Jornal UFG 94

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PUBLICAÇÃO DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

ANO XII – Nº 94 – ABRIL 2018

O impacto das fake news nas eleições 2018 Guerra de informações sobre fatos políticos recentes mostram o potencial de disseminação e os estragos que as notícias falsas podem ter na disputa eleitoral p. 8 e 9

Entenda o que muda com a criação das Universidades Federais de Catalão e de Jataí

p. 4

Pesquisador cria jogo inspirado em Salvador Dalí que pode auxiliar o ensino de Artes

p. 10

Jamelão e palha de milho são usados na produção de corante natural

p. 12


Universidade

2 EDITORIAL

Fake news matam

UFG NA REDE

Magno Medeiros Fake news têm assassinado pessoas e reputações há milênios. O general Marco Antônio, por exemplo, suicidou-se em 30 a.C. após receber a falsa notícia de que a sua esposa Cleópatra havia morrido. Era mentira. Em diferentes momentos históricos, temos assistido à proliferação de informações enganosas e odiosas, cujo objetivo central é destruir a honra e/ ou a vida de inimigos políticos e comerciais. Ou seja, forjar narrativas de ódio visando neutralizar o outro.

Nos tempos atuais, as fake news multiplicam-se em razão do bombardeio informativo propiciado pela internet. Ocultados em perfis falsos, os perpetradores do discurso de ódio e irradiadores de boatos atacam pessoas e grupos sociais, especialmente negros, mulheres, imigrantes, nordestinos, comunidade LGBT, etc. O cenário tende a se acirrar com as eleições de 2018, quando se trava “sangrenta” guerra simbólica pelo poder. O que fazer para combater as fake news? A questão é complexa e envolve um conjunto de ações articuladas. Inicialmente, é preciso criar empreendimentos de checagem de dados (fact-checking) e de produção de desmentidos (debunking). Recente levantamento do Duke Reporter’s Lab mapeou cerca de 150 organizações de checagem de dados em diferentes países. É pouco, especialmente porque se trava uma difícil guerra contra os bots, robôs que espalham notícias falsas na internet e reproduReitor: Edward Madureira Brasil Vice-Reitora: Sandramara Matias Chaves Pró-Reitora de Graduação: Flávia Aparecida de Oliveira PróReitor de Pós-Graduação: Laerte Guimarães Ferreira Júnior Pró-Reitor de Pesquisa e Inovação: Jesiel Freitas Carvalho Pró-Reitora de Extensão e Cultura: Lucilene Maria de Sousa PróReitor de Administração e Finanças: Robson Maia Geraldine Pró-Reitor de Gestão de Pessoas: Everton Wirbitzki Pró-Reitora de Assuntos Estudantis: Maísa Miralva da Silva Secretário de Comunicação: Magno Medeiros Secretária Adjunta de Comunicação: Daiana Stasiak Editora: Carolina Melo Editor Assistente: Luiz Felipe Fernandes Conselho editorial: Angelita Pereira de Lima, Cleomar Rocha, Estael de Lima Gonçalves (Jataí), Luís Maurício Bini, Pablo Fabião Lisboa, Reinaldo Gonçalves Nogueira, Silvana Coleta Quer receber o Jornal UFG na sua casa? Faça a assinatura gratuita acessando www.secom.ufg.br.

zem cliques automatizados nas redes sociais. No Brasil, “Aos Fatos” e “Lupa” são exemplos promissores de organizações de fact-checking.

Alguns países da Europa estão aprimorando a legislação com vistas a inibir o chamado ecossistema de desinformação. A Alemanha criou uma lei denominada NetzDG com o objetivo de excluir conteúdos ofensivos e ilegais na internet. Grandes corporações como Facebook, Google e Twitter são obrigadas, por força de lei, a criar dispositivos para bloquear conteúdos e usuários infratores. Essa lei parece ser uma espada de dois gumes: por um lado, contribui para inibir o discurso de ódio; por outro, joga a responsabilidade nas megaempresas que, a seu critério, decidem o que é ou não é ofensivo e ilegal.

O sujeito deve estar atento às seguintes dicas: sempre pesquisar a fonte da notícia; verificar o autor da informação; ver a data da postagem; avaliar o grau de preconceito capaz de afetar o seu julgamento; estar atento ao conteúdo e não apenas ao título; diversificar as fontes de informação; atentar-se as conteúdo eventualmente satíricos ou irônicos; consultar especialistas ou profissionais de credibilidade em determinada área do conhecimento. Enfim, nunca compartilhar ou reproduzir postagens que tenham conteúdo suspeito ou ofensivo. Secretário de Comunicação da UFG e professor da FIC

Santos Pereira, Thiago Jabur e Weberson Dias Suplente: Mariana Pires de Campos Telles Projeto Gráfico: Reuben Lago Editoração: Frede Aldama Fotografia: Carlos Siqueira Reportagem: Carolina Melo, Caroline Pires, Kharen Stecca, Luiz Felipe Fernandes, Mariza Fernandes, Patrícia da Veiga e Versanna Carvalho Bolsistas: Amanda de Oliveira e Ana Fortunato (Fotografia), Caroline Brandão, Letícia rocha e Vinicius Paiva (Jornalismo) Revisão: Maria Lucia Kons Impressão: Centro Editorial e Gráfico da UFG Tiragem: 2.000 exemplares Reitoria da UFG – Câmpus Samambaia Caixa Postal: 131 – CEP 74001-970 – Goiânia – GO Tel.: (62) 3521-1310/1311 www.ufg.br – www.secom.ufg.br jornalufg.secom@ufg.br

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Comentários


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Carlos Siqueira

Uma geografia do ensino superior Pesquisador Carlos Walter Porto-Gonçalves critica o modelo de ações afirmativas adotado no Brasil Mariza Fernandes

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geografia está se reinventando desde os anos 1970 para acompanhar as dinâmicas socioespaciais, cada vez mais rápidas. Um dos principais geógrafos brasileiros da atualidade, Carlos Walter Porto-Gonçalves tem um currículo marcado pela atuação junto aos movimentos sociais. Professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (LEMTO), Porto-Gonçalves faz uma leitura crítica sobre algumas das pautas mais atuais da esquerda brasileira, entre elas as iniciativas de ação afirmativa no ensino superior.

As universidades brasileiras estão sofrendo uma série de transformações. Qual a sua análise sobre o ensino superior atual?

Primeiro você teve uma massificação do ensino superior. É um fenômeno que, de certa forma, está se passando no mundo inteiro. No Brasil, se você pegar os últimos anos, com os governos Lula e Dilma, explodiu o número de vagas. Agora, o que aconteceu? Ampliou-se o ensino superior, mas sem que se colocasse a universidade vinculada a algum projeto de país. Por exemplo, o programa Ciência sem Fronteiras, o nome é muito bonito, mas países como os Estados Unidos não fazem investimentos em ciência e tecnologia em nome da ciência sem fronteiras. Faz parte de um processo estratégico de afirmação da sociedade norte-americana. A Alemanha não faz investimento em nome da ciência universal, da ciência sem fronteira. Além disso, temos uma universidade profundamente colonizada. Qual é a relação que a nossa universidade tem, por exemplo, com a realidade latino-americana? Parece-me que, quando a Capes fala em estimular a internacionalização, não se fala em aprofundar relações com a Colômbia, o México, a Venezuela. Ela está sempre com a visão de aproximar a relação com Harvard ou Cambridge, ou com Paris, não é? Os militares, por exemplo, no Brasil, foram um dos poucos setores da sociedade brasileira que, de alguma forma, pensaram um país. Até porque eles têm a responsabilidade de garantir a integridade territorial. E isso era mais sério ainda no século XX. O país era muito grande, com uma população relativamente pequena para o território e a única maneira de

defender isso era ter uma certa inteligência, ou seja, um certo aparato técnico-científico capaz de assegurar que uma população pequena pudesse garantir a sua soberania sobre o território. Estou trazendo esse exemplo, não fazendo um elogio aos militares, embora nesse caso talvez até coubesse, mas é a preocupação de ter a ciência e a tecnologia associadas a um projeto nacional. Então, parece que, na verdade, estamos fomentando a ideia de que temos de nos inserir numa globalização sem que sejamos capazes de dizer que tipo de contribuição nós, brasileiros, podemos dar à globalização. Mesmo ao contribuir com um pouco de discriminação positiva, que é o sistema de cotas, qual é o compromisso que se tem com o Movimento Negro, com a comunidade negra? É só o projeto da ascensão social individual? E para os índios também. Parece que os indígenas foram um pouco mais hábeis, condicionando sempre a ida dos estudantes para a universidade à volta para a aldeia, para se colocar a serviço da comunidade, o que mostra também uma certa inteligência do movimento indígena.

Em uma de suas publicações, o senhor diz que os grupos que se sentem excluídos, os indígenas, quilombolas, negros etc., querem mais espaço. Depois de mais de uma década de ações a�irmativas, o senhor acha que eles conquistaram mais espaço?

Não tenho uma opinião definitiva sobre isso. Eu já falei de outra maneira das limitações das cotas. Por exemplo, os “rolezinhos” em 2013. Eu acho que os “rolezinhos” eram a síntese do momento de mediocridade que marca o país, porque eram os pobres que subiram na vida e que ocuparam o espaço do shopping. E aqueles que sempre ocuparam o espaço do shopping ficaram incomodados porque havia pessoas que nunca foram acostumadas a estar ali. Na verdade, a disputa era em torno do shopping. Se isso significa ampliar o espaço, só revela o nível do rebaixadíssimo debate em que estamos. Confundimos direito ao consumo com cidadania e, com isso, se aceita a lógica do sistema mercantil. Então, para mim, não vejo como se tivéssemos ampliado o espaço para as diferenças se não formos capazes de enfrentar efetivamente as relações de poder que, na verdade, limitam a afirmação dessas diferenças.

Eu acho que isso até existiu, mas de maneira muito débil. Talvez a melhor formulação sobre isso tenha sido com o grupo que no início do governo Lula esteve junto com o Gilberto Gil no Ministério da Cultura, com intelectuais baianos que fazem uma discussão sobre a questão da diversidade cultural da universidade brasileira. É claro que isso teria de ser ampliado, mas me parece que não o foi com a densidade que necessitava. Parece que o problema do reconhecimento das diferenças não é simplesmente dizer que as diferenças existem, elas existem, mas que estão atravessadas por relações de poder que silenciam os grupos que, na verdade, não são hegemônicos. A Catherine Walsh, norte-americana radicada no Equador, faz a crítica do multiculturalismo em nome da interculturalidade. Ela pelo menos oferece um termo para questionar o multiculturalismo, para que não fiquemos simplesmente discutindo a diversidade cultural, mas enfrentando as relações de poder que silenciam os diferentes. Então, é preciso enfrentar a questão da colonialidade, que é a maneira de hierarquizar e discriminar os grupos subalternos. O esforço que houve, e até houve, me parece que foi muito débil e não enfrentou devidamente o tema do racismo, que impede, por exemplo, grande parte das comunidades indígenas e negras de se manifestarem, assim também aconteceu com outros temas que foram discutidos de maneira muito débil, como o patriarcado.

