Jornal UFG 89

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JORNAL ANO XI – Nº 89 AGOSTO 2017

Bruno Destéfano

A lição d@s estudantes O que a juventude tem proposto e ensinado à universidade? Discentes e professores analisam fase atual do movimento estudantil, que enfrenta momento de retrocessos e há algum tempo anseia por “novas formas de luta” p. 8 e 9

Entenda as diferenças entre rádio AM e FM e o futuro da Rádio Universitária p. 4

Mesa-redonda: especialistas discutem conflitos no campo p. 6 e 7

Marcas de violência contra a mulher são permanentes, diz pesquisa p. 11


Universidade

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JORNAL

EDITORIAL

A juventude não se cala Luiz Felipe Fernandes

E

m 2016, em reação ao anúncio do governo de Goiás de que as escolas do estado passariam a ser geridas por Organizações Sociais (OS), estudantes do ensino médio protagonizaram o movimento de ocupação das unidades de ensino. O assunto ganhou a cobertura da “grande imprensa”, composta pelos tradicionais veículos de comunicação, geralmente com abordagens superficiais, pouco debate e reflexão e com foco nas consequências imediatas das ocupações, como o atraso no calendário escolar.

O assunto a que se dedica a reportagem de capa desta edição é justamente a luta empreendida pela juventude atual, marcada pela pluralidade de ideias e pela horizontalidade. A repórter Patrícia da Veiga faz uma incursão em alguns desses movimentos estudantis e traz a perspectiva de

E tem novidades na edição 89 do nosso jornal. Uma delas é a estreia do técnico em artes gráficas Frede Aldama na diagramação do Jornal UFG, dando continuidade ao projeto gráfico concebido pelo programador visual Reuben Lago. A outra é a coluna “Eu Faço a UFG”, que trará relatos em primeira pessoa de pesquisadores e participantes de projetos de extensão da Universidade acerca das atividades que desenvolvem. Confira e participe! Coordenador de Jornalismo da Ascom

Frede Aldama é técnico em artes gráficas e integra a equipe da Assessoria de Comunicação da UFG há três meses. Além da diagramação do Jornal UFG, desenvolve peças para a área de Publicidade Institucional.

Ana Fortunato

Na edição de abril do ano passado, o Jornal UFG entrou no debate com a publicação da reportagem “Gestão das escolas públicas em perspectiva”, em que especialistas analisavam o modelo proposto pelo governo estadual. Além disso, a TV UFG foi a primeira emissora recebida em uma ocupação, retratando o movimento de forma mais aprofundada, contribuindo para diminuir a incompreensão acerca das novas dinâmicas de manifestações de adolescentes e jovens.

seus participantes, incluindo aqueles que buscam mais autonomia e se distanciam da política institucionalizada. O recado está dado: a juventude não quer que falem por ela!

Errata Na reportagem “Por que as pessoas ainda leem jornal?”, na página 12 da edição 88, o nome correto da EMC é Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação.

COMUNIDADE PERGUNTA Como funciona o processo de transferência para a UFG? Pergunta enviada via Fale Conosco Uma vez ao ano, sempre no segundo semestre, o Centro de Gestão Acadêmico (CGA) divulga o edital para preenchimento de vagas remanescentes. Essas vagas são aquelas que não foram preenchidas pelo SiSU ou referentes a alunos que desistiram do curso. As vagas remanescentes podem ser preenchidas por estudantes da UFG que desejem mudar de

curso, portadores de diploma de curso superior, pessoas que pretendam reingressar na Universidade e estudantes de outras Instituições de Ensino Superior (IES) que pretendam ingressar na UFG por transferência facultativa.

A partir de 2016, essa seleção passou a ser realizada somente com base na nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O edital 2017 deve ser disponibilizado em setembro. Fique de olho! Valquíria da Rocha Santos Veloso, Diretota do Centro de Gestão Acadêmica da UFG (CGA)

Direto do Instagram @ufg_oficial @fernando_brass

@kabelintmf

Publicação da Assessoria de Comunicação Universidade Federal de Goiás ANO XI – Nº 89– AGOSTO DE 2017 Reitor: Orlando Afonso Valle do Amaral; Vice-Reitor: Manoel Rodrigues Chaves; Pró-Reitora de Graduação: Gisele Gusmão; Pró-Reitor de Pós-Graduação: Jesiel Freitas Carvalho; Pró-Reitora de Pesquisa e Inovação: Maria Clorinda Soares Fioravanti; Pró-Reitora de Extensão e Cultura: Giselle Ferreira Ottoni Cândido; Pró-Reitor de Administração e Finanças: Carlito Lariucci; Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos: Geci José Pereira da Silva; Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária: Elson Ferreira de Morais. – Jornal UFG – Coordenador de Jornalismo: Luiz Felipe Fernandes; Editora: Kharen Stecca; Editora-Assistente: Angélica Queiroz; Conselho editorial: Angelita Pereira de Lima, Cleomar Rocha, Estael de Lima Gonçalves (Jataí), Luís Maurício Bini, Pablo Fabião Lisboa, Reinaldo Gonçalves Nogueira, Silvana Coleta Santos Pereira, Thiago Jabur (Catalão) e Weberson Dias (Cidade de Goiás); Suplente: Mariana Pires de Campos Telles; Projeto gráfico : Reuben Lago; Editoração: Frede Aldama; Fotografia: Carlos Siqueira; Reportagem: Angélica Queiroz, Carolina Melo e Patrícia da Veiga; Bolsistas: Adriana Silva e Ana Fortunato (Fotografia), Luciana Gomides e Vinicius Paiva (Jornalismo); Impressão: Centro Editorial e Gráfico (Cegraf ) da UFG; Revisão: Bruna Mundim, Fabiene Azevedo e Maria Lucia Kons; Tiragem: 6.000 exemplares ASCOM Reitoria da UFG – Câmpus Samambaia Caixa Postal: 131 – CEP 74001-970 – Goiânia – GO Tel.: (62) 3521-1310 /3521-1311 www.ufg.br – www.ascom.ufg.br jornalismo.ascom@ufg.br

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Ditadura e repressão policial-militar Luciana Gomides

O

ano era 1964. O Brasil assistiu ao poder sendo tomado de assalto pelo regime militar, fazendo nascer uma era sombria, que perduraria por mais de duas décadas: a ditadura militar. Aton Fon Filho, hoje militante e membro dos Advogados Populares do Brasil, tinha apenas 16 anos quando tudo começou. Afiliado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e engajado na resistência armada contra o regime, foi preso em 1969, por sua atuação na Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, assassinado meses antes.

Dez anos de cárcere e torturas na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) geraram, em conjunto com mais oito presos políticos, a obra A Repressão militar-policial no Brasil: o livro chamado João. Escritas de forma clandestina, as narrativas assim permaneceram por quatro décadas, sobrevivendo sob o pseudônimo criado por seus autores. Ao contrário de registros biográficos daquela época, o livro vai além da denúncia e relatos do ambiente da repressão, estudando a origem de seus aparatos, desde o período colonial. Libertado em 1979, Aton Fon Filho só teve sua anistia legalmente concedida em 2013. Em tempos nos quais a repressão ainda persiste, mesmo que de forma velada, ele conversou com o Jornal UFG sobre o processo de escrita de sua obra, além de comparar a atuação política, midiática e policial daquele período com o que vemos atualmente.

Na produção do livro foi feita uma análise conjuntural desde o golpe até a instalação da ditadura. Como foi o processo de produção da obra?

O livro foi escrito para que fosse possível uma análise da conjuntura desde o processo do golpe até a instalação e evolução do processo da ditadura. Em 1974, toma posse o presidente Ernesto Geisel, indicado pelo general Garrastazu Médici. Geisel, logo de início, anuncia sua intenção de realizar um processo do que ele chamou “abertura lenta, gradual e segura”. Então, decidimos estudar que significado isso poderia ter para os ditadores. Também consideramos o fato de que, no ano de 1974, se aprofundou o processo de extermínio dos militantes da oposição política. Esse

processo, que vinha se aprofundando desde 1970, tornou-se praticamente absoluto a partir de 1973 e 1974. Nós estávamos na Casa de Detenção de São Paulo nesse período e decidimos, então, que uma forma de contribuirmos para o entendimento do que estávamos vivendo era o estudo de algo mais aprofundado da situação. O fato de fazer um livro desse tipo, dentro de um presídio já traz, em si, muitas dificuldades. Na casa de detenção, tínhamos muitas restrições à leitura de livros. Os agentes presidiários tinham determinações expressas de restringir nossos acessos e, para poder chegar às nossas mãos, qualquer livro tinha que vir marcado por autorização da Auditoria Militar, responsável por esse processo de censura e autorização, além do fato de que, naquele tempo, a produção de livros que fizessem análise, de algum modo, contrária às versões oficiais da história que os militares apresentavam também era muito dificultada. Como diz o próprio livro, tivemos muito acesso a jornais e revistas porque, desde as primeiras chegadas de presos políticos nos presídios, nos preocupamos em fazer a organização de uma hemeroteca, com clipagem dos jornais e revistas. Estas acabaram se tornando a fonte principal do material que utilizamos.

Como conseguiram lidar com a repressão?

Era muito complicado fazer um trabalho desse tipo dentro de um presídio porque sofríamos uma repressão permanente. Volta e meia, passávamos por batidas para verificar que tipo de material tínhamos nas celas. Em 1974, por exemplo, fomos transferidos da Casa de Detenção para a Penitenciária do Estado. O coronel Erasmo Dias, nomeado Secretário de Segurança Pública do Estado, fez uma incursão na galeria na qual estávamos recolhidos e de lá decidiu que não poderíamos permanecer por estarmos sendo tratados de forma que considerou privilegiada. Na penitenciária, precisamos nos envolver em um processo de luta para retomar nossas leituras, estudos, organização e sobrevivência como militantes políticos. Tínhamos também que manter a produção desse livro oculta dos companheiros que estavam conosco ali no presídio, para que poucas pessoas soubessem, esta era a segurança do trabalho a que dedicamos. Ainda mais quando muitos companheiros tinham conosco divergências e achavam que não deveríamos tomar nenhuma atitude que pudesse, no entender deles, causar problemas. Tenho companheiros, por exemplo, que traçaram conosco um polo de divergências em torno do que era estabelecido, por exemplo, o papel do militante revolucionário preso. Diziam eles que o papel do militante revolucionário preso era sair da cadeia para retomar a luta lá fora. Nós concordávamos, em partes, com essa visão, porém, entendíamos também que, enquanto presos, tínhamos a tarefa de aportar, naquilo que fosse necessário, as lutas que eram realizadas pelo povo brasileiro. Por isso mesmo, começamos a referir a esse livro como João, exatamente para que não vazasse que estávamos realizando estudos, coletando materiais, ou mesmo redigindo um livro.

A mesma violência que era praticada anteriormente é praticada agora, mas oculta, sob a aparência de legalidade, quando juízes e promotores determinam ou acobertam a violência dos militares.

Vivemos um período de crise e, consequentemente, greves gerais e manifestações, muitas vezes, duramente reprimidas. O senhor consegue traçar uma comparação da repressão daquela época com a de hoje?

Esse livro esteve para ser publicado durante mais de 40 anos, desde 1974 até 2016. Durante muito tempo tivemos a intenção de publicar. O problema é que, para fazer, nós tínhamos a necessidade de algumas discussões, entre elas, se seria o caso de fazer uma atualização ou se publicaríamos da forma como foi originalmente escrito. Decidimos pela mera revisão e a atualização acabou não acontecendo. E o livro foi publicado, exatamente no momento em que se completava um novo golpe, um golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff. Neste momento, vimos que, apesar de 42 anos depois, aquela publicação cumpria um papel na nova situação que se apresentava. Não diria que a repressão que enfrentamos no período da ditadura militar seja idêntica a que estamos sofrendo hoje. De certa forma, essa repressão tem até um caráter mais daninho porque vem acobertada pelo judiciário e pelas organizações que, a rigor, deveriam estar voltadas para a produção de justiça, mas que favorecem a impunidade dos militares que assassinam, rotineiramente, a nossa juventude na periferia. Então, hoje nós estamos em uma situação muito pior porque, em 1964, a repressão era exercida diretamente pelos militares, por aqueles que tinham o privilégio do emprego da força. Agora, a repressão não é mais exercida, diretamente, por aqueles que têm o privilégio do emprego direto da força, mas por aqueles que têm o privilégio de determinar a ação dos primeiros. A mesma violência que era praticada anteriormente é praticada agora, mas oculta, sob a aparência de legalidade quando juízes e promotores determinam ou acobertam a violência dos militares.

