABTPé. 2009; 3(2): 75-80.

Idade (anos) 14 35 19 31 15

Sexo Masculino Feminino Masculino Masculino Masculino

Local Calcâneo Calcâneo Calcâneo Metatarso Navicular

cientes portadores de condroblastoma tratados entre 1990 e 2007, totalizando 42 casos. Destes, foram selecionados cinco casos localizados no pé (11,9% do total), os quais foram os objetos do estudo. As lâminas do histopatológico foram revisadas por patologista do serviço, que verificou em todos os casos a comprovação diagnóstica, não havendo casos de condroblastoma atípico ou relacionado a cisto ósseo aneurismático ou tumor de células gigantes. Todos os casos foram tratados cirurgicamente.

RESULTADOS A idade no momento da cirurgia variou de 14 a 35 anos, com média de 22,8 anos (Tabela 1). O sexo masculino foi o mais acometido (80% dos casos). Três casos localizavam-se no calcâneo, um no navicular e um no segundo metatarso. Todos os pacientes apresentavam dor, de leve a moderada, como sintoma principal, além de discreta claudicação. Em todos os casos, as radiografias do pé apresentavam lesão ovalada, osteolítica única, com finas bordas escleróticas e no seu interior, aspecto de lise medular com algum grau de calcificação fina (Figuras 1 a 5). Foi realizada biópsia prévia em um caso e, nos demais casos, optou-se por cirurgia imediata, considerando a história clínica e os aspectos radiológicos. O tratamento cirúrgico foi realizado em todos os pacientes, sendo a opção mais frequente a curetagem seguida de enxerto ósseo autógeno realizada em três casos: dois no calcâneo e um no navicular (Figura 6). Curetagem com colocação de cimento ósseo de metilmetacrilato em um caso que acometeu o segundo metatarso (Figura 7). No outro caso, localizado no calcâneo após curetagem e a eletrocoagulação da lesão, foi colocado polímero de mamona. A opção por um tratamento mais agressivo nesses dois últimos casos foi devida às características radiográficas mais invasivas, como extensão da lesão e insuflação da cortical óssea. Houve dois casos de recidiva local do tumor, representando 40% dos casos. No paciente JFS, após cinco meses de curetagem associada a cimento ósseo de um tumor no segundo metatarso, houve dor e claudicação com suspeita de recidiva local. O paciente foi submetido à cirurgia de ressecção em bloco e artrodese entre o primeiro e terceiro metatarso, com bom resultado funcional (Tabela 2 e Figura 8). O exame anatomopatológico confirmou recidiva. No outro caso, paciente AFB, houve recidiva após oito meses de curetagem e enxerto ósseo no calcâneo, o qual foi tratado com ressecção em bloco parcial do calcâneo, com


Leão GSS, Souza AMG, Feitosa CH

Figura 1 - Paciente AFB: condroblastoma na porção posterossuperior do calcâneo

Figura 2 - Paciente GAS: condroblastoma no corpo do calcâneo.

Figura 3 - Paciente PFMS: condroblastoma na porção anterior do calcâneo.

Figura 4 - Paciente JFS: condroblastoma na base do segundo metatarso.

bom resultado funcional – deambulação sem dor e sem órtese (Tabela 2). Apesar da recidiva, os dois casos continuam sendo acompanhados há pelo menos nove anos e não apresentaram novas recidivas e limitação funcional importante. Não houve nenhum caso de recidiva em partes moles, transformação maligna e metástases à distância, e nenhum caso de infecção. Os pacientes foram reexaminados no período de Julho a Novembro de 2008, e os resultados funcionais classificados segundo o escore de Enneking et al.(9), que leva em consideração para avaliação seis critérios clínicos para os tumores dos membros inferiores: dor, função, aceitação emocional, apoio para marcha, habilidade para caminhar e cosmética. Quanto maior a pontuação, melhor o resultado.

Figura 5 - Paciente JCS: condroblastoma na face anteromedial do navicular.

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Condroblastoma dos ossos do pé: Aspectos clínicos e radiográficos

Tabela 2 - Avaliação funcional do pós-operatório dos pacientes pelo critério de Enneking Nº

Paciente

1 2 3 4 5

AFB GAS PFMS JFS JCS

Dor

Função

3 4 4 3 5

4 5 5 3 5

Aceitação emocional 5 4 4 1 5

Figura 6 - Pós-operatório de curetagem seguida de enxerto autógeno de condroblastoma no navicular.

Figura 8 - Cirurgia de ressecção em bloco mais artrodese do primeiro e terceiro metatarso após recidiva.

DISCUSSÃO A média de idade do condroblastoma no pé foi maior que a dos ossos longos, sendo a primeira de 22,8 anos (terceira década de vida), enquanto a segunda década de vida (15,3 anos) é o pico para os condroblastomas nos ossos longos(10,11). A teoria mais aceita sobre a histogênese do condroblastoma é a de células imaturas de placas abertas em

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Apoio 5 5 5 5 5

Habilidade de caminhar 5 5 5 3 5

Cosmética

Total

3 5 5 5 5

25 28 28 20 30

Figura 7 - Pós-operatório de curetagem mais cimento ósseo. crescimento, sendo os hormônios da puberdade os desencadeadores da neoplasia(1). Essa teoria não explica o surgimento em ossos que não possuem fise aberta, como os do pé em pessoas de idade adulta. A prevalência por sexo foi de 4:1 para o masculino, semelhante ao condroblastoma de ossos longos, o que está de acordo com a literatura(1-3,5). As características clínicas e radiográficas não apresentaram diferenças em relação aos casos clássicos, bem como as características histopatológicas do tumor. O índice de recidiva foi de 40%, extremamente maior se considerado todos os casos de condroblastoma de ossos longos tratados no mesmo período e hospital (2,1%). Tal achado é relevante e demonstra que o tumor tem um caráter mais agressivo nos ossos do pé ou a falta de biópsia prévia levou o cirurgião a uma técnica insuficiente para tratar estes tumores. O número de casos não é representativo para conclusões definitivas. A biópsia prévia foi dispensada em quatro pacientes, pois não havia nenhum sinal de malignidade. Entretanto, o diagnóstico esperado era de cisto ósseo simples ou aneurismático. Não havia diagnóstico de certeza do tipo de neoplasia benigna, até o momento intraoperatório. O aspecto macroscópico pode confundir com cisto ósseo aneurismático, que foi aventado para o patologista no momento de enviar o material curetado do tumor para a anatomia patológica. Não foi realizado exame histopatológico no momento da cirurgia, pois os tumores ósseos


Leão GSS, Souza AMG, Feitosa CH

apresentam muita dificuldade de diferenciação diagnóstica na técnica de congelamento no ato operatório. Esta técnica ajuda em casos de tumores de difícil acesso, com dúvida de diagnóstico, para diferenciar neoplasia maligna de benigna. Não houve casos de metástase ou de malignização, o que corrobora com outros estudos a natureza benigna dessas lesões(8). Esses aspectos se assemelham a outros tipos de tumores, como o de células gigantes e o cisto ósseo aneurismático, que entram obrigatoriamente como diagnóstico diferencial. A forma de tratamento mais utilizada é a curetagem da lesão seguida de enxerto ósseo autógeno. A alta taxa de recidiva (10 a 45%) nos condroblastomas dos ossos longos fez com que fosse empregado o uso de adjuvantes como fenol, cimento ósseo, nitrogênio e cauterização do leito tumoral, porém o uso de radioterapia é proscrito devido ao risco de malignização. Ressecções em bloco seguidas de reconstruções complexas podem ser necessárias nos casos de comportamento agressivo. Nos casos apresentados, os tumores foram curetados, submetidos à cauterização de todo leito tumoral e utilizados enxerto, cimento ortopédico e polímero de mamona. A decisão para o preenchimento foi tomada pelo cirurgião considerando repercussões biomecânicas e protocolos em épocas diferentes do serviço. Não obstante, a recidiva está mais relacionada à técnica mais cuidadosa de curetagem e ao uso de adjuvantes. O tratamento cirúrgico é o único indicado. Baseando-se nas características clínico-radiográficas, o ortopedista deve incluir o condroblastoma no diagnóstico diferencial dos tumores líticos nos ossos do pé, mesmo em pacientes adultos com fise fechada.

O condroblastoma é uma neoplasia benigna B2 ou B3 de Enneking(9), ou seja, de comportamento ativo ou agressivo localmente. O condroblastoma do pé tende a ter taxas maiores de recidiva, o que exige uma abordagem terapêutica cuidadosa. Por tratar-se de lesão com maior potencial de complicações, como demonstrado nos casos descritos, atualmente é rotina a realização de biópsia prévia à cirurgia. Os resultados funcionais foram considerados satisfatórios pelos autores. A pontuação no escore de Enneking atingiu altos valores, mesmos nos casos de recidiva e submetidos a cirurgias maiores, com artrodese entre metatarsos e ressecção em bloco de parte do calcâneo. A ausência de dor e a capacidade de deambular com desenvoltura estava presente em todos os pacientes relatados, o que demonstra que, apesar de comportamento agressivo, o condroblastoma nos ossos do pé pode ter um bom prognóstico. Ocorreram limitações quanto à representatividade da casuística, uma vez que o HCP recebe somente casos referenciados de condroblastoma, pois trata-se de tumor benigno. A incidência de condroblastoma acometendo o pé, na literatura, é de 1%(12) enquanto neste estudo foi de 11,9%. A raridade da lesão dificulta a realização de estudos randomizados para compreender o comportamento desses tumores no pé e melhorar a forma de tratamento.

CONCLUSÃO O condroblastoma é um tumor que apesar de muito raro nesta localização, pode ser um diagnóstico diferencial nas lesões líticas dos ossos do pé. A biópsia prévia dessas lesões é recomendada, para planejamento prévio da ressecção do tumor, visando diminuir a chance de recidiva local.

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Condroblastoma dos ossos do pé: Aspectos clínicos e radiográficos

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Artigo Original

Hálux valgo em homens – parte II: avaliação do tratamento cirúrgico Hallux valgus in men – part II: surgical treatment Caio Nery1, Flávio José Ballerini2, Silvia Iovine Kobata3

Resumo Objetivo: Na primeira parte do presente estudo, foi concluído que a deformidade do hálux valgo no homem é hereditária, transmitida principalmente pelos genes maternos, tem surgimento precoce e manifesta-se com maior intensidade do que no sexo feminino. A incidência em nosso meio foi de 15 mulheres para cada homem, e o ângulo articular distal do primeiro metatársico (AADM) provou ser o principal fator intrínseco responsável pela expressividade do hálux valgo no sexo masculino. Nessa segunda parte, o objetivo do presente artigo foi avaliar a resposta desses pacientes ao tratamento cirúrgico. Métodos: Foram analisados, retrospectivamente, dados referentes a 50 pés de indivíduos do sexo masculino, portadores de hálux valgo, tratados cirurgicamente, entre 1985 e 2005, pelo mesmo cirurgião. A escolha do procedimento a ser utilizado seguiu algoritmo baseado na intensidade e complexidade das deformidades. Desta forma, foram realizadas 10 osteotomias em chevron simples, 9 osteotomias em chevron biplanares, 12 osteotomias de Mitchell, 9 osteotomias de Scarf e 10 osteotomias proximais do primeiro metatársico. O seguimento médio foi de 10 anos (mínimo de 2 e máximo de 20 anos). Resultados: Quando analisados os pacientes em conjunto, os parâmetros radiológicos angulares, os desvios sesamoideos e a congruência articular apontam para a correção adequada das deformidades pelo tratamento empreendido. Ao analisar as cirurgias separadamente, percebe-se equilíbrio entre suas capacidades corretivas – exceto pela osteotomia de Scarf. Pela elevação do escore da AOFAS no período pós-operatório, atestou-se a melhora clínica e funcional dos pacientes operados. Conclusões: O hálux valgo, no sexo masculino, foi adequadamente corrigido pelas técnicas empregadas, validando o algoritmo de tratamento utilizado para ambos os sexos. Não foi possível detectar indicação de maior dificuldade ou resistência do hálux valgo masculino ao tratamento. A osteotomia de Scarf apresentou capacidade corretiva inferior às demais técnicas utilizadas. Nível de Evidência - IV Descritores: Hallux valgus/cirurgia; Ostetomia/métodos; Procedimentos ortopédicos/ métodos; Homens

Abstract Objective: In the first part of this study, it was concluded that the hallux valgus deformity in men is hereditary, mainly transmitted by maternal genes, starts precociously Correspondência Caio Nery Rua Afonso Brás, 817 – Vila Nova Conceição CEP 04511-011 – São Paulo/SP E-mail: caionery@uol.com.br Data de recebimento 29/07/09 Data de aceite 09/09/09

Trabalho realizado na Clínica Ortopédica Ibirapuera – São Paulo (SP), Brasil. 1 Livre-docente; Professor-Associado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 2 Médico Voluntário do Grupo de Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 3 Residente do 4º Ano (2007) do Setor de Medicina e Cirurgia do Pé do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.