Não tem vida sem água. Eu diria até que a vida é o quarto estado da água, além dos estados líquido, gasoso e sólido. Na conferência ministrada na UFG, o senhor falou sobre os con�litos que envolvem a água, traçando um paralelo com os con�litos sobre a terra... Na verdade, você não pode entender o conflito pela água como se a água fosse algum ente separado da terra. Ninguém planta o que quer que seja na terra sem água. Então terra e água são uma coisa só na sua diferença. O que está acontecendo no Brasil e no mundo é um avanço acelerado do processo de controle das terras e de seu uso. E ninguém consegue produzir o que quer que seja na terra sem água. Então, o que está acontecendo é uma mudança nas práticas sociais em torno da terra, modificando a forma de acesso à água. Portanto, não há uma crise hídrica, há uma crise agrária, fundiária, e do projeto societário que relaciona terra e água com a vida. O que está impedindo as pessoas de viverem porque a vida pressupõe terra e água. Não tem vida sem água. Eu diria até que a vida é o quarto estado da água, além dos estados líquido, gasoso e sólido. Na verdade, a água é uma condição da vida antes mesmo de qualquer direito reconhecê-la como tal, e deve sê-lo como um direito humano fundamental, enfim a água é um bem comum, e não mercadoria, porque senão vai ter água quem pode pagar por ela. Confira a cobertura do Simpósio Integrado de Estudos Territoriais

Entrevista – Carlos Walter Porto-Gonçalves

No bojo das transformações que ocorreram nas universidades, com a entrada das camadas mais excluídas, ganhou força a proposta de se articular os saberes populares com a ciência acadêmica. Como o senhor vê isso?


Fotos: Carlos Siqueira

Universidade

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Goiás tem duas novas universidades federais Lei aprovada pelo Congresso Nacional transforma regionais Catalão e Jataí da UFG em instituições independentes e autônomas Luiz Felipe Fernandes

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o dia 20 de março de 2018, Goiás passou a ter duas novas universidades federais, com a sanção presidencial das Leis n° 13.634 e n° 13.635, que criam, respectivamente, a Universidade Federal de Catalão (UFCAT) e a Universidade Federal de Jataí (UFJ). Elas surgem do desmembramento das regionais Catalão e Jataí da Universidade Federal de Goiás (UFG) e, agora, somam-se às outras 64 instituições do sistema federal de ensino superior brasileiro.

A criação das novas universidades foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff em 2016. A partir da proposta enviada ao Congresso Nacional, o projeto de lei seguiu o rito legislativo até a aprovação final pelo Senado, em 21 de fevereiro deste ano. O texto da lei prevê a transferência automática dos cursos, dos estudantes e dos cargos ocupados e vagos já existentes para as novas universidades. Além disso, destina cargos técnico-administrativos, de direção e funções gratificadas às instituições: 351 para a UFCAT e 331 para a UFJ.

O próximo passo é o Ministério da Educação (MEC) nomear reitores e vice-reitores pro tempore, que serão responsáveis pela elaboração de uma proposta de estatuto no prazo de 180 dias e pelo estabelecimento das condições para a escolha dos reitores definitivos. Todo esse processo de transição deve ser acompanhado por uma universidade tutora, também a ser designada pelo MEC. Até a aprovação do estatuto, os atos administrativos e acadêmicos – como a emissão de diplomas, por exemplo – ainda estarão vinculados à UFG.

Conquista Os diretores das antigas regionais Catalão e Jataí comemoram a conquista da autonomia. “É um desejo de 35 anos, um processo histórico que se fez por meio de lutas, embates e resistência das pessoas que estão aqui desde o princípio”, relata a diretora da agora UFCAT, Roselma Lucchese. Catalão possui atualmente 25 cursos de graduação, 300 professores, 3,7 mil estudantes de graduação presencial e a distância e mais de 100 técnico-administrativos. Em breve, a universidade também passará a oferecer o curso de Medicina. Para o diretor da atual UFJ, Alessandro Martins, a criação de uma nova universidade é reflexo da maturidade alcançada pela instituição e contribui para o fortalecimento do ensino superior. Jataí é sede de 25 cursos de graduação, com cerca de 400 professores e mais de 3 mil estudantes. “Iremos trabalhar dentro de um modelo a ser discutido com a comunidade, no sentido de reforçar ações administrativas e acadêmicas que já estavam sendo implantadas”, afirma.

Os dois gestores concordam que não há que se falar em perda para a UFG, mas sim em ganho para todo o estado, que passa de uma para três universidades federais. Além disso, a autonomia na gestão administrativa, financeira e acadêmica é importante para que as instituições atendam as demandas locais. “É um fortalecimento em nível local e para o estado de Goiás, que demorou quase 60 anos para ter mais universidades federais”, considera Alessandro.

E a UFG, como fica? Para o reitor da UFG, Edward Madureira Brasil, apesar de ficar menor em tamanho, não haverá impacto financeiro na instituição. “Ainda como regionais, Catalão e Jataí já eram tratadas como se universidades fossem. O orçamento da UFG já era dividido proporcionalmente pelo número de estudantes e de cursos das regionais”, explica. Portanto, a redução do orçamento da UFG será proporcional ao que a Universidade deixará de repassar àquelas antigas unidades do interior. Edward afirma que há projetos de expansão e interiorização da UFG. Alguns deles são a implantação do câmpus de Cidade Ocidental, pactuada desde 2011, e a expansão para o Norte e o Nordeste do estado. No entanto, segundo o reitor, não há sinalização do MEC para a realização desses projetos. Ele cita, por exemplo, que muitos dos 250 câmpus fora das sedes de universidades federais brasileiras têm pretensão de se tornarem instituições autônomas. “Vai depender de como o MEC irá tratar esse tema no futuro”, observa.

Próximos passos 1 MEC nomeia reitores e vice-reitores pro tempore 2 Dirigentes têm 180 dias para apresentar proposta de estatuto 3 São estabelecidas as condições para eleição dos reitores definitivos 4 Atos administrativos e acadêmicos passam a ser definitivamente emitidos com o nome das novas universidades


5 Pesquisa

Fotos: Arquivo Pessoal

Na vibe das mulheres DJs Tema de pesquisa de mestrado, trajetória de DJs em Goiânia levanta discussão sobre o papel da mulher na sociedade Thaís Oliveira, DJ e estudante de Engenharia de Alimentos na UFG

Caroline Brandão

A

música precisa ser sentida, do contrário ela perde seu poder de alcance. Para a pessoa que está em cima da picape ⎼ o espaço em que os DJs se posicionam com seus equipamentos ⎼ é importante que o público se entregue ao que ouve e viva um fluxo contínuo. Sem cortes, sem quebras, uma melodia se mixa à outra, e de forma quase imperceptível, o ritmo muda e todos continuam o movimento. Quem não consegue criar esse fluxo na festa, samba. E nesse caso ⎼ só nesse ⎼, sambar é quando o profissional não consegue ligar suas músicas na mixagem e deixa óbvio ao público quando uma melodia termina e a outra começa. Algo inadmissível entre eles. Na vibe das mulheres DJs: sentimento, subversão e mixagem é o resultado de uma pesquisa de mestrado sobre as mulheres que conquistam cada vez mais esse ambiente musical e mostram que elas conseguem ser ótimas DJs, ao contrário do que muitos pensam. Edson Sucena Junior, autor da dissertação em Performances Culturais pela Escola de Música e Artes Cênicas (Emac), explica que existe uma funcionalidade nesses espaços só entre as mulheres que é diferente dos homens, o que enriqueceu muito a pesquisa, pensada inicialmente para ser sobre a trajetória dos DJs em geral do país.

Para o projeto, cinco profissionais do ramo em Goiânia foram chamadas para contar como vivem e fazem sua renda no mundo das casas noturnas e festas eletrônicas. Juntamente com o machismo no ambiente de trabalho, Edson percebeu a mudança na identidade visual das entrevistadas ao longo dos anos. “Os primeiros DJs do Brasil tocavam escondidos, atrás de panos, então eles não tinham visibilidade alguma. Com o avanço das décadas isso mudou. No início, quando essas mulheres [entrevistadas] se apresentavam, elas não se importavam muito com produção

estética, mas depois elas passaram a se preocupar mais com cabelo, com a maquiagem forte, e eu percebi essa transição na identidade estética para atender o público”, comenta. O resultado foi a percepção de uma identidade transitória entre as DJs, uma mudança contínua entre elas que conversa com suas próprias músicas, e que não é vista de forma negativa. Assim como as músicas são mixadas sem interrupção, as atividades cotidianas, seja na picape de uma festa, em casa ou com a família, se embaralham, e fazem delas personagens mais complexas e completas. Porém, elas apontaram ainda problemas na preocupação dos organizadores com suas imagens.

mulheres DJs no cenário alternativo. O incentivo às mulheres começou de 2017 pra cá”. Thaís também evidencia a presença masculina nos sons mais pedidos. “O que a gente vê ainda, infelizmente, é o line-up ⎼ as músicas escolhidas ⎼ composto na sua maioria por homens”, relata.

Acesse a pesquisa na íntegra

Graduandas na picape

No espaço acadêmico, não é difícil encontrar jovens que se dedicam aos cursos e à profissão para alcançar mais independência e sucesso. Thaís Oliveira começou sua carreira como DJ de maneira inesperada, após pedir a um amigo para aprender a mixar músicas. “Foi uma época em que estava difícil conseguir estágio na minha área e estava precisando da grana. Então eu pensei: por que não?”. A ousadia foi recompensada e ela passou a ser procurada por vários organizadores de eventos. Quando o assunto é a conciliação entre faculdade e profissão, ela afirma que é preciso muita dedicação. “Já rolou algumas vezes de ter de tocar em um dia e no outro ter aula ou prova, mas na maioria delas, eu trabalho como DJ nos fins de semana. Então dá para se dedicar como DJ e na faculdade”, afirma. Quanto à sua vivência dentro das casas de shows e de eventos musicais, ela condena o machismo existente e o fato de muitas DJs não possuírem a oportunidade necessária para mostrarem seus talentos. “Quando comecei a tocar, não havia muitas

Machismo na cena musical Suzy Prado faz parte da “cena” - do ramo, como esses profissionais costumam dizer - há sete anos e foi uma das participantes da pesquisa. “Acho de suma importância pesquisas, trabalhos, entrevistas que venham trazer empoderamento para nós”. Um discurso comum entre as mulheres é que o machismo está em todo tipo de trabalho, e principalmente nos cargos de chefia. Para combatê-lo, é preciso evidenciar o preconceito e gerar mais oportunidades a elas. Suzy, veterana nas boates e demais eventos, expõe que no seu espaço também há diferenças no gênero ao explicar que no começo de sua carreira os contratantes preferiam homens em vez de mulheres. “Hoje em dia nós estamos caindo no gosto do público, e os contratantes têm visto como nosso trabalho é digno”, afirma. Um problema ainda a ser trabalhado, porém, é a cobrança quanto ao corpo. “Com toda certeza uma DJ sarada, com maquiagem forte, tem mais chances de ser contratada, pela sua imagem e não pelo talento”, aponta Suzy, “Infelizmente o mundo artístico nos cobra muito isso. Ter uma boa aparência faz bem para a autoestima, mas fazer disso uma prioridade, uma moeda de troca, eu já não acho digno. Vejo muitas pessoas talentosas que não crescem na cena porque não dispõem da beleza que os contratantes procuram”.