E o papel da mídia? Houve mudanças na forma como são divulgadas notícias sobre o governo, crise, protestos e os atores dessas manifestações?

No livro, nos referimos, em determinados momentos, às situações em que o organismo da mídia, jornais, revistas, que favoreceram o golpe militar de 1964, tornaram-se depois contrários ao regime e, por isso, foram alvo de censura e repressão. Na atualidade, nós começamos, talvez, a vislumbrar alguns elementos que indicam essas contradições. Mas, de modo geral, o bloco da mídia está participando absolutamente integrado com o poder judiciário e organismos do legislativo para decidir qual seria o melhor modo de ofender os direitos dos trabalhadores. É por isso que, em determinados momentos, alguns veículos defendem a permanência de Temer no governo enquanto outros postulam, desde logo, o afastamento de Temer e sua substituição por qualquer um dos representantes de maior confiança do capital financeiro internacional.

Atualmente, alguns enxergam a intervenção militar como solução para a crise. Após anos vividos sob a ditadura e os horrores do cárcere, o senhor vê isso com alguma preocupação?

Isso significa que, talvez, as pessoas não saibam como buscar uma solução para a crise. Recorrendo às grandes manifestações em apoio ao impeachment da presidenta Dilma, temos que reconhecer que nos momentos em que as forças organizadas dos trabalhadores resolvem buscar transformações estruturais da sociedade brasileira, há um confronto contra elas. Em 1964, no auge da luta dos trabalhadores em busca da reforma agrária, tributária, bancária, da busca na nacionalização das empresas estruturais para o desenvolvimento brasileiro, houve marchas em defesa da família, da propriedade. Vejo isso com mais preocupação agora, com o extermínio produzido contra as parcelas mais pobres da população. Naquele tempo, setores da classe média se levantaram contra a ditadura militar, tiveram condições de denunciar os horrores do cárcere e, com isso, fazer a necessária estigmatização da ditadura militar. O fato de que, agora, sejam os trabalhadores e os mais pobres os vitimados faz com que fiquem mais reduzidas as possibilidades de fazer essa denúncia.

Entrevista Aton Fon Filho

Produtora João e Maria.doc. Acervo: Memorial da Resistência de São Paulo

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Sociedade

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Gabrielle Carneiro

Mudando a sintonia do seu rádio Decreto de migração da Rádio Universitária 870 AM para FM deve ser assinado ainda em 2017 Angélica Queiroz

O

rádio é um dos mais antigos, populares e abrangentes meios de comunicação social do mundo. No Brasil, o serviço de radiofusão passa atualmente por um processo de migração das rádios de AM (Amplitude Modulada) para FM (Frequência Modulada). A discussão ganhou força após o decreto de migração assinado pela presidente Dilma Rousseff e a portaria do então Ministério das Comunicações (MC), de 2014, que regulamentou a migração. Segundo dados do Governo Federal, existem em torno 1,7 mil rádios em AM no Brasil, das quais mais de 70% optaram por fazer seus processos de migração, entre elas a Rádio Universitária da UFG. Mas quais são as diferenças entre rádio AM e FM afinal? Essa mudança é bem-vinda?

Para responder a essas perguntas, é preciso primeiro entender como funciona a transmissão de rádio: um sinal sonoro é enviado por uma torre em forma de ondas eletromagnéticas e um aparelho sintonizado na mesma frequência que estas ondas capta o sinal enviado. A amplitude e a frequência dessas ondas é que definem o alcance e a clareza desses sinais. As faixas AM e FM são as responsáveis por modular esses sinais. Basicamente as rádios AM têm maior alcance, mas sofrem mais interferências eletromagnéticas, enquanto as rádios FM possuem melhor qualidade de som, mas têm menor alcance.

Alcance ou qualidade?

Nas cidades de médio e grande porte, as rádios AM têm perdido audiência significativa ao longo do tempo. E essa audiência não está se renovando. Os rádios estão sendo fabricados cada vez mais apenas para FM e os novos dispositivos, como smartphones e tablets, só têm FM instalados, nunca AM, o que reduz ainda mais o

alcance do público. O diretor técnico da Rádio Universitária da UFG, Arutanã Ybiopuá Ferreira, explica que a qualidade da AM hoje está muito prejudicada nas cidades porque passou a sofrer interferência dos aparelhos modernos como celular, computador e lâmpada fluorescente, e isso compromete a recepção. Por esse motivo, ele acredita ser necessária a mudança para a FM, que não está suscetível a esses ruídos. “Além disso, a banda de frequência da FM é maior, se aproxima mais do ouvido humano e funciona bem em garagens ou no subsolo porque não tem tanta interferência dos obstáculos”, acrescenta Arutanã Ybiopuá. Com tudo isso, a captação de verbas publicitárias para as emissoras AM fica muito reduzida. “A Rádio Universitária, por ser uma emissora educativa, pode apenas fazer captação de mídias oficias de governo ou de apoios culturais, mas mesmo essas fontes estão cada vez mais escassas”, afirma a diretora da Rádio Universitária, Márcia Boaratti.

Sobre a perda no alcance, Arutanã Ybiopuá lembra que a população rural tende a decrescer e, por esse motivo, não é interessante focar nesses públicos. “É inegável que acabamos criando o que chamamos de zonas de silêncio. Mas estamos trabalhando para garantir um melhor sinal FM para alcançar a todos os segmentos e também parcerias com outras redes para retransmitirem programação de outras rádios”, observa, lembrando que, embora a AM tenha sido historicamente mais popular entre as classes mais baixas, a FM atualmente já consegue chegar a todas as classes sociais. Márcia Boaratti concorda que a grande desvantagem da migração é a perda de alcance do sinal. “O sinal da antena da AM chega muito mais longe que a FM, mas essa desvantagem está sendo minimizada a cada dia pela transmissão da programação utilizando streaming em sites,

aplicativos ou mesmo em redes sociais”, observa, destacando que a Rádio Universitária utiliza esses recursos com o streaming ao vivo no site da emissora, no aplicativo Minha UFG e no Portal UFG.

A Rádio Universitária vai mudar?

A UFG solicitou alteração da Rádio Universitária de AM para FM em 2014, mas em locais onde não havia mais espaço para rádios novas e o canal 5 e 6 de TV estavam ocupados, como foi o caso de Goiânia, foi preciso concluir a digitalização da TV e o desligamento do canal analógico para criar espaço para as novas FMs, no chamado dial estendido. Então, desde o dia 31 de maio, quando a TV analógica foi desligada na capital, as emissoras de Goiânia podem migrar utilizando a frequência desses canais. A Rádio Universitária está aguardando o andamento do processo junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a expectativa é de que o decreto de migração da Rádio Universitária 870 AM para FM seja assinado ainda em 2017. Segundo a diretora da Rádio Universitária, Márcia Boaratti, a partir da assinatura, há um prazo para colocar o sinal no ar e este deve continuar funcionando simultaneamente com o sinal AM por cinco anos, quando o último deve ser desligado. “As FMs de Goiânia que vão para o dial estendido têm uma desvantagem sobre as outras. Isto se dá porque as emissoras que estarão no dial estendido não serão sintonizadas nos rádios convencionais, sendo necessária a troca por receptores digitais”, explica. Para a diretora da Rádio Universitária, a migração para FM é benéfica, sobretudo, para a comunidade da UFG em Goiânia, que é constituída em grande parte por jovens que hoje só conhecem a FM, lembrando

que um dos objetivos da rádio da Universidade é divulgar as ações da UFG também para o seu público interno. Além disso, ela lembra que a programação da Rádio Universitária busca fazer um contraponto ao discurso hegemônico da grande mídia. “Buscamos valorizar a cultura local e também as manifestações e atores que não têm espaço em outras emissoras. A abordagem com maior profundidade e a escolha dos temas e de especialistas, em grande parte da própria UFG, faz a Rádio Universitária ser referência na comunicação em Goiás. Daí a importância de melhorarmos a qualidade de nosso sinal e sermos ouvidos por um maior número de pessoas”, detalha.

E a rádio digital?

Tendo a rádio digital já como uma realidade em alguns países, discutir a migração de AM para FM pode parecer ultrapassada. A Noruega, por exemplo, já faz transmissões somente em formato digital desde janeiro e é o primeiro país do mundo a acabar definitivamente com o rádio analógico. E por que o Brasil não segue esse caminho? As dificuldades de implantação envolvem questões práticas e técnicas. Existem pelo menos quatro formatos de rádio digital no mundo afora: um americano, dois europeus e um japonês. Esses modelos funcionam bem em suas respectivas regiões, mas não atendem às necessidades do Brasil. Arutanã Ybiopuá explica que, apesar do bom alcance e qualidade, a rádio digital no Brasil ainda enfrenta problemas de interferência, além de custar caro. “No Brasil essa discussão deu uma esfriada porque ela ainda é, de certa forma, experimental”, afirma. Segundo ele, o país teria de mudar todo o seu sistema radiodifusor, o que é inviável devido ao alto custo. No entanto, a migração de AM para FM não impede uma futura digitalização do rádio.


5 Extensão

Amor animal cura solidão humana Vinícius Paiva

F

ortalecer o quadro emocional, ajudar no desenvolvimento físico e proporcionar contentamento e satisfação mental aos idosos. Esses são alguns dos objetivos do Projeto Alegria Terapia Animal (Pata), viabilizado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Três estudantes são as responsáveis pelas visitas mensais ao Asilo Solar Apóstolo Tomé no Setor FinSocial de Goiânia para a realização da zooterapia – tratamento baseado na interação entre animais e humanos – para a melhoria da saúde e do bem-estar dos 33 idosos que moram no local, a exemplo da nova vivência do Seu João. “É ruim quando a gente fica sozinho aqui, né!? Quando o pessoal do projeto vem é uma festa, eu fico alegre e me sinto bem”.

O método foi criado na Bélgica, no final do século XIX, quando médicos notaram que pacientes com algum tipo de deficiência mental se socializavam melhor a partir do convívio com animais. Na terapia, o bichinho passa de um simples animal para uma verdadeira companhia, tornando-se um mediador no tratamento, ajudando a resgatar a afetividade, principalmente em grupos com restrição de comunicação. Mas essa relação deve ser interativa. Faz-se necessário brincar, passear, pegar o bicho no colo, entre outras ações, para que os benefícios se tornem constatáveis na saúde do paciente.

Os pets participantes foram selecionados por adestradores especialistas em comportamento animal, profissionais aptos para identificar se determinado bicho apresenta perfil ideal para ser um pet-terapeuta. Viviane Henrique, uma das idealizadoras da ação, explica: “É feita uma avaliação comportamental minuciosa na seleção e, posteriormente, inicia-se o trabalho de adestramento para que eles possam colaborar nos exercícios que fazemos no asilo”.

Os animais ficam no ambiente por um tempo limitado, que foi definido baseado em pesquisas veterinárias que mostram o tempo médio que os animais devem permanecer em determinado local sem que sofram em demasia com os efeitos do estresse. Além disso, os animais possuem acompanhamento veterinário constante, para monitoramento de doenças e da condição física. Quanto aos idosos, são realizadas atividades que estimulam o físico e o psicológico, como jogos de adivinhação para exercício da memória, atividades com bola, fotografia, maquiagens e rodas de música.

Abandonar mata, acolher salva

Conforme a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 30 milhões de animais estão abandonados no Brasil, sendo 20 milhões de

É ruim quando a gente fica sozinho aqui, né!? Quando o pessoal do projeto vem é uma festa, eu fico alegre e me sinto bem

cachorros e 10 milhões de gatos. Segundo Rosane Almeida, integrante do Pata, Goiânia não possui amparo governamental para fomentar a castração e potencializar projetos contra abandono de animais domésticos, o que revela um grande problema de saúde pública e de bem-estar animal. “Para ressaltar a necessidade da adoção, utilizamos no projeto animais sem raça definida, que foram acolhidos das ruas”, conclui.