Hálux valgo em homens – parte II: avaliação do tratamento cirúrgico

and shows itself more intensely than in women. The incidence among us was 15 women for each man and the distal metatarsal articular angle (DMAA) proved to be the main intrinsic factor responsible for the expressivity of hallux valgus in the male sex. In the second part, the goal was to evaluate the response of these patients to the surgical treatment. Methods: Data from fifty feet of male patients with hallux valgus, who were surgically treated by the same surgeon between 1985 and 2005, were retrospectively analyzed. The technique was algorithmically chosen according to the intensity and complexity of the deformities. Thus, 10 chevron osteotomies, 9 biplanar chevron osteotomies, 12 Mitchell osteotomies, 9 Scarf osteotomies and 10 basilar first metatarsal osteotomies were performed. The average follow-up was 10 years (minimum of 2 and maximum of 20). Results: After analyzing the group of patients, the angular radiological parameters, the sesamoid deviation and the articular congruence prove to have had the adequate correction of the deformities due to the treatment carried out. When examining the procedures separately, it is possible to notice the balance in their corrective capacities, except for the Scarf osteotomy. The rising in the AOFAS score certified the clinical and functional improvement of the operated patients in the postoperative period. Conclusions: It was conclude that hallux valgus in the male sex was adequately corrected with the selected techniques validating the algorithm of treatment employed for both sexes. A greater difficulty or resistance to the treatment of the male hallux valgus could not be detected. The Scarf osteotomy proved to have an inferior corrective capacity than the other techniques. Keywords: Hallux valgus/sugery; Osteotomy/methods; Orthopedic procedures/methods; Men

Introdução Na primeira parte do presente estudo sobre o hálux valgo no sexo masculino, são apresentados achados sobre demografia, etiologia e radiologia comparativas. No Quadro 1, estão reunidos os principais resultados desta pesquisa para facilidade do leitor. O mesmo material utilizado para aquela pesquisa foi usado na avaliação dos resultados do tratamento cirúrgico(1). Um grande impulso para o estudo das deformidades de tornozelo e pé nas últimas décadas se deu pela adoção de algoritmos para diagnóstico, classificação e tratamento. Seguindo as recomendações do Comitê de Pesquisa do hálux valgo da American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS)(2) e Mann e Coughlin(3), foi adotado o algoritmo do hálux valgo que levava em consideração parâmetros angulares tradicionais para gradação e estabelecimento de conduta terapêutica para cada caso em particular(4-7). Os resultados, nem sempre animadores, e o surgimento de novas técnicas para o tratamento do hálux valgo em todo o mundo, estimularam a promoção constante de checagem e atualização destes algoritmo, sempre em busca das melhores alternativas aplicáveis aos casos mais complexos(8-10). Desta forma, as condutas passaram por mudanças consideráveis, com a adoção de técnicas mais modernas. Outra ferramenta importante na avaliação dos resultados e que permite comparações intra e interobservadores é a aplicação de questionários e escores – tanto no pré quanto no pós-operatório. Assim como a grande maioria dos pesquisadores, esta prática foi adotada no presente trabalho tão logo de seu surgimento na literatura. A pontuação mais difundida em todo o mundo é aquela proposta pela AOFAS,

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que avalia dados objetivos e subjetivos de fácil obtenção e registro(11). Dentro deste cenário, foram coletados retrospectivamente os dados clínicos e radiológicos de pacientes do sexo masculino tratados para correção da deformidade do hálux valgo em período de 20 anos. A apresentação dos resultados obtidos no tratamento destes pacientes constituiu o objetivo deste trabalho.

Métodos No período compreendido entre 1985 e 2005, foram realizados 53 procedimentos para a correção de hálux valgo em 31 pacientes do sexo masculino. Nessa contagem, não foram incluídos pacientes com deformidades decorrentes de artrites inflamatórias, deformidades traumáticas ou infecciosas. Não foi possível recuperar os dados referentes a três procedimentos, razão pela qual a presente análise ficou limitada ao estudo de 50 pés. Com a obtenção dos dados clínicos e radiográficos atuais, foi concluído o estudo com tempo médio de seguimento de 10 anos (mínimo de 2 e máximo de 20 anos). Nesta amostra, a idade dos pacientes variou de 12 a 77 anos com média de 40,4 anos. O lado direito foi envolvido em 53% das vezes e o esquerdo em 47%. A deformidade incidiu bilateralmente em 71% dos casos e unilateralmente em apenas 29%. Como já mencionado, as indicações cirúrgicas se basearam na intensidade dos achados radiográficos e a escolha da melhor técnica ocorreu de acordo com os critérios apresentados na Tabela 1.


Nery C, Ballerini FJ, Kobata SI

Quadro 1 - Dados demográficos, etiológicos e radiológicos do hálux valgo no sexo masculino. Variável

Característica

Grupo etário

Incidência equilibrada entre os grupos

Calçados inadequados Ângulo de valgismo do hálux, ângulo articular distal do I metatársico, ângulo tarso metatársico

Positiva em 68% dos casos (58% materna e 10% paterna) Não houve correlação Significantemente maiores do que na mulher (especialmente o AADM)

Congruência metatarsofalângica do hálux

Mais frequente no sexo masculino (2:1)

Bilateralidade Pés planos valgos

Bilateral em 71% dos casos Não houve correlação entre o HV e os pés planos

Hereditariedade

Interpretação Início mais precoce do que a deformidade no sexo feminino Reforça a origem genética e a forma de aparecimento juvenil Predomínio de fatores intrínsecos Deformidade mais intensa no homem Reflete a ação dos agentes intrínsecos sobre a deformidade, especialmente o AADM Achado não é exclusivo ao sexo masculino Achado não é exclusivo ao sexo masculino

AADM: ângulo articular distal do primeiro metatársico; HV: hálux valgo.

Tabela 1 - Algoritmo para o tratamento do hálux valgo Deformidade Leve

AVH 15~20

AIM 10~15

Sesam G0~G1

Moderada

21~40

15~20

G1~G2

>40

>20

G2~G3

Intensa

AADM <8 >8 <8 >8 <8 >8

Técnicas Chevron simples Chevron biplanar Mitchell/Scarf /osteotomia proximal Mitchell ou Scarf biplanares/osteotomia Proximal combinada com chevron biplanar Scarf ou osteotomia proximal Scarf biplanar ou osteotomia proximal combinada com chevron biplanar

Nesta versão simplificada, não estão mencionadas as alternativas técnicas que levam em consideração os ângulos das superfícies articulares da falange proximal do hálux. AVH: ângulo de valgismo do hálux; AIM: ângulo intermetatársico I-II; Sesam: subluxação lateral dos sesamoides; AADM: ângulo articular distal do primeiro metatársico; G: grau.

Avaliação clínica e radiográfica (goniometria) A avaliação clínica foi feita pela aplicação do AOFAS Hallux Valgus Score, e os dados pré e pós-operatórios foram comparados. Para os indivíduos operados antes de 1994, ano da publicação do escore da AOFAS(9), foi realizada a estimativa dos dados pré-operatórios por meio da leitura e obtenção dos parâmetros adequados, a partir das fichas clínicas dos pacientes. A sistemática de mensuração dos parâmetros radiográficos utilizada já foi apresentada e discutida detalhadamente na primeira parte deste trabalho(1,12-14). Todas as mensurações foram obtidas eletronicamente, a partir da digitalização das imagens radiográficas, por meio do programa M2000 (Tesseract Consultoria, Brasil)(15).

Procedimentos cirúrgicos Todos os procedimentos foram realizados por um mesmo profissional que participou também das avaliações iniciais, da aplicação do algoritmo, dos curativos e da reabilitação. A avaliação final e a classificação dos resultados foram feitas por equipe independente de avaliadores, dentre os quais estavam os coautores deste estudo. As técnicas utilizadas seguiram os tempos e detalhes constantes de suas descrições originais, de forma a garantir sua reprodutibilidade e permitir a comparação entre os resultados obtidos(4-10,16-18).

Na Tabela 2, é apresentada a distribuição das cirurgias realizadas nesta amostra bem como as idades médias, mínimas e máximas dos pacientes no momento da intervenção e a gradação das deformidades de cada grupo. As cirurgias foram realizadas sob bloqueio anestésico regional (epi ou intradural) complementado por sedação. Em todos os pacientes, foi utilizado o garroteamento na raiz da coxa do membro a ser operado, e todos receberam quimioprofilaxia da infecção. Não foram utilizadas medidas preventivas para o tromboembolismo.

Método estatístico Os dados obtidos foram submetidos a estudo estatístico com a utilização dos testes do qui-quadrado e de Wald, para análise das proporções; exato de Fisher, para variáveis qualitativas; de Kolmogorov-Smirnov e t de Student, para variáveis de distribuição normal; e de Wilcoxon, para medidas pareadas. Para a análise comparativa entre as osteotomias, foram utilizados o teste de Lévene e a ANOVA, para dados homogêneos; o teste de Kruskal-Wallis, para dados não homogêneos. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para dados que não obedeceram a distribuição normal. Foi adotado o limite de 5% (erro alfa, p<0,05) para a rejeição da hipótese de nulidade. Os resultados estatisticamente “significantes” foram claramente destacados dos “não significantes” durante sua apresentação no texto e tabelas. Rev ABTPé. 2009; 3(2): 81-8.

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Hálux valgo em homens – parte II: avaliação do tratamento cirúrgico

Tabela 2 - Composição da amostra do presente estudo de acordo com as idades, gravidade das deformidades e técnica cirúrgica realizada Técnicas

Número de procedimentos

Chevron simples Chevron biplanar Osteotomia de Mitchell Osteotomia de Scarf Osteotomia proximal Total

10 9 12 9 10 50

Média idade (mín./máx.) 30 (12/44) 25 (14/38) 51 (22/77) 36 (13/63) 51 (41/62) 40,4 (12/77)

Resultados Na primeira parte da presente análise foi avaliada, de forma conjunta, a eficácia dos procedimentos utilizados, caracterizada pela correção ou não dos parâmetros radiográficos estudados. Os dados foram reunidos em grupos pré e pós-operatórios, independentemente do tipo de cirurgia realizada, e comparados entre si. Na Tabela 3, estão reunidos os valores médios pré e pós-operatórios com seus desvios padrão (DP) para os Tabela 3 - Valores angulares pré e pós-operatórios dos pacientes agrupados como um todo, sem levar em conta o procedimento cirúrgico adotado. Os valores de p significantes foram assinalados com um asterisco Parâmetro AVH AIM AADM ATM AVI AAPFP AADFP

Pré-operatório Média (DP) 29 (9) 11 (3) 17 (7) 22 (4) 7 (7) 3 (4) 6 (5)

Pós-operatório Média (DP) 17 (8) 7 (3) 9 (8) 18 (4) 11 (5) 6 (5) 3 (4)

Valor de p <0,001* <0,001* <0,001* <0,001* 0,004* <0,001* <0,001*

AVH: ângulos de valgismo do hálux; AIM: intermetatársico I-II; AADM: articular distal do primeiro metatársico; ATM: tarso-metatársico; AVI: valgismo do hálux; AAPFP: articular proximal da falange proximal do hálux; AADFP: articular distal da falange proximal do hálux.

Tabela 4 - Desvio dos sesamoides e congruência articular da MTF-1, pré e pós-operatórios. Pacientes agrupados, sem levar em conta o procedimento cirúrgico adotado. Os valores de p significantes foram assinalados com um asterisco Luxação dos sesamoides Grau 0 Grau 1 Grau 2 Grau 3 Total Pré x pós Congruência articular MTF-1 Incongruente Congruente Total Pré x pós

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Pré-operatório n (%) 2 (4) 12 (24) 24 (48) 12 (24) 50 (100) Wald: p<0,001*

Pós-operatório n (%) 10 (20) 28 (56) 11 (22) 1 (2) 50 (100) χ2: p<0,001*

p=0,013* p=0,001* p=0,005* p=0,001*

Pré-operatório

Pós-operatório

Fisher

21 (42) 29 (58) 50 (100) Wald: p<0,001*

9 (18) 41(82) 50 (100) χ2: p=0,005*

p=0,001* p=0,001*

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Fisher

Deformidade leve

Deformidade moderada

Deformidade intensa

4 5 0 1 0 10

6 4 10 5 5 30

0 0 2 3 5 10

AVH, intermetatársico I-II (AIM), articular distal do primeiro metatársico (AADM), tarso-metatársico (ATM), de valgismo do hálux (AVI), articular proximal da falange proximal do hálux (AAPFP) e articular distal da falange proximal do hálux (AADFP). As probabilidades (p) resultantes da comparação estatística entre estes valores também constam na tabela. A observação destes dados aponta para a obtenção de diferentes valores significantemente nos períodos pré e pósoperatório de todos os ângulos estudados. Exceto pelo ângulo de valgismo do hálux (AVH), que ficou 2 pontos acima do limite da normalidade, todas as demais médias foram corrigidas para os limites desejáveis. Curiosamente, os valores angulares de valgismo interfalângico e AAPFP aumentaram no período pós-operatório. Na Tabela 4, são apresentados os resultados relativos aos graus de subluxação dos sesamoides e presença ou não de incongruência da articulação metatarsofalângica do hálux (MTF-1), com valores absolutos e percentuais para os períodos pré e pós-operatório. A análise dos dados aponta para a significante diferença de distribuição dos graus de luxação dos sesamoides em ambos os períodos, pré e pós-operatórios. No entanto, há nítida concentração de pacientes com graus mais intensos de luxação dos sesamoides (graus 2 e 3) no período pré-operatório, concentração esta que se volta para os graus mais leves (graus 1 e 2) depois das cirurgias realizadas, atestando sua eficácia. Da mesma forma, houve melhora estatisticamente significante do número de articulações congruentes no período pós-operatório, indicando, mais uma vez, a correção na aplicação da terapêutica cirúrgica. Em 43% dos pacientes incluídos nesta amostra, foi identificada a concomitância de pés planos valgos com a deformidade do hálux valgo. Essa percentagem não sofreu alteração no período pós-operatório, e estes achados apontam para a não significância desta associação (Wald: p=0,960; qui-quadrado: p=0,980). Na segunda parte da presente análise, o intuito era avaliar a eficácia do tratamento obtido com cada uma das técnicas cirúrgicas utilizadas. Como a cada grau de deformidade cor-


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Tabela 5 - Comparação das capacidades corretivas relativas de cada técnica cirúrgica empregada, valores do escore da AOFAS nos períodos pré e pós-operatórios, a pontuação de correção obtida e percentagem de pacientes com 85 pontos ou mais na avaliação final N (pés) AVH AIM Sesamoides AADM AOFAS Pré AOFAS Pós Correção 85 pontos ou +

Chevron simples 10 48% 49% 69% 65% 42 86 44 60%

Chevron biplanar 9 39% 18% 32% 43% 47 90 43 89%

Osteotomia de Mitchell 12 50% 47% 84% 53% 33 78 45 54%

Osteotomia de Scarf 9 22% 7% 0% 17% 31 68 37 0%

Osteotomia proximal 10 43% 55% 60% 17% 31 81 50 18%

Total médias 50 40% 35% 49% 39% 37 81 44 44%

AVH: ângulos de valgismo do hálux; AIM: intermetatársico I-II; AADM: articular distal do primeiro metatársico.

respondia a indicação de uma determinada técnica, a comparação entre elas não poderia ocorrer por meio dos valores absolutos dos parâmetros estudados. É intuitivo imaginar que a capacidade corretiva de uma técnica destinada ao tratamento de deformidades brandas seja menor do que a de técnica cirúrgica criada para o tratamento de deformidades intensas. Por essa razão, foi realizada a análise pela comparação da capacidade corretiva “relativa” de cada uma das técnicas empregadas, definida como a percentagem de correção de cada um dos parâmetros estudados. Nesta análise, foram utilizados os parâmetros mais difundidos na literatura: AVH, AIM, subluxação dos sesamoides e ângulo articular distal do primeiro metatársico (AADM). No cálculo da capacidade de correção dos sesamoides, foi estudada a diferença pré e pós-operatória dos pacientes portadores de graus 0 e 1 confrontados com os portadores de graus 2 e 3 para cada técnica cirúrgica. A percentagem apresentada na tabela refere-se aos pacientes que melhoraram suas graduações com a cirurgia recebida. Na Tabela 5, estão expostos os valores obtidos nesta análise bem como os resultados do escore da AOFAS para os períodos pré e pós-operatório, a correção absoluta deste parâmetro e a percentagem de indivíduos mais bem pontuados para cada uma das técnicas empregadas. Ao comparar as capacidades de corretivas do AVH das diversas técnicas, são observadas diferenças estatisticamente significantes ente a osteotomia de Scarf com a técnica em chevron simples (p=0,049*) e ostetomia de Mitchell (p=0,025*) pelo teste de Tuckey. Ao comparar as correções do ângulo intermetatársico I-II, foram identificadas diferenças significantes entre a técnica de Scarf com a osteotomia em chevron simples (p=0,013*), osteotomia de Mitchell (p=0,012*) e com as osteotomias proximais (p=0,003*). Pelo mesmo teste de Tuckey, foi identificada ainda diferença entre a osteotomia em chevron biplanar e as osteotomias proximais (p=0,031*). Na avaliação da correção dos desvios dos sesamoides, destaca-se a enorme inferioridade da técnica de Scarf, segui-

da da correção relativamente baixa da osteotomia em chevron biplanar. Apesar da grande diferença dos números, não se detectou diferença significante da capacidade relativa de correção do AADM entre as diversas técnicas. A comparação das pontuações obtidas pelas diversas técnicas no escore da AOFAS mostra uma nítida melhora dos pacientes em todos os grupos. Os melhores escores se concentram exatamente nas técnicas destinadas ao tratamento dos casos mais brandos, como seria previsível. A capacidade de melhora da pontuação do escore final foi uniforme e não apresentou diferença estatisticamente significante. Houve também maior concentração de resultados de escore acima de 85 pontos (excelentes e bons nas classificações antigas) nos grupos de pacientes com deformidades mais leves.