Mesa -redonda

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País retrocede na saúde mental Secom, TV UFG e Rádio Universitária

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Brasil possui uma legislação modelo de assistência em saúde mental, sancionada em 2001, fruto de intensos debates e lutas que, em seu aspecto mais significativo, buscavam diminuir a internação em hospitais psiquiátricos e nos chamados manicômios. No dia 14 de dezembro de 2017, uma portaria do Ministério da Saúde colocou em xeque essa conquista, estabelecendo novas diretrizes para a área. A portaria tem sido duramente combatida por profissionais e entidades ligados à saúde mental, por abrir brechas para a manutenção de leitos de internação, incentivar comunidades terapêuticas e retornar à lógica manicomial. Para discutir o assunto, o Jornal UFG convidou para a mesa-redonda desta edição a presidente do Conselho Regional de Psicologia de Goiás, Ionara Rabelo, o Gerente de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, Rogério Borges da Silva, e o professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (Iptsp/UFG), médico Mauro Elias Mendonça.

O que prevê a reformulação da política de saúde mental proposta pelo Ministério da Saúde?

Rogério Borges da Silva – Hoje temos a legislação federal n° 10.216, que é a lei antimanicomial, instituída depois de uma série de mobilizações sociais e políticas, diante de um histórico que veio de fora do Brasil, que se iniciou na Itália. Com a promulgação dessa lei, surgiram outros serviços que vieram atender essas necessidades colocadas a partir da sua promulgação. O serviço de maior referência são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). A

portaria do Ministério da Saúde n° 3.088, que até então não foi revogada, estabelece quais são os dispositivos que compõem a rede de atenção psicossocial, entre eles o próprio Caps e a atenção básica, também leis de saúde mental em hospital geral, enfim, diversos serviços residenciais terapêuticos, diversos dispositivos de promoção de saúde, rede de urgência e emergência, dispositivos que podem, cada um na sua especificidade, dar um suporte para aquela pessoa que está em transtorno mental, em sofrimento. O problema com relação às alterações que foram realizadas no final do ano passado é que elas desconsideram a importância desse modelo psicossocial e voltam-se para o modelo hospitalocêntrico, ou seja, voltado praticamente só para a figura do hospital como referência para o tratamento desse tipo de sofrimento, seja transtorno mental ou também de demanda proveniente de alguma questão da área de álcool e outras drogas. Então realmente ela desconfigura todos esses serviços. Existe a possibilidade, inclusive, de retenção, diminuição ou cancelamento de recursos para esses serviços que ainda estão se articulando e se fortalecendo. Então pega um momento até de fragilidade da implantação desses serviços e desconsidera toda uma rede, um trabalho que é feito nesse sentido. Ionara Rabelo – Nós tínhamos toda uma história de organização para que fosse debatida essa política. Foi debatida com profissionais de saúde, familiares, usuários, acadêmicos, grupos de pesquisa, e tudo o que foi feito nos últimos anos foi considerado pela Organização Mundial de Saúde como exemplo, uma referência de atenção à saúde mental no mundo. Agora, com essa reformulação, que

é proposta desde dezembro do ano passado, e com outros mecanismos, percebemos que não vai aumentar o número de hospitais, mas vai centrar no hospital novamente como a porta de entrada. Na verdade, na política, nós criamos toda uma rede de atenção psicossocial, com os Caps – tanto para transtornos quanto para álcool e drogas –, as unidades de acolhimento, os centros de convivência de pessoas, onde pessoas que têm transtornos mentais graves podem ter um espaço de cultura, de conexão com a sociedade de uma forma lúdica, de uma maneira em que há uma identidade sendo resgatada. Temos a oportunidade de ter também as cooperativas, nas quais há geração de renda e as pessoas podem trabalhar. Tínhamos até então esse modelo que agora está retroagindo e, ao retroagir, há uma preocupação muito grande sobre qual referência de saúde mental está sendo posta hoje: apenas a doença e a internação? Entendemos que muitos familiares e usuários, em alguns momentos, falam: “Não, pode estar certo, porque precisamos de hospitais”. Mas só quem passou por uma internação no hospital psiquiátrico sabe do sofrimento que é, só quem agora está dentro de um Caps participando de oficinas, rodas de conversa, explorando a cidade de novo e tendo liberdade e autonomia sabe a diferença desses serviços e o quanto é importante mantermos tudo o que foi construído para que usuários e usuárias tenham o seu direito, a garantia de ir e vir na cidade, a garantia de que a loucura seja discutida na cidade e não seja enclausurada novamente. Mauro Elias – Tínhamos até a década de 1980, no Brasil, uma política que priorizava a internação psiqui-

átrica, o paciente sendo segregado, isolado, afastado do seu convívio para poder ser cuidado. Na construção de uma nova política, que começou a ser implementada nos anos 1980, acompanhando também uma grande mudança na saúde pública no Brasil, nós tivemos a elaboração dessa proposta que leva o serviço de saúde para o território, para onde a pessoa fica, onde ela mora, onde acontece o adoecimento e onde ela pode promover a sua saúde. Com isso, criamos serviços que substituíram a priorização da internação psiquiátrica e do hospital psiquiátrico. Nessa mudança de modelo, que era centrado no hospital central, nos medicamentos, na internação, nós centramos o atendimento na região onde a pessoa vive, com recursos multissetoriais que envolvem a saúde mental, com recursos multiprofissionais, quer dizer, não só o saber médico, medicamentoso, mas o saber de várias origens, que vem da psicologia, que vem da arte, que vem do corpo. Com isso, nós focamos no tratamento lá no território. E está provado internacionalmente que ele promove mais autonomia, que ele ajuda a recuperar a capacidade de se relacionar, de se inserir na sociedade, de se sentir útil, produtivo e participativo – o que o modelo focado na internação, no afastamento do convívio e no isolamento, não promove. O que o hospital oferece talvez de melhor, que seria o medicamento, o tratamento médico, pode ser oferecido junto com os demais recursos, com os demais tratamentos. Esse modelo de confinamento e isolamento está se desconstruindo internacionalmente há várias décadas. Então, o risco é, com essa nova mudança de prioridade, de incentivo financeiro, começarmos a voltar a priorizar o modelo que estávamos desconstruindo.

“Esse modelo de confinamento e isolamento está se desconstruindo internacionalmente há várias décadas”. Mauro Elias Mendonça


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Rogério da Silva – Dos conselhos de profissionais ou entidades que têm algum interesse nessa área, somente a Associação Brasileira de Psiquiatria e uma federação que representa as comunidades terapêuticas manifestaram-se favoravelmente a essas mudanças. Todos os demais conselhos, sejam eles da área da saúde ou não, se manifestaram contrários a essas mudanças. Realmente, o que vemos desde dezembro até agora – está bem latente isso – é uma precarização dos serviços e dos recursos. Hoje temos dificuldade, inclusive, para a implantação de leitos de saúde mental. Vou citar o exemplo de muitos municípios do estado de Goiás que já haviam feito a solicitação para implantar esse serviço na vigência da legislação anterior, o Ministério (da Saúde), acredito que de uma forma intencional, esperou para avaliar após a publicação da Portaria n° 3.588, em dezembro de 2017, para aí, sim, indeferir os pedidos, alegando que deveriam se adequar à nova legislação. Isso já tem trazido

Na psicologia não existe nenhuma teoria que fala que uma pessoa retirada de casa à força durante nove meses vai aprender a lidar com o problema. Ionara Rabelo

Qual seria a política de saúde mental ideal para o nosso país? Ionara Rabelo – Uma política que seja democrática, que ouça os principais envolvidos, que tenha uma seriedade no financiamento e uma transparência, para que as pessoas possam participar dos conselhos de uma pequena

Mauro Elias – É preciso que todos os profissionais da saúde trabalhem com o aspecto mental da saúde e não deixar para alguns profissionais ou para alguns serviços se ocuparem desse cuidado. Indo além do setor saúde, acho que a política de saúde mental significa que cada um de nós perceba que promover saúde mental tem a ver com todos os segmentos, com todos os setores da sociedade, começando pela família, apoiando as famílias para que haja um planejamento familiar, para que haja um apoio na educação das crianças. E, ao falar de família, nós vamos para a escola, quer dizer, que a escola seja um lugar de promover a saúde mental, de conversar saúde mental. Isso também nos ambientes de trabalho. As pesquisas que eu realizei abordaram o sofrimento mental dos servidores públicos do município de Goiânia. Então o sofrimento mental é algo que tem a ver com todos nós, com todos os espaços públicos. Como criar uma dinâmica de uma política que dê conta da democracia, da participação coletiva, mas que também promova apoio para os recursos humanos, que apoie financeiramente e que desconstrua essa ideia de que sofrimento mental é coisa de doido e o lugar dele é fora da sociedade, no manicômio? É preciso que a política englobe isso. Na medida em que nós criamos os serviços substitutivos, eles realmente são serviços que abarcam essa multidimensão, essa multifaceta do que é a saúde, do que é sofrimento mental, para poder debater com o usuário, debater com a família, debater com os demais setores, com a sociedade, com quem está no território, aquilo que pode

realmente promover a saúde mental e, inclusive, ajudar a atravessar crises e fases que todos nós, sem exceção, estamos vulneráveis a passar. Rogério da Silva – Temos de desconstruir essa questão do senso comum: doido e drogado. A sociedade, de maneira geral, tem essa visão de que realmente precisa segregar essas pessoas. Hoje, por exemplo, vivenciamos um período de um índice altíssimo de depressão na sociedade como um todo. Hoje o nosso país tem os maiores índices no mundo de casos de depressão e, consequentemente, de ideação ou tentativa de suicídio. Estamos caminhando por um período extremamente complicado, face a esse ritmo que nós somos obrigados a seguir, e realmente tem de se levar em conta que saúde mental não é só uma situação de saúde, temos de levar em consideração quais são os fatores de risco, quais são os fatores de proteção, trabalhar com a melhoria na qualidade da alimentação, realização de atividades físicas, promoção de atividades nas escolas, integrar as famílias. Então, isso é muito mais complexo e, dentro da própria saúde, saúde mental não é exclusivamente esses pontos de atenção que estão descritos na Portaria n° 3.088, é responsabilidade de todo profissional de saúde, desde a atenção básica até o atendimento mais especializado, porque está sujeito e permeia por todas as nossas relações. Então, realmente, temos de trabalhar com uma política que seja inclusiva e que entenda o indivíduo dentro do território em que ele está situado.

