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LUIZ CARLOS GOZZINI DAS NEVES A2 B1 C1 D1 E1 F1 G2

É como uma ducha gelada que nos faz acordar para a realidade. Rádios são ligados e a concorrência é grande, pois de um lado ficam os discípulos de Teixeirinha e do outro os fãs da discoteque. No fim das contas, a guerra é vencida por quem tem o rádio maior. A correria é grande em busca das melhores torneiras e o tempo é curto. (NR: o banheiro era comum, com grandes pias e várias torneiras, chuveiros e mictórios; apenas os WC eram individuais e fechados. Havia caldeiras a lenha, mas a água saía tão quente que o melhor era tomar banho frio). Comentários, resmungos e reclamações são inevitáveis: – Quem pegou meu chinelo? / – Quem deu nó nos meus coturnos? / – Vai sobrar porta!!! / – Bah! Não fiz o trabalho! / Tô lascado! / – Se eu estivesse em casa, a essa hora ainda ‘tava’ dormindo!

Em seguida, entramos em forma para o café e os atrasados chegam atrasados. Pior para eles, pois chegar atrasado é marcar audiência com o Comandante da Cia. O café é digerido vertiginosamente, pois já está na hora da formatura matinal. Na base do entra em forma e sai de forma, o dia vai passando.

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A seguir, vamos para a aula dormir, ler revistas em quadrinhos e, às vezes, estudar. No intervalo grande, vamos todos comer a ração Bonzo (NR: apesar de o aluno ‘traduzir’ por ‘bolo inglês’, acredita-se que sejam os bifes de soja servidos pelo Exército nessa época) que alguns têm coragem de chamar de merenda. Voltamos, então, para a aula e, ao aproximar-se do meio-dia, a barriga ronca mais que caminhão em subida. Ficamos a imaginar qual será o almoço: – Bem que poderia ser estrogonofe! / – Um bife na chapa não seria nada mal!

Mas as esperanças caem por terra ao darmo-nos de cara com o tradicional feijão com arroz a la união faz a força. Às vezes, também, é servido o bife Uri Gueller (entorta garfos), e assim conseguimos enganar o estômago.

Não há muito tempo, mas o intervalo entre o almoço e as aulas da tarde é usado para tirar uma tora que faz com que o alojamento seja invadido por um festival de roncos.

Às duas horas, após a formatura, vamos encarar as aulas da tarde às 17h35min. Nos dias em que não há aula à tarde, a moleza é maior, pois aproveitamos para jogar um cimentão (pelada). (NR: antes do calçamento do pátio, em 1970, as peladas do internato ou durante o intervalo aconteciam no areião, deixando todos imundos). A regra do jogo é entra quem quer e sai quem pode, e ‘pra’ baixo do pescoço é canela. Seguidamente, um ou outro abandona o campo mutilado, mas não é nada, pois quem entra na chuva é para se molhar.

Após o jogo, novamente, a correria se faz presente, só que, desta vez, para tomar banho e não chegar atrasado ao jantar. A comida é a que sobrou do meio-dia, só que com algumas transformações: a batata vira purê e a carne vira almôndega (granada).

A seguir o bar do Beto, (NR: ficava na esquina da Av. Venâncio Aires com a R. Vieira de Castro), é invadido por baleiros famintos e sedentos que não conseguiram enganar o estômago no rancho, e por outros que querem apenas filar um gole de coca ou dar uma mordida num bauru. Mas não são todos que vão até o Beto: alguns dão uma chegadinha até a 4ª Companhia (Instituto de Educação), outros vão ao correio mandar um SOS (carta pedindo dinheiro) para casa e ainda há quem dê um passeio apenas para se ver livre por alguns momentos.

A noite chega e com ela a revista do recolher. Os CDFs vão estudar e os vagais vão se enganar ou bagunçar para não deixar os CDFs estudar.

Finalmente, às 22h, toca o silêncio e o barulho começa, pois sempre tem alguém disposto a bagunçar e largar piadinhas. É nessas horas que as senhoras genitoras são muito lembradas.

Aos poucos, a algazarra vai cessando e os inocentes começam a pegar no sono. É o merecido repouso do guerreiro, digo, do baleiro”.

Nos anos 80, o interesse pelo regime de internato foi diminuindo, fazendo cair, paulatinamente, o número de internos, até que, em 1989, só havia a 1ª e a 2ª Cia. com alunos desse regime. Com o ingresso das meninas e a consequente necessidade de elas terem vestiário e banheiros próprios, foi lhes destinado para tanto o alojamento da 3ª Companhia (antigamente destinado aos alunos da 4ª Série Ginasial e do 1º Ano Científico), localizado no piso superior da ala Vieira de Castro. Os outros dois alojamentos eram da 1ª Cia. (da 1ª a 3ª Série Ginasial, no piso superior norte da ala José Bonifácio) e 2ª Cia. (2º e 3º Ano Científico, no piso superior sobre o Salão Brasil). Este fato fez com que, logo depois, todo o efetivo do internato fosse ocupar o alojamento da 2ª Cia. O da 1ª Cia. se tornou, então, o vestiário masculino para os alunos externos (o regime de semi-internato foi extinto em torno do final dos anos 60).

No final dos anos 90, o regime de internato foi mais abrandado ainda. O seu alojamento tomou o nome de “Residencial”, dispondo de um Subtenente R1 (Antônio Kunzler) e de um Cabo (Eraldo Carvalho Leite), ambos “antigões”, que acompanharam os internos por muitos anos. Além disso, passou a haver um acompanhamento mais próximo das psicólogas e psicopedagogas da SOE junto a eles.

Em 2006, com a construção de mais 13 salas de aula para o CMPA poder voltar ao turno único, o “Residencial” foi deslocado para o final do vestiário dos alunos, onde ficou bem instalado em algumas salas recém-construídas, dispondo de cozinha e banheiro próprios. Nesse período, até sua extinção, ficou sob a responsabilidade geral do Maj. Eduardo Peixoto de Araujo, auxiliado pela Psico. Maria Leônia Vargas Herzer e pela psicopedagoga 1ª Tem. Cláudia Elusa Nunes Wesendonk, que com eles já trabalhavam.

Já em período anterior, a DEPA tomara a decisão de extinguir o regime de internato. Os motivos eram vários, entre os quais a carência de verbas, a necessidade de destacar profissionais para o trato direto e constante com esses alunos e as exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os comandantes do CMPA, sensíveis aos pleitos de comandantes de OM do interior, foram retardando o quanto puderam o cumprimento da determinação, sob os mais variados argumentos, até que, em 2009, a ordem da DEPA veio taxativa e teve de ser cumprida.

Na noite de 08 de dezembro desse ano, sob a condução do autor (também ex-interno) foi realizada uma cerimônia no Salão Brasil para marcar o fim do internato, contando com os últimos oito internos e ex-alunos de diversas épocas que, também, o tinham sido. Organizados em uma roda de cadeiras, todos contaram vivências do respectivo tempo. O fato foi, ainda, marcado pelo descerramento de uma placa alusiva nas arcadas (que, depois, “sumiu” misteriosamente) e por um jantar festivo, obtendo grande repercussão nos jornais Zero Hora e Correio do Povo do dia seguinte, merecendo, também, uma reportagem da TVE. Os últimos internos foram: Diefer Moisés Mrozinski, Guilherme Matheus Rauber, Wesley Lappe Teló, Felipe Trindade Chaves, Pedro Yago Carvalho dos Santos Rodrigues, Leonardo Gonçalves Monteiro de Sá, Mosiah Heydrich Machado e Arthur Vinícius Dias Nóbrega.

AA Araujo

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