Complicações Não houve, na presente amostra, nenhuma complicação relativa aos procedimentos anestésicos ou pelo uso do garrote pneumático. Em três pés (6%), foram verificadas complicações leves e imediatas, relativas à cicatrização da pele e que foram tratadas com curativos repetidos. A evolução foi favorável e sem sequelas nos três casos. Em dois pés (4%), foram observadas complicações mais sérias, relativas à consolidação dos focos de osteotomia. No primeiro caso, houve fratura da cortical proximal dorsal do primeiro metatársico em paciente submetido à osteotomia de Scarf. A supressão da carga por 30 dias permitiu a consolidação óssea sem sequelas. No segundo caso, o retardo de consolidação no foco de osteotomia de adição da base do metatársico, causou a fadiga do material de síntese com fratura da placa e instabilização do foco. Em virtude do encurtamento e do desvio do primeiro metatársico, optou-se pela reintervenção, com Rev ABTPé. 2009; 3(2): 81-8.

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Hálux valgo em homens – parte II: avaliação do tratamento cirúrgico

B

A

D

C

E

Figura 1 - Paciente vítima de complicação de osteotomia da base combinada com osteotomia biplanar distal: (A) radiografia inicial do pé direito – AP com carga; (B) radiografia do pé direito com três semanas de PO; (C) radiografia do pé direito com seis semanas de PO – nota-se a fratura do material de síntese com desvio e encurtamento do metatársico em função da não consolidação do foco de osteotomia proximal; (D) aspecto intraoperatório mostrando a fratura da placa usada na fixação da osteotomia; (E) radiografia do pé direito com dois anos de evolução da reoperação com enxertia. colocação de enxerto homólogo e nova fixação com placa e parafusos. Seis semanas depois, houve consolidação óssea em boa posição, e o paciente ficou satisfeito com o resultado (Figura 1).

Discussão Para esta pesquisa, o interesse sobre o comportamento do hálux valgo no sexo masculino surgiu a partir da impressão informal, veiculada nas discussões de casos, na troca de informações entre colegas e na prática diária, de que essa deformidade, embora menos frequente, apresentava caráter mais agressivo no homem, caracterizando-se pela maior intensidade e maior resistência ao tratamento. Sua baixa incidência, aliada à melhor adaptabilidade do homem à deformidade em função do uso de calçados pouco agressivos, se traduz na escassez de trabalhos sobre o assunto na literatura especializada(19,20). Apesar do pequeno número de pacientes, os 50 pés avaliados neste estudo constituem a maior amostra de que se tem notícia, com o maior tempo de seguimento já conseguido, acerca do hálux valgo no sexo masculino. Além disso, foi possível contar com subgrupos de tamanhos parecidos e, portanto, comparáveis. Para isso, colaborou a adoção do

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algoritmo de tratamento que se incumbiu de homogeneizar as amostras com base na indicação da técnica aplicável à deformidade segundo sua intensidade. Quando analisada de forma global a correção dos parâmetros estudados, independentemente da técnica empregada, percebe-se que o tratamento cirúrgico foi eficaz. A redução dos valores angulares médios para os limites da normalidade indica tanto a adequação do algoritmo empregado quanto a eficácia das técnicas cirúrgicas utilizadas. A elevação dos valores médios do ângulo de valgismo interfalângico e do ângulo AAPFP no pós-operatório pode ser explicada pela derrotação do hálux em virtude da cirurgia. Como sugere a literatura, a mensuração destes ângulos pode ser influenciada pelos desvios rotacionais ou angulares do grande dedo. As taxas de correção da luxação dos sesamoides do hálux e da incongruência da primeira articulação metatarsofalângica corroboram a adequação dos procedimentos quando avaliados de maneira global. Apesar da maior intensidade dos valores angulares préoperatórios no sexo masculino (quando comparados aos do sexo feminino), sua correção geral permite afirmar que não há maior dificuldade de correção das deformidades do complexo do hálux valgo no homem. Quando realizada a comparação da capacidade de correção relativa das técnicas entre si, surgem diferenças importantes. A técnica de Scarf apresentou nítida inferioridade quando comparada às demais osteotomias. Essa característica já tinha sido apontada na literatura na qual também se percebe o questionamento relativo ao espectro de indicações desta cirurgia para o tratamento do hálux valgo(17), que parece ser bem inferior ao sugerido por seus criadores(16). Todas as demais técnicas apresentaram capacidades corretivas relativas comparáveis entre si. Essa observação reitera o que tinha sido observado na análise global dos resultados a respeito da qualidade e adequação do algoritmo adotado. No que se refere ao AADM, considerado na atualidade como um dos principais fatores intrínsecos responsáveis pela precocidade, hereditariedade e intensidade da deformidade do hálux valgo nos jovens, todas as técnicas apresentaram capacidade corretiva relativa semelhante. Esse resultado corresponde plenamente às expectativas da presente abordagem já que, como o demonstrado na Tabela 2, o algoritmo utilizado previu, para todas as intensidades de deformidades, alternativas técnicas biplanares para a correção do AADM. Quando avaliados os dados relativos aos escores da AOFAS, percebe-se que as capacidades de correção de todas


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as técnicas empregadas foram semelhantes. As percentagens de pacientes com escores iguais ou superiores a 85 pontos, que corresponde aos melhores resultados, foram mais expressivas nas técnicas que abordam as deformidades mais leves. A má atuação da osteotomia de Scarf neste quesito indica que houve exagero na determinação dos limites de indicação desta técnica, que foi aplicada a casos situados acima de sua capacidade corretiva absoluta. A adequação desses limites deve conduzir a resultados mais satisfatórios para essa cirurgia tão difundida e largamente utilizada, especialmente na Europa. A taxa de complicações vividas nesta amostra (10%) é comparável às observadas em outras séries e pode ser considerada como baixa quando se leva em conta a concentração de 80% de casos nas intensidades moderada e intensa neste trabalho (60% moderados/20% intensos).

Conclusões Com base nos achados deste estudo, é possível concluir que as deformidades características do hálux valgo no sexo masculino foram adequadamente corrigidas pelas técnicas empregadas, validando a utilização do mesmo algoritmo de tratamento em ambos os sexos. Não foi possível detectar nenhum fator ou característica que determine maior dificuldade ou resistência das deformidades do hálux valgo no homem ao tratamento. A taxa de complicações observada neste estudo foi de 10% dos casos. A osteotomia de Scarf apresentou capacidade de correção menor do que as demais técnicas estudadas. Deve, segundo a presente análise, ser indicada a casos mais brandos do que aqueles preconizados pela literatura. Essa observação, no entanto, não se restringe aos pacientes do sexo masculino.

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Artigo de Revisão

Conceito atualizado no tratamento do pé torto congênito idiopático Updated concept of congenital idiopathic clubfoot treatment Antonio Francisco Ruaro1, Antonio Egydio de Carvalho Junior2, Silvio Pereira Coelho3, Fábio de Campos Bicudo†4

Resumo O pé torto congênito é uma deformidade complexa associada a alterações musculoesqueléticas e se caracteriza morfologicamente por um pé equino, varo, cavo e aduto. Possui incidência variável entre raça e sexo. Em relação à etiologia é classificado nos seguintes tipos: idiopático, postural, neurológico e sindrômico. O pé torto congênito idiopático, enfoque deste estudo, se caracteriza pelo comprometimento, flexível ou estruturado, do alinhamento do pé e que pode evoluir em diferentes escalas com dor e perda da função. O diagnóstico é essencialmente clínico e o desígnio do tratamento é obter um pé alinhado, indolor e com apropriada função. A tendência atual é o tratamento conservador que deve ser iniciado o mais precocemente na fase em que as deformidades ainda não estejam estruturadas. Dentre os vários métodos de tratamento conservador, prefere-se o de Ponseti, o qual é o objetivo da revisão e que vem recebendo destaque na literatura pelos ótimos resultados apresentados quando aplicado corretamente e em momento oportuno. Descritores: Pé torto/cirurgia; Pé torto/terapia; Procedimentos ortopédicos/métodos

Abstract The congenital clubfoot is a complex deformity associated with skeletal and muscular changes and it is morphologically characterized by foot equine, varus, cavus and adductus. It presents a variable incidence between sex and race. In accordance with etiology it is classified as the following types: idiopathic, postural, neurologic and syndromic. The idiopathic congenital clubfoot, which is the focus of this study, is characterized by flexible or structured commitment of foot alignment that may evolve into different grades with pain and loss of function. The diagnosis is essentially clinical and the treatment aims at obtaining an aligned foot, with no pain and appropriated function. The current tendency is a conservative treatment that must be started as precociously as possible at the phase when deformities have not been structured yet. Among the several treatment methods, the Ponseti’s is emphasized, which is the objective of this literature review and that has been highlighted for the great results, once it is correctly applied at the right moment. Keywords: Clubfoot/surgery; Clubfoot/therapy; Orthopedic procedures/methods

Correspondência Antonio Francisco Ruaro Praça Mascarenhas de Moraes, s/n. Umuarama (PR), Brasil. Fone: (44) 3621-2828 E-mail: afruaro@unipar.br Data de recebimento 07/09/08 Data de aceite 09/09/09

Mestre, Professor da Universidade Paranaense – UNIPAR – Umuarama (PR), Brasil. Doutor, Médico Assistente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP); Chefe do Grupo do Pé do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil. 3 Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; Chefe do Serviço de Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia do Hospital Independência da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Canoas (RS), Brasil. 4† “In memorian”. Ortopedista – Umuarama (PR), Brasil. 1 2


Conceito atualizado no tratamento do pé torto congênito idiopático

INTRODUÇÃO O tratamento do pé torto congênito idiopático (PTCI), uma das modalidades do pé torto congênito (PTC), tem sido grande fonte de controvérsia entre médicos; no entanto, o seu escopo é preciso e de consenso, objetiva um pé alinhado, indolor e com apropriada função. A história da medicina mostra ciclos em que a modalidade de tratamento conservador se sobressai sob o predomínio de determinada técnica; por vezes, pactuando excessivamente com a moderação. Em outros, frente ao insucesso, numa abordagem cirúrgica precoce e assaz agressiva. Não raramente, com o tempo, aquilo que é tido como correto, percebe-se ao rigor da razão que na realidade é exatamente o oposto, perde o seu brilho, torna-se obsoleto. Relembrando-se que alguns métodos de tratamento, seja conservador ou operatório, em um passado recente eram considerados “updated” e divulgados com grande entusiasmo. Atualmente, como conduta padrão foram execrados e não resistiram ao selo do tempo, pelo fato de estarem associados à presença de dor e perda de função; embora, o alinhamento seja até aceitável. Neste sentido, extrai-se do conhecimento universal que as hipóteses, sob os questionamentos, reconhecidas como verdadeiras, podem ser temporais. Destarte, germina com ascendência a motivação pela busca incessante do equilíbrio, dos valores bem definidos e do aprimoramento contínuo. Neste passo, e à procura daquilo que é correto, surgem relatos de novos métodos de tratamento, alguns já utilizados por décadas, e que, por um motivo ou outro, permaneceram na obscuridade. Deve-se destacar, sob os avanços da pesquisa médica ao permitir a descoberta de novos fatos e a elaboração de novas ideias e confrontação de resultados, que o método considerado ultrapassado se atualiza, torna-se um procedimento inédito de tratamento e o que foi esquecido e destinado ao abandono, emerge. A tendência atual no tratamento do PTCI do recém-nato é, em sua essência, conservadora e deve ser iniciada mais precocemente possível; porquanto, neste período as deformidades não estão estruturadas. O tratamento cirúrgico está reservado às falhas daquele inicial e a deformidade residual deve ser abordada por uma técnica minimamente invasiva. O objetivo deste estudo é a revisão bibliográfica sobre o PTC e as considerações atualizadas sobre o tratamento.