Fotos: Reprodução TV UFG

Ionara Rabelo – São várias (explicações): o contexto político e econômico de perdas substanciais de direitos, o teto da saúde impossibilitando continuar uma política, a reversão desse sistema em função de interesses econômicos. Ele foca nos hospitais, em comunidades terapêuticas – a maior parte delas religiosas –, e sabemos que na bancada do Congresso grande parte das pessoas está vinculada a alguns desses segmentos. Então, literalmente essa reformulação não surge de pessoas técnicas da área, nem de familiares, nem de usuários, ela não surge dos movimentos sociais, não surge dos conselhos de saúde, ela surge por interesses de parte desses segmentos, que não discutiu com a sociedade e já chegou para a reunião da comissão tripartite com essa determinação pronta. Mas nós temos mecanismos de lutas, junto também aos usuários e familiares. Neste momento, há um ofício que o Ministério da Saúde precisa responder para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que pede para o ministro responder quais os serviços que foram solicitados para implantação nos municípios, o número de Caps que tem em cada município, quanto ele está planejando investir, qual o orçamento atual. Porque, na última reformulação, milhões seriam desviados para as comunidades terapêuticas que não são serviços de saúde e não têm equipes. Na psicologia, por exemplo, não existe nenhuma teoria que fala que uma pessoa sendo retirada de casa à força ou de qualquer outro local durante nove meses, vai aprender a lidar com o problema.

Mauro Elias – A sociedade vive de avanços e retrocessos. Desde que implantamos o modelo anterior, havia uma certa resistência de alguns segmentos, que ganharam um pouco mais de força nesse momento político em que, como a Ionara disse, estão se desconstruindo vários direitos, não só na área da saúde mental, mas também na área da previdência social, na educação e assim por diante. Com isso, uma parte do movimento médico colocou interesses corporativos acima de um interesse que é maior que a corporação, que é maior que a profissão, que é maior que o segmento – que é o interesse da população. A política anterior foi construída não do dia para a noite. Foram décadas de movimento, de discussões, de avanços e retrocessos, até chegar num certo consenso, que não é unanimidade – por isso é que estamos tendo um momento de risco de retrocesso –, mas que comprovou que é eficaz. Porém, ao mesmo tempo em que ela comprovou que é eficaz, ela não teve o incentivo financeiro para poder se expandir quantitativamente e qualitativamente, para mostrar ainda mais sua capacidade, ainda mais o seu resultado.

cidade do interior e saber para onde está indo o dinheiro, por que não tem um Caps na cidade, por que o modelo é ainda o de enfiar na ambulância e mandar para algum outro local. Uma política em que a população discuta e diga o que ela precisa, com profissionais que sejam competentes e éticos, uma política que seja feita no território. Em todos os outros países onde há uma política de saúde mental que é de base territorial, comunitária, em que a saúde mental é discutida sob várias perspectivas, essa é uma política mais adequada. Não a política centrada no modelo hospitalar, centrada na internação, centrada em comunidades terapêuticas que chamam de “resgate”, quando, na verdade, elas chegam até a casa da pessoa e a sequestram, colocam-na dentro de um carro e, depois de amarrá-la, a levam para um lugar em que ela vai ficar 30 dias sem contato com a família. Isso não é modelo de saúde mental nem aqui nem em outro país do mundo. Não é esse modelo que queremos para as nossas famílias. É um modelo autoritário, que provoca tortura e morte. O modelo que queremos é um que seja construído democraticamente, ouvindo as pessoas que estão envolvidas nesse processo o tempo todo.

Mesa -redonda

Por que houve essa nova re- problemas para muitos municípios formulação se em 2001 a polí- no interior do nosso estado e consetica de saúde mental já havia quentemente para a população. sido reformulada?

O que vemos desde dezembro é uma precarização dos serviços e dos recursos. Hoje temos dificuldade, inclusive, para a implantação de leitos de saúde mental. Rogério Borges da Silva

Confira a mesa-redonda no canal da TV UFG no YouTube


Sociedade

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Pixabay

Fake news marcam disputa eleitoral Repercussão do caso Marielle, tiros contra a caravana de Lula e polêmica em torno da série da Netflix são amostras do que será a guerra de informações durante o ano

A

Convicções O professor da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG) e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Games (Game Lab) do Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas da UFG (MediaLab), Daniel Christino, observa que as fake news não envolvem apenas informações ou fatos falsos, mas a predisposição dos receptores da mensagem para acreditar neles. Em geral, as pessoas têm uma grande inclinação a acreditar naquilo que favorece aos próprios interesses ou convicções.

Marielle foi caluniada e difamada horas depois de ter sido executada e a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff (PT), acusa, nos palanques das redes sociais, a série do serviço de streaming de “assassinar reputações” com fake news. O diretor do programa, José Padilha, nega a crítica e diz que a petista está usando uma única expressão “estancar a sangria” como cortina de fumaça para despistar do verdadeiro problema, que é o desvio de bilhões de dólares dos cofres públicos. O atenta-

No cenário internacional, a megacorporação Facebook, uma das maiores do mundo, está sofrendo abalos na sua reputação depois que reportagens do The Guardian e do The New York Times revelaram, recentemente, que a consultoria Cambridge Analytica teria comprado e vazado informações privadas sobre mais de 50 milhões de usuários da rede social em 2014. Os dados teriam sido usados para influenciar escolhas em benefício do candidato eleito, o republicano Donald Trump, durante a campanha eleitoral americana de 2016, no embate com a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton. Teriam sido veiculados na rede social materiais favoráveis a Trump e outros contrários à Clinton, conforme o perfil do usuário e da sua receptividade ao tema. Ou seja, teria usado fake news a seu favor e contra a adversária.

Marina Sant’Anna (PT-GO)

Daniel Vilela (MDB-GO)

Fabrício Rosa (Psol-GO)

“Será difícil flagrar a autoria de um partido ou candidato nessas circunstâncias, exceto se for uma declaração pública. De qualquer modo, seja quem for o responsável ou responsáveis, devem ser punidos. É preciso utilizar da inteligência para investigar e achar os lastros, não ocasionando injustiças. Tenhamos claro que nem sempre o que parece, de fato é. Pode ser organizada uma armadilha para algum candidato, por adversários, de modo a vê-lo punido por algo que não fez.”

“Acho que tem de haver punição, mas desde que comprovado algum nível de participação na elaboração, financiamento e/ou disseminação da notícia falsa. Se for com base somente no benefício indireto gerado pela fake news, cria-se a punição por suposição, o que é um caminho curto para injustiças. Por isso, digo que as próprias redes sociais serão fundamentais para ajudar a coibir as fake news, pois elas podem rastrear melhor do que ninguém a autoria e ajudar a justiça a definir culpados.”

“Sim. Devem ser punidos caso fique claramente demonstrado que se beneficiaram em processo com respeito ao contraditório. Do contrário, é fazer uma democracia fajuta, com pessoas eleitas a partir de mentiras.”

Versanna Carvalho

propaganda eleitoral começa em 16 de agosto, mas desde o final do ano passado, quando foram aprovadas mudanças na legislação eleitoral brasileira com a Lei n° 13.488/2017, alguns setores da imprensa, da academia e do judiciário começaram a se referir ao pleito de 2018 como as eleições das fake news. O desenrolar de alguns fatos políticos no final do primeiro trimestre do ano contribuem para corroborar a percepção de que as fake news serão amplamente utilizadas ao longo do ano. O duplo assassinato da vereadora da cidade do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista que a acompanhava,

do à arma de fogo a dois ônibus da caravana de Lula, no interior do Paraná, deixou perplexa parte da sociedade e da classe política. Opositores do petista, por sua vez, afirmam que tudo não passou de armação.

Anderson Gomes, a primeira temporada da série O Mecanismo, da Netflix, e o atentado à caravana do ex-presidente Lula estão entre eles.

“As fake news têm uma grande capacidade de disseminação porque, de alguma forma, se alinham com o nosso viés de interpretação dos fatos. No caso específico do impulsionamento, acho que esta dinâmica pode se intensificar, apesar do seu apelo ter diminuído bastante depois da mudança dos algoritmos de controle das timelines no Facebook”, comenta.

Com a palavra, o político

Assista ao programa Conexões, da TV UFG, sobre fake news

Fotos: Arquivo pessoal

A equipe do Jornal UFG fez contato com representantes dos partidos políticos - Democratas (DEM), Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Partido dos Trabalhadores (PT) -, muitos deles cotados como pré-candidatos ao governo do Estado de Goiás. Três responderam, em tempo hábil para o fechamento desta edição, à questão sobre punição para candidato e partido que se beneficiam, ainda que indiretamente, com a disseminação de uma fake news.


9 De acordo com o professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG (FCS/ UFG) e pesquisador da área de teoria política, Francisco Tavares, o nome fake news não aponta para nenhuma mudança qualitativa na maneira como a guerra informacional transcorre ao longo de processos eleitorais. Historicamente, os atores dos processos eleitorais se utilizam dos recursos comunicacionais disponíveis no seu tempo, tanto para disseminar informações verdadeiras a respeito da candidatura que se defende quanto para gerar informações ou denúncias verdadeiras a respeito da candidatura contra a qual se concorre.

Conteúdo pago exige cautela

Para o presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás (CPDE/OAB-GO), Janúncio Dantas, as mudanças são significativas e arrojadas por conferir modernidade ao jeito de fazer política. “Antes a campanha era feita de casa em casa, no solado do sapato e por marqueteiros. Hoje, com a internet, o marqueteiro foi substituído por internautas que podem atingir determinados eleitores em horas, quando antes levariam meses”, compara.