Lupe, o cãozinho do projeto, faz sucesso no asilo. Ele foi jogado para fora de casa quando tinha apenas um ano e foi resgatado pela ONG Vida Lata. Após passar um tempo em um lar temporário, Lupe foi adotado pela sua atual família, e hoje brinca e ganha petiscos e carinho dos idosos. Já Madonna, a gatinha, também salva das ruas anteriormente, é muito amada e se sente em casa enquanto está no asilo. Ela proporciona momentos de afeto e amor aos velhinhos e em troca recebe muitos abra-

ços e aconchego. Uma relação mútua de amigos que se cuidam.

Voluntários

O Pata ainda não possui apoio financeiro. Para se voluntariar, o prérequisito principal é o amor. “Temos uma carência muito grande de voluntários na área de Fisioterapia, Fotografia e Musicoterapia, mas não é necessário ser estudante ou profissional para se voluntariar. Também não é necessário se encaixar em uma das áreas específicas, o mais importante é a disposição”, afirma Beatriz Silva. Os voluntários podem acompanhar as visitas à Casa de Repouso e se envolver nas atividades realizadas. Os interessados em participar devem procurar as redes sociais do projeto para obter mais informações. Projeto Pata nas redes sociais

Maltratar animais é crime! Denuncie! Viu alguém abandonando um animal? Não colabore! Denunciar maus-tratos é uma ação legitimada pelo Art. 32, da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais) e também pela Constituição Federal Brasileira. Entre em contato com a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente pelo telefone: (62) 3201-2637. As denúncias também podem ser feitas no Ministério Público.

Lucas Lima

Letícia Camargo

Seu João

Vinícius Paiva

Estudantes da UFG treinam animais resgatados da rua para participar de ações terapêuticas em asilo de Goiânia


Mesa-redonda

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Terra em disputa Ascom, TV UFG e Rádio Universitária

Os conflitos no campo registrados no Brasil aumentaram de 1.217, em 2015, para 1.536, em 2016, o que representa um aumento de 26%, segundo o relatório anual apresentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 2016, foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, uma média de cinco assassinatos por mês, sendo a maioria deles na Amazônia Legal, que compreende toda a região Norte mais partes do Maranhão e Mato Grosso. Além disso, ameaças de morte subiram 86% e tentativas de assassinato, 68%. Os dados mostram o ano passado como um dos mais violentos já registrados pela CPT desde 1985. No documento da CPT também é destaque a evolução do número de pessoas encarceradas por conflitos no campo, que passou de 80 para 228, o que representa um aumento de 185%. A impunidade nos casos de assassinato também é alarmante. Entre 1985 e 2016, houve 1.387 assassinatos no campo, com um total de 1.834 vítimas. Apenas 112 casos foram julgados, com 31 mandantes condenados e 14 absolvidos. O relatório destaca ainda a redução, desde 2015, dos direitos já conquistados pela agricultura familiar, indígenas e quilombolas. A conjuntura política e a ausência de ações de estado fazem com que entidades ligadas ao setor temam pelo agravamento dos conflitos.

Veja a última edição do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2016

Para discutir o assunto, a mesaredonda desta edição convidou o representante da Comissão Pastoral da Terra, Paulo César Moreira Santo; o professor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, Adriano Rodrigues de Oliveira; e a representante da Direção Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Elizabet Cerqueira. O ano de 2016 registrou um aumento no número de assassinatos e ameaças de morte no campo, o maior índice desde 2003. Por quê? O que está em disputa? Paulo César Santos – É uma situação que vem se agravando. Os conflitos têm aumentado em relação a vários grupos. De 15 anos para cá temos o aumento de conflitos contra comunidades tradicionais, mas também de grupos de posseiros e sem terra. Se considerarmos o número de 2014, de 36 assassinatos, e de 2015, 61 assassinatos, até o final de junho de 2017 já temos 43 assassinatos, temos uma escalada de aumento que vem superando os anos anteriores. Isso chama atenção, pois a violência vem se acirran-

do desde 2016, com o golpe institucional, com o enfraquecimento da política representativa e, ao mesmo tempo, o fortalecimento do agronegócio e da bancada ruralista, que estão encontrando legitimação para perseguir, expropriar territórios e ameaçar pessoas.

Adriano Rodrigues – O primeiro aspecto a ser salientado é a importância da atuação da CPT e do MST para pensar essa temática. A CPT, com a sistematização de dados desde 1985, nos permitiu debruçar sobre o tema na academia e entender os desdobramentos deles na sociedade brasileira. Como o Paulo César disse, esse processo teve uma escalada recente por conta do golpe. Nós consideramos que foi um golpe de natureza parlamentar, política e midiática e que tem legitimado as ações do agronegócio brasileiro. Para pensar a questão do agronegócio brasileiro precisamos circunscrever o que Leonardo Boff destacou no último Caderno de Conflitos no Campo, que são as quatro sombras que pairam sobre a sociedade brasileira: o genocídio indígena, a escravidão, o regime colonial e a lei de terras de 1850, que institucionaliza a propriedade privada da terra. Nestes últimos dois anos temos vivido uma escalada de violência atrelada à retirada de direitos. As pequenas concessões que foram estabelecidas durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) têm sido progressivamente retiradas por essa arquitetura propícia que tem sido montada em relação à retirada de direitos sociais do campo, mas isso também extrapola para a cidade. Destaco, sobretudo, a PEC 215, que tira do Executivo a responsabilidade de demarcação de unidades de conservação, unidades indígenas e quilombola, o que é uma clara estratégia de enfraquecimento da ação do Estado em prol dos direitos do campo. Elizabet Cerqueira – O que está em disputa é a terra. Para nós é um modo de vida, a nossa vivência com nossa família, em colher, trabalhar, plantar e se relacionar, bem diferente do agronegócio que percebe a terra como mercadoria, são grandes extensões de terra sem ninguém morando, cultivando nada além de commodities. E é algo que não só degrada vidas, como também a fauna, flora e economia local, pois esse dinheiro não fica nos municípios em que o agro-

Elizabet Cerqueira

Para nós é um modo de vida, a nossa vivência com nossa família, em colher, trabalhar, plantar e se relacionar, bem diferente do agronegócio que percebe a terra como mercadoria [...]

negócio se instala. O que percebemos nos relatos de conflitos é que a correlação de forças não é a mesma: de um lado posseiros, sem terra, indígenas, quilombolas e de outro existe um sistema aliado ao capital internacional e aos três poderes do Estado. E é claro que esse último lado terá maior força, até no sentido da visibilização disso. Temos hoje os cadernos fazendo essas denúncias, mas isso acontece há vários anos e não é mostrado por outras fontes. São sempre os mesmos movimentos do campo que mostram esses dados, com apoio das pastorais e alguns estudiosos do assunto. Qual é o papel da mídia na divulgação e na problematização do tema “violência no campo” no Brasil?

Adriano Rodrigues – Esse é um importante aspecto a ser analisado. O primeiro aspecto é que a mídia convencional não tem nenhuma preocupação com a difusão dos aspectos relacionados à violência no campo. Quando fazemos uma análise histórica de como a mídia cumpre esse papel, por exemplo nos anos de 1990 no massacre de Eldorado dos Karajás e agora em 2017 com os dois massacres que tivemos no Pará e no norte do Mato Grosso, há uma diferença substancial. Na década de 1990 houve uma cobertura de 15 dias e no caso atual a cobertura é de notas de rodapé. Quando muito, a mídia alternativa tem denunciado esse processo. Por isso falo que o golpe foi parlamentar e também midiático. Houve uma confluência para firmar o interesse do agronegócio. Essa é a face moderna do latifúndio no Brasil. Nós não podemos nos esquecer de que a estrutura da propriedade de terra segue inalterada no Brasil e claramente se instala no campo brasileiro um modelo hegemônico do agronegócio que mata; e há a proposta de um modelo pautado na vida, que é o modelo defendido pelas comunidades sem terra, ribeirinhas, quilombolas e indígenas. São modelos distintos e vemos os conflitos sendo gerados. E o conflito parte de quem? Com a anuência de quem? Qual o papel do Estado Brasileiro? O Estado Brasileiro tem em sua gênese o caráter da violência. Os maiores exemplos de violência estrutural no Brasil sempre têm a presença direta do Estado ou indireta, na medida em que permanece a impunidade. Esse é um aspecto central que devemos debater e que a mídia ocupa papel de destaque. Elizabet Cerqueira – É impossível falar em Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e não tratar sobre o papel da mídia. Percebemos que as famílias tradicionais conservadoras brasileiras, responsáveis pelos conglomerados de mídia, acabam abordando apenas um lado, que é o latifúndio e o agronegócio. Ninguém fala do MST como maior exportador de arroz da América Latina. É apenas um movimento de vândalos que querem tirar terras de pessoas que trabalharam para conquistar seus latifúndios. Sabemos que a mídia tem esse lado nefasto, de criminalizar, de dar voz apenas a esse lado que nem precisa de espaço. Percebemos que falta uma política que democratize os meios de comunicação, faltam espaços como esse aqui em que podemos falar sem receio. O que esperamos é que as mídias alternativas possam ser potencializadas e que cada espectador tenha autonomia de fazer essa seleção. Se sabemos que esse golpe além de institucional é midiático, devemos boicotar esses meios de comunicação e buscar novas mídias autônomas e alternativas. Nós, como movimento social, temos uma contribuição a dar nesse sentido, pois devemos criar outros meios digitais e televisivos de divulgação. Paulo César Santos – A questão da mídia é um dos problemas mais graves que temos. Temos uma concentração de renda, de terra e também de poder e isso se reflete na imprensa. Os gran-


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Como esses conflitos ocorrem e quais suas consequências?

Paulo César – Temos um processo de violência histórica contra indígenas, negros, posseiros. Temos uma legislação que sustenta essa estrutura de dominação no poder. E qual o papel da sociedade nisso tudo? Se há uma violência ela deveria ser combatida. Se não é combatida, ela tende a se perpetuar. Esse ano começou com matanças coletivas. O relatório quer dar visibilidade ao que os outros meios não dão. Às vezes colocam como conflito em que a polícia foi tentar se defender. Na chacina de Pau D´arco em que a polícia assassinou trabalhadores, não foi legítima defesa, foi uma sentença de morte, assim como foi em Conísea e sobre o povo Gamela. Um dos dados do caderno Conflitos no Campo, que iniciou em 1985, é que até 2016, foram 1387 casos de assassinatos. E apenas 31 pessoas foram condenadas e a minoria foi presa. Se não há punição, a tendência é continuar. A violência e a impunidade no Brasil é algo que faz perpetuar, junto com a ação do estado, a violência.

Adriano Rodrigues – O que impera com o golpe é a tese do “pode tudo”, um sentimento de impunidade com relação ao agronegócio que nos leva a crer que a outra face é a barbárie. E não é somente a violência como ameaça, mas como morte em última instância. Se pegarmos os dados desde o início do caderno, temos mais

Que consequências tem a criação, via decreto presidencial (Governo Dilma), do território Matopiba, última fronteira agrícola do país, situado entre os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia?

Adriano Rodrigues – O decreto legitima a “última fronteira” agrícola no Bioma-Território do Cerrado. A região se conformou com o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), que converteu o Cerrado brasileiro como um território-chave na geopolítica internacional de produção de proteínas de origem vegetal e animal. As consequências imediatas podem ser expressas em três dimensões: socioeconômica, ambiental e cultural. No aspecto socioeconômico, observa-se a valorização do preço da terra, tendo em vista que a região passa a ser alvo da especulação imobiliária, que agora também envolve corporações internacionais do agronegócio – que na etapa pós-crise de 2008, vislumbram na apropriação da renda da terra, uma forma de controle da natureza, naquilo que Harvey chama de acumulação por espoliação. Na questão ambiental, observa-se a ampliação do desmatamento das áreas remanescentes do Cerrado. Pesquisas têm demonstrado que enquanto em outras áreas consolidadas e devastadas, o ritmo do desmatamento diminuiu na ordem de 64%, em Matopiba o desmatamento aumentou na ordem de 61%. Como correlação direta, aumenta-se a pressão sobre os territórios nos quais se organizam socioculturalmente os povos indígenas, comunidades quilombolas, populações ribeirinhas e toda a diversidade de camponeses que têm distintas formas de reprodução de seus saberes e fazeres em consonância como a dinâmica natural do Cerrado.