CONCEITO Indicadores clínicos auxiliam na definição do PTC. Os aspectos anatomopatológicos e etiológicos são variáveis, o

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que dificulta um ajuizamento unânime. A designação inicial representa um conceito genérico que engloba múltiplos aspectos. Tachdjian(1) define o PTC de maneira descritiva e refere que o calcanhar está invertido; o antepé e o mediopé além de invertidos estão aduzidos; o tornozelo em posição equina e o pé fletido plantarmente com os artelhos em nível mais baixo do que o calcanhar. Fonseca Filho, Ferreira e Martins(2) entendem por PTC, genericamente, como sendo a perda das relações anatômicas normais entre as partes do pé com a perna, em pacientes nascidos com a deformidade seja hereditária ou não. Nesta linha abrangente, Santin e Hungria Filho(3) definem o PTC como uma atitude viciosa e permanente do pé em relação à perna, na qual o pé repousa no solo fora de seus pontos normais de apoio. Merllotti e Santili(4), sob o enfoque dos aspectos patológicos, descrevem o PTC como uma deformidade complexa que inclui alterações de todos os tecidos musculoesqueléticos distais ao joelho, ou seja, os músculos, tendões, ligamentos, ossos, vasos e nervos. O PTCI preenche todas estas características descritivas, que se somam à etiologia desconhecida, o fato de não estar associado a outras alterações que justifiquem a deformidade e, ainda, por não se resolver de forma espontânea. No início, as deformidades no PTCI são flexíveis e, sendo tratadas convenientemente, tendem a evoluir satisfatoriamente; embora, apesar de todo esmero a ser norteado, o resultado final, ainda hoje, é uma incógnita. Quando negligenciado ou não tratado (inveterado), o PTCI torna-se rígido e estruturado; deste modo, a implicação final é uma importante alteração de ordem clínica na qual são identificados: acometimento do alinhamento com deformidade grosseira e antiestética, perda significativa da função e a presença de dor. O espectro de gravidade do PTCI depende de uma série de fatores, como o grau de má formação intrínseco a cada paciente e a terapêutica aplicada com suas variáveis, entre as quais, destacam-se: a aderência da família ao tratamento, a técnica selecionada e a execução com profissionalismo. Assim, conclui-se que o estado de perfeição e a arte são, e sempre serão, metas intangíveis, permanentemente focalizando um sem fim tênue, em benefício e sob a consciência do que significa o ser humano, o sujeito de direitos, pois a procura insaciável do “vir a ser para melhor fazer” esbarra nos limites de uma ciência que não é exata. Considerando estas particularidades, o PTCI seria mais bem definido como deformidade congênita que se caracteriza pelo comprometimento, flexível ou estruturado, do alinhamento do pé em equino, varo, cavo e aduto e que pode


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evoluir em diferentes escalas com dor e perda da função (Figura 1A e B). Na realidade, uma definição deve ser específica, estar baseada em achados da patologia e oferecer maior percepção terapêutica(1). Diante do exposto, vem à luz a dificuldade de se conceituar com precisão o PTCI devido aos múltiplos fatores intervenientes.

ETIOLOGIA Em relação à etiologia, o PTC pode ser classificado nos seguintes tipos(4): • idiopático (PTCI): é o mais comum e com etiologia desconhecida. Não está associado a outras alterações que justifiquem a deformidade e não se resolve de forma espontânea; • postural: está relacionado à postura intrauterina, benigno, e se resolve comumente sem manipulação; • neurológico: associa-se a alterações neurológicas, como a mielomeningocele. Neste pé observa-se tendência a ser rígido e resistente ao tratamento; • sindrômico: em associação com outras anomalias congênitas, como por exemplo, a artrogripose. Também com tendência a ser rígido e resistente ao tratamento. No PTCI, embora a causa exata seja desconhecida, não há como negar a conotação genética (hereditariedade). Haja vista, a tendência de se repetir entre os membros de uma mesma família. Tem início no segundo trimestre da gravidez, raramente é detectado pela ultrassonografia antes da 16ª semana de gestação e assim como a displasia congênita coxofemoral e a escoliose idiopática, é uma deformidade do desenvolvimento fetal (patologia do feto e não do embrião), razão pela qual pode incidir em apenas um dos gêmeos idênticos(5). A incidência do PTCI varia de acordo com a raça, ficando entre 0,39 (chineses) a 6,81 (polinésios), com média de um para cada 1.000 nascidos vivos. Em 50% dos casos é bilateral, mais frequente à direita e o sexo masculino é duas vezes mais afetado(1). Estudos demonstram que há decréscimo da incidência em parentes de primeiro, segundo e terceiro graus; por outro lado, quando o sexo feminino é afetado há um número maior de acometidos. Quando um dos pais é afetado, a possibilidade do filho nascer com pé torto é de 3 a 4%, quando ambos, é ao redor de 15%(5). Wynne-Davies(6) acredita ter caráter poligênico com efeito “threshold”, ou seja, pode estar ligado a alterações em vários genes, com um limite além do qual a deformidade se evidencia.

A

B Figura 1A e B - Aspecto morfológico típico do PTCI. O sulco profundo na borda interna do pé é apontado por Tachdjian(1) como referência para o prognóstico.

Estudos microscópicos mais recentes mostram que estes genes estão ativos a partir da 12ª a 20ª semana de vida intrauterina e perduram, aproximadamente, até os quatro anos de idade. Neste período, a histologia revela aumento do número de células e fibras de colágeno nos ligamentos e tendões dos neonatos, os quais se apresentam espessados. Os feixes de colágeno apresentam disposição ondulada, conhecida como “crimp”(5). Este conhecimento é importante, principalmente, no que diz respeito ao tratamento.

ANATOMIA PATOLÓGICA O tratamento do PTCI objetivamente requer conhecimentos da anatomia, da cinemática e; sobretudo, do tarso. Em primeiro lugar, o componente principal deformante localiza-se nas partes moles. Os músculos intrínseco e extrínseco posteriores e mediais estão retraídos(2). Este encurtamento é bem identificado no tibial posterior, tríceps sural, tibial anterior e nos flexores longos dos dedos. Quanto mais retraídos estiverem estes músculos, mais grave será a deforRev ABTPé. 2009; 3(2): 89-101.

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midade. O ligamento calcaneonavicular plantar encontrase encurtado. Os ligamentos da face posterior e medial do tornozelo e das articulações do tarso são bem espessados, fixando gravemente o pé em equino, o navicular e o calcâneo em adução e inversão(1). O músculo tríceps sural, além de encurtado, apresenta inserção mais medial no calcâneo o que favorece ainda mais a deformidade(7). Os músculos fibulares longo e curto na face dorso-lateral do pé estão alongados. O desequilíbrio de forças favorece ainda mais a ação deformante. Deve-se saber também que as deformidades ocorrem principalmente no tarso. O tálus encontra-se fixo na mortalha tíbio-társica, em uma relação tipo macho-fêmea, em flexão plantar, com seu colo defletido medial e plantarmente e as demais estruturas ao seu redor em localizações adversas. Os dois terços anteriores do calcâneo apresentam-se embaixo da cabeça do tálus, colaborando no equino e varo do retropé; o navicular está desviado internamente e se articula com a superfície medial da cabeça do tálus; o cuboide desvia-se medialmente e abaixo do navicular e a calcanaeocubóidea orienta-se póstero-medialmente. Então, por não existir um eixo de movimento no tarso, estas articulações são funcionalmente independentes. Cada articulação tem o seu padrão de movimento. Ao se executar um movimento no tarso, as estruturas ósseas adjacentes também se movimentam no conjunto. Quando se mobiliza uma articulação automaticamente, aquelas que se encontram na proximidade se movimentam. Ao final, a anatomia funcional pela cinemática demonstra, em estudos com modelos plásticos e confirmados na prática ao se aplicar o método Ponseti, que a correção das alterações graves do posicionamento dos ossos do tarso no PTCI é conseguida, quando o tálus é fixo em sua posição na mortalha tíbio-társica e o antepé é manipulado criteriosamente em abdução(5,8).

a anamnese e o exame físico, este decomposto em inspeção estática e dinâmica e, se possível, palpação.

Anamnese É importante pesquisar os antecedentes familiares, bem como afastar outras causas de PTC. A presença de dor e o grau de perda da função comumente são investigados no pé inveterado ou recidivado.

Exame físico Inspeção estática A simples inspeção estática tem grande valor na avaliação clínica do PTC, uma vez que as seguintes alterações morfológicas são observadas (Figura 1 A e B): cavo no aspecto plantar interno, por flexão plantar do antepé, sobretudo da cabeça do primeiro metatarsal; adução no mediopé e antepé; varo no retropé ao nível da articulação subtalar; equino no retropé. Observa-se no mediopé a intensidade da convexidade da borda lateral do pé, a projeção e amplitude da cobertura do colo do tálus e a presença e profundidade da prega medial do pé. A presença da prega medial com sulco profundo é referência de prognóstico reservado(1) (Figura 1B). No retropé a inspeção deve analisar a presença de prega posterior, sua profundidade e a posição do calcâneo mais saliente e distal, ou retraído e pouco visível. Frequentemente visualiza-se atrofia da panturrilha, principalmente nos casos unilaterais. Nos pés inveterados ressalta-se a presença de higroma na face dorsolateral do médio e retropé, que corresponde à área de apoio. A estética e a função apresentam-se gravemente comprometidas (Figura 2 A, B e C).

Inspeção dinâmica

QUADRO CLÍNICO Os critérios clínicos propostos por Kitaoka et al.(9) e incorporados como referência pela American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS), bem como pela Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo (ABTPé), a qual valoriza que os sintomas dor, função e alinhamento devem ser considerados, pois são importantes na comparação do antes com o depois. O quadro clínico do PTCI é típico. No recém-nato é avaliado o alinhamento e na criança que deambula, ainda mais no adulto, há presença de dor e a perda da função. Independente do grupo etário; sobretudo à procura do fator etiológico, enfoque e ponderações devem ser feitos sob

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Na inspeção dinâmica avalia-se a qualidade da marcha e a mobilidade articular do antepé, mediopé e retropé. No PTCI não submetido ao tratamento, as deformidades aos poucos se estruturam. A marcha é sofrivelmente claudicante, principalmente quando bilateral. A estética agrava-se em relação à inspeção dinâmica, pois durante a fase de apoio, a criança sustenta o peso corporal sobre a borda lateral do pé e o maléolo fibular, o que aumenta ainda mais os desvios e em consequência à deformidade. Na fase de oscilação nota-se a mobilidade. Nos pés tratados verifica-se a presença de deformidades residuais durante a deambulação e a mobilidade. Neste rumo, Ponseti et al.(5) informam algo significante em seu método de tratamento sobre as recidivas nas crianças, após


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a idade do início da caminhada, as quais podem ser diagnosticadas no exame da marcha, “quando a criança anda na direção do examinador é possível observar se há supinação do antepé; a supinação ocorre devido ao desbalanço entre o músculo tibial anterior forte e os músculos fibulares fracos. Quando a criança caminha para o lado contrário ao examinador, observar se o calcâneo está em varo”.

Palpação Nesta avalia-se a flexibilidade, especialmente o grau de correção das deformidades. O calcâneo e os tendões retraídos do tríceps sural e do tibial posterior são palpados, não raramente o calcâneo apresenta-se elevado e os tendões hipertrofiados. Os ligamentos e a cápsula articular espessados e encurtados são sentidos na face medial e posterior das articulações do tornozelo e subtalar. Verifica-se, por palpação e mensuração, a atrofia de panturrilha o que é facilitado nos casos unilaterais. Tateia-se a cabeça e colo do tálus na face lateral salientes, e o maléolo lateral mais posteriorizado. Na face interna, o navicular encontra-se praticamente em contato com a margem anterior e distal do maléolo medial e um dedo não pode ser interposto entre as duas referências ósseas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o pé torto postural, no qual a deformidade é flexível e pode ser corrigida por manipulação passiva. A cabeça e o colo do tálus não estão inclinados medialmente. Os sulcos cutâneos na face posterior do tornozelo e medial do pé não são salientes. O calcanhar não está retraído pela tração do tendão calcâneo e apresenta-se de tamanho normal, a panturrilha não está atrofiada. O navicular não está totalmente em contato com o maléolo medial, e é possível interpor-se um dedo entre as referências ósseas(1). Nas crianças com idade inferior a dois anos, a graduação da deformidade do PTC, pela escala de Pirani et al.(10), pode ser realizada. Esta classificação, de suporte exclusivo no exame físico, não tem valor prognóstico; contudo, será referência de melhora no tratamento a ser posto em prática, e consiste em seis sinais clínicos, graduando-se cada sinal como “0” (normal), “0.5” (moderadamente anormal) e “1” (gravemente anormal). No mediopé são avaliados três sinais clínicos: intensidade da convexidade da borda lateral do pé; presença e profundidade da prega medial do pé; e cobertura ou intensidade da projeção do colo e cabeça do tálus. No retropé são avaliados os últimos três sinais clínicos: presença e intensidade da profundidade da prega posterior; palpação com avaliação do grau de projeção do calcâneo; e grau de redutibilidade do equino.

A

B

C Figura 2A, B e C - Neste paciente, que fez opção conservadora, a palmilha choque absorvente e modelante foi ajustada à sandália personalizada; deste modo, a distribuição do peso corporal é compartilhada entre a região do higroma e circunvizinha.

Estudo radiológico O estudo radiológico complementa o exame clínico. É realizado, principalmente, na criança que deambula e tem alicerce basicamente em incidências radiográficas do pé em ântero-posterior (AP) e perfil(3,4,7). As radiografias são realizadas sempre que Rev ABTPé. 2009; 3(2): 89-101.

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possível em ortostatismo ou em posição de máxima correção(4), permitindo mensurações radiográficas e a avaliação das relações anatômicas das articulações talocalcanena, talonavicular, mediotársicas e tarsometarsais de tal modo que orientam e auxiliam no acompanhamento da evolução terapêutica(3). Entretanto, no recém-nato o estudo radiológico não tem grande valor, mesmo porque o quadro clínico é exuberante(1,11). Ainda, alguns centros de ossificação estão ausentes, o do navicular, que se encontra desviado medialmente, surge ao redor de três a quatro anos de idade.

TRATAMENTO O objetivo do tratamento é obter um pé alinhado, indolor e com apropriada função. Porém, mesmo que a terapêutica seja executada corretamente, o pé nunca será absolutamente normal, permanecendo de tamanho menor, quase sempre com alguma alteração do alinhamento e associado à atrofia da panturrilha, o que é bem identificado, comparativamente, nos casos unilaterais. A disposição atual no tratamento do PTCI do recémnato é, em sua essência, conservadora e deve ser iniciada tão logo possível(3,5,12), uma vez que as deformidades, neste período, não estão estruturadas.

Tratamento conservador O tratamento conservador engloba, de acordo com a literatura(12), vários métodos, entre os quais se destacam: • fisioterapia com manipulação passiva associada ao uso de órtese; • manipulação contínua por máquina de mobilização passiva associada ao uso de órtese; • manipulação passiva seguida do uso de gesso, procedimento mais utilizado, com destaque entre estes ao método de Kite(13) e Ponseti e Smoley(14). A fisioterapia com manipulação passiva associada ao uso de órtese pode evoluir a contento no pé torto postural; todavia, no PTCI está relegada ao abandono, devido à tendência de recidiva em praticamente 100% dos casos quando este método for utilizado como conduta isolada. O tratamento feito por máquina de mobilização passiva tem arrimo na manipulação feita por um fisioterapeuta durante 30 minutos, seguido pelo ajuste do pé em uma máquina de mobilização passiva contínua por oito horas diárias e, ao término, o pé é mantido em posição de correção em tala ortopédica até o dia seguinte, quando os cuidados são repetidos(15). Este método, em nosso meio, envolve muitos cuidados, o que torna complexa a sua indicação.