Já a advogada e ex-deputada federal, Marina Sant’Anna (PT-GO), acredita que a novidade deve contar com a atenção da candidatura, pois “à medida que um post repercute, haverá um ritmo maior de desejo, de quem o recebe, de se comunicar, perguntando, aplaudindo, hostilizando, marcando mais pessoas, adicionando memes aos comentários. É preciso ter análise simultânea dos efeitos e investimentos”. O impulsionamento, por si só, não constitui um problema, de acordo com o deputado federal, Daniel Vilela, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB-GO). O parlamentar afirma ver a novidade como algo natural, desde que haja transparência quanto a valores, autores e conteúdo. “Tenho minhas reservas quanto à capacidade de reação dos tribunais eleitorais e das próprias

Vacina

​ necessidade de modificar ou A orientar as atitudes e opiniões das pessoas num curto espaço de tempo, em determinada direção, é o que leva cidadãos comuns ou instituições a propagar uma notícia falsa, explica Daniel Christino. A questão acaba tomando mais corpo pelas particularidades da interação social e política nas redes sociais digitais, que difere daquelas estabelecidas face a face ou mediadas por instituições. Elas tendem a ser mais volúveis. Normalmente se estruturaram sobre delimitações radicais, sem muitas nuances. “Há ainda o elemento identitário, que é muito for-

te: ‘quem sou eu que estou postando’, ‘como me posiciono sobre tal assunto’. Como a topologia das redes sociais é articulada a partir do eu, a ilusão de que somos o centro da nossa rede de relações é potencializada pelas facilidades oferecidas pelos softwares que constituem as redes”, explica Christino.

O pesquisador da FIC ensina que “uma boa vacina contra as fake news é sempre se perguntar, quando diante de uma notícia: será que eu acredito nisso porque, de alguma forma, esta informação está de acordo com a minha visão de mundo? Se a resposta for sempre sim, você é uma vítima em potencial das fake news”. ​

redes sociais para combater eventuais atos ilícitos. Isso porque a informação obviamente circula numa velocidade que a esfera judicial não consegue acompanhar. Pode não haver a devida reparação em tempo hábil para o caso de ataque à imagem de alguém provocada por uma fake news”, observa. Segundo o policial rodoviário federal e pré-candidato ao governo de Goiás pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Fabrício Rosa, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devem contar com o apoio das polícias e abrir um canal de denúncia. “Talvez até um aplicativo de denúncias em que as pessoas possam ‘printar’ a tela e encaminhar para o TRE. Algo parecido já ocorreu na eleição anterior”, comenta.

Uma pergunta que surge no meio dos debates sobre fake news nas eleições é se cabe algum tipo de punição ao candidato ou partido que, mesmo indiretamente, seja beneficiado por uma notícia falsa. O professor Francisco Tavares (FCS) explica que este tipo de medida possui apoiadores no Direito Eleitoral. Tavares cita como exemplo um caso ocorrido nas eleições presidenciais de 1994 envolvendo o ex-governador de São Paulo e candidato à presidência pelo então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atual MDB, Orestes Quércia. Um grupo de pessoas, que supostamente não tinha relações diretas com o partido, pichou pelas ruas de várias capitais a frase ”Quércia vem aí”. O então candidato foi responsabilizado e multado em razão daquele ato. Para Tavares, do ponto de vista da Justiça Eleitoral será difícil identificar o que é informação falsa sem se valer da proliferação das fake news, para criminalizar a mídia alternativa. “Isso seria colocar a perder o que a internet trouxe de melhor, que é a possibilidade de participação das pessoas e de livre expressão da opinião. Então, muitas vezes o que passa por combate às fake news é uma tentativa jurídica de se reforçar um contexto de oligopólios e monopólios dos grandes veículos de comunicação. Acho que isso vai aparecer muito fortemente nesse processo eleitoral”, vaticina.

Mídia Ninja

Alguns sites de redes sociais, como o Facebook, oferecem serviços pagos que aumentam a visibilidade dos conteúdos. É o que se chama de impulsionar publicação. A possibilidade de aumento da disseminação de fake news durante o processo eleitoral, em razão da inclusão de custos com esse impulsionamento de conteúdos - previstos na Lei n° 13.488/2017 -, traz apreensão sobre possíveis excessos, dificuldades de fiscalizar e punir infratores. Essa regra altera a Lei das Eleições (n° 9.504/1997) e o Código Eleitoral (n° 4.737/1965), bem como revoga dispositivos da Minirreforma Eleitoral de 2015 (n° 13.165/2015).

A diferença é que na época atual a informação circula de maneira muito mais frenética, e que tem um número muito maior de emissoras e emissores, embora a rede acabe por se concentrar no que é divulgado pela mídia tradicional. Segundo Tavares, os cientistas chamam esse período de era de disponibilidades do big data, das grandes massas informacionais. “Mentiras e verdades circulando durante processos eleitorais como táticas para fazer alguém ganhar sempre existiram. O que muda é que tudo o que costuma acontecer ao longo da história, em processos eleitorais ganha uma escala muito maior quando se tem grandes massas informacionais, internet e redes sociais”, compara.

Sociedade

Guerra de informações

Mulher, negra, mãe, e vítima de fake news A vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), de 38 anos, foi executada na noite de 14 de março de 2018, na cidade do Rio de Janeiro. A parlamentar havia sido a quinta mais votada do seu município, com 46 mil votos em 2016. Ela se definia como “mulher, negra, mãe e cria da favela Maré”. Além de política, foi socióloga, feminista e militante dos direitos humanos. O motorista do carro em que ela estava, Anderson Gomes, 39 anos, também foi morto. O surgimento de cinco notícias falsas sobre Marielle Franco poucas horas depois do crime tiveram grande repercussão. “Esse é um País em que o discurso de ódio, os sectarismos, uma cultura de extrema direita - muito semelhante, por exemplo, à da Alemanha e da Itália dos anos 1930 - têm florescido e ganhado muito corpo. Mais do que constatar radicalismos de esquerda e de direita, ambos muito condenáveis, é muito fácil detectar nesse caso uma expressão claramente fascista”, avalia o professor Francisco Tavares (FCS). O docente cita o levantamento realizado pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), que acompanhou as reações das pessoas pelas redes sociais nas primeiras horas após os assassinatos. O assunto Marielle ficou entre os mais comentados do Twitter mundial (trending topics). Oitenta e oito por cento das menções à vereadora eram de luto e faziam referência às suas origens e histórico de lutas. Um grupo de 7% faz críticas à esquerda e aos direitos humanos. Dezenove horas depois, já havia 567 mil menções no Twitter. O DAPP estima que 1.833 robôs, perfis automatizados, participaram e fomentaram até 5% das discussões em torno do caso Marielle. Fabrício Rosa (Psol-GO), observa que o Ministério Público e a Justiça estão começando a processar “os irresponsáveis que inventaram mentiras acerca de uma companheira tão querida e batalhadora.” O político defende que essas ações devem continuar. “Além da punição criminal, há um efeito pedagógico no processo e no ato de demonstrar que algo está sendo feito”, complementa Rosa.


Educação

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Jogo inspirado em Salvador Dalí auxilia o ensino de Artes Aplicativo foi desenvolvido durante pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica da UFG Luiz Felipe Fernandes

U

ma pesquisa realizada na Universidade Federal de Goiás (UFG) resultou na criação de um jogo, para dispositivos móveis, baseado na produção artística do pintor espanhol Salvador Dalí. A proposta do pesquisador Santiago Lemos é que o jogo seja utilizado para auxiliar o ensino de Artes na educação básica. O aplicativo Dalí eX, que pode ser baixado gratuitamente, é do gênero RPG (Role-Playing Game, ou jogo de interpretação de personagens), popular entre crianças e jovens. Santiago criou uma narrativa para sustentar as atividades do jogo ao oferecer missões a ser cumpridas. São quatro fases: a primeira é um pequeno tutorial do jogo; a segunda dialoga com a Educação Estética; a terceira tem como foco o ensino de Artes Visuais; e a quarta é o desfecho do enredo. “Em nenhuma dessas fases fica claro para o estudante (ou jogador) que ele estará entrando em contato com um conteúdo que seria exposto em um livro de forma linear ou em uma aula expositiva”, explica o pesquisador.

Reprodução Dalí eX

Santiago explica que o uso de jogos virtuais no processo ensino-aprendizagem é cada vez mais comum, mas é necessário refletir sobre a sua utilização. “É preciso que o professor saiba tirar proveito de modo a fomentar a construção de subjetividades e contribuir na formação estética do aluno. Para isso, o jogo deve apresentar não só um cuidado estético ou com o entretenimento, mas também conteúdos que possibilitem adquirir e produzir conhecimento, favorecendo o diálogo e o contato com várias linguagens”, considera.

Surrealismo

Salvador Dalí é um dos principais expoentes do movimento artístico e literário surrealista, caracterizado por representações estéticas abstratas e oníricas como representação do inconsciente dos artistas. Uma de suas obras mais importantes é A persistência da memória, de 1931, com os icônicos relógios que parecem estar derretendo.

Essa pintura aparece na terceira fase do jogo Dalí eX. Em um primeiro momento dessa fase, o jogador precisa fazer a compreensão crítica da obra ao se deparar com cinco recortes do quadro que descrevem o motivo de o artista

ter colocado aqueles elementos. Em seguida, ele faz a contextualização sobre Salvador Dalí ao encontrar uma estátua do pintor. Ao aproximar-se dela, o jogador tem a opção de clicar em um vídeo com a biografia do artista.

Por último, o jogador encontra vários cavaletes com quadros inacabados, textos sobre misturas de cores e um personagem que conversa com o jogador e propõe que ele desenvolva uma atividade de pintura ou desenho com foco na obra A persistência da memória. “Nessa fase, o jogador tem a possibilidade de imergir nas Artes Visuais, dialogando com a obra de Salvador Dalí”, explica Santiago.

Pixabay

A ideia de criar o jogo surgiu da atuação do pesquisador como professor de Artes Visuais em turmas do ensino fundamental de escolas públicas e do programa de formação continuada da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte de Goiás. A experiência em sala de aula revelou que as tecnologias contemporâneas de informação

e comunicação são, na maioria das vezes, utilizadas apenas como entretenimento.

Link para baixar o jogo


Pesquisa registra trajetória de cineasta indígena Relação construída entre pesquisadora e cineasta também inspirou documentário experimental feito por elas Carolina Melo

O

que é ser uma mulher indígena cineasta? O que as imagens produzidas por uma mulher indígena podem causar, combater ou afirmar? Essas foram algumas das perguntas que nortearam o caminho da pesquisadora e artista visual goiana Sophia Pinheiro em direção à cineasta Patrícia Ferreira Yxapy, em São Miguel das Missões (RS). O encontro resultou em uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e em um documentário sobre o elo artístico entre a pesquisadora e a cineasta. Para traçar a trajetória de Patrícia Ferreira Pará Yxapy, Sophia foi para a aldeia Ko’enju, a mais de 700 km de Porto Alegre, e manteve o contato com a cineasta por meio de um celular e via internet, por dois anos. “Ao todo, em duas visitas, fiquei seis meses em Ko’enju. Começamos também a estabelecer uma relação a distância. Trocávamos vídeo-cartas, fotos, desenhos”, lembra. Ali, na aldeia, a pesquisadora vivenciou e participou da produção imagética da cineasta indígena, que tece a narrativa de sua etnia Mbyá-Guarani e rompe o espaço discursivo das produções audiovisuais brasileiras.