Adriano Rodrigues

O que impera com o golpe é a tese do ‘pode tudo’, um sentimento de impunidade com relação ao agronegócio que nos leva a crer que a outra face é a barbárie

Paulo César - O Matopiba é apresentado como uma solução importante e viável para os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, no entanto, representa uma nova fronteira de expansão do capital e visa, exclusivamente, beneficiar o agronegócio, com uma destruição grave no que ainda resta de Cerrado naquela região e conse-

quências gravíssimas sobre os aquíferos que abastecem o país. O empreendimento esconde uma visão socialmente perigosa de desenvolvimento, pois não considera modos de vida originários, destrói a cultura e sabedoria dos povos, expulsando comunidades e agravando a situação de violência. Vale lembrar que em 2016, se compararmos com o ano anterior, o estado de Tocantins teve um aumento de 313% nos conflitos por terra. Outro fator preocupante é que o Cerrado, que é a principal área de expansão/invasão do agronegócio, detém 14,9% da população rural do país, no entanto, registrou 24,1% do total das localidades envolvidas em conflitos, significando um patamar grave de violência, de acordo com o Caderno de Conflitos no Campo de 2016. E com as políticas para o campo implementadas pelo ilegítimo governo Temer, a situação vai se agravar muito mais, lamentavelmente.

Fotos: TV UFG

Elisabet Cerqueira – O modus operandi do agronegócio é uma junção de forças com o poder executivo, legislativo e judiciário. O presidente irá assinar a Medida Provisória 759, que restringe as terras dos povos tradicionais, ou que deveriam ser destinadas à reforma agrária e a colocam a serviço do capital internacional pelo agronegócio, com plantações de commodities como soja e milho. O movimento percebe esse conluio por meio da escalada de violências. Em 2016, como mostra o caderno dos conflitos, vivemos uma escalada de criminalização a partir do momento que organizamos as famílias para lutar pelos direitos sociais. Inclusive em Goiás protagonizamos algo inédito. O movimento social foi enquadrado numa lei de organização criminosa (Lei nº 12850/2013). É a forma que esse grupo que une forças do Estado com o capital internacional tem de criminalizar o movimento que luta por direitos. Então o caso é tratado como caso de polícia, pois é assim que é associada a falta de políticas públicas, no caso a reforma agrária. A partir de 2016 tivemos uma escalada da violência, mas não nos curvamos. A unidade entre os movimentos e pessoas que defendem a questão agrária fez com que brigássemos no Tribunal de Justiça até chegar no Supremo Tribunal Federal, que disse que uma organização social não pode ser enquadrada como uma organização criminosa, porque sua finalidade não é o crime, mas uma questão política, que é a questão agrária no Brasil.

mortes propagadas pelo agronegócio do que oficialmente temos com a ditadura militar. Isso é perverso. Não são apenas 61 pessoas, são indígenas, posseiros, pais, são pessoas, coletivos. Essa outra face da barbárie precisa ser estudada, denunciada e revista.

Paulo César Santos

A questão da mídia é um dos problemas mais graves que temos. Temos uma concentração de renda, de terra e também de poder e isso se reflete na imprensa

Elizabet Cerqueira – O Matopiba é a entrega dos bens naturais do Brasil aos interesses das transnacionais. Revela a estratégia do agronegócio em migrar da região centro-sul do país que teve entre os anos de 2009 - 2010 maior porção de produção de commodities agrícolas. De 2010 para cá isso tem mudado para a região Norte do país, tendo uma crescente construção de hidrovias, portos e a Ferrovia Norte-Sul para escoamento da produção. A aliança do agronegócio e do latifúndio brasileiro associado ao capital financeiro internacional quer transformar mais de 40 milhões de hectares de áreas novas e altamente produtivas na maior fronteira agrícola do mundo. Esta região possui uma enorme riqueza de água, de florestas, de Cerrado, das várias culturas das comunidades e povos tradicionais. É preocupante, pois este bioma já sofre hoje um desmatamento maior do que o da Amazônia. A degradação dos mananciais da região é outra consequência. Uma vez que na lógica do agronegócio são necessários o gasto de 50 mil litros de água para produzir 1 quilo de grão de soja. Isso revela a face nefasta e gananciosa dos impactos ambientais e sociais que o Matopiba trará para o país. Sem falar nos conflitos que já existem com as comunidades e povos tradicionais no que tange à demarcação de terras indígenas e territórios tradicionais, como as quebradeiras de coco babaçu e quilombolas. Confira o programa completo no canal da TV UFG no Youtube

Mesa-redonda

des meios de comunicação no Brasil não são imparciais. Eles são grandes conglomerados econômicos com interesse tanto no campo político quanto no econômico. E isso se reflete nos estados. A imprensa local em estados com conflitos maiores como Pará, Mato Grosso, Amazonas e Goiás, coloca a luta social ligada ao tráfico de drogas ou outros problemas que dizem respeito à polícia. E isso é grave. Temos um papel importante, não podemos ficar totalmente vulneráveis a imprensa no Brasil. O relatório sobre conflitos no campo elaborado pela Comissão Pastoral da Terra aponta diversos motivos para os conflitos, entre eles o uso da água e divergências de dados quanto à delimitação de terras declaradas, que muitas vezes avançam em terras indígenas e de proteção ambiental.


Ensinando a pensar

Luiz da Luz

Como as lutas recentes travadas por estudantes têm contribuído para o debate público? E o que a universidade ainda pode aprender com o movimento estudantil? Patrícia da Veiga

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UFG é marcada pela atuação das e dos estudantes desde sua fundação. Elas e eles tiveram papel importante, por exemplo, na articulação que antecedeu a aprovação da Lei n° 3.843 C, que autorizou a criação da universidade. Também foram marcantes nas lutas por redemocratização institucional travadas entre as décadas de 1960 e 1980. Estiveram presentes – de maneira ora agregadora, ora combativa – em momentos recentes de tomadas de decisão e implantação de políticas públicas. Inúmeros estudos já abordaram a relevância desse grupo. Uma busca rápida pela Biblioteca Digital de Teses e Dissertações localiza cerca de 40 títulos indexados com o termo “movimento estudantil”. Falar da lição das e dos estudantes para a sociedade seria, portanto, um lugar comum, se essa “categoria” não estivesse sempre em transformação – literalmente, em movimento. O que a geração atual traz para o debate público?

Em primeiro lugar, é preciso destacar a pluralidade de ideias e posturas que circulam entre elas e eles, produzindo configurações bastante heterogêneas. Deste modo coexistem, imbricados e ao mesmo tempo tensionados, movimentos negros, coletivas feministas e LGBTs, correntes partidárias, autonomistas, religiosos etc. “É uma galera diversa. As pautas estão relacionadas a autonomia política, liberdade de expressão, questão de gênero, questão étnico-racial, sexualidade. Tudo isso aparece no movimento estudantil. O que é positivo. Precisamos debater sobre todas essas coisas”, afirmou Michele Andrade, estudante de Geografia. “A presença das pessoas trans mudou bastante a perspectiva de tudo, de como se portar, de todas as

formas, do que é corpo, do que é movimento”, completou C., que optou pelo anonimato.

Não se identificar ou não mostrar o rosto é uma característica a ser levada em conta e, muitas vezes, não compreendida. É que não há, necessariamente, uma preocupação com a representação ou com a disputa por postos de liderança. Todos podem falar e decidir. A luta, de modo geral, tem sido pelo próprio corpo, pela garantia imediata de direitos e pelas tomadas de decisão de forma horizontal. “Essa nova geração não quer dirigir e nem ser dirigida”, observou o professor Flávio Sofiati, da Faculdade de Ciências Sociais (FCS). Esse segundo aspecto faz parte de uma compreensão da política ancorada muito mais na ação coletiva e na tentativa de ampliar temas a serem discutidos conjuntamente do que no controle ou na aglutinação de forças. “O que os estudantes fazem não é uma socialização política tradicional. Eles se entendem como sujeitos que podem agir politicamente aqui e agora. Não precisam formar valores básicos ou se prender a hierarquias antes de atuar. Aprendem a fazer, fazendo”, apontou Luís Antônio Groppo, professor de Sociologia da Educação da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) que esteve na UFG em março para falar sobre o tema. As e os estudantes de hoje trazem consigo o acúmulo de experiências recentes, tais como a luta contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, de 2013, que culminou nas Jornadas de Junho; a luta contra a redução da maioridade penal, aprovada no Congresso Nacional em 2014; e as ocupações das universidade e institutos federais em 2016, contra a delimitação do teto de gastos públicos. “Experimentamos

Luiz da Luz

Sociedade

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Jornadas de Junho de 2013 estimularam estudantes a lutar por direitos

Estudantes apostam na ocupação dos espaços como ferramenta de luta outro modelo de organização e entendemos a necessidade de voltar a ter uma expressão mais massiva. A conjuntura imposta atualmente exige nossa reação. Acabou o período de planejar atos simbólicos com seis meses de antecedência”, declarou Ritley Alves, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE).

É preciso pontuar ainda que o movimento estudantil não está somente na universidade. Pelo contrário, o Ensino Médio, que recuperou das lutas da década de 1960 o termo “secundarista” e reconstruiu sua identidade, tem ensinado bastante aos adultos. Na virada de 2015 para 2016, adolescentes de 15 a 17 anos ocuparam 27 escolas em Goiânia, além de atuarem em outros municípios, e conseguiram impedir a implantação das Organizações Sociais na gestão escolar. Foram ameaçados, perseguidos, presos, mas resistiram e operaram uma reviravolta não somente na educação estadual, mas em todo o movimento. “Conseguimos formar uma comuna, aprendemos a viver juntos, alcançamos a periferia, fizemos outros grupos tomarem gosto pela luta, tivemos apoio da sociedade, trouxemos o debate da horizontalidade e rompemos com o olhar acadêmico”, avaliou G., secundarista, para quem os universitários ainda precisam abandonar o proselitismo.

Disputa

Outro traço que não pode ser ignorado é o crescimento do contingente que se declara “autônomo” ou “independente” e que questiona com muita veemência a validade da representação partidária. Desde as Jornadas de Junho, tem sido frequente o escracho público às bandeiras de instituições, como forma de repudiar a conhecida “apropriação” de determinados grupos pela luta coletiva. Em uma escola ocupada em São Paulo contra a “reorganização escolar” proposta por Geraldo Alckmin, por exemplo, conforme narram Antônia Campos, Jonas Medeiros e Márcio Ribeiro no livro Escolas de Luta (São Paulo: Veneta, 2016), uma bandeira fornecida pela juventude de um partido foi transformada em cobertor para um gato que se aproximou da ocupação e se tornou “mascote” da mobilização no local.

Em Goiânia, diversos foram os relatos de disputas por território. Houve expulsão de pessoas que carregavam bandeiras em ocupações. Para G., estas atitudes não podem ser generalizadas pois, no momento em que aconteceram, faziam parte de determinado contexto e foram discutidas caso a caso. “Ocupamos um debate sobre a luta dos secundaristas que estava sendo feito por partidos e que não nos convidaram a participar. Estavam falando por nós”, exemplificou. Para Ritley, da UEE, no entanto, essa foi uma radicalização temerosa. “A luta política não pode ser, de fato, apropriada. Mas não poder me identificar como parte da entidade que pertenço também passa dos limites”, reclamou ele, que integra a juventude do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Para Mateus Ferreira, vice-presidente do Centro Acadêmico de Políticas Públicas, é preciso entender porque esses conflitos têm acontecido. “O discurso é que o movimento autônomo nega a política. Mas ele não está negando a política, está rejeitando uma estrutura desgastada”, ponderou. Espancado por um policial na manifestação contra as reformas trabalhista e da previdência realizada no dia 28 de abril de 2017, Mateus se tornou figura pública de uma forma bastante dolorosa, mas tem conseguido fazer reflexões sobre si e sobre seus colegas. “Às vezes a gente fica em um ambiente mais reduzido, conversando com nossos próprios amigos. Mas eu gostaria de conseguir alcançar pessoas que não estão pensando no mesmo que eu”, comentou. Deveras assediado pelas vertentes partidárias, ele tem se inclinado mais ao “grupão” dos independentes, mas não quer deixar de dialogar com os demais. Por isso, ele vai em todos os espaços onde é convidado. “Os movimentos que não têm lideranças oficiais valorizam muito o indivíduo. Já o partido, por sua vez, tende a padronizar os pensamentos. Isso não está mais atraindo as pessoas. Essa insatisfação já existia, veio crescendo, explodiu a partir de 2013 e até hoje os partidos não entenderam isso e não deram uma resposta satisfatória”, analisou. Jeferson Fragoso, fundador e atual presidente do Centro Acadêmico do curso de Relações Públicas, vinculado à União da Juventude Socialista (UJS), considera que este debate,


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Pauta interna

“Por uma educação que ensine a pensar e não a obedecer” é frase multiplicada há muito tempo em cartazes e discursos. No contexto atual, o pensamento ganha sentido, uma vez que os estudantes testam todos os limites do que está posto institucionalmente. Não por um desejo puro e simples de desorganização e afronta, mas sim pela vontade de construir juntos. Deste modo, são levantados temas que dizem respeito tanto ao próprio movimento estudantil quanto ao seu relacionamento com a universidade. Na UFG, as e os estudantes denunciam assédio e autoritarismo, querem participar das decisões, fazem autocrítica e não poupam a burocracia do sistema. “O central é a autonomia. No sentido individual e coletivo. A partir da autonomia vamos conseguir dialogar e pautar o que consideramos importante”, definiu Michele. “Não queremos cargos, não temos interesses eleitorais, temos pautas e queremos que elas sejam cumpridas”, completou K.