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Resguardando o conceito conservador no tratamento do PTCI e na expectativa de um bom resultado, Ippolito et al.(16) orientam que o melhor método de tratamento do PTCI é a manipulação passiva seguida do uso de gesso, evitando-se as cirurgias com grandes manipulações e descolamentos de partes moles. Entre as duas modalidades de manipulação passiva seguida do uso de gesso, método de Kite, descrito em 1930(13), e o de Ponseti e Smoley em 1963(14), uma deve ser selecionada e aplicada ao caso que se apresenta, considerando a experiência de quem executa o tratamento com a técnica. Kite em 1939(17) relatou sucesso em até 95% com a sua técnica. Em nosso meio, alguns serviços adeptos deste método referem bons resultados(3,9). Ponseti et al.(5) mencionam êxito acima de 90%. Entre os autores que defendem este método, Herzenberg et al.(8) obtiveram correção em 95% dos pés. Cooper e Dietz(18) encontraram 78% para excelentes e bons resultados e Gabrieli e Conto(19) em um estudo realizado em 15 pacientes, 25 pés referem sucesso em 86% dos casos.

Técnica de KITE, 1930 A correção das deformidades é feita de forma sequencial utilizando gesso inguinopodálico, com o joelho em flexão de 90° e “cunhas no gesso” até nove meses de idade. Iniciase pela a adução, depois o varo e ao final o equino. Na manipulação inicial, com o objetivo de corrigir a adução, ao confeccionar o gesso inguinopodálico, Kite preconiza apoiar o polegar na face anterior e lateral do calcâneo e forçar o antepé em abdução, o que promove hiperpressão ou bloqueio da articulação calcaneocubóidea. Comumente, o gesso inguinopodálico é trocado a cada três semanas, considerando o crescimento da criança e a possibilidade de constrição pelo gesso. Ainda, é possível observar eventual ferimento provocado pela compressão do aparelho gessado ou da confecção das cunhas gessadas rotineiramente realizadas semanalmente. Após a correção das deformidades, o seguimento é mantido em bota gessada por mais três meses ou em outro dispositivo de imobilização.

Técnica de PONSETI, 1963 A técnica de Ponseti, objetivo deste estudo, também utiliza manipulações graduais do pé, seguidas de trocas sucessivas de gesso inguinopodálico com o joelho em flexão de 90°, a cada cinco (protocolo avançado) ou sete dias; porém, não confecciona cunhas no gesso. A previsão de trocas de aparelhos gessados varia entre seis a dez nos casos mais resistentes.


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Os feixes de colágeno por apresentarem disposição ondulada (“crimp”) permitem o alongamento dos ligamentos e tendões durante a manipulação do pé e, assim, retificados, permanecem na confecção do gesso. Alguns dias após as ondulações, eles reaparecem, permitindo maior alongamento(5). Daí o fundamento da correção nas manipulações e trocas de gesso no PTC. O sucesso do tratamento do PTC pelo método de Ponseti depende, em sua essência, dos seguintes cuidados(5,11): • início precoce do tratamento. As deformidades, a princípio flexíveis, respondem mais apropriadamente ao tratamento. Uma parcela dos pacientes inicia o tratamento até os nove meses de idade; embora, bons resultados sejam relatados até os 28 meses; • aderência da família ao tratamento. A aderência da família é fundamental. As orientações devem ser seguidas à risca. O próprio Ponseti refere que sua técnica deve ser vista como um estilo de vida que demanda comportamento adequado; • qualificação no emprego da técnica com a prática das premissas do método Ponseti; • uso correto da órtese. Estudos demonstram que o uso judicioso da órtese é essencial para o sucesso do tratamento.

Figura 3 - Estabilizar o colo do tálus na mortalha tíbio-társica e manipular o antepé em abdução é juízo basilar no reconhecimento do primor e eficácia do método Ponseti.

Premissas do método Ponseti Na manipulação do pé, para o ajuste do gesso, o polegar apoia sobre o colo do tálus, próximo à cabeça, na face lateral focando a sua estabilização. Ao se promover a abdução do antepé, as demais estruturas vão se mover ao redor do tálus no sentido da correção das deformidades (Figura 3). O polegar não deve se apoiar na face lateral da extremidade anterior do calcâneo e ou na calcaneocubóidea, o que deslocaria; ainda mais, os dois terços anteriores do calcâneo embaixo do tálus (Figura 4). Na realidade, todas as deformidades são corrigidas ao mesmo tempo; entretanto, prioriza-se em três etapas uma ou mais das deformidades, feitas de maneira sequencial. Alguns cuidados gerais são recomendados por serem importantes na manipulação do pé e na confecção do gesso pelo método Ponseti(5,11): • a criança deve permanecer o mais confortável possível. Permitir que a criança mame faz parte deste cortejo e o seio da mãe; neste ponto de vista, é acalentador; • o gesso, a priori, deve ser feito pelo ortopedista. Recomenda-se que o gesso a ser utilizado seja comum (sulfato de cálcio em sua forma anidra e incrustado em malha quadriculada de fios de algodão) por permitir melhor modelagem; além disso, o gesso sintético é mais difícil de ser retirado; portanto, mais traumatizante;

Figura 4 - Para Ponseti et al.(5), o erro de Kite está em promover o apoio nas trocas de gesso e na confecção de cunhas, na calcaneocubóidea. Este argumento é lógico e convincente, as tentativas de empurrar o calcâneo em eversão, sem a sua abdução, vão comprimir o calcâneo contra o tálus, não corrigindo o varo do calcâneo. • o gesso deve ser retirado sob a supervisão do médico e não em casa, pois considerável parte da correção pode se perder; • preferencialmente, o gesso deve ser retirado com faca, após a sua submersão em água por 30 minutos, e não com serra elétrica, o que; indiscutivelmente, traria mais desconforto ao paciente.

Correção do cavo Comumente, no início, um único gesso inguinopodálico é aplicado na correção do cavo. A começar, o gesso é confeccionado abaixo do joelho; depois, se estende à raiz da coxa. O polegar se apoia sobre o colo do tálus focando a sua estabilização. O cavo deve Rev ABTPé. 2009; 3(2): 89-101.

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Correção da adução, varo e manutenção da correção do cavo

A

Entre três a seis gessos inguinopodálicos são utilizados na correção simultânea do varo e adução, bem como na manutenção da correção do cavo. O polegar do examinador é apoiado sobre o colo do tálus, objetivando sua estabilização, ao mesmo tempo em que, a outra mão, mantendo a correção do cavo, realiza a abdução do antepé; deste modo, o gesso abaixo do joelho é confeccionado. Esta manobra, além de auxiliar na correção da adução (lateralização do navicular sob a cabeça do tálus), colabora na correção do varo e equino, pelo fato de promover a lateralização da extremidade anterior do calcâneo e o seu desprendimento abaixo do tálus (Figuras 3 e 6). Ao se estender o gesso à raiz da coxa, manipula-se o antepé em abdução, objetivando, como se fez no início desta etapa, a lateralização do navicular sob a cabeça do tálus, bem como dos dois terços anteriores do calcâneo abaixo do tálus, o que aos poucos com as trocas de gesso deverá carrear abdução ao redor de 75° (Figura 7 A e B).

Correção do equinismo

B Figura 5A e B - Posicionamento em supinação (elevação da cabeça do primeiro metatarsal) necessário no método de Ponseti para a correção do cavo. ser corrigido no primeiro gesso, elevando a cabeça do primeiro metatarsal mantendo ou aumentando a supinação, o que aparentemente é contraditório. Na realidade, o antepé é supinado até que a inspeção visual mostre a correção do cavo (Figura 5A). O alongamento das estruturas plantares; sobretudo ao nível do primeiro metatarsal, resulta na correção do cavo. O pé não deve ser pronado em nenhuma fase do tratamento. Ao final desta etapa, em supinação, o gesso inguinopodálico com o joelho em flexão de 90° é confeccionado (Figura 5B).

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São aplicados na correção do equino entre dois a três gessos inguinopodálicos. Nesta fase, com a correção do cavo; adução; varo e, em parte, da própria flexão plantar do calcâneo (o calcâneo dorsiflete à medida que é abduzido sob o tálus), prioriza-se o restante da correção do equino. O polegar apoia-se sobre o colo do tálus focando a sua estabilização e a correção das deformidades em cavo, varo e aduto são mantidas. O gesso é moldado no calcanhar – na realidade em todo o pé – e a correção gradativa do equino é feita no retropé, por alongamento, sobretudo do tendão de Aquiles (Figura 8). A pressão para manter a correção do equino não deve ser feita no antepé pela possibilidade de conduzir ao pé em “mata borrão”.

Tenotomia percutânea do tendão calcâneo A tenotomia percutânea do tendão calcâneo está indicada quando não se consegue a correção do equino com as manobras e trocas de gesso, o que ocorre na maioria das crianças; porém, é condição indispensável para ser realizada que a parte anterior do calcâneo encontre-se em abdução, desprendida debaixo do tálus. A tenotomia pode ser realizada sob anestesia local, preferência de Ponseti, com o pé em dorsiflexão máxima e o joelho em extensão, promove-se a secção no mesmo plano transverso da pele e do tendão, aproximadamente, 1,5 cm acima do calcâneo para evitar a lesão da sua cartilagem. No


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momento da secção do tendão sente-se um ressalto, seguido da correção do equino. Após a tenotomia, o pé é imobilizado em gesso inguinopodálico, em flexão dorsal entre 15° a 20° e abdução acentuada de 70° (entre 65° e 75°) por três semanas (Figura 9A e B). Na sequência, para manutenção da correção, ajusta-se a órtese. É aconselhável que a mesma seja confeccionada previamente à remoção do gesso; assim, tão imediatamente retira-se o gesso, adapta-se a órtese tipo Denis-Browne (Figura 10 A e B).

Órtese no método de Ponseti A confecção e a utilização correta da órtese, mormente, no que diz respeito ao período de tempo e horas de uso diário, após a correção das deformidades pelo método de Ponseti, é fundamental para o êxito do tratamento. Morcuende et al.(20) apontam que o uso inadequado da órtese resulta na recidiva das deformidades em mais de 80% dos casos. Com a utilização correta, a recidiva ocorre em apenas 6% dos pacientes. Thacker et al.(21) referem que o uso correto da órtese após o tratamento pelo método de Ponseti é essencial, uma vez que os pacientes complacentes ao seu uso, comparativamente, têm os melhores resultados. Os vários modelos de órtese (Markell, Mitchel, órtese brasileira, Gotemberg - Suécia, Lyon - França, Steenbeek – Uganda) são confeccionados de acordo com os princípios de Denis-Browne. Ele consiste basicamente em botas fixas a uma barra ajustável com o crescimento da criança, de cano alto, abertas na frente e na região posterior, contraforte reforçado imediatamente acima da extremidade posterior do calcâneo, fivela medial, cadarços e tira dorsal incluída na língua, o que, em conjunto, permitem e favorecem a confirmação do perfeito ajuste do pé ao calçado. Os pés são acomodados às botas em posição de abdução de 70°. Nos casos unilaterais, o pé normal permanece em abdução de 40°(5,11,21). A órtese deve ser utilizada por 23 horas, nos primeiros três meses, após a retirada do último gesso. Na sequência, o emprego da órtese deve ser por 12 horas, durante a noite, até completar quatro anos de idade(5,11,21). As fibras de colágeno que apresentam disposição ondulada e que persistem até os quatro anos de idade se relacionam com as recidivas do PTCI, quando a órtese não é utilizada em toda esta faixa etária.

Figura 6 - No momento da confecção do gesso abaixo do joelho, o tálus é estabilizado na mortalha tíbio-társica e o antepé é manipulado em abdução.

A

Recidivas do PTCI As recidivas do PTCI, na maioria das vezes, estão relacionadas ao uso incorreto da órtese(5,21). Na sua presença, o protocolo(5, 11) considera a confecção de um a três gessos

B Figura 7A e B - Nas trocas de gesso, a abdução progressivamente deve aumentar até se aproximar de 75°.

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A

Figura 8 - Na correção do equino, com o gesso bem modelado, a pressão em flexão dorsal do tornozelo, de intensidade moderada, deve ser feita em toda a planta do pé. A pressão desproporcional no antepé associa-se a inversão da curvatura plantar.

B Figura 10A e B - No ajuste dos pés, a órtese é importante observar que a barra que separa os calçados tenha comprimento o suficiente para que a distância entre os calcanhares seja a mesma distância entre os ombros.

A

até se obter novamente a correção. Ocasionalmente, outra tenotomia do Aquiles pode ser realizada, seguida do gesso inguinopodálico por três semanas. No encadeamento aplicase, como no início, a órtese de manutenção. Este mesmo esquema, frente a novas recorrências, pode ser repetido nas crianças maiores que ainda utilizam da órtese de manutenção e que estão na presença e a mercê do potencial corretivo das fibras de colágeno “crimp”.

Transferência do tibial anterior

B Figura 9A e B - Após a correção das deformidades, as crianças são imobilizadas em gesso inguinopodálico por três semanas com o tornozelo em flexão dorsal entre 15° e 20° e em abdução de 70°.

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Outra questão diz respeito à transferência do músculo tibial anterior. De acordo com Ponseti et al.(5) e seus seguidores(11,16,17), ela está indicada em crianças, entre três e cinco anos de idade que apresentam varo e supinação durante a marcha (inspeção dinâmica). Nestes pacientes, a inspeção estática evidencia a sobrecarga do arco longitudinal externo do pé, caracterizada pelo espessamento da pele em decorrência do apoio excessivo. As radiografias, obrigatoriamente, devem mostram a ossificação do cuneiforme lateral que ocorre tipicamente aos 30 meses de idade. As deformidades em varo e supinação, uma vez estruturadas, se possível, são previamente corrigidas com gesso. A cirurgia se indicada, fundamentalmente consiste na transferência do tendão do músculo tibial anterior para o dorso do terceiro cuneiforme, no meio do pé, apadrinhada


Ruaro AF, Carvalho Junior AE, Coelho SP, Bicudo FC

A

B

C

D Figura 11A, B, C e D - Paciente com 13 anos de idade, com significativa melhora do alinhamento, submetido inicialmente ao método de Ponseti, com o objetivo principal de alongar parcialmente as partes moles plantar e interna. Depois ao procedimento de Codivilla. Na sequência, novamente as trocas de gesso com o desígnio inicial. Ao final a talectomia. de gesso inguinopodálico por seis semanas, sem a indicação do uso de órtese após a sua retirada. Neste momento é oportuno ressaltar que o método Ponseti e as suas particularidades têm aplicação em todas as modalidades de PTC, seja: idiopático, postural, neurológico e sindrômico.