O enfrentamento é evidenciado pela falta de visibilidade. No balanço geral da paridade de gênero do audiovisual no Brasil, elaborado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) e divulgado ano passado, mulheres indígenas não constam como produtoras audiovisuais. De outra forma, no site do Vídeo das Aldeias, no universo de 38 cineastas indígenas, apenas três

são mulheres. Entender esse cenário foi o desafio de Sophia Pinheiro em sua pesquisa A imagem como arma: a trajetória da cineasta indígena Patrícia Ferreira Pará Yxapy, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS).

As particularidades da produção audiovisual indígena feminina e suas consequências, assim como a diferença em relação à produção indígena masculina, foram alguns dos debates levantados pela pesquisa. De acordo com Sophia Pinheiro, uma mulher indígena cineasta resiste e ultrapassa um cenário desfavorável às mulheres e ainda mais às indígenas. “Ser mulher indígena cineasta é conseguir conciliar o tempo junto às suas demandas cotidianas, é vencer a intimidação, o medo, a vergonha”.

Autorrepresentação

Professora em Ko’enju, Patrícia fez a primeira oficina do Vídeo nas Aldeias em 2007. Nesse mesmo ano, co-fundou o Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema e, atualmente, soma a produção de cinco filmes. “Por meio do cinema, ela ficcionaliza sua cultura como agente histórica e exerce o espaço de liderança por meio de seu trabalho, tencionando a produção artística hegemônica, esse padrão imposto, social e estético”, afirma Sophia Ferreira. Nas palavras da cineasta indígena, a imagem “é a flecha, a arma, que se aprende a usar como o papel”. Com as narrativas, a cineasta faz que a sua própria história, a de sua fa-

mília e das mulheres próximas conquistem espaço por meio da arte, do audiovisual. Consegue, assim, confrontar as percepções culturais estereotipadas. “Na literatura, as mulheres Mbyá-Guarani aparecem com uma sub-representação. São mulheres tímidas, dóceis, frágeis, loucas. Então, para viabilizar a história de sua etnia, o cinema é uma ótima ferramenta”, acredita a pesquisadora. De acordo com Sophia, as imagens de Patrícia Ferreira Pará Yxapy causam o encontro com a diferença, reverberam a sua voz, combatem os estereótipos, os padrões de produção audiovisual e afirmam sua identidade étnica. “É muito importante que as mulheres indígenas estejam nesse lugar, como protagonistas, produzindo filmes e material artístico, porque elas trazem luz a algumas questões básicas, que são colocadas como segundo plano pelas narrativas hegemônicas”. Temas como a casa, a gravidez, a maternidade, a criação dos filhos, o corpo, a alimentação e os rituais feitos apenas por mulheres são retratados nas produções imagéticas. “Normalmente, os vídeos realizados por homens indígenas discutem a espiritualidade, a política, a confraternização social. As produções de mulheres mostram um outro lugar e evidenciam que a gente não conhece tanto sobre o universo indígena”, afirma.

Encontro poético

O caminho percorrido por Patrícia e Sophia atravessou e ultrapassou o ambiente acadêmico, transbordando em

uma produção artística assinada pelas duas mulheres, que se reconheceram ao longo do processo. Para a pesquisadora, as suas semelhanças, mais do que as suas diferenças, foi a grande surpresa. “Ela tem uma questão com o corpo meio crônica, um problema de saúde na infância, e eu também. Percebemos que as nossas trajetórias de vida são muito parecidas. Criadas por mães solos, pais ausentes, somatização de doenças nos corpos. A partir desse encontro eu fui acessando também a minha espiritualidade e o meu processo de cura”, conta Sophia. Já Patrícia lembra o desafio aceito por elas de mudar e se compreender, no momento em que conviveram juntas na aldeia. “Isso foi fundamental para entender os valores morais e éticos que guiaram nossos comportamentos, nossa relação e nossa obra. Entender como esses valores se internalizaram em nós e como isso conduziu a relação de uma com a outra”. Ao se reconhecerem, o acolhimento entre elas ocorreu naturalmente, lembra a cineasta indígena. “Houve uma espécie de consciência entre nós duas, como humanas. Foi muito rápida nossa elevação para ver o amor, para ver nosso interior e a realidade de cada uma. E acho que quando a gente percebeu essa verdade fomos acolhidas uma pela outra. Assim, eu compreendi que essa consciência é a nossa identidade, de cada uma. E apesar de sermos tão iguais − no meu modo de pensar, somos iguais porque somos duas mulheres imperfeitas habitando esse mundo imperfeito - também somos diferentes”, afirma Patrícia.

As imagens trocadas entre elas a distância e produzidas presencialmente fizeram parte da metodologia da pesquisa, mas ganharam contornos particulares. Foram capazes de ilustrar a relação que se constrói e se aprofunda em cenários íntimos, privados, espirituais. A poesia registrada desse encontro suscitou a produção do documentário A imagem como arma, lançado ano passado e disponibilizado ao Museu Antropológico da UFG. “O nosso filme é a nossa relação. Ela me filma, eu a filmo. A gente se constrói na relação. Pelas imagens fomos nos entendendo, nos conhecendo, nos transformando. Foi um caminho também artístico, poético”. Acompanhe os relatos da pesquisadora no blog e-centrica

Sociedade

Fotos: Arquivo pessoal

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Pesquisa

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Divulgação

Jamelão é materia-prima para corante natural Pigmentos naturais do jamelão e da palha de milho roxo são antivirais, anticancerígenos e antioxidantes Letícia Rocha

Geralmente, a palha do milho, independentemente de sua qualidade, é descartada. No entanto, essa parte do cereal também contém inúmeros nutrientes e pode ser utilizada na produção de outros alimentos. O jamelão, fruta muito comum no centro-oeste goiano, já é conhecida por ajudar a controlar a diabetes e a pressão arterial, mas seus benefícios vão muito além Tanto o jamelão quanto a palha de milho podem trazer benefícios à saúde humana. Isso porque são ricos em antocianina, substância presente em frutos e flores de cor roxa ou avermelhada. Esse elemento tem alto poder antioxidante, o que evita danos que possam ser causados pelo excesso de radicais livres e é também anti-inflamatório, antiviral e anticancerígeno.

Bruna Ferreira Dias foi a responsável pela realização da pesquisa, que teve duração de dois anos (2015-2017). Ela destacou a importância da produção de corantes naturais, já que os sintéticos têm sido apontados como causadores de determinados cânceres, como de esôfago, cólon, reto, mama e ovário e quando descartados no meio ambiente demoram um longo período para se degradar. Diferentemente dos sintéticos, os corantes naturais não são tóxicos ao meio ambiente.

Pudim detox

A pesquisadora também desenvolveu uma sobremesa similar a um pudim. Na receita, ela utilizou as farinhas de jamelão e de palha de milho roxo, que foram desenvolvidas no estudo. Os ingredientes utilizados foram: leite em pó, açúcar, farinha de arroz pré-gelatinizada, goma, saborizador (farinha de amora comercial) e água. Vários testes foram realizados até que fosse alcançada a receita adequada. A sobremesa instantânea foi indicada como rica em fibra e alto valor nutricional, além de possuir atividade antioxidante, graças às antocianinas. Nem a farinha, nem o pudim são desenvolvidos industrialmente, no entanto, caso haja investimentos nesse nicho, os benefícios à saúde são garantidos. Há pesquisas que já foram realizadas para comprovar a efetividade da antocianina. Uma delas, publicada pelo periódico Phytotherapy

Research, em 2010, mostrou que ratos que receberam uma dieta composta de 5% de frutas vermelhas não desenvolveram câncer de esôfago, mesmo expostos a um composto cancerígeno.

A substância inclusive já é utilizada no tratamento dessas doenças, através de mudanças e adaptações na dieta alimentar. Alimentos como açaí, uva, berinjela, ameixa seca, morango e repolho roxo são ricos em antocianina e sua ingestão no dia a dia combate inúmeras doenças.

Arquivo Pessoal

O

s corantes sintéticos são amplamente utilizados na indústria alimentícia. No entanto, seu uso tem sido apontado como causador de diversos tipos de câncer. É por esse motivo que existe agora uma demanda para sejam substituídos por corantes naturais. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Goiás (UFG) utilizou o jamelão (Syzygium cumini) e a palha de milho roxo (Zea mayz l.), para extração de pigmentos naturais. A pesquisa também produziu um pudim que tem propriedades antivirais, anticancerígenas e antioxidantes.

Fitoterapia A fitoterapia é considerada uma especialidade médica que utiliza plantas para o combate de doenças infecciosas, disfunções metabólicas, doenças alérgicas entre outras. Essa é uma prática antiga, muito utilizada por nossos antepassados, quando ainda não havia meios tecnológicos para a produção de medicamentos farmacêuticos mais elaborados. O uso dessa terapia tem se tornado a cada dia mais comum para a promoção da saúde, já que as plantas utilizadas, na maioria das vezes, são de fácil acesso para a população. No entanto, é preciso estar atento à automedicação, pois existem plantas que podem ser maléficas à saúde. Algumas, inclusive, contêm substâncias venenosas, como é o caso da planta comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia seguine). Tanto a farinha de jamelão quanto a de palha de milho roxo e a sobremesa instantânea produzida durante a pesquisa podem ser consideradas alimentos fitoterápicos, já que a inclusão desses alimentos na dieta pode trazer inúmeros benefícios à saúde e à prevenção de diversas doenças.


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Fotos: Divulgação

Colonização, extermínio e resistência

A construção de memórias e identidades da cultura Karajá a partir da fluidez de um rio sagrado e ancestral

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Vinícius Paiva

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o fundo das águas moravam os Berahatxi Mahadu. Eles tinham uma vida plena para desfrute, mas, mesmo assim, um dos jovens que lá habitavam carregava consigo a necessidade de subir à superfície e experimentar um espaço que ele não conhecia. Então, o jovem buscou diversas passagens até que encontrou a de Inysedena, lugar da mãe da gente, na Ilha do Bananal. Após se encantar com todas as riquezas do Araguaia, sentir o vento soprar, a chuva cair e o sol se por, o jovem instigou outros a vivenciarem esse novo mundo. Mas como nem tudo que minava era bom, conheceram doenças e até mesmo a morte. Eles tentaram regressar, mas a passagem foi impedida por Koboi, chefe do povo submerso. Resolveram, então, povoar os entornos do Araguaia e construir uma nova forma de existência. Hoje, essa é apenas uma das narrativas de criação do povo Iny, conhecido pelos não indígenas como povo Karajá.