Capítulo importante da história da universidade foi escrito em 2016 pelas mulheres. “É de conhecimento público o poder que essas meninas estão alcançando”, observou a professora Adriana Delbó, da Faculdade de Filosofia (Fafil), que se considera “uma delas”, por acompanhar de perto a movimentação das feministas na UFG. “É preciso estar dentro, participar. De fora, você é só um falante”, frisou. Minas na Reitoria foi a primeira ocupação feminista encampada por estudantes das universidades brasileiras e uma das mais polêmicas ações que a universidade já vivenciou. Foi intensa, espontânea, teve sua narrativa disputada, sofreu críticas e ataques, despertou paixões, mas também recebeu apoio e contribuiu para um debate que ainda está em curso. “Fizemos toda a universidade discutir gênero, mas nossas pautas não foram totalmente atendidas”, afirmou K., uma das participantes, que lembra como foi o processo de construção e negociação das pautas. “Muita gente questionou, pois entramos na Reitoria e só depois fomos discutindo nossas reivindicações. Mas aproveitar a espontaneidade foi também um aprendizado. No movimento estudantil, às vezes, você vai criando vícios e então pudemos romper com isso”.

Antes das ocupações, um histórico de indignação e formação feminista já percorria os grupos e as gerações de mulheres da universidade. Depois das ocupações, novas coletivas feministas surgiram, outras se firmaram, outras acabaram, e o que marcou essas mulheres foi, de fato, a experiência pura e simples de existir. “Ser mulher é uma coisa só sua e ninguém pode te tirar isso de modo algum. Ser

mulher na UFG é força e resistência que a gente tem que ter o tempo inteiro”, constatou C.

Contextualizando a violência policial

Mateus Ferreira deixou o posto de trabalho que tinha em São Paulo para cursar Ciências Sociais/Políticas Públicas em Goiânia. Costumava ir a manifestações com os seus amigos desde 2013, mas nunca havia atuado de modo “orgânico” na política. Ao se mudar para Goiás, passou a formar seu pensamento na sala de aula, nos grupos de estudo e nas rodas de conversa. Quando da manifestação de 28 de abril de 2017, foi espancado pelo capitão da Polícia Militar Augusto Sampaio, esteve no limite da vida, entrou em coma, passou por cirurgias e cuidados intensivos, ainda está em fase de recuperação.

Essa experiência não foi exceção nesse sistema. Pelo contrário, foi emblemática da regra. Espancamento, prisão, ameaças diretas e indiretas, vigilância: em tempos de crise econômica e política, cabe às instituições controlarem os ânimos por meio da coerção. Por isso, Mateus entendeu a violência que sofreu como institucional. “Num momento de retirada de direitos e opressões tão forte, temos de pensar maneiras de reagir e ao mesmo tempo nos proteger”, justificou. Outros estudantes pensam o mesmo. “O medo está sempre presente, sabemos que a qualquer instante podemos ser pegos”, revelou G., ciente de sua vulnerabilidade, mas sem perder a coragem. Na Escola Estadual Gracinda de Lourdes, um trabalho supervisionado pela professora de História Joyci Viegas,

no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), vem despertando a consciência histórica dos estudantes a partir do tema “ditadura militar”. A ideia é estimular a autonomia dos estudantes – tanto os monitores, que cursam História na UFG, quanto os secundaristas – tentando articular a noção que eles têm sobre o assunto com o gosto que podem vir a ter pela pesquisa e pela produção de narrativas. Em um estágio já avançado da experiência, que teve início em 2016, um dos resultados tem sido a associação direta que os estudantes fazem entre o período investigado e a violência policial de hoje.

“Pude acompanhar as discussões trazidas pelos grupos e, realmente, isso foi constante. Observamos que é uma forte característica que permanece daquele período nos dias atuais. Os jovens, em grande parte, já tiveram experiências de abuso de poder policial, de sentimento de insegurança nas ruas da cidade e do seu bairro, parentes e amigos assassinados, entre outras características que acabamos, muitas vezes, naturalizando em nossa sociedade. A violência policial é um problema social gravíssimo, e o que o que existe hoje seria uma política de Estado de extermínio com três focos: a juventude pobre, negra e em menor medida se comparada a violência aos outros dois grupos a juventude combativa militante e participante dos novos movimentos sociais”, analisou a professora. Por meio do Pibid, a ideia é desnaturalizar os processos de violência para que as marcas do passado (tortura, censura, estado de sítio) sejam, de fato, reconhecidas no presente. Lei mais em Jornal UFG online

Secundaristas em Luta - GO

Unanimidade na lista das reivindicações é a questão da segurança, sobretudo das mulheres, nos espaços de circulação. O tema, associado à denúncia de uma violência (física e simbólica) sofrida pelas garotas em decorrência de um machismo estrutural que não exclui o espaço acadêmico, foi um dos motivos pelos quais as estudantes ocuparam a Reitoria em junho de 2016. Muito embora a universidade venha tentando atender os pontos de pauta levantados na ocasião e uma resolução que dispõe sobre casos de assédio moral e sexual tenha sido aprovada recentemente pelo Conselho Universitário (Resolução Consuni nº 12/2017), a preocupação perdura. Gargalos como a melhoria da iluminação pública, por exemplo, ainda são apontados como distantes de uma solução.

A força das Minas

Atos de rua, como o cadeiraço, fazem parte das estratégias da juventude para despertar a atenção da sociedade

Sociedade

muitas vezes, atrapalha o movimento estudantil, que deveria lutar por uma pauta unificada. “Apesar de termos ideais e objetivos em comum, nos fragmentamos muito por visões um pouco diferentes. O conservadorismo avança e estamos brigando entre a gente”, opinou. No âmbito da União Nacional dos Estudantes (UNE), a unificação das lutas tem sido uma chamada constante, sobretudo, em razão da política nacional. Para a entidade, as estratégias devem ser traçadas em prol das Diretas e da redemocratização do país. “Está havendo um esforço maior para unificar as pautas e abarcar os diferentes grupos. A Anel, Assembleia dos Estudantes Livres, que fazia frente à Une, por exemplo, no último congresso se dissolveu”, exemplificou Ritley. Para C., porém, a unificação deveria ultrapassar a ideia da pauta única. “O problema é que não conseguimos formar uma base sólida para estar sempre lutando. A gente espera acontecer algo muito grave para fazer as coisas”, refletiu.


Universidade

Fotos: arquivo pessoal

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Empresa Júnior EnAção oferece serviços de qualidade a baixo custo Iniciativa de estudantes da Regional Catalão une teoria e prática e agrega benefícios para a sociedade Fábio Gaio

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ma iniciativa de um grupo de estudantes dos cursos de Engenharia Civil, de Minas e de Produção da Regional Catalão da UFG tem feito a diferença na formação pessoal e profissional dos futuros engenheiros, permitindo, ainda na graduação, a vivência de experiências empresariais, por meio da oferta de diversos serviços à sociedade, com custo bastante reduzido. A EnAção Consultoria Júnior atua desde 2012 nas áreas de mineração, construção civil, gestão e produção, oferecendo serviços de consultoria para pequenas e médias empresas.

O projeto EnAção teve início em 2011, no curso de Engenharia de Produção, e surgiu como uma tentativa de reunir estudantes que pudessem prestar serviços à comunidade, ao mesmo tempo em que adquirem experiência e vivência em situações práticas. Com o passar do tempo, foram agregados à Empresa Júnior os cursos de Engenharia Civil e de Minas. Em 2013, os estudantes, após atenderem a uma série de requisitos perante os órgãos municipais, estaduais e federais, obtiveram o CNPJ, o que conferiu ao grupo respaldo jurídico. De acordo com a estudante de Engenharia de Produção e integrante da EnAção, Jakeline Tomé da Silva, no princípio, em razão das dificuldades iniciais pela falta de conhecimento do papel e da importância de uma Empresa Júnior e também por entraves burocráticos, a EnAção focou em ações de extensão e projetos sociais para a comunidade. O primeiro cliente, no ano de 2015, foi o Posto JK, em Catalão. No mesmo ano, houve a associação à Federação Goiana de Empresas Juniores, órgão que tem a missão de representar, regular e potencializar o Movimento Empresa Júnior no Estado.

Jakeline e Maria Clara estimulam os estudantes que queiram conhecer e participar da EnAção. Para elas é possível, com a vivência na Empresa Júnior, adquirir maior clareza, visão sistêmica, habilidades e competências. “Em sala de aula, quando temos um trabalho em grupo, geralmente optamos por um melhor amigo, alguém que tenhamos afinidade, e na empresa não é assim, temos pessoas de diversas personalidades e talentos e precisamos aprender a trabalhar juntos, o que se assemelha com o mercado de trabalho”, comenta Maria Clara.

Aos trabalhadores: respeito! Grupo luta pela reconstrução de monumento que foi destruído e apagado da herança cultural de Goiânia Vinicius Paiva

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Os serviços oferecidos são seguros e de qualidade, já que toda empresa júnior é assistida por um professor tutor, que se torna responsável pela empresa. Vale ressaltar que para fazer parte da EnAção é necessário se submeter a um processo seletivo, por meio de dinâmica, análise de currículo e programa trainee, no qual se tem a vivência de como é a cultura da empresa, para só depois ser efetivado. A expectativa, para Jakeline, é expandir a cultura empreendedora e alcançar melhor a comunidade. “Ainda não temos um volume alto de projetos e nosso desafio é operar projetos em todos os setores que a EnAção engloba: gestão, construção civil e mineração”, afirma Jakeline. A EnAção Consultoria Júnior está sediada no Campus I da Regional Catalão, no Bloco O, conhecido como prédio da pesquisa, no terceiro andar. (64)3441-5328/ <contato@enacaoconsultoriajunior. com.br> ou <enacaoconsultoriajr@ gmail.com>.

Arquivo pessoal

A estudante do curso de Engenharia de Minas e integrante da EnAção, Maria Cláudia Sanguinete, explica que, no momento, a Empresa Júnior trabalha na remodelação de seu portfólio de atividades. Dentre os serviços oferecidos, Maria Cláudia cita, na área de gestão e produção, a administração de estoque, 5S, fluxo de caixa e pesquisa de mercado. Na construção civil, a atuação está concentrada na realização de orçamento, planejamento e planta baixa. No campo da mineração, considerado por ela o grande desafio, em razão de o perfil econômico da região de Catalão ser focado na atividade mineradora, os trabalhos atuais têm se concentrado em firmar parcerias com pequenas empreiteiras que prestam serviço para as mineradoras.