TRATAMENTO CIRÚRGICO O tratamento cirúrgico do PTCI, resistente à correção gessada, é considerado o método eletivo(22), pode estar indicado a partir dos seis meses de idade, sendo o grupo etário ideal entre 9 e 12 meses(12). Embora, seja cabível reafirmar que bons resultados são relatados no método de Ponseti até os 28 meses de idade.

O exame clínico é fundamental e os pacientes são, antecipadamente, submetidos ao tratamento conservador. Durante as manipulações e trocas de gesso, as estruturas resistentes à correção das deformidades são identificadas e estas serão o foco da intervenção cirúrgica. No início, é necessário saber se a deformidade é dinâmica ou está estruturada. Assim, Ponseti et al.(5) indicam a transferência do músculo tibial anterior na presença da deformidade em varo e supinação dinâmica, procedimento considerado pouco invasivo. No andamento, estando a deformidade (varo e supinação) estruturada sem a possibilidade de reversão em dinâmica com manobras conservadoras, entre as várias técnicas cirúrgicas, incluindo vias de acesso, uma deve ser selecionada e executada em parte e/ou, em associação a outra, evitando a padronização. Rev ABTPé. 2009; 3(2): 89-101.

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A via de acesso atualmente preconizada deve ser diminuta e que permita atuação cirúrgica seletiva sob o foco da deformidade(4,12). É correto evitar as liberações amplas e os extensos descolamentos de partes moles(12,16,23), pois os procedimentos cirúrgicos mais agressivos estão relacionados à hipercorreção, fibrose e rigidez articular. Neste prumo, de não ser a cirurgia invasiva, Lara e Sodré(24) propõem, quando possível, que seja a incisão segmentada, preservando em parte sua extensão. A máxima de que o procedimento cirúrgico deve ser minimamente invasivo deve ser respeitada; no entanto, é fato que a “reação deve corresponder à intensidade da ação”. Na escolha de uma técnica cirúrgica é imprescindível recordar que os fundamentos da correção cirúrgica do PTC foram propostos por Codivilla, em 1906(25), cujos preceitos, que abrangem a indicação, mantenham-se atualizados. O procedimento consta, basicamente, na liberação de partes moles póstero-medial. Deve-se lembrar que no pós-guerra, no Brasil, Napoli introduziu a liberação das partes moles como opção eletiva para o tratamento das deformidades consideradas intrínsecas(22). A via oblíqua e póstero-medial de Turco(26), a dupla via de Carroll, McMurtry e Leete(27) e a dupla via com encurtamento da coluna lateral(3) são opções concordantes à experiência do cirurgião e o quadro clínico que se apresenta.

A incisão de Cincinnati(28) é atualmente a mais utilizada quando se necessita de ampla exposição e liberação de partes moles, ela consta de acesso circunferencial, iniciando na base do primeiro metatarsal em sua borda medial, contornando a região posterior do tornozelo cerca de 0,5 a 1,0 cm proximal à extremidade superior da tuberosidade do calcâneo, orientando-se lateralmente e paralelo ao longo eixo do pé, até o cuboide(23). Simons(29) e Lara e Sodré(24), em um estudo comparativo entre as técnicas de Codivilla e Cincinnati, mostram melhores resultados com a última. Em crianças acima de quatro anos de idade, com deformidades rígidas, a literatura destaca a talectomia, que pode ser utilizada como procedimento primário ou secundário (Figura 11 A, B, C e D). Uma técnica a ser considerada e com indicação seletiva no pé inveterado, bem como no recidivado, acima dos sete anos de idade é a tração-osteogenese com o aparelho de Ilizarov. O método tem como inconveniente um tempo prolongado de internação hospitalar, solicita atenção permanente da enfermagem e equipe médica e, ainda, é penoso para o paciente(2). Por outro lado, permite aceitável alinhamento e a manutenção do tamanho do pé ou o seu alongamento, ao contrário das técnicas habituais que conduzem ao encurtamento. Entre as deformidades incapacitantes acima dos dez anos de idade, a tríplice artrodese modelante é considerada procedimento de salvação.

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Artigo de Reflexão

Avaliação funcional pela Escala FFI da cirurgia de Hoffman modificada Functional evaluation of the modified Hoffman procedure through FFI Scale Flávio José Ballerini1, Sérgio Damião Prata1, Leda Magalhães Oliveira2, Jorge Mitsuo Mizusaki3

Resumo Objetivo: Avaliar o resultado da cirurgia de Hoffmann modificada (artrodese da primeira articulação metatarsofalângica e ressecção das demais cabeças metatarsais) em pacientes reumáticos, utilizando a escala Foot Function Index (FFI). Métodos: Foram submetidos à cirurgia proposta, 25 pacientes com artrite reumatoide há pelo menos dez anos, sendo que o FFI foi realizado previamente e seis meses após o procedimento. Resultados: O valor do FFI teve redução média de aproximadamente 47%. A diminuição mais substancial ocorreu na subescala de limitação. Conclusões: A abordagem cirúrgica proposta proporciona importante melhora funcional em pacientes com graves lesões nos pés causadas pela artrite reumatoide. Descritores: Deformidades adquiridas do pé; Doenças reumáticas; Antepé

Abstract Objective: To evaluate the outcome of the modified Hoffmann procedure (first metatarso-phalangeal arthrodesis combined with excisional arthroplasty of the lesser metatarsophalangeal joints) in rheumatic patients, through the Foot Function Index (FFI). Methods: A total of twenty-five patients with rheumatic arthritis, for at least ten years, underwent a modified Hoffmann procedure. The FFI was previously applied to the surgery, and the test was also applied about six months after surgery. Results: FFI score decreased about 47%. The scores of activity limitation sub-scale had the most expressive reduction. Conclusions: The surgical approach provides an improved functional outcome in rheumatic patients with severe deformities of the feet, which were caused by rheumatic arthritis. Keywords: Foot deformities, acquired; Rheumatic diseases; Forefoot

Correspondência Flávio José Ballerini Rua Conselheiro Rodrigues Alves, 83 CEP: 04014-011 – São Paulo (SP), Brasil. Fone: (11) 5089-9968 E-mail: flavioballerini@hotmail.com Data de recebimento 05/03/09 Data de aceite 09/09/09

Trabalho realizado no Grupo Interdisciplinar de Pé Reumático da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 1 Médico voluntário do Grupo de Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo da Disciplina de Ortopedia do Departamento de Ortopedia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 2 Fisioterapeuta da Disciplina de Reumatologia; Colaboradora do Ambulatório Interdisciplinar do Pé Reumático da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 3 Coordenador do Grupo Interdisciplinar do Pé Reumático; Chefe do Grupo de Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo da Disciplina de Ortopedia do Departamento de Ortopedia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.


Ballerini FJ, Prata SD, Oliveira LM, Jorge Mizusaki M

Introdução A artrite reumatoide é uma doença de acometimento sistêmico de intensas manifestações osteomusculares, com prevalência estimada entre 0,5 e 1,5% na população geral(1). O acometimento dos pés nestes doentes é extremamente comum, com uma prevalência de cerca de 50% em qualquer estágio da doença(1). Tais problemas nos pés são dependentes tanto da severidade da doença(2), quanto de sua duração(1). Além da piora da qualidade de vida, tais problemas se relacionam com o aumento do risco de quedas, o que contribui para a morbimortalidade nestes pacientes(3). Nos pacientes que possuem a doença há mais de dez anos, há prevalência de 90% de acometimento do antepé(4), sendo que as queixas são centradas na presença de metatarsalgia difusa(1). Tal envolvimento inicia-se com hipertrofia proliferativa do tecido sinovial, com estimulação de condrócitos e fibroblastos a liberar enzimas proteolíticas, evoluindo com sinovite e edema das articulações metatarsofalângicas; com a instabilidade nestas articulações, somada com os estresses mecânicos que tais articulações sofrem na marcha, culmina-se a com destruição articular e as deformidade(5-7). No antepé, as deformidades mais frequentemente encontradas são o hálux valgo, com prevalência de 70% nos pacientes(5), o qual é associado com a deformidade dos dedos menores; subluxação e luxação das metatarsofalângicas e deformidades em garra(5). Tal quadro causa migração distal do coxim adiposo metatarsal, deixando as cabeças metatarsais desprotegidas, ocasionando áreas de sobrecarga, com calosidades e mesmo ulcerações(7). O tratamento proposto atualmente para tal quadro depende do grau de deformidade, dos sintomas e do estado geral do paciente, sendo que para casos leves inicia-se com o uso de órteses e adequação do calçado, com resultado satisfatório(8); por outro lado, para os casos avançados, já com falha no tratamento com órteses, deformidades rígidas e luxações, o tratamento de escolha é o cirúrgico, com diversas técnicas propostas na literatura(5,7). Em 1912, Hoffman descreveu a ressecção das cabeças metatarsais para o tratamento de deformidades graves do antepé(9). Tal procedimento foi posteriormente modificado por Fowler e Clayton, com ressecção de parte da falange proximal e de porções variáveis da cabeça metatársica(5). Há controvérsias na literatura quanto ao melhor acesso para a artroplastia de ressecção das cabeças metatarsais. Relata-se que o acesso plantar proporciona exposição mais fácil, remoção de calosidades, retensionamento da fáscia plantar, e menor incidência de infecção pós-operatória(4,5,10).

Estudos posteriores têm demonstrado que a estabilização da primeira articulação metatarsofalângica, por meio de sua artrodese, proporciona melhores resultados a longo prazo, associada com a artroplastia de ressecção das demais cabeças metatarsais, o que é denominado cirurgia de Hoffmann modificada(5-7,10-15). Por outro lado, há poucos relatos de trabalhos na literatura do tipo prospectivo, associados a métodos de avaliação válidos e confiáveis(16). É importante que a análise clínica dos pacientes após tais procedimentos cirúrgicos seja objetiva e reprodutível. O Foot Function Index, em português, Índice Funcional do Pé (FFI) é um teste clínico facilmente administrado no qual o paciente relata aspectos de sua capacidade locomotora com especial atenção aos problemas relacionados aos pés(3) (Anexo 1). Este teste foi estruturado a fim de se medir o impacto à saúde do indivíduo ocasionado por doenças nos pés. Como o FFI foi desenvolvido para o uso em uma população de pacientes predominantemente idosos, ele foi concebido para ser tanto conciso quanto simples(3). Tendo isto em vista, propõe-se um estudo prospectivo da avaliação funcional dos pés por meio do FFI em pacientes portadores de AR em estágio avançado, submetidos à artrodese da primeira articulação metatarsofalângica associada à artroplastia de ressecção das cabeças dos demais metatarsos.

MÉTODOS De Janeiro de 2000 a Janeiro de 2004 foram avaliados 25 pacientes com deformidades graves e dolorosas no antepé, pertencentes ao Ambulatório Interdisciplinar do Pé Reumático no Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal Paulista (EPM-UNIFESP). O estudo foi realizado após consentimento informado destes pacientes. Os critérios de inclusão dos pacientes foram: presença de artrite reumatoide há no mínimo dez anos; queixas relacionadas aos pés e sem melhora com utilização de métodos não cirúrgicos (adaptação de calçados; fisioterapia; analgésicos); doença reumática não ativa; e deformidade grave nos antepés (calosidades, luxação das articulações metatarsofalângicas laterais, valgismo do hálux, artrose da primeira metatarsofalângica). Tais pacientes foram avaliados conforme critérios clínico-radiográficos descritos na literatura(7). O impacto da doença, à função dos pés, foi mensurado pelo FFI. Este teste consiste de 23 itens agrupados em três diferentes subescalas. Estas proporcionam informação a respeito de três aspectos determinantes da função (dor, incapacidade e limitação de atividades), haja vista que elas são focadas às doenças nos pés. Todos os itens são associados a uma pergunta e graduados por uma escala analógica Rev ABTPé. 2009; 3(2): 102-8.

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Avaliação funcional pela Escala FFI da cirurgia de Hoffman modificada

Subescala de dor O quanto é forte a dor nos seus pés? 1. Quando a doença está pior? 0

1

2

3

4

5

6

7

8

Sem dor

9

10 Pior dor imaginável

Figura 1 - Exemplo de um item na subescala de dor. 70 60

58 50

50 40

33

Pré

28

30

Pós

20

20

6

10 0 FFI Dor

FFI Dificuldade

FFI Limitação

Gráfico 1 - Subescalas do FFI. Tabela 1 - Diminuição percentual nas subescalas Diminuição em relação ao valor pré-operatório

Dor (%)

Dificuldade (%)

Limitação (%)

42,59

43,97

69,92

visual, a qual consiste de uma linha horizontal, numericamente divida em dez segmentos iguais(17) (Figura 1). Nesta, o paciente marca a intensidade de seu problema relacionado à pergunta(3). A subescala de dor mensura o nível de dor no pé em situações variáveis, e contém nove itens; a grandeza mensurada é intensidade de dor, sendo que no segmento “0” seria ausência de dor, e em “10” seria a pior dor imaginável. A subescala de incapacidade é também composta de nove itens, e descreve a dificuldade em realizar atividades variadas; a grandeza mensurada é o grau de dificuldade, sendo que no segmento “0” seria ausência de dificuldade, e “10” seria dificuldade total. Finalmente, a subescala de limitação associa-se a limitações de atividades devido a problemas nos pés. É composta de cinco itens; sua grandeza mensurada é frequência de limitação, sendo que o segmento “0” significa nunca, e o segmento “10” significa continuamente limitado. Tais perguntas e escalas já foram validadas para a língua portuguesa(18). Para se obter o resultado da subescala, os resultados de cada item são somados e depois divididos pelo total máximo possível de todos os itens. Se o paciente refere que não realiza uma determinada atividade, como por exemplo, andar descalço, este item é considerado não aplicável, e excluído da subescala e de todos os cálculos(3). Os resultados foram multiplicados por 100 para se eliminar o ponto decimal. A função total do pé é derivada do cálculo da média das três subescalas(3) (Figura 1).

104

Rev ABTPé. 2009; 3(2): 102-8.