Construir diálogos e narrativas que signifiquem a relação dos Karajá com o Rio Araguaia é central para a existência desse povo. À vista disso, a Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio do Projeto Rio Araguaia: Lugar de Memórias e Identidades - contemplado pelo Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás 2016, Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce) e Governo de Goiás - realiza ações inspiradas pelo olhar indígena que contribuem para a inserção política da ciência nos territórios em que ela atua. “O objetivo é compreender a relação do povo Karajá com o rio, por isso o projeto é construído em espirito de união. Não é sobre o que o projeto leva, mas sobre o que ele aprende. Desse modo, podemos transformar esse aprendizado em aprimoramento teórico e metodológico”, afirma a coordenadora, Camila de Moraes Embasado na Arqueologia Etnográfica (que contempla a incorporação de

métodos etnográficos ao fazer arqueológico), o projeto é permeado pela Arqueologia Subaquática e pela Arqueologia Colaborativa, com o intuito de entender o Araguaia como um espaço de ocupação humana. Segundo a vice-coordenadora do projeto, Andreia Torres, a arqueologia subaquática trabalha sobre os vestígios de materiais submersos e sobre aqueles que se encontram nas margens banhadas por essas águas ou em zonas alagadas. “Nesse entorno conservam-se diferentes objetos que só conhecemos parcialmente. Por meio deles podemos tentar entender as suas materialidades, ou seja, não só o significado que tiveram no passado, mas também a significação que eles têm no presente”, afirma.

Ancestralidade

O povo que ascendeu do fundo das águas não poderia perder o contato com seus ancestrais. Por isso, há muitos anos a coletividade masculina dos Karajá compromete-se em trazer anualmente os aruanãs ⎼ que permanecem no nível subaquático. Assim, eles também podem conhecer o mundo além das águas e provar um pouco das belezas terrestres. A festa de Hetohoky, que significa Casa Grande, sim-

boliza a passagem dos meninos, que representam a beleza e a força desse povo, para a idade adulta. Durante a celebração, comemorava-se na grande casa, que era construída nos arredores do Araguaia, a presença dos ancestrais que subiam para nominar os novos adultos e os ensinar, por meio dos pajés, a cuidar da Casa Aruanã. Essa é mais uma memória que sustenta a tradição da cultura Karajá.

Projeto

Dentro do projeto pode-se destacar três linhas de pesquisa. A primeira é direcionada a entender quais foram as marcas deixadas na pesquisa realizada na década de 1970 pela arqueóloga Irmhild Wüst. Com isso, o foco passa a ser a busca dos sítios identificados pela arqueóloga, bem como a compreensão das narrativas que influenciaram na demarcação das terras Karajá. A segunda linha é voltada à gestão comunitária dos bens arqueológicos, dialogando assim com a Musealização da Arqueologia. “O projeto pretende contribuir com o povo Karajá de Aruanã por meio do registro e da preservação de saberes e histórias, ao desenvolver processos de musealização em ambas as aldeias, afirma”.

O município de Aruanã possui duas terras indígenas, Karajá de Aruanã I e III, e, do lado mato-grossense do Araguaia, a terra Karajá de Aruanã II. Camila de Moraes relembra que a cidade, antigamente denominada Santa Leopoldina, teve sua origem associada a um presídio militar erguido em 1848. Três décadas depois, sob o controle do general Couto de Magalhães, foi inaugurada a navegação a vapor no rio, como estratégia de expansão de fronteiras, no âmbito da geopolítica colonialista. Três anos depois, em 1871, nesse mesmo município, foi construído o Colégio Santa Isabel, que tinha por objetivo despertencer as crianças indígenas de suas crenças, catequizá-las e controlá-las a partir de uma religião europeia imposta por colonizadores. No ano de 1992, iniciou-se o processo de reconhecimento e delimitação das terras indígenas, com diversas portarias publicadas em 1996. Mesmo assim, questionamentos continuam tramitando e insistindo em não reconhecer as terras indígenas ocupadas tradicionalmente. Em reflexão, o professor Manuel Ferreira de Lima, da UFG, aponta: “De fonte de vida, o rio Araguaia foi tornando-se, com o passar dos anos, uma veia aberta nas terras dos Karajá”.

Caminhos do Araguaia

“Um Karajá sem canoa não é Karajá” Tiago Fraga A navegação é um dos sentimentos que alicerçam a vida dos Karajá e, por isso, eles mantêm uma relação de proximidade especial e única com as canoas ao considerá-las como membros de ouro de suas famílias. Perceber como os artefatos e os hábitos construídos por esse povo entrelaçam-se ao fluxo do rio como paisagem cultural, existência e caminho é entender as experiências sensíveis de pertencimento de quem reside e de quem visita o Araguaia. “Desafio todos os leitores a olhar de novo para as suas águas e o seu entorno e perceber como os artefatos e os hábitos vivenciados pelos Karajá de Aruanã constroem o Araguaia tal como ele é, como podemos percebê-lo hoje em dia”, convida Andreia Torres.

Meio ambiente

A vida que raiou nas correntezas do Araguaia

Segundo Camila, na terceira linha a reflexão é guiada para entender como as territorialidades, materialidades e cosmologias Karajá se interagem e constroem a paisagem do rio e como essa dinâmica se dá no presente. “Esse povo constrói seu território a partir do Araguaia, tendo desenvolvido, no passado, uma intensa dinâmica de ocupação entre aldeia permanente às margens do rio, acampamentos de pesca em lagoas, exploração de locais para coleta de matérias-primas, caça e, por fim, aldeias temporárias nas praias em período de vazante. Por conta disso, o projeto mapeou locais e novos sítios arqueológicos”, explica.


Carlos Siqueira

Universidade

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Comissão coíbe fraudes no sistema de cotas da UFG Candidatos que se inscreveram por reserva de vagas tiveram a autodeclaração verificada na matrícula Mariza Fernandes

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m 2018, pela primeira vez desde a implantação da Lei n° 12.711, conhecida como Lei de Cotas, os candidatos que se inscreveram por reserva de vagas para pretos e pardos no processo seletivo da Universidade Federal de Goiás (UFG) passaram por uma comissão de verificação da autodeclaração na matrícula. O procedimento foi aplicado tanto para os estudantes que ingressaram pelo Sistema de Seleção Unificado (SiSU) quanto para os que concorreram pelo Programa UFGInclui, que contempla indígenas e quilombolas. Com o objetivo de coibir fraudes, a verificação foi realizada em Goiânia e em todas as regionais.

Critério fenotípico

O critério adotado pela comissão para verificar a autodeclaração é o fenotípico, ou seja, se o candidato

didato. Argumentos como o de que o avô ou algum antecedente é negro não são válidos se o estudante não apresentar características fenotípicas de alguém preto ou pardo.

Balanço positivo

Para alguns dos membros da comissão, o trabalho durante a matrícula foi uma oportunidade de conhecer realidades para as quais não se atentavam antes. “É muito gratificante. Eu cresci muito e me entristeci, ao mesmo tem-

Para o presidente, a comissão cumpriu o papel de garantir que as cotas não sejam objeto de fraude. “A nossa avaliação é de que o resultado do processo é bastante satisfatório. O balanço que fazemos é muito positivo. Achamos que a comissão cumpriu o seu papel de garantir a aplicação correta de uma política pública para um público definido”, concluiu Pedro Cruz. Além do trabalho durante a matrícula, a UFG criou uma Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração, que vai atuar ao longo do ano, apurando denúncias de fraudes, tanto no ingresso de estudantes na graduação quanto na pós-graduação e nos concursos públicos.

A comissão de verificação foi composta por professores e servidores técnico-administrativos da UFG. De acordo com a coordenadora de Ações Afirmativas, Marlini Dorneles, houve um cuidado especial para garantir que todas as bancas seguissem o critério da diversidade, com a participação de mulheres e homens, bem como de pessoas negras e brancas. Todos que integraram o grupo participaram de uma qualificação oferecida pela Coordenadoria de Ações Afirmativas (Caaf ). O processo de verificação da autodeclaração realizado pela UFG foi baseado em algumas das regras estabelecidas pela orientação normativa número 3 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. A norma estabelece o uso do critério fenotípico, ou seja, o que valida a autodeclaração é a aparência do can-

Carlos Siqueira

De acordo com o presidente da comissão em Goiânia, Pedro Cruz, entre os dias 6 e 12 de março, 1.465 candidatos passaram pela verificação. Desses, 143 tiveram a matrícula indeferida. Em todos os casos de indeferimento, os estudantes puderam recorrer. “O devido processo legal tem de ser observado. Todos têm o direito de defesa. Por isso, nós prevemos também uma banca recursal. Se o candidato passou por uma banca de verificação e ela tem o entendimento de que ele não tem as características para preencher aquela vaga, ele pode entrar com o recurso e passar por outra banca, com membros que não participaram anteriormente”, explicou Pedro.

apresenta aspectos físicos característicos de uma pessoa negra, como cor da pele e cabelo. O procedimento também foi composto por uma entrevista. “Eu gostei muito de passar pela comissão. Acho que tem de ter uma comissão específica para o cotista preto, pardo e indígena. É de extrema importância na UFG. Eu não me senti constrangida em momento algum. Acho que a comissão tem de existir sim, principalmente para garantir que essas vagas das cotas sejam de fato ocupadas por pessoas que pertençam a esses grupos”, declarou Talita Sousa dos Reis, estudante de Design de Moda.

po, ao ver o nível de discriminação sofrido por essas pessoas. Elas trazem marcas muito grandes. Falo que cresci como pessoa, eu amadureci... foi muito bom. Aprendi muito nessa comissão”, afirmou a assistente administrativa Kênia Eliane de Oliveira.