Além da oferta de serviços e da possibilidade de vivenciar uma experiência empresarial, fazer parte de uma Empresa Júnior é, também, para os estudantes, uma oportunidade de crescimento. “Eu pensava que empreender era abrir uma empresa, mas hoje sei que empreender é você transformar sua vida e impactar a sociedade através dessa transformação, e nós temos esse ambiente de transformação e inovação e temos ainda autonomia. É a melhor experiência que já tive para desenvolvimento profissional e pessoal”, afirma Maria Clara.

m 1959, erguia-se o Monumento ao Trabalhador, obra que renomearia a antiga Praça Americano do Brasil para a atual Praça do Trabalhador. Dez anos depois, 1969, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) fez do piche fervido uma arma para destruir os painéis que mostravam, no seu lado direito, o mundo do trabalho, e no lado esquerdo, a luta dos trabalhadores. O ataque começou na ditadura, mas a total retirada da obra aconteceu no ano de 1986, quando houve a demolição dos dois cavaletes de concreto que sustentavam as obras e permaneciam no local como um ato de resistência. Para entender em que medida os antigos moradores de Goiânia se lembram do monumento, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) realizaram um levantamento de opinião com 288 pessoas, com idade mínima de 40 anos e que residem em Goiânia anteriormente ao ano de 1985 (um ano antes de o monumento ser demolido). O questionário foi elaborado com 11 indagações, e destas, três foram planejadas para detectar as referências políticas da cidade na hierarquia de percepção dos entrevistados. O levantamento mostrou que, salvo raras exceções, o público desconhece a obra e sua construção, e que o nome da praça é um tributo a sua antiga presença naquele ambiente.

Somente 3,1% dos entrevistados citam o Monumento ao Trabalhador e apenas 1,3% deles lembram-se daqueles que lutaram contra a ditadura militar. Além disso, 32,2% das fontes deixaram as respostas em branco. Os interlocutores expuseram seus incômodos a respeito da falta de informações sobre os monumentos existentes e da precária sinalização turística da cidade. O estudo também aponta o parco tratamento dado à memória local. Ao serem solicitados a citar um monumento político de Goiânia, a Estátua de Pedro Ludovico, o Monumento à Goiânia e o art déco dos prédios, foram os mais lembrados.

Reconstrução

Responsável por avaliar o resgate do monumento e apresentar as propostas de reconstrução, foi criado um Grupo de Trabalho pelo prefeito da época, Pedro Wilson, por meio do decreto nº 1.805, de 24 de junho de 2003. Um dos representantes do grupo, o jornalista Marcantônio Dela Côrte afirma: “O monumento trará à realidade atual elementos importantes capazes de for-

çar parte da sociedade goiana a tomar consciência de seu passado quanto à preservação de tudo que diz respeito ao seu Patrimônio Histórico e Cultural, fazendo que novas mentalidades surjam e novos comportamentos sejam incentivados no sentido de melhorar o nível cultural da cidade”. Para a reconstrução, foram feitos diversos orçamentos com materiais diferentes em cada um deles, incluindo os painéis, cavaletes de sustentação, além do valor a ser pago aos profissionais que se envolverão na obra, como artistas reconstrutores, arquitetos, engenheiro e aplicadores de pastilhas. Segundo o professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, Pedro Célio, oito Conselhos Diretores da UFG votaram a favor da reconstrução do monumento, alguns com unanimidade. O atual governador do Estado, Marconi Perillo, também se mostrou interessado e autorizou, em maio de 2016, a liberação de uma quantia financeira suficiente para a reconstrução; falta, agora, a autorização da prefeitura.

Memória

As Políticas de Memória compõem um eixo essencial das justiças de transição em sociedades que, buscando fortalecer a democracia, comprometem-se em elucidar e reparar os graves crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes dos regimes ditatoriais em nome do Estado. A reconstrução do monumento é uma política pública de reparação que pensa a perspectiva dos direitos humanos e da democracia. Dessa forma, insere na agenda pública da cidade o resgate da formação urbana de Goiânia, como registro e interpretação dos acontecimentos passados e presentes.

Lei

A Lei Orgânica de Goiânia (1990), em suas disposições transitórias, orienta em seu artigo 10: “o Poder Executivo fica autorizado a adotar todos os procedimentos necessários à reconstrução do Painel/Monumento da Praça dos Trabalhadores, do antigo coreto da Praça Joaquim Lúcio, em Campinas e do prédio ‘Castelinho’ no Lago das Rosas”. Resta nos indagar: por que postergar a reconstrução do monumento, uma vez que os outros dois já tiveram suas obras concluídas e estão acessíveis para toda a população?


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Ingrid Costa

Violência contra a mulher atinge uma vítima a cada onze minutos. Pesquisa conclui que marcas são permanentes e comportamento violento do agressor pode ser transmitido às gerações futuras

Vinícius Paiva

E

ra maio de 1983. Em Fortaleza, terra do sol. Uma família com pai, mãe e três filhas. Um tiro. Maria da Penha Maia Fernandes acabava de sofrer uma tentativa de assassinato pelo próprio marido, Marco Viveros. A vizinhança estava assustada, especulava-se um assalto. Enquanto isso, Marco validava o burburinho e performava na sala com um pijama rasgado e uma corda no pescoço, como se também fosse uma vítima. As filhas que também eram agredidas, assustadas. Forte, Maria sobreviveu, mas ficou presa para sempre numa cadeira de rodas. Meses após a recuperação, ela quase foi eletrocutada pelo mesmo homem, mas os gritos de desespero alcançaram os ouvidos da babá de suas filhas. O marido? Foi condenado após Maria lutar na justiça. 23 anos depois, em 2006, ela foi homenageada nomeando a Lei 11.340, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

De acordo com o Mapa da violência 2015: homicídios de mulheres, o número de vítimas do sexo feminino no Brasil aumentou de 3.937 em 2003, para 4.762 em 2013, o que representa 13 homicídios diários. No ranking, Goiânia é a quinta capital mais violenta contra as mulheres no país, com 68 homicídios para 100 mil mulheres. Além disso, a Central de Atendimento à Mulher, pelo Disk 180, contabilizou quase 53 mil denunciantes de violência, sendo que desse total, 77% afirmaram ser vítimas semanais de agressão e em 80% dos casos, a vítima tinha contato afetivo com o agressor.

Bater na mulher machuca a família inteira

O Núcleo de Estudos Qualitativos em Saúde e Enfermagem com ênfase na

Vulnerabilidade Social, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG), entrevistou mulheres que sofreram ou estão sofrendo algum tipo de agressão por parceiros íntimos. As participantes, que têm em média 33 anos de idade, no geral são de classe baixa, tiveram acesso à educação de forma limitada e todas possuem filhos. Após a entrevista, o estudo verificou a intergeracionalidade do comportamento violento, ou seja, essas experiências negativas, principalmente contra as mulheres, tendem a ser transmitidas de geração para geração, o que compromete todo o cenário familiar.

Após uma análise criteriosa, a pesquisadora Paula Pereira agrupou os resultados em categorias. O contexto familiar na infância das mulheres que sofreram violência foi a primeira. Nela, algumas entrevistadas expuseram relatos de abandono por parte da mãe ou do pai, vivências de abusos físicos e sexuais e o uso de bebidas alcoólicas por parte dos cuidadores. “Porque a gente passava, ele [padrasto] estava se masturbando na cama... Quando a gente ia se banhar, ele ficava olhando.” Além disso, a intergeracionalidade do comportamento violento também foi analisada, sendo dividida em duas subcategorias:

Ele [marido] me trancava no quarto sem comida, sem água... Uma vez, ela [filha] quase tomou uma surra porque ela abriu a porta do quarto para mim

a violência por parceiros íntimos – a perduração da violência contra a mulher, e como os filhos se comportam diante da violência.

Durante a investigação as entrevistadas narraram suas histórias de afetividades e perceberam que seus relacionamentos se assemelhavam às de seus cuidadores. “Parece que estava repetindo a mesma coisa que acontecia com a minha mãe”. Segundo a pesquisadora, a maioria das participantes iniciou suas relações afetivas prematuramente e sem apoio familiar. “Saí de casa com 15 anos. Foi para casar. De tanto meu pai ser assim [violento], eu me envolvi com meu marido e fiquei com ele”, desabafa outra mulher.

Paula ainda afirma que ao estarem inseridos dentro de um contexto de violência e presenciarem as agressões, os filhos estão demonstrando comportamentos agressivos, tanto por meio de hostilidades físicas quanto pela ideação de planos futuros de vingança. Também é notório que os filhos já exteriorizam modificações emocionais vinculadas à violência experimentada. Uma das mulheres traz essa angústia em seu depoimento: “Reflete neles, porque o M [filho] fala que, quando ele crescer, ele vai comprar uma arma e matar meu ex-marido. O outro é muito nervoso. Ele avança na minha mãe, responde... Muito nervoso”.

Ser a força de quem sofreu

“Não existe mulher que gosta de apanhar. Existe mulher humilhada demais para denunciar, machucada demais para reagir, com medo demais para acusar e pobre demais para ir embora”. A frase que circula na internet traduz os sentimentos daquelas que estão recobertas

Cristina, vítima de violência, hoje traz consigo sequelas de queimaduras que também a deixaram com retração da pele que desarticula no pescoço, por conta da agressão cometida pelo ex-namorado. Para ela, a ajuda afetiva da sua família e da equipe médica foram marcos imprescindíveis para a recuperação de suas queimaduras. “Eles vieram para Goiânia, ficaram comigo. Eu tive o suporte do ‘eu tô aqui, você vai ficar bem’. Isso acaba servindo de incentivo, eu tenho que ser forte, eu tenho que superar. É um estímulo, não uma obrigação, mas ele funciona, uma terapia do amor, eu tô aqui, eu te amo e te quero bem”.

Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria”

Sobre(viver)

Milton Nascimento

Ter fé na vida. Virar a página. Seguir. Recomeçar. As histórias de Maria da Penha e Cristina destoam das demais. Hoje, sobreviventes, essas mulheres são nomeadas, pois contaram sobre seus episódios de violência, seja com a própria voz ou com a presença física de seus corpos. Elas conseguiram ressignificar suas histórias e agora lutam por essas e outras Marias, que tiveram os seus nomes silenciados nesta matéria porque ainda pontuam ou reescrevem suas vidas conforme suas angústias, medos, desejos e possibilidades. “As dificuldades na recuperação, as sequelas físicas, emocionais, sociais, porque você passa a ser uma pessoa portadora de cicatrizes. Tudo isso dá muita dificuldade em romper essas barreiras, e se olhar no espelho e se aceitar, não são coisas muito simples, mas são coisas possíveis”, afirma Cristina.

Sociedade

Maria sofreu agressões, mas não foi a única

de impotência, traumas e falta de apoio das relações afetivas. Mas a pesquisadora da UFG, Érika Borges, em seu estudo sobre mulheres pós-situações de agressões, afirma que esse tipo de violência é estrutural e deve-se à forma como as relações sociais e culturais, instituições, leis e normas são organizadas. “Apesar da possibilidade de romper com os agressores nos primeiros indícios, muitas não o fazem devido à complexidade do problema e ao modo como foram socializadas/educadas para verem o mundo sexista, que prega ódio e sujeição das mulheres como algo natural”, afirma.


Pesquisa

12 viabilidade no uso desse alimento”, detalha Cristielle Souto, que participou dos experimentos realizados na Regional Jataí.

