14/UBC : CAPA
Por Leonardo Lichote, do Rio
FILHO DE MUITOS PAIS (E MAES); PATRIMONIO DE TODOS NOS • O SAMBA CELEBRA UM SÉCULO DA CONSAGRAÇÃO DE SUA PRIMEIRA GRAVAÇÃO, “PELO TELEFONE”, CRIAÇÃO TIDA COMO COLETIVA E REGISTRADA POR DONGA • TRANSFORMADO EM SÍMBOLO DA NOSSA IDENTIDADE, REINVENTA-SE PARA SEGUIR REPRESENTANDO UM PAÍS QUE IGUALMENTE MUDA SEM PARAR
A certidão de nascimento do samba data de 27 de novembro de 1916. O batismo, porém, foi só em fevereiro de 1917, quando sua primeira gravação, “Pelo Telefone”, registrada meses antes na Biblioteca Nacional por Donga e Mauro Almeida, consagrou-se no carnaval. Se o samba inaugural tem duas datas fundacionais, sua criação é ainda mais plural: foi coletiva, como tantas outras surgidas nos encontros de Tia Ciata, baiana moradora da Cidade Nova que ocupa o lugar mítico de “mãe do samba”. Igualmente compartilhado é o sucesso das primeiras gravações, primeiro por Bahiano, depois pela Banda da Casa Édison. Esse nascimento “coral”, feito de tantas contribuições diferentes, diz muito sobre o caráter agregador, múltiplo, do gênero, antecipando o lugar que ele ocuparia no imaginário coletivo nacional tantas décadas depois. A letra desse marco, como se sabe, satiriza com malandragem a vida do Rio de então (“O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se jogar”). Mais do que um tema constante, a então capital federal, a despeito da discussão sobre se o samba nasceu aqui ou lá na Bahia (ou mesmo se foi trazido da África), teve papel fundamental na gestação da cultura sambista. É o que explica o historiador Luiz Antonio Simas, autor, com Nei Lopes, do “Dicionário da História Social do Samba”. “Você tem no Rio um raro momento de encontro, que se explica pela própria geografia da cidade, na qual, a rigor, é difícil se falar de periferia no início do século. O trânsito entre áreas abastadas e menos abastadas é muito frequente.