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JOSÉ MARIA RODRIGUES DE VILHENA A2 B2 C2 D2 E2

– Agora é contigo “Negrão”, bota em forma e aguarda.

Os caminhões partiram e nós, ali no pátio, em forma, à vontade, esperando, sem saber o quê. Uma hora de expectativa, então, dois “bibicos” pretos surgiram do prédio da administração, passos firmes em nossa direção, um alto, de óculos escuros e o outro mais baixo, pararam a uns cinco metros à nossa frente e uns cinco metros entre si, em posição de sentido. O mais baixo, em voz alta e estridente, gritou: – Apresenta o turno o “Sheriff”.

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Em resposta ao comando recebido, enchi os pulmões, estufei o peito e ordenei: – CFR seeentido! Cobrir! Firme! Ooombro armas! Cruzaaar armas!

Meia volta, três passos de marcha, perfilado à frente, aquele baixinho com cara de “poucos amigos” e ar de “Deus do universo”, apresentei armas e com voz cautelosa, mas firme: – Aluno 285 Zimmermann, comandante aluno desta companhia, apresentando a tropa equipada e pronta.

Veio a resposta, imediata, em sotaque cario-

ca:

– COMPANHIA, USCCHH C...!! TURNO EBC 72/10 SENDO APRESENTADO, SENHOR!! APRESENTA DE NOVO, IMBECIL!!!

Assim foi feito. Após uma vigorosa preleção, de uns 50 minutos, dada pelos dois “bibicos” pretos, enquanto outros militares se dispunham ao redor de nossa formação, um oficial, superior a estes, se dispôs entre os dois e o nanico estridente, comandou “sentido” e apresentou o efetivo, em voz inaudível, e, na sequência, do recém-chegado ouvimos: – SENHORES, BEM-VINDOS AO ESTÁGIO BÁSICO DE COMBATE 72/10 DO CENTRO DE INSTRUÇÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS - CIOPES, DO 19º BATALHÃO DE INFANTARIA MOTORIZADO. AQUI SÓ LHES SERÁ PERMITIDO PROFERIR AS PALAVRAS: “SIM SENHOR”; “NÃO SENHOR”; “PELO AMOR DE DEUS QUERO IR EMBORA”. – INSTRUTORES CONDUZAM ESTES VERMES AO LOCAL DETERMINADO, NÃO SEM ANTES, É CLARO, LHES DAR BOAS-VINDAS!

Assim, após comemorarmos a nossa chegada com uma enxurrada de apoios, pulos de galo e polichinelos, aos gritos de “vermes inúteis” e outros adjetivos similares, fomos conduzidos ao ginásio de esportes, onde, sem qualquer explicação, fomos devidamente fechados, com total ausência de luz. Enquanto se iniciava um pequeno burburinho entre nós, os comandantes de grupos foram reunidos e determinei que se espalhassem, com seus comandados, pelo ginásio e procurassem dormir, além de distribuir as sentinelas.

Iniciou uma noite sem fim, a cada 15s, os mais ansiosos faziam perguntas sobre o que viria, sugeriam rotas de fuga, viam vultos no lado de fora, muito poucos tentavam dormir.

As horas passavam e aquele escuro silêncio parecia não ter fim.

E eu, o O1, tentava dormir, caminhava e falava com um e com outro, cujo semblante demostrava que cada minuto era uma eternidade. Trocavam os sentinelas, bebia-se água do cantil e, entre um cigarro e outro, sempre aparecia um chocolate partido, dividido em pedaços, por algum anônimo. E assim fomos indo sem perceber que aquilo já era parte da instrução, principalmente para nós que, em síntese, praticamente só sabíamos marchar.

Umas oito horas se passarem, antes mesmo de raiar o dia, ao estampido seco de uma granada, bombas de fumaça, rajadas de metralhadora, abriram-se as portas corrediças do ginásio, com uma dezena de instrutores, aos berros, com adjetivos impublicáveis e ordens difusas, tocavam um horror momentâneo, numa surpresa insana que ninguém percebeu nem previu. Meio atordoados e surpresos ouvi aquele sotaque carioca

do nanico estridente, em voz tão doce e singela sussurrar no meu ouvido: — Óh, Sheriff! Bota em forma esta porra no pátio!

Ordem dada, ordem cumprida e, devidamente apresentado, o incauto, em tom educador: – Aprendeu, meu amor!

Fomos brindados com mais um coquetel de “paga 10”, “paga 20” e, embarcados, os 147, em dois caminhões com lonas fechadas, seguimos pelas estradas mais esburacadas do mundo até o que chamavam “sala de aula”.

Desembarcarmos e, após uma longa caminhada, chegamos a uma clareira, em meio à mata, com um tapiri de toras e telhado bem verde, na frente de uma sequência de toras deitadas colocadas, sucessivamente, como uma escada onde, sentados sobre elas, assistimos várias instruções como: ofidismo, trabalho com cordas, orientação diurna e noturna, defesa pessoal, preparo de galinha, coelho e outros alimentos de sobrevivência, serviço de rancho servido no “bibico”, sem talheres, combate com faca, construção de tapiri e, entre uma patrulha e outra, diversas pistas de reação, inclusive com munição real.

Com essa rotina, foram passando os dias: suga, instrução, instrução e suga, até a fuga de “Pirócobas” (país fictício onde fomos aprisionados) para voltar ao Brasil, comer um saboroso sanduíche com suco e, finalmente, no domingo voltar ao Colégio exauridos, mas muito maiores, mais maduros, mais homens, trazendo na lembrança tantos momentos vividos naqueles campos onde deixamos os meninos.

Durante aqueles dias, vivemos vários momentos inesquecíveis, alguns saíram da casinha, outros alopraram, mesmo que momentaneamente, mas o companheirismo, espírito de solidariedade de um por todos e todos por um nunca esteve tão vivo e presente fazendo uma verdadeira redenção entre todos. O buraco do inferno, o mosquetão quebrado, quantos carregados no final por ferimentos leves ou absoluta exaustão física.

“Por ser o bichinho do verme do cocô do cavalo do bandido fui até destituído do comando, reassumindo logo a seguir”. Vencemos mão a mão, ombro a ombro, juntos, 147 chegaram, 147 voltaram. Surpreendente vitória, não fomos melhores nem piores, apenas fomos, cada um em seu limite físico, mental. Meninos soldados, de corpo e alma, sustentados por um espírito que nem sabiam ter, muito menos preparados, mas apenas, instintivamente, venceram a tudo aquilo com garbo, pelo CM, pelo Brasil!

Este é o meu testemunho daquela notável experiência.

AA Zimmerman

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