Quem dera ser um peixe sustentável Crescimento contínuo da piscicultura no Brasil alerta para a necessidade de manejo adequado da criação, aumentando produtividade e evitando contaminações Angélica Queiroz, com informações da TV UFG e Camila Godoy

Nesse cenário, é cada vez mais importante pensar num manejo adequado da criação de modo a ampliar a produtividade e evitar contaminações da água e do solo. Atentos a essa realidade, pesquisadores dos setores de piscicultura da Regional Goiânia e da Regional Jataí da Universidade Federal de Goiás têm buscado alternativas para fazer da criação de peixes uma atividade sustentável e que respeite o meio ambiente. Entre os cuidados essenciais está a necessidade de evitar que a água escoada dos viveiros e tanques prejudique o meio ambiente. “A densidade e a quantidade de peixes precisam ser adequadas para a área que você tem. O excesso gera impacto na qualidade da água e afluentes”, explica a professora da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, Fernanda de Paula. A água do cultivo também pode ser contaminada devido ao uso inadequado de produtos químicos para combater as doenças que acometem os peixes, uma prática comum especialmente em criações amadoras. A médica veterinária e mestra em Zootecnia, Cristielle Souto, atenta para o fato de que muitos produtos

Rico em celulose, mas com baixo conteúdo proteico, até então esse material era destinado apenas para a alimentação de ruminantes ou para a compostagem. No entanto, os pesquisadores encontraram uma forma de aumentar o valor nutricional do resíduo ao adicionar micro-organismos com capacidade de converter carboidratos em proteínas com alto valor biológico, semelhantes às da carne e do ovo. Em seguida, a equipe de estudiosos incorporou o material fermentado a diferentes rações testadas como alimento para os peixes. Os animais foram monitorados e os

Redução da excreção de fósforo Outro projeto também focado na sustentabilidade das produções, desenvolvido na UFG, Regional Jataí, de autoria do professor Igo Guimarães e coordenação da professora Janaína Araújo, foi o desenvolvimento de pacote tecnológico nutricional para a redução da excreção de fósforo na produção de tambaqui no Sudoeste Goiano. “Em virtude da escassez de informações das exigências em fósforo para espécies nativas de peixes, nota-se a necessidade da obtenção de dados nutricionais para maximizar o desempenho zootécnico destas espécies e minimizar a excreção de fósforo nos efluentes e, consequentemente, reduzir o impacto gerado por sistemas intensivos de produção”, afirma o professor Igo.

Fotos: Carlos Siqueira

C

ondições climáticas favoráveis, diversidade de espécies de peixes, grande produção de grãos para fabricação de rações e muita disponibilidade de água. Com características cruciais para o desenvolvimento da piscicultura, a produção e o consumo de pescado no Brasil vêm crescendo a cada ano. E as projeções indicam mais crescimento. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimam que o país deve registrar aumento de 104% na pesca e aquicultura até 2025.

químicos são aplicados indiscriminadamente para tratar os animais, como o formol que, apesar de proibido, é utilizado em grande escala, ou o verde malaquita, que é cancerígeno. O uso dos fitoterápicos em substituição aos quimioterápicos é uma alternativa possível. “Os peixes estão na água e é muito difícil tratá-los individualmente. Se jogarmos produtos químicos na água, temos de tratar efluentes. Então, estamos cada vez mais utilizando produtos naturais, como o alho e o açafrão, que já têm eficácia comprovada para melhorar o sistema imunológico dos animais, além dos efeitos antibióticos”, afirma Cristielle Souto. Além disso, a pesquisadora lembra que a água dos tanques e viveiros pode ser reaproveitada para irrigar hortaliças, oferecendo também nutrientes para as plantas.

Pesquisadores da Escola de Agronomia também encontraram outra maneira de substituir ingredientes utilizados nas rações, utilizando sobras da indústria cervejeira. O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja no mundo e o experimento, coordenado pelo professor da Escola de Agronomia, Francielo Vendruscolo, aproveitou, no preparo de rações para tilápias, o principal resíduo sólido do processo de produção de cervejas: o bagaço do malte.

pesquisadores verificaram que a inclusão do bagaço do malte fermentado na ração é viável e que com isso as tilápias mantêm normalizados seu crescimento e estrutura. “Isso pode ser feito não só com bagaço de malte, mas também com outros resíduos de frutas como o tomate, por exemplo”, observa Francielo Vendruscolo.

Alternativas para rações

Outro aspecto importante é a qualidade do alimento que está sendo fornecido para o peixe. “Muitas rações vendidas a um preço mais barato apresentam ingredientes com baixa digestibilidade, o que faz com que boa parte do que o peixe consome não seja absorvido pelo organismo dele, que libera essas substâncias pelas fezes. Em grande escala, esse processo aumenta a carga orgânica da água e pode causar uma alteração ambiental”, detalha a professora. Na UFG alguns estudos já encontraram alternativas interessantes para incrementar a qualidade das rações e também diminuir custos.

Uma dessas iniciativas foi o desenvolvimento, em parceria com a Universidade Federal de Alagoas, de uma ração utilizando resíduo das unidades de beneficiamento do camarão para produzir farinha, substituindo o farelo de soja. “O crescimento e bem-estar fisiológico dos peixes foram avaliados, provando a

Você sabia?

do monges na China, quan em ig or ve te ra a engorda em A piscicultu carpas e faziam de os in ev al época do ano; capturavam ado a qualquer sc pe o r te ra cativeiro pa , Tilápia do Nilo Brasil hoje é a no da ia cr s ai m A espécie ana; de origem afric é o Tambauzida no Brasil od pr s ai m e ci A segunda espé l; América do Su qui, nativo da , sardinha país são: tilápia no as id um ns ais co As espécies m ; , e salmão ixes de cultivo am acometer pe um ; st or co id s ta um si Muitos para à saúde do cons não causa mal ia or ai m a as m ixe cru, vericonsumo de pe no o ad id cu s ai É preciso ter m imento. a origem do al e pr m se do fican

Programa TV UFG


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Pesquisadores registraram 271 espécies, uma delas detectada pela primeira vez em Goiás Carolina Melo

E

ntre as flores do pequi e as árvores de buritis, um observador atento pode presenciar o vai e vem de aves de todos os tamanhos, cantos e cores. Um projeto de pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG) direcionou a atenção a esse universo e mapeou 271 espécies de aves do Cerrado com o intuito de avaliar o grau de conservação de 17 fragmentos florestais espalhados pelas regiões Sul, Central, Leste e Noroeste de Goiás. Uma das espécies foi registrada pela primeira vez no território goiano.

Presente no Tocantins e na região Amazônica, o araçari-miudinho-debico-riscado (Pteroglossus inscriputus) teve o seu primeiro registro documentado em Goiás, mais especificamente em um dos fragmentos situados em São Miguel do Araguaia, no Noroeste Goiano. Da mesma forma, a pesquisa foi responsável pelo segundo registro documentado no estado do tauató-pintado (Accipite po-

Dentre as aves mapeadas, 115 são espécies dependentes florestais, ou seja, alimentam-se e se reproduzem principalmente em florestas. O estudo identificou ainda 13 aves com sensibilidade alta aos distúrbios ambientais, entre elas o tauató-pintado e o capitão-castanho. “São aves sensíveis às alterações ambientais, podendo desaparecer de fragmentos pequenos ou isolados”, afirma Shayana de Jesus.

Na avaliação do professor de Ciências da Natureza da Educação Intercultural da UFG e coordenador do projeto de pesquisa, Arthur Bispo, o resultado chama a atenção para o fato de Goiás ainda ser pouco estudado nessa área. “O estado possui alguns estudos de catalogação de aves, realizado principalmente pela Fundação Museu de Ornitologia, porém esse é um dos primeiros trabalhos que avaliou os efeitos do processo de fragmentação sobre a diversidade de aves”, afirma.

Conservação

O projeto também buscou fazer a análise da heterogeneidade dos fragmentos florestais e do seu entorno, assim como da permeabilidade da paisagem, ou seja, a facilidade de fluxo das espécies entre os diferentes blocos florestais, para entender o impacto sobre a diversidade das aves. Dessa forma, a estrutura dos ambientes florestais e tipos de Cerrado, as pastagens e agricultura ao redor dos fragmentos e a permeabilidade para o fluxo biológico foram avaliados. “Em relação ao fluxo biológico, esperamos que uma ave florestal prefira se mover em um ambiente que é mais similar ao fragmento, como uma plantação de eucalipto, por exemplo, ao invés de uma plantação de soja, que é muito diferente. Nesse caso, a plantação de eucalipto seria mais permeável para essa espécie”, explica Paulo Vitor dos Santos, pesquisador do projeto.

Fotos: divulgação

“Tentamos fazer um termômetro, ou seja, identificar quais espécies estão ali e, com isso, perceber se o ambiente está impactado ou não”, explica Shayana de Jesus, uma das pesquisadoras do projeto. Na região Sul do estado, 17 espécies encontradas são vinculadas à Mata Atlântica. Em fragmentos mais próximos ao noroeste de Goiás, foram registradas 14 espécies da Floresta Amazônica. Essa é a região que abriga os maiores blocos florestais e se destacou por hospedar espécies ameaçadas de extinção, como a arara-azul, o jacu-de-barriga- castanha e o mutumde-penacho. “Foram registros escassos, mas muito importantes para o Estado, pois têm muito a ver com o grau de conservação dos fragmentos”, constata a pesquisadora.

liogaster). A ave, quase ameaçada de extinção em âmbito mundial, foi encontrada no centro goiano, na Floresta Nacional de Silvânia. Seu primeiro registro em Goiás ocorreu em 1953. “São espécies que não esperávamos encontrar”, afirma Shayana. Ao todo, oito espécies pouco documentadas foram mapeadas pelo estudo.

do bioma Cerrado. Um exemplo são os grupos de aves carnívoras, como o gavião-carrapateiro, o quiriquiri e falcão-relógio. “Esse foi um dado que nos surpreendeu. Não imaginávamos que a diversidade fosse tão importante para esse tipo de espécie”, diz.

Pesquisa

Pesquisa da UFG mapeia aves do Cerrado

Os pesquisadores chegaram à conclusão de que tanto a heterogeneidade quanto a permeabilidade influenciam diferentemente na presença de espécies de aves. “As aves que utilizam o solo para se alimentar ou se movimentar são as mais afetadas. Elas precisam de paisagens conectadas, permeáveis. Também exibem maior riqueza em fragmentos heterogêneos, com variação ambiental”, afirma Paulo. Da mesma forma, segundo o pesquisador, as espécies que não dependem dos ambientes florestais têm vantagens em ambientes mais heterogêneos, ou seja, com diferentes tipos de vegetação natural


UFG desenvolve nova técnica que agiliza investigação forense Pesquisadores desenvolveram sensor portátil para identificar o tempo de morte de cadáveres Luciana Gomides

Maior desafio do setor, de acordo com os estudos, é aumentar a participação do capital nacional no agronegócio feito no país

A

agropecuária brasileira tem apresentado produtividade crescente, safras recordes e contribuições estruturais para a balança comercial do país. Por isso, existe grande esforço nacional para a superação de desafios enfrentados pelo setor que vão dos impactos da operação Carne Fraca à redução do Custo Brasil. No entanto, o setor enfrenta um desafio estrutural que tem sido negligenciado. Trata-se da pequena participação do capital brasileiro no agronegócio feito no Brasil. A base tecnológica da agricultura e a gestão do negócio feito no país pertencem essencialmente a

Segundo Wendell Coltro, o grupo criou até mesmo uma escala, similar a um gradiente de cores, que facilita o

trabalho dos peritos. “Esses recursos, além de rápidos, simples e de baixo custo, permitem que o dispositivo possa ser utilizado sem necessidade de treinamento técnico”, explica. O professor explica ainda que, atualmente, o grupo está trabalhando em alguns ajustes que permitirão uma resposta precisa para intervalos de postmortem inferior a 24 horas. Eles também estão concluindo o depósito de uma patente e estabelecendo uma parceria com o Instituto Médico Legal da Polícia Civil de Goiás.

obra (14,3%) e nos recursos naturais (estes não contabilizados financeiramente). Apenas 12,4% da participação das empresas brasileiras estão nos setores mais intensivos em tecnologia e capital, como produção de sementes (2,4%), fertilizantes (4,8%), defensivos (0,6%), máquinas (0,3%) e agroindústria (4,4%). Esses resultados levantam a dúvida se existiria no Brasil algo que pudesse ser chamado de agronegócio brasileiro.

redução do Custo Brasil. Essa visão é apresentada nos estudos da UFG intitulados: “Curbing enthusiasm for Brazilian agribusiness” (Revendo o entusiasmo pelo agronegócio brasileiro, em tradução livre), publicado este mês na revista Applied Geography; e “Participação do capital brasileiro na cadeia produtiva da soja: lições para o futuro do agronegócio nacional”, publicado na Revista de Economia e Agronegócio.

O estudo foi desenvolvido no Instituto de Química da UFG, pelo doutorando Paulo de Tarso Garcia, sob a orientação do professor Wendell Coltro, em parceria com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de

Há pouco de brasileiro no agronegócio feito no Brasil

Luiz Felipe Fernandes

Bioanalítica e a Universidade Estadual de Campinas. Para medir o nível de ferro encontrado na substância gelatinosa, os pesquisadores desenvolveram processos bioquímicos em função de uma coloração alaranjada, de forma que quanto mais intensa a cor apresentada no sensor, maior é o tempo decorrido do falecimento.