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ARTIGO

Arquivo Pessoal

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O direito agrário de produzir das mulheres *Larissa Carvalho de Oliveira

O tema desenvolvido refere-se ao direito das mulheres que realizam inúmeras práticas para garantir o bem-estar comunitário, a partir da sociabilidade rural, com valorização de tradições sociais e de cultivos. O direito de produzir os próprios alimentos e, caso necessário, comercializá-los, é defendido pela Via Campesina, mas depende de outros direitos para ser efetivo, como o direito de acesso à terra, à assistência técnica e aos créditos rurais. As opressões sofridas e as cargas de trabalho intensas na produção são algumas das feições do cotidiano das camponesas, aqui consideradas as mulheres adultas, de classe social baixa, que praticam atividades agrárias ao lado de seus familiares, em espaços rurais caracterizados pelo campesinato. Esse modelo de agricultura e de vida é marcado pela preferência da exploração sustentável da terra, pela prática da policultura e pela tendência à autonomia social, demográfica e econômica. Em 2015, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal, divulgou que quase 50% dessas mulheres desempenham atividades agrárias para autoconsumo ou sem remuneração. Atividades realizadas pelas camponesas – criação de animais, cultivo de hortas e flores, produção agrícola, cuidadoras, limpeza doméstica, preparo da alimentação – são basilares para a manutenção da estrutura socioeconômica, e a não remuneração da maior parte

de seus trabalhos está de acordo com o sistema patriarcal capitalista. Muitas de suas práticas tendem a ser consideradas “ajuda” para as atividades agrárias dos homens. As mulheres do campo sofrem tratamento social discriminatório e marginalizante, inclusive quanto ao acesso aos direitos. São colocadas em posição subalterna, tendo mais dificuldades para acessarem serviços de assistência técnica rural e de créditos. Ainda assim, elas contribuem para a redução da pobreza e da insegurança alimentar, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

O enfoque na prática de atividades agrárias por mulheres viabiliza a observação do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais (POPMR), instituído pela Portaria Interministerial em 2008, como decorrência de pressões de movimentos sociais e de compromissos internacionais assumidos pelo Estado, quanto à melhoria das condições de vida e de trabalho das mulheres. O POPMR visa a prestar informações e conteúdo técnico para as mulheres, estimular o desenvolvimento de estratégias organizacionais para gerenciamento e comercialização do que é produzido coletivamente por elas, a fim de que tenham autonomia econômica e alcancem outras políticas públicas. Trata-se de política que beneficiou mais de 48 mil mulheres do campo entre 2008 e 2010. Observa-se que a invisibilidade das camponesas na maioria das políticas públicas explicita um “não lugar”, a exclusão real simbólica de mulheres dos espaços que poderiam fomentar seu desempenho produtivo e melhorar a qualidade de vida no campo e na cidade. Larissa Carvalho de Oliveira, mestre em Direito Agrário pela UFG O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.

tem um branco intenso com emissão majoritária na região do azul, gerando problemas na qualidade do sono, relacionados ao excesso dessa luz artificial a que nosso organismo é exposto. Essa pesquisa também é desenvolvida em parceria com o Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI), parte do Parque Tecnológico da UFG, para a realização e dezsenvolvimento de metodologias analíticas relacionadas à caracterização desses novos materiais obtidos. Juliana Pimenta, pós-doutoranda do Instituto de Física da UFG.

No mestrado iniciei meu amor pela área de ciências dos materiais, e desde então venho trabalhando com o desenvolvimento e caracterização para a aplicação nas mais diversas áreas. Atualmente me dedico a sintetizar novas composições de materiais com propriedades para aplicação em dispositivos opto-eletrônicos, displays, LED’s ou lasers, visando uma melhoria desses dispositivos, reduzindo o consumo de energia elétrica e aumentando seu tempo de vida.

O foco do trabalho tem sido o desenvolvimento de novos materiais que possam ser aplicados como LED´s, visando minimizar os efeitos desses dispositivos, que, embora possuam um menor consumo de energia, emi-

Arquivo Pessoal

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s modos como o direito agrário de produzir das camponesas se manifestam afiguram-se como base da problemática enfrentada na dissertação Desde o campo e pelas margens: o direito agrário de produzir das mulheres camponesas, de minha autoria. Trata-se de uma perspectiva jurídica crítica sobre a realidade de tais mulheres no Brasil, em especial as que se localizam em assentamentos da reforma agrária, acampamentos rurais e territórios da cidadania.

novo sempre foi algo que me atraiu. Durante minha trajetória acadêmica, tive o prazer de trabalhar em diferentes pesquisas e conviver com grandes pesquisadores. A verdade é que parar na pesquisa foi algo como o curso natural da vida para mim, não foi algo planejado. Por vezes a pesquisa no país, com todas as dificuldades, nos faz querer desistir. Ao longo da pós-graduação tive altos e baixos quanto a seguir esse caminho, mas então, como uma brisa que renova nossas energias, eu vim parar em Goiânia. Como química, a pesquisa que comecei aqui era totalmente nova para mim. Em todas as variáveis da minha caminhada, em nenhuma delas eu havia imaginado trabalhar na área de Física, mas sem perceber o destino me levou até ali e me mostrou um universo novo e apaixonante.

Quer falar sobre sua pesquisa ou projeto de extensão? Escreva um texto em primeira pessoa e envie para jornalufg.secom@ufg.br.

COMUNIDADE PERGUNTA Como posso fazer um intercâmbio em outro país? A Coordenadoria de Assuntos Internacionais (CAI/UFG) ocupa-se dos intercâmbios para estudantes de graduação. Os interessados devem submeter-se a um dos editais publicados pela CAI no decorrer do ano. Sempre que há algum tipo de apoio financeiro (bolsa oferecida por agências nacionais ou internacionais, auxílio-transporte, auxílio-moradia e alimentação etc), é lançado um edital específico. Exemplos: Edital para o Programa Brasil/ Colômbia (Bracol), Edital para o Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades, Edital para o Programa Paulo Freire. Fiquem atentos às publicações da CAI no endereço eletrônico <www.cai.ufg.br>. Não é necessário haver convênio com a universidade estrangeira para fins de intercâmbio. Mas muitas instituições, conveniadas ou não, cobram mensalidades, semestralidades e outras taxas acadêmicas. A realização do intercâmbio na graduação segue normas estabelecidas em resolução: o estudante que deseja participar de intercâmbio deve preparar-se previamente, deve ter um bom desempenho acadêmico e dedicar-se à aprendizagem de línguas estrangeiras. O estudante poderá realizar intercâmbio internacional para fins exclusivos de estágio. Nesse caso, deverá se submeter ao edital geral. Eventualmente, a CAI promove mobilidade internacional para estudantes de pósgraduação e docentes. Ofir Bergemann, coordenadora de Assuntos Internacionais da UFG


o , viúva d na Flora o e d o e ir d le a na casa de Almeida, o vio das Ali, aind o m im u q ca a dor Jo ousa to embaixa ade de S ída da nio Trind do na sa tô n ca A n o ri ã b ra foli ti ca o para de viola . a ir e d n Ba

No dia 26 de dezembro de 2014, no pouso oferecido por dona Flora, foliões cantam e anunciam a saída dos três Reis do Oriente diante da lapinha e da Bandeira, cuja cor dá o nome à Companhia.

Destaque para os puxadores de palm as Valdemar e seu Dorvalino de Avel ar. Pouso na casa do folião Zé da Esperança, em 27 de dezembro de 2014. Tanto Zé da Espe rança – ou Zezinho – quanto seu Dorvalino foram companheiros (foliões) que a Com panhia perdeu em 2015.

Juliana Ribeiro Marra Há uma série de autores que apontam a ocorrência, nas últimas décadas, de um “movimento de redescoberta” da cultura popular e caipira no Brasil. No que diz respeito à cultura caipira, esse movimento seria encabeçado pela trajetória da viola caipira no país. Há o interesse pelas danças, folguedos ou performances que têm o instrumento como primordial. Esse é o caso da (ou do) catira. Mas é importante observar esse movimento distanciando-se do velho clichê do “resgate”, pois não se deve esquecer que a cultura e a música caipiras seguiram resistindo em sua produção no século XX. Assim, afirmar que a viola está sendo resgatada na atualidade seria desconsiderar a atuação de violeiros amadores, duplas caipiras e grupos de Folia de Reis e catira ao longo do século passado.

Fotos: Juliana Marra

Foi junto ao grupo de Folia de Reis Bandeira Vermelha, da Cidade de Goiás, que esse processo mostrou-se mais intenso. Surgido no município na década de 1950, o fundador, “Seu Pio”, vinha da região onde atualmente é o município de Aruanã (GO) e apresentava fortes traços de miscigenação indígena. Ele enfrentou dois problemas iniciais para a “saída da folia”: a resistência dos padres de Goiás e a ausência de foliões. Gradativamente esse segundo problema vem retornando, à medida que os antigos foliões estão falecendo e outros não surgem. Outra questão que emergiu do trabalho de campo foi a questão de gênero, ou seja, o papel das mulheres na continuidade dessa manifestação cultural. O grupo da Bandeira Vermelha mantinha a exclusividade masculina na dança da catira até o primeiro ano do trabalho de campo, em 2015. Essa situação foi modificada pelo grupo no ano seguinte, quando perceberam a necessidade de realizar essa abertura para dar continuidade à tradição. Da mesma forma e a título de exemplificação da relação subjetiva que se estabelece nesse tipo de pesquisa, a minha imersão em campo trouxe também à tona a afirmação e reelaboração da presença da mulher nos mais diversos espaços de atuação: apesar das dificuldades e obstáculos, fiz o trabalho de campo, no segundo ano, com um bebê de um mês e meio a tiracolo.

se, na sa de Ro uso na ca o dia 30 de o p o a e ga da d Folia ch madruga segura Fogo, na to, Rose fo a N Ru a d o . ontado 014 m 2 e io d p o presé d dezembro te lado, o n u ia ira d e, ao se ia h n a a Bande p ia a m a anunc b e r a Co s Noronh o para rece o ao g m in m ru o dor D e viajam u q is embaixa e ão a R ssa ocasi dos três Jesus. Ne chegada esar o p a in , n e a g do M ante lon st a b ões. encontro r li se ço dos fo costuma do cansa e cantoria o d ça n o a va do horári

Veja matéria no Portal UFG

Daniel do Vale

É nesse sentido que a pesquisa Catira: performance e tradição caipira foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da UFG. Compreendendo que o referido movimento toma a prática dos repertórios musicais e coreográficos da tradição popular como novidade central, a pesquisa buscou aproximar esse fenômeno da área acadêmica. Assim, as performances culturais são consideradas um método interdisciplinar de conhecimento, que permitem o diálogo com noções e conceitos de diversos campos do saber – antropologia, sociologia, dança, geografia, história. Porém, o mais importante é a vivência e imersão junto aos grupos, permitindo a fluidez do conhecimento corporal, sensitivo e intuitivo.

Juliana Ribeiro Marra é mestre em Performances Culturais (2016) pela UFG, com pesquisa sobre memória e performance na cultura popular, orientada pela professora Izabela Tamaso. Especialista em Produção e Gestão de Projetos Culturais (2010) e graduada em História (2006), também pela UFG, desenvolve pesquisa e possui experiência nas áreas de História, Artes, Audiovisual, Cultura Popular e Patrimônio (Cultural/Natural). Atualmente é professora de História no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae/UFG).


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