Todos os pacientes foram avaliados pelo FFI previamente ao procedimento cirúrgico. Tal teste foi novamente aplicado em torno de seis meses após a realização da cirurgia. As cirurgias foram realizadas no Hospital São Paulo da UNIFESP, pela mesma equipe cirúrgica, com garroteamento, raquianestesia e antibiótico-profilaxia com cefalotina. Inicia-se com um acesso medial à primeira articulação metatarsofalângica, com capsulotomia longitudinal, e ressecção das superfícies articulares da falange proximal e cabeça metatarsal. Realizou-se posicionamento da articulação de 10 a 15º de valgo, e 10 a 15º de extensão em relação ao solo, e a fixação com dois parafusos de 3,5 mm. Após isto, foi feita uma incisão plantar transversal distal às cabeças dos segundo ao quinto metatarsos, com exposição das cabeças metatarsais após dissecção do coxim adiposo local, e ressecção delas na região do colo metatarsal, com inclinação de 45º (“bico de flauta”). Segue-se a fixação dos dedos aos metatarsos correspondentes por fios de Kirschner 1,5 mm. Foi realizado fechamento das feridas em planos, curativo e colocação de goteira gessada. Os pontos foram retirados em duas semanas, e a marcha foi permitida após seis semanas do procedimento. Todos os pacientes foram encaminhados para fisioterapia. Todos os dados coletados provindos das avaliações funcionais foram analisados por um avaliador independente. Tais dados foram posteriormente encaminhados à análise estatística, realizando-se também a relação percentual entre os valores pré e pós-operatório do FFI, inclusive de suas subescalas. Utilizou-se o teste de Wilcoxon para a comparação dos valores do FFI pré e pós-operatórios.

RESULTADOS A média da idade dos pacientes foi de 56,4 anos, sendo a idade mínima 46 anos, e máxima de 72 anos. O tempo médio de duração da doença reumática foi de 19,6 anos, com duração mínima de 10 anos, e máxima de 30. O valor médio do FFI pré-operatório foi de 42,77. O valor médio pós-operatório do FFI foi 22,49. Houve uma diminuição de 47,41% em relação ao valor inicial, com significância estatística (p<0,001). Os valores médios das subescalas do FFI, comparando-se valores pré e pós-operatórios, estão dispostos no Gráfico 1. A diminuição percentual do valor do FFI entre os valores pré e pós-operatórios está expressa na Tabela 1. A comparação dos valores de cada subescala do FFI (escala de dor, de dificuldade e de limitação de atividades) préoperatória com seus respectivos valores pós-operatórios demonstrou diferença estatisticamente significante (p<0,001) em todas as subescalas.


Ballerini FJ, Prata SD, Oliveira LM, Jorge Mizusaki M

DISCUSSÃO Os ortopedistas precisam estar capacitados a determinar se os tratamentos que eles prescrevem e executam são realmente efetivos. Para tal, podem utilizar vários instrumentos complexos e que consomem tempo, o que os torna de uso difícil na já atribulada prática clínica. Um instrumento confiável em que o próprio paciente realiza sua avaliação tem vantagens óbvias sob estas circunstâncias. Foi neste cenário que se utilizou o FFI para a análise dos resultados pósoperatórios de pacientes reumáticos, submetidos à cirurgia de Hoffman modificada. A nossa análise determina que tal abordagem teve efeito indiscutível quanto à melhora funcional destes pacientes no tempo de seguimento apresentado. A artroplastia de ressecção foi proposta por Hoffman em 1912, com ressecção de todas as cabeças metatársicas em pacientes com deformidades graves do antepé. Tal proposta foi modificada e ganhou novas abordagens, como a proposta por Clayton, em 1963, que introduziu o conceito da artroplastia do antepé para a artrite reumatoide. Estudos posteriores determinaram que, em cirurgias em que ocorria ressecção da primeira articulação metatarsofalângica, houve altos índices de recidiva da hálux valgo; além disso, tal abordagem ocasionava sobrecarga dos raios laterais, com desenvolvimento de calosidades e metatarsalgia. A partir de tais observações, definiu-se como uma das abordagens adequadas para o tratamento do pé reumatoide a cirurgia de Hoffman modificada, que consiste na artrodese da primeira articulação metatarsofalângica associada à ressecção das demais cabeças metatársicas laterais. Na literatura há poucos relatos acerca da análise funcional dos pacientes submetidos a esta técnica cirúrgica, por métodos previamente validados. Kadambande et al.(6) realizaram um estudo retrospectivo de 66 pés submetidos à abordagem similar, e relataram um FFI pós-operatório de 0,47; escore AOFAS de 65,94; e melhora do ângulo de valgismo do hálux e do ângulo entre o primeiro e segundo metatarsos. Tais valores do FFI são maiores quanto comparados aos valores pós-operatórios apresentados no presente estudo. Grondal et al.(16) realizaram um estudo de tipo prospectivo e randomizado em 31 pacientes, comparando a ressecção tipo Mayo em relação à artrodese da primeira articulação metatarsofalângica, sendo que os demais raios foram submetidos à ressecção das cabeças metatársicas em ambos grupos. A abordagem cirúrgica realizada ocorreu por acesso dorsal; portanto, diferiu-se da presente abordagem. Em tal trabalho foi realizada a avaliação funcional pelo FFI antes e após a cirurgia (6 meses e depois entre 26 a 52 meses). No grupo da artrodese, os valores das subescalas do FFI pré-operatório foram similares aos do presente estudo (subescala de dor=58; subescala de dificuldade=48; subescala limitação=13); entretanto, os valo-

res do FFI pós-operatórios para este grupo com seis meses de seguimento foram relativamente menores aos valores deste estudo (subescala dor =4; subescala dificuldade=17; subescala limitação=2). Vale ressaltar que os autores referem que o número de pacientes no estudo foi pequeno e, assim, diferenças estatísticas poderiam ocorrer em amostras maiores. Outros estudos a respeito da cirurgia de Hoffman modificada foram realizados(7,9-13), porém com instrumentos e parâmetros de avaliação diferentes do nosso. Tais instrumentos utilizaram a avaliação de calosidades e deformidades, do uso de calçados, de imagens radiográficas e da satisfação pessoal. A escolha do instrumento apresentado (FFI) é alicerçada perante sua validação previamente estabelecida(3). Tal teste apresenta alta consistência interna, alto nível de concordância, altos níveis de reprodutibilidade, além de ser sensível a mudanças no status clínico ocorridas em períodos curtos do tempo(3,17,19,20). Além disso, este teste já foi validado para a língua portuguesa(18), sendo confiável sua aplicação na população brasileira. Tendo em vista a natureza da artrite reumatoide em acometer vários sistemas do organismo, acredita-se que o instrumento de avaliação utilizado exprime tal característica pela avaliação global da função dos pés. Tem sido demonstrado que o FFI é fortemente correlacionado com outro índice, o Health Assessment Questionaire(19), além de também ser relacionado com o SF-36(20). Assim, pode-se interpretar que a função dos pés do paciente é associada com a sua capacidade funcional geral, devido à correlação entre estes testes. O FFI é um instrumento satisfatório para análise da função dos pés em pacientes com baixa demanda funcional, como ocorre em pacientes com artrite reumatoide(3,17,19,20). Em tais pacientes, tal instrumento é validado (isto é, mensura aquilo que se propõe a mensurar); além disso, apresenta a mesma resposta em tempos diferentes para o mesmo indivíduo. Uma limitação deste instrumento(17) é sua deficiência em mensurar a função dos pés em pacientes com maior atividade diária, como por exemplo, em atletas. Nestes pacientes haverá uma desproporção entre o nível de atividade e as perguntas propostas nas escalas e o nível de atividade diário, o que ocasiona falhas na interpretação de resultados. Além disso, várias perguntas não são aplicáveis a pacientes com alta demanda (por exemplo, muitos destes não usam palmilhas nem muletas), ocasionando um grande número de itens não aplicáveis(17). Os valores do FFI pré-operatórios nos pacientes do presente artigo são altos, principalmente em relação à escala de dor. A diminuição percentual dos valores foi de aproximadamente 47%. Deve-se considerar que tal diminuição de valores pode não ocorrer em pacientes com FFI pré-operatórios baixos. Acredita-se que esta proposta cirúrgica é mais bem empregada em pacientes já com níveis de dor, incapacidade e limitação substanciais. A aplicação deste instrumento de Rev ABTPé. 2009; 3(2): 102-8.

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Avaliação funcional pela Escala FFI da cirurgia de Hoffman modificada

avaliação no período pré-operatório é também importante na determinação do momento adequado da cirurgia em pacientes com doenças degenerativas progressivas, como a artrite reumatoide. A utilização de tal instrumento de avaliação faz parte de uma avaliação global do paciente submetido ao método terapêutico proposto. Os níveis de complicações desta técnica cirúrgica apresentada (como infecção, deiscência, não consolidação da artrodese MTF-1, isquemia, lesão nervosa), capacidade de utilizar calçados genéricos, e satisfação geral do paciente para tal técnica cirúrgica já estão previamente estabelecidos na literatura(5,7,9,11,15).

Assim sendo, a utilização do FFI na análise dos resultados funcionais de pacientes reumáticos submetidos à cirurgia de Hoffman modificada é adequada para a prática clínica diária, devido à sua facilidade de aplicação, associação com a saúde geral do paciente, capacidade de exprimir o status funcional pré e pós-operatório e sua validação.

CONCLUSÃO O instrumento de avaliação funcional proposto (FFI) é viável para a avaliação das mudanças da função dos pés em pacientes reumáticos submetidos à cirurgia de Hoffmann modificada.

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Ballerini FJ, Prata SD, Oliveira LM, Jorge Mizusaki M

Anexo 1 - Índice Funcional do Pé – FFI ÍNDICE FUNCIONAL DO PÉ NOME DATA SUBESCALA DE DOR O quanto é forte a dor nos seus pés? 1. Quando a doença está pior? 0 1 2 SEM DOR

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5. Quando você usa sapatos? 1 2

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6. Quando você permanece em pé usando sapatos? 1 2 3 4

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7. Quando você anda usando palmilhas? 1 2 3

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8. Quando você permanece em pé usando palmilhas? 1 2 3 4

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2

3

3

4

4

TOTAL DE PONTOS: TOTAL DE PONTOS MÁXIMOS POSSÍVEIS: NOTA: SUBESCALA DE DIFICULDADE Quanta dificuldade você tem? 1. Quando você anda dentro de casa? 0 1 2 3 NENHUMA 2. Quando você anda fora de casa? 0 1 2 3 NENHUMA 3. Quando você anda quatro quarteirões? 0 1 2 3 NENHUMA 4. Quando você sobe escadas? 0 1 2 3 NENHUMA 5. Quando você desce escadas? 0 1 2 3 NENHUMA 6. Quando você fica na ponta dos pés? 0 1 2 3 NENHUMA 7. Quando você se levanta da cadeira? 0 1 2 3 NENHUMA

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Avaliação funcional pela Escala FFI da cirurgia de Hoffman modificada

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8. Quando você sobe em calçadas? 1 2 3

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TOTAL DE PONTOS: TOTAL DE PONTOS MÁXIMOS POSSÍVEIS: NOTA: SUBESCALA DE LIMITAÇÃO DE ATIVIDADE Quanto tempo você: 1. Fica em casa o dia todo por causa da dor nos seus pés? 0 1 2 3 NUNCA 2. Fica na cama o tempo todo por causa de dor nos seus pés? 0 1 2 3 NUNCA 3. Diminui suas atividades por causa da dor nos seus pés? 0 1 2 3 NUNCA 4. Usa bengalas ou muletas dentro de casa? 0 1 2 3 NUNCA 5. Usa bengalas ou muletas fora de casa? 0 1 2 3 NUNCA TOTAL DE PONTOS: TOTAL DE PONTOS MÁXIMOS POSSÍVEIS: NOTA:

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Relato de Caso

Fibroma desmoide extra-abdominal em criança. Relato de caso Extra-abdominal desmoid fibroma in a child. Case report Marcelo de Pinho Teixeira Alves1

Resumo Apresentação de um caso de fibroma desmoide extra-abdominal que acometeu o pé esquerdo de uma criança, tendo sido tratado por cirurgia preservadora do membro afetado. Paciente de dez anos de idade apresentando lesão extensa e ulcerada no dorso do pé esquerdo, com limites bem definidos e de crescimento progressivo, atingindo partes moles e a estrutura óssea do mediopé e cursando com incapacidade funcional no pé acometido. Trata-se de um caso raro, necessitando de tratamento cirúrgico agressivo, com a excisão completa da lesão, porém com máxima preservação da função do membro acometido, especialmente quando se trata de uma criança. Descritores: Fibromatose agressiva/cirurgia; Pé/patologia; Fibromatose abdominal; Relatos de casos

Abstract Presentation of an extra-abdominal desmoid fibroma case that affected a child’s left foot, being treated by a foot preventive surgery. A ten-year old patient presenting a big and continuous growing lesion in the left foot’s back, causing functional impairment of the foot with well-defined limits and progressive growth, reaching the soft and bone structure of the midfoot and following with disability in the affected foot. It is a rare case, which shows that the functional and preservative surgery is the right choice for the treatment of these lesions, leading to a good final result. Keywords: Fibromatosis, aggressive/surgery; Foot/pathology; Fibromatosis, abdominal; Case reports

Correspondência Marcelo de Pinho Teixeira Alves Avenida Genaro de Carvalho, 2.597 Recreio dos Bandeirantes CEP: 22.597 – Rio de Janeiro/RJ E-mail: marceloptalves@hotmail.com Data de recebimento 07/09/08 Data de aceite 09/09/09

Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia do Hospital Santa Maria, Lisboa – Portugal. 1 Assistente Hospitalar de Ortopedia do Hospital Santa Maria, Lisboa – Portugual. Os autores declaram não haver qualquer tipo de conflito de interesse na realização deste trabalho.


Fibroma desmoide extra-abdominal em criança. Relato de caso

INTRODUÇÃO

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RELATO DO CASO

O fibroma desmoide extra-abdominal é uma lesão rara, porém de crescimento lento e progressivo. Geralmente ocorre em adultos e, quando de localização extra-abdominal, afeta principalmente o pé. O tratamento deve ser radical, com margens oncológicas adequadas, pois sua taxa de recidiva é alta, com cerca de 50% de recorrência. Entretanto, faz-se necessária, quando possível, a máxima preservação da função da extremidade acometida, excisando-se o tumor e preservando estruturas não-acometidas. O presente trabalho ilustra a patologia e mostra que o tratamento cirúrgico adequado para essa lesão é possível, desde que seja efetuado com margens amplas de ressecção, evitando-se cirurgias intralesionais ou excisões marginais, devido ao risco de recidiva do tumor.