Divulgação

D

escobrir o tempo de morte de um cadáver pode ser a chave para solucionar diversos crimes, mas nem sempre o diagnóstico é fácil, podendo exigir do perito criminal o uso de equipamentos dispendiosos e de difícil transporte. Estudos da Universidade Federal de Goiás (UFG) podem deixar esse trabalho mais fácil. Pesquisadores desenvolveram sensores descartáveis para estimar o intervalo decorrido entre a morte do indivíduo e o exame cadavérico. O diagnóstico é feito a partir de uma substância encontrada no olho humano e já pode ser realizado na cena do crime.

O dispositivo miniaturizado, portátil, fabricado em folha de papel, é capaz de dosar os níveis de ferro em amostras de uma substância gelatinosa encontrada entre o cristalino e a retina dos olhos dos cadáveres. Como o intervalo post-mortem (IPM) é diretamente proporcional à concentração de ferro, ao medir a concentração dessa substância no olho, o dispositivo fornece resposta imediata do tempo decorrido do óbito.

Como ser protagonista?

Carlos Siqueira

Pesquisa

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O avanço da produção agropecuária no país oferece espaços que podem ser melhor ocupados por empresas nacionais. Oportunidades foram identificadas ao longo de toda a cadeia produtiva da soja, por exemplo. O futuro do agronegócio brasileiro passa pela construção de uma estratégia de integração vertical do capital nacional ao longo da cadeia produtiva, indo além da visão atual que tem ficado restrita à expansão horizontal para novas fronteiras agrícolas pela

empresas multinacionais e rendem dividendos essencialmente a elas.

Considerando a importância do agronegócio para o país, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) estudam a participação do capital nacional no agronegócio feito no Brasil. O principal objetivo é identificar as oportunidades e os desafios para a ampliação da participação de grupos nacionais. A primeira parte do estudo se concentrou na cadeia produtiva da soja. Os resultados do estudo revelam que 40% do negócio da soja no Brasil são, de fato, brasileiros e concentrados na terra (13,3%), na mão de

Outro caminho é dar mais atenção para a agricultura brasileira de fato. Talvez o melhor exemplo de setor relegado ao segundo plano e com potencial subaproveitado seja a agricultura familiar. Dos 4,3 milhões de agricultores familiares brasileiros, apenas 13% têm acesso ao crédito Pronaf para investir na produção, conforme aponta estudo da UFG intitulado “Development conditions for family farming: lessons from Brazil” (Condições de desenvolvimento para a agricultura familiar: lições do Brasil, em tradução livre), publicado na revista World Development.

Cursos de Capacitação DDRH/UFG - 2017 Conheça o cronograma e participe das ações de capacitação da UFG

Informações e inscrições:

www.ddrh.ufg.br DDRH DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO E RECURSOS HUMANOS


15 EU FAÇO A UFG

Opinião

ARTIGO

Eufrásia Songa, mestra em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG

“D

Carlos Siqueira

uas coisas me motivaram a pesquisar as ressignificações das tranças e outros penteados em Angola. Primeiro, a tentativa de trazer para o espaço acadêmico uma reflexão construída ao longo da minha própria trajetória, como mulher, negra, angolanaafricana, que perpassa os continentes africano e sul-americano, ao lado de pessoas de diversas categorias raciais. Segundo, a necessidade de problematizar o corpo feminino negro, por meio desse elemento/objeto de identidade e estética – o cabelo –, dando positividade às características corporais e sociais da mulher negra angolana na região estudada (e não só). Abordei a dimensão da positividade para fugir da dimensão do sofrimento que, em diversos contextos, no âmbito das relações sociais, contextualiza o que pode configurar racismo e preconceito por não contrapor noções pejorativas dessa estética.

* Alexandre Herbetta; Júlio Kamer Apinajé

O que a universidade tem a ver com o “fim do mundo”?

I

ndígenas e não indígenas têm refletido sobre as implicações resultantes de grandes projetos desenvolvimentistas, típicos das políticas brasileiras, como o Matopiba, que busca intensificar a produção capitalista agropecuária em vasta região brasileira. Discutem igualmente a responsabilidade da instituição universitária sobre a crise planetária. Intelectuais indígenas têm denunciado a destruição paulatina de seus territórios e a ignorância geral presente no senso comum e nas políticas brasileiras acerca da riqueza potencial da “floresta em pé”. Eles lembram da constante desvalorização de seus modos de compreender e produzir seus mundos e de suas relações estabelecidas com o território. Cada população estabelece uma série de relações entre si, com outras populações, com o meio ambiente e com distintas espécies, constituindo seus universos particulares.

Em oposição, destruir parte do território para gerar capital para poucos implica destruir não só o território, mas todo esse conhecimento espiritualizado e milenar, que é aprendido da e com a natureza, e desarranjar uma série de relações estabelecidas ancestralmente. É o que acontece quando categorias, conceitos e perspectivas eurocêntricas tornam-se categorias universais. Sem território, não há a possibilida-

Para o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, alguns povos indígenas são, inclusive, “especialistas em fim do mundo”. Isto, pois há vários fins de mundo em curso. Apesar de avanços interessantes, a universidade, dentre outros lugares e instituições, reifica e naturaliza essas situações, noções e perspectivas, como se pode notar nas matrizes curriculares e projetos pedagógicos dos cursos que apenas reproduzem noções de uma matriz de conhecimentos eurocentrada, deixando de problematizar a situação de crise existente no país e ignorando outras concepções de mundo.

Existem pouquíssimos estudos contemporâneos e de autores locais sobre cabelo, tranças e outros penteados no país (Angola), ou, ao menos, não foram identificados no período da realização do trabalho de campo desta pesquisa. Portanto, além da necessidade de se aprofundar no estudo, fazem-se imprescindíveis publicações sobre ele.”

Pode-se notar o mesmo em mecanismos de exclusão ainda presentes na burocracia universitária, como processos de seleção e políticas de acesso e permanência que ignoram os modos particulares de conceber o mundo de outros contingentes populacionais e reproduzem dinâmicas excludentes. Pode-se notar na estrutura universitária que muitas vezes ainda não permite o exercício político pleno de discentes indígenas, como, por exemplo, em eleições e conselhos universitários. Percebe-se também a ausência de docentes indígenas, quilombolas e o pequeno número de docentes negros.

Arquivo Pessoal

Para os Apinajé, que sofrerão as consequências do Matopiba, o território não é espaço apenas de intensificação da produção. Ao contrário, ele está conectado intrinsecamente com outros domínios da vida, como a organização social, os ritos, o acesso aos recursos naturais, à saúde e à própria existência indígena. A pesquisa de Júlio Kamêr Apinajé, por exemplo, tem como centro essa ideia. Segundo ele, para proteger o território das queimadas é preciso cantar as músicas tradicionais. Algumas músicas têm relação especial com lugares do território, os quais possuem recursos específicos, como o babaçu, que são constituintes de artesanatos, terapêuticos, da organização social, possuem história e música. Assim, cantar determinadas canções garante a sustentabilidade da população e do mundo.

de de existência Apinajé. É o fim de um mundo particular.

O trançado entrecruza histórias individuais e coletivas, a maioria delas passadas, de forma tradicional, de geração em geração, tanto no contexto angolano, especificamente na área de estudo, como em outros contextos – africanos ou não. Quando falo de trançar cabelos, não estou só falando de trança. Estou falando de cuidado, ainda que, como é o caso do estudo realizado, este passe pela via comercial. Falar de tranças é falar de cabeça, de corpo; corpos que estão ou pertencem a um lugar. É, portanto, apresentar uma prática cultural de determinados lugares e pessoas e as narrativas em torno destas.

Conclamamos a comunidade universitária a romper com estruturas e dinâmicas universitárias arcaicas, problematizar categorias colonizadoras, e a construir novos modos de se produzir conhecimento e de se formar pessoas no país, de modo a colaborar com a possibilidade de existência de diversos mundos. A universidade tem muito trabalho pela frente. * Júlio Apinajé é professor na Escola Indígena Tekator e é mestrando em Antropologia Social pela UFG. Alexandre Herbetta é professor do Núcleo Takinahaky e do Mestrado em Antropologia Social da UFG O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.

Quer falar sobre sua pesquisa ou projeto de extensão? Escreva um texto em primeira pessoa e envie para jornalufg@gmail.com


Cristina Dourado

São muitas as Campinas Bairro mais antigo de Goiânia recebeu olhares diversos na última edição da Deriva do Bem, projeto de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo

Patrícia da Veiga

Arraial, vila, cidade, bairro, 207 anos de história, inúmeras trajetórias: se reparar bem, Campininha das Flores são muitas. Há marcas nas paredes, nas pessoas, na rua que mudou de nome, no cinema convertido em consultório odontológico, no estádio de futebol que conseguiu resistir. As recordações rendem “causos” que se pode ouvir por tempo indeterminado. O cheiro do café torrado exala pelo quarteirão, muita gente vem atrás querendo provar o grão. Na porta de uma barbearia, um senhor recita versos que criou. Na loja de livros usados, a “dona” também escreve poesias. Em frente ao ginásio de esportes, a juventude anda de skate, moradores de rua tentam dormir, formigas traçam sua própria trilha pelos canteiros do jardim. Os galhos das árvores cantam ao som do vento. Há uma Campinas em que os anúncios do comércio reverberam por entre manequins, eletrodomésticos, sacolas e perfumaria. Outra que foi feita para as noivas. E mais uma que substituiu o baixo meretrício pelas lojas de móveis usados. Há ainda aquela das casas antigas, cujos portais estão carcomidos por cupins e que vagarosamente vão sendo convertidas em conjuntos de quitinetes. Nas praças, o tempo é suspenso. Nas avenidas, tudo é movimento. Entre o vaivém dos corpos, o encontro acontece e as ruas se tornam portais para novas descobertas.

Diferentemente das outras edições, uma proposta incrementou a Deriva do Bem: Ana Flávia Maru, arquiteta formada pela UFG, propôs aos caminhantes o jogo da “Cartagrafia”. Ela distribuiu três cartas a cada sujeito ou grupo interessado em se guiar por verbos, frases e palavras soltas. Por meio dessas pistas, seria possível encontrar outras e, assim, promover o registro do vivido. “Como eu gravo? O que fica grafado? Qual a minha grafia?”, provocava uma das cartas. “Desvio – Desvie”, imperava outra. Sem saber se este seria um direcionamento ou apenas uma brincadeira, o flaneur da Campininha encontrou respostas por meio de seu próprio movimento.

Patrícia da Veiga

Criado em 2008, o projeto já caminhou pelo Centro de Goiânia, pelo Setor Sul, pelo Setor Oeste e também pela Cidade de Goiás. Neste ano, a

proposta de flanar por Campinas reuniu cerca de 40 pessoas interessadas na experiência. No Blog do Bráulio, os registros e as reações foram das mais diversas. “Campinas é caos. Caminhar pelo bairro é se deparar com as discrepâncias que só mesmo o ambiente urbano pode nos propiciar. Observar a intensidade das ruas repletas de pessoas apressadas, sons e cheiros e inúmeras informações sensitivas. Ao mesmo tempo em que a vida pulsa, há locais em que se repousa”, escreveu André Almeida. “Foi muito rico perceber a vibração que as pessoas promovem ao lugar. É como ser um turista onde sempre morou!”, avaliou Ravenna C., que destacou a importância de ir para o lugar sem propósitos, apenas “para estar”.

Lá do Alto

Se em um só lugar é possível existir tantos tempos e tantas cidades, cabe ao caminhante perceber. E para que isso ocorra, é preciso se perder, se desviar dos caminhos propostos pela rotina. Esse é o exercício proposto pelo projeto de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo Deriva do Bem. A cada edição, um grupo se lança a esmo pelo espaço urbano e se dedica a produzir imagens e narrativas que, talvez, passariam despercebidas se não fosse a abertura e o acaso. “É uma oportunidade de ver e viver a cidade sob outros ângulos”, comentou o professor Bráulio Vinicius Ferreira, da Faculdade de Artes Visuais (FAV), na abertura da Deriva 2017/1, realizada no dia 26 de maio.

Leonardo Fleury

Hugo Braga

Lá do Alto

Pesquisa

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Para saber mais consulte site da Expo Deriva


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