Paciente do sexo feminino, EMT, 10 anos de idade, natural da Guiné-Bissau. Paciente encaminhada para tratamento e acompanhamento no Serviço de Ortopedia do Hospital de Santa Maria (SOHSM) em Lisboa, ao abrigo da prestação de cuidados de saúde aos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP). A paciente foi referenciada ao SOHSM pelo Instituto Português de Oncologia, sede de Lisboa, em 2006. A paciente refere alterações cutâneas e aumento de volume do pé esquerdo (Figuras 1 e 2) há cerca de três anos, tendo sido submetida a tratamento cirúrgico em 25 de maio de 2003 em Guiné-Bissau. A paciente não soube especificar que tipo de procedimento foi realizado. Ela foi avaliada em 12 de maio de 2006 no SOHSM; apresentava lesão extensa e ulcerada no dorso do pé esquer-

Figura 1 - Vista anterior do pé.

Figura 2 - Vista lateral do pé.

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do, com os limites bem definidos pela pele, sem drenagem de secreção purulenta ou serosa. Também relatava que a lesão vinha tendo crescimento progressivo, porém lento e não havia acometimento dos dedos. A lesão atingia as partes moles e a estrutura óssea do mediopé e cursava com limitação funcional do membro. Entretanto, a paciente deambulava com apoio do pé ao solo e negava queixas neurológicas ou perda de sensibilidade no pé. Foram realizados exames radiológicos simples do pé esquerdo nas incidências ântero-posterior e oblíqua (Figuras 3 e 4), os quais evidenciaram a lesão óssea e articular, com envolvimento extenso do segundo e terceiro metatarsos, sendo que o tumor provocava afastamento entre estes ossos e impressão na cortical óssea. Tratava-se de uma lesão lítica que acometia o metatarso, a segunda e terceira articulações cuneo-metatarsais e preservava as articulações metatarsofalângicas.

A ressonância nuclear magnética (Figuras 5 e 6) evidenciou a magnitude da lesão, mostrando o extenso acometimento das partes moles e ósseas do pé. Foram obtidas imagens multiplanares pesadas em T1, com saturação de gordura após administração de meio de contraste e T2 com saturação de gordura. O exame mostrou lesão expansiva localizada no mediopé, envolvendo o segundo e terceiro metatarsos, com limites definidos e contornos lobulados, apresentando realce heterogêneo por meio de contraste e promovendo afilamento do segundo e terceiro metatarsos, com rotura cortical evidente. Após os exames complementares realizados, a paciente foi submetida ao tratamento cirúrgico sob raquianestesia, com excisão completa da lesão, respeitando margens oncológicas de segurança. Foi realizada a amputação parcial do pé, ressecando-se apenas o segundo e terceiro raios, que eram os mais envolvidos pelo tumor, e preservando o primeiro, quarto e quinto raios do pé, o que possibilitou a melhor recuperação funcional do membro operado. Em seguida, a peça cirúrgica excisada foi encaminhada para exame anatomopatológico, que confirmou o tumor como fibroma desmoide. Não foi possível fazer a revisão da lâmina da primeira cirurgia, pois esta fora realizada em Guiné-Bissau. Após um ano de pós-operatório, a paciente apresenta-se em bom estado geral, sem evidência de recidivas do tumor.

Figura 3 - Radiografia em AP do pé.

Figura 4 - Radiografia em vista oblíqua do pé. Rev ABTPé. 2009; 3(2): 109-13.

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Fibroma desmoide extra-abdominal em criança. Relato de caso

Figura 5 - Imagem de ressonância magnética do pé a evidenciar extenso envolvimento das partes moles do pé e lesão óssea dos metatarsais.

Figura 6 - Imagem de ressonância magnética do pé – Extensão da lesão.

DISCUSSÃO Tumores desmoides são neoplasias não encapsuladas, originárias do tecido conjuntivo, caracterizadas por apresentarem baixo potencial metastático e exuberante crescimento locorregional, além de elevados índices de recidiva. São tumores raramente descritos, com incidência estimada de 0,2 a 4,3 por 100.000 habitantes(1). São subclassificados pela sua localização: na parede abdominal, extra-abdominal e formas mesentéricas. São tipicamente localizados em tecidos moles profundos intramusculares ou intra-abdominais no mesentério(2,3). As formas extra-abdominais são mais raras e, quando ocorrem, atingem principalmente as mãos e os pés de pacientes adultos(2,3). Geralmente o tratamento é cirúrgico, com excisão local e tentativa de preservação do membro (mesmo na forma recorrente e múltipla, deve-se evitar o tratamento primário agressivo, isto é, a amputação completa do membro)(4,5). Radiograficamente, pode haver erosão óssea pelo tumor(6), o que é verificado no caso apresentado.

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Macroscopicamente, o tumor desmoide é uma lesão uniformemente parda ou branca, sem regiões de necrose ou hemorragia, tipicamente localizado no músculo e aderido à fáscia. Apresenta-se bem vascularizado e se diferencia do fibrossarcoma por ser mais uniforme, não apresentar atipias e conter alta quantidade de colágeno extracelular. Geralmente, as lesões ósseas se dão por contiguidade e impressão progressiva do tumor sobre o osso(2,5). O tumor apresenta como principal fator prognóstico a ressecção com margem oncológica adequada, pois pode evoluir com recorrência local em 50% dos casos (mesmo após excisão ampla seguida de cobertura cutânea com enxerto ou retalho)(7). Usualmente não metastatizam, apesar de o tumor ser localmente invasivo(8). A recidiva local do tumor ocorre mais frequentemente quando a lesão acomete a região do quadril e pé e, principalmente, após excisão marginal ou intralesional(5,9,10). O caso em questão ilustra tumor raro a atingir o pé, apresentando extenso envolvimento de partes moles e ósseas, o qual é tratado por cirurgia funcional e oncologicamente adequada, ou seja, amputação parcial do pé (segundo e terceiro raios) e preservação do membro.


Alves MPT

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NOTA DO EDITOR Observações do Corpo Editorial ao autor: Corpo Editorial: Como justificar a não-recidiva do tumor no tempo de segmento do caso? Seria porque a ressecção ampliada do tumor implicando numa amputação funcional teria sido a melhor solução? Autor: O tumor não recidivou por ter sido completamente ressecado com margens de segurança adequadas. A amputação funcional é a melhor solução nestes casos. Corpo Editorial: Há possibilidade de incluir algum exame complementar, como ilustração, de que efetivamente o tumor não recidivou na última avaliação? Autor: A paciente, depois de ter tido alta, retornou à Guiné-Bissau. Não tenho mais como acessar possíveis exames dela. Corpo Editorial: Justificar a razão por não ter sido realizada biópsia previamente ao ato cirúrgico. Você sugere nestes casos que a biópsia de ressecção seja “confortável” para o cirurgião?

379-80.

Autor: Havia um relato de cirurgia prévia na paciente, com resultado de biópsia mostrando fibroma digital infantil. Este exame havia sido realizado na Guiné-Bissau e a paciente o trazia como parte do relatório de encaminhamento para Portugal. Entretanto, pode-se dizer que a cirurgia de ressecção ampla e a biópsia excisional, no caso da paciente, eram realmente confortáveis para o cirurgião. Corpo Editorial: Os aspectos anatomopatológicos merecem uma discussão mais aprofundada. Autor: Os trabalhos publicados e a literatura disponível são repetitivos e em mais nada acrescentariam ao trabalho em questão. Acredito que a discussão anatomopatológica esteja satisfatória. Portanto, mantenho o texto do trabalho com as orientações e sugestões já feitas e seguidas. Agradeço muito a colaboração de todos e conto com sua publicação nesta revista para que todos possamos conhecer a patologia e oferecer nossos melhores esforços e conhecimentos para os pacientes.

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Nominata

Volume 3 - Nº 1 e Nº 2 Revista ABTPé - 2009 Os editores da Revista ABTPé agradecem o trabalho realizado pelos revisores AD HOC, abaixo relacionados, que com esforço e dedicação de todos, garantem à revista elevado padrão editorial.

Antonio Francisco Ruaro Universidade Paranaense, Umuarama (PR) , Brasil Arnaldo Papavero Hospital Carlos Chagas, Guarulhos (SP), Brasil Augusto César Monteiro Hospital do Servidor Público Municipal - HSPM, São Paulo (SP), Brasil Carlos Fontoura Filho Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG), Brasil Cibele Ramos Réssio Clínica Ortopédica Ibirapuera, São Paulo (SP), Brasil Cíntia Kelly Bittar Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas (SP), Brasil Davi de Podestá Haje Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília (DF), Brasil Edegmar Nunes Costa Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO), Brasil Fábio Batista Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Francisco Mateus João Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM), Brasil Helencar Ignácio Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto (SP), Brasil João Luiz Vieira da Silva Universidade Federal do Paraná, Curitiba (PR), Brasil Jorge Mitsuo Mizusaki Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Kelly Cristina Stéfani Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira”, São Paulo (SP), Brasil Luiz Carlos Ribeiro Lara Universidade de Taubaté, Taubaté (SP), Brasil

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Luiz Eduardo Cardoso Amorim Hospital Municipal Lourenço Jorge, Rio de Janeiro (RJ), Brasil Luiz Sergio Martins Pimenta Médico ortopedista, São Paulo (SP), Brasil Marcelo Pires Prado Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, São Paulo (SP), Brasil Marco Antonio Rocha Afonso Faculdade de Medicina da Universidade de Fortaleza, Fortaleza (CE), Brasil Marco Túlio Costa Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Marcos de Andrade Corsato Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Mário Kuhn Adames Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis (SC) Marta Imamura Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Osny Salomão Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Renato do Amaral Masagão Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, São Paulo (SP), Brasil Ricardo Cardenuto Ferreira Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil Rui dos Santos Barroco Faculdade de Medicina do ABC - Hospital Mário Covas, Santo André (SP), Brasil Sidney Silva de Paula Hospital Universitário Cajuru, Curitiba (PR), Brasil Verônica Fernandes Vianna Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Índice de Autores Alves MPT...................................................... 109 Anderson RB.......................................................2 Anzuatégui PR...................................................29 Ballerini FJ......................................... 41, 81, 102 Baruffi NA.........................................................68 Bicudo FC.........................................................89 Bicudo LAR.......................................................22 Bonaroski LF.............................................. 29, 36 Campos Filho JT......................................... 29, 36 Canova RA........................................................68 Carvalho Junior AE............................................89 Chagas FF.........................................................22 Coelho SP.........................................................89 Feitosa CH........................................................75

Franco Filho N..................................................22 Gould JS...........................................................52 Hirata LM..........................................................68 Ishihara H.........................................................48 Klein Junior A....................................................68 Kobata SI............................................ 41, 48, 81 Lara LCR...........................................................22 Leão GSS.........................................................75 Macedo Filho CA...............................................22 McCormick JJ......................................................2 Mizusaki J.........................................................48 Mizusaki JM................................................... 102 Montesi Neto DJ...............................................22 Moura BAB................................................ 29, 36

Myerson MS......................................................58 Napoli M...........................................................11 Nery C....................................................... 41, 81 Oliveira LM..................................................... 102 Paula SS...........................................................68 Prata SD.................................................. 48, 102 Ruaro AF...........................................................89 Schulhan LA.....................................................36 Secco WG.........................................................68 Silva JLV..................................................... 29, 36 Souza AMG.......................................................75 Vianna SAM............................................... 29, 36

Índice de Assunto Antepé............................................................102 Articulação metatarsofalângica lesões.............................................................2 Calcâneo cirurgia.........................................................68 lesões.....................................................22, 68 Condroblastoma cirurgia.........................................................75 radiografia....................................................75 Deformidades adquiridas do pé......................102 Deformidades congênitas do pé cirurgia............................................................... 58 Doenças reumáticas.......................................102 Dor etiologia........................................................36 Entorses e distensões.......................................36 etiologia..........................................................2 tratamento......................................................2 Fibromatose abdominal..................................109 Fibromatose agressiva cirurgia.......................................................109

Fixação interna de fraturas................................68 Fraturas ósseas cirurgia...................................................22, 68 Hallux valgus cirurgia...................................................29, 81 congênito......................................................41 epidemiologia...............................................41 etiologia........................................................41 radiografia..............................................29, 41 Hallux anatomia & fisiologia......................................2 lesões.............................................................2 Homens......................................................41, 81 Ossos do metatarso cirurgia.........................................................29 Ossos do pé patologia......................................................75 Osteotomia métodos.......................................... 29, 58, 81 Pé patologia....................................................109

Pé torto cirurgia.........................................................89 terapia..........................................................89 Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos..................................................... 29 Procedimentos ortopédicos métodos.................................... 22, 68, 81, 89 Relatos de casos............................................109 Resultado de tratamento..................................75 Sarcoma...........................................................48 Sarcoma sinovial..............................................48 Síndrome do túnel do tarso...............................48 Síndromes de compressão nervosa...................48 Tíbia anormalidades..............................................58 Traumatismos do tornozelo...............................36 Traumatismos em atletas diagnóstico.....................................................2

Subject Index Ankle injuries....................................................36 Athletic injuries diagnosis........................................................2 Bone fractures surgery..........................................................68 Calcaneus injuries....................................................22, 68 surgery..........................................................68 Case reports...................................................109 Chondroblastoma radiography...................................................75 surgery..........................................................75 Clubfoot surgery..........................................................89 therapy.........................................................89 Fibromatosis, abdominal.................................109 Fibromatosis, aggressive surgery........................................................109 Foot bones pathology.....................................................75 Foot deformities, acquired...............................102

Foot deformities, congenital surgery..........................................................58 Foot pathology...................................................109 Forefoot..........................................................102 Fracture fixation, internal...................................68 Fractures, bone surgery..........................................................22 Hallux valgus congenital.....................................................41 epidemiology................................................41 etiology.........................................................41 radiography.............................................29, 41 sugery.....................................................29, 81 Hallux anatomy & physiology.....................................2 injuries............................................................2 Men............................................................41, 81 Metatarsal bones surgery..........................................................29

Metatarsophalangeal joint injuries............................................................2 Nerve compression syndromes..........................48 Orthopedic procedures methods................................ 22, 68, 81, 89 Osteotomy methods.......................................... 29, 58, 81 Pain etiology.........................................................36 Rheumatic diseases........................................102 Sarcoma...........................................................48 Sarcoma, synovial.............................................48 Sprains and strains...........................................36 etiology...........................................................2 therapy...........................................................2 Surgical procedures, minimally invasive ............29 Tarsal tunnel syndrome.....................................48 Tibia abnormalities................................................58 Treatment outcome ..........................